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Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ A ÉTICA RELACIONAL DO PALHAÇO E HOSPITAL: UMA PERSPECTIVA EXISTENCIALISTA PARA SE TRABALHAR COM O MÉDICO DA GRAÇA Analigia Bolotti Molina* Mário Seto Takeguma Junior Sylvia Mara Pires de Freitas Introdução “Não importa o caminho. Se é o do teatro, do circo, da rua ou um outro qualquer. O trabalho e o aprendizado de um palhaço não acabam nunca” (Thebas, 2005, p.73). O presente trabalha visa apresentar, sob o enfoque existencialista sartriano, um ponto de vista ético e moral acerca da importância, para os próprios integrantes do projeto, das visitas dos palhaços de hospital do projeto Médicos da Graça. A reflexão aqui realizada é oriunda de análise compreensiva de relatos colhidos dos integrantes deste projeto. Estas ocorreram em três momentos: um anterior a visita, outro durante a visitação e, por fim, em momento posterior a visita. Os nomes tanto dos integrantes quanto das crianças, funcionários e acompanhantes foram alterados para a não identificação dos mesmos. Esta atividade tem grande importância para a humanização dos próprios integrantes do projeto, pois antes de desempenharem seu trabalho entram em contato com seus medos e expectativas, haja vista que durante a visita precisam lidar com o improviso da performance de palhaço e depois de realizarem a atividade podem, além de terem orgulho do seu trabalho, criticar sua atuação visando a melhora. O projeto de extensão citado acima tem caráter interdisciplinar de cursos da Universidade de Maringá, Paraná. Desde sua criação, em 2005, conta com a colaboração de discentes e docentes das diversas áreas do conhecimento, além de pessoas da comunidade Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ externa, tendo como objetivo a visita aos ambientes de internação pediátrica levando o riso e a brincadeira para dentro do hospital. Para tanto, é oferecido um curso preparatório de palhaço de hospital aos inscritos no projeto, mas posteriormente, somente os considerados aptos a fazerem as visitas é que são selecionados. Desde 2005 passaram pela oficina 195 (cento e noventa e cinco) alunos, destes 108 (cento e oito) fora selecionados para atuar no hospital, atualmente (2012) o projeto conta com 24 (vinte e quatro) integrantes, que realizaram quatro visitas durante a semana em dois hospitais da região. Para o nosso estudo foram recolhidos relatos feitos pelos integrantes do projeto trazendo distintas maneiras de tratamentos, diante da personagem palhaço e como esse palhaço se sente frente cada uma dessas situações. Os relatos produzidos ao longo das visitas realizadas correspondem a um grande número de crianças, familiares e acompanhantes em geral que participaram das intervenções realizadas dentro do âmbito hospitalar, pois assim como assegura o Estatuto da Criança e do Adolescente (1988), nenhuma criança permanece sem um acompanhante durante sua permanência no hospital. Foram analisados três momentos relacionados as vistas de hospital, um antes, outro durante, e for fim, o depois. Acreditamos que esses momentos revelam a Ética e a Moral do palhaço de hospital de acordo com o que apregoa o existencialismo sartriano. Para Sartre (1997) o homem é artífice dele mesmo, ou seja, somos a nossa própria criação enquanto existimos. E falar de Moral e da Ética sartriana é fundamentar-se no binômio liberdade-responsabilidade. Pois nossa liberdade de escolher está situada em um determinado campo de ação, trazendo com ela também a responsabilidade sobre o que escolhemos. Neste sentido o homem é projeto, ele é devir, ele é incompleto enquanto vive, por conta da sua liberdade de criar-se, ele é fadado a engendrar em sua existência e ser responsável de dar a ela um sentido. Ele também é responsável pelas suas escolhas e ações, não tendo desculpas que o livre de sua liberdade, ou seja, ela é responsável pela sua atuação no mundo. Assim, o homem entra em contato com sua temporalidade, seu plano futuro, seu não-ser, o que o leva a vivenciar o ser da liberdade, ou seja, a angústia do vir a ser. Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ Para se tonar um palhaço é preciso saber o que é um palhaço, contudo é muito difícil definir o que é um palhaço, por exemplo, para Thebas (2005) “a gente pode até dizer que ele é uma pessoa que faz os outros darem risada, e vai estar certo, certíssimo. O problema é que não é só isso que ele faz” (p.11). Destarte, resolvemos buscar em Masseti (2005) a definição do que é ser palhaço, pois acreditamos que esta psicóloga nos clarifica um pouco sobre esta profissão inserida na realidade hospitalar, tendo em vista que ela coordena o Centro de Estudos dos Doutores da Alegria, um grupo pioneiro nas visitas de palhaços de hospital do Brasil. Masseti (2005) aponta no seguinte sentido: O oficio do palhaço fala do esforço do homem de se entregar à única condição possível de existência: a da relação humana. Ele nos re-conecta com essa potencialidade e com a essência da medicina, esse fascinante universo pelo qual anda nosso imaginário sobre vida e morte, por onde circulam afetos e desejos impressos nos corpos. Espaço em que os sentidos do olhar, ouvir e tocar fazem circular esses acontecimentos (p. 456). Assim, ao apresentar o nosso projeto como palhaços de hospital, queremos evidenciar a importância da sua atuação para o próprio palhaço. Mostrando que este obtém uma experiência rica em ensinamentos sobre o ser humano, sua liberdade e responsabilidade, binômios da ética sartriana. Objetivos Tivemos como meta analisar compreensivamente, sob o enfoque existencialista, os relatos das visitas da Dra. Fanta Uva (nome fictício), visando elucidar o sentido dado pela mesma às suas atividades dentro do projeto. Metodologia Utilizamos o método progressivo-regressivo, a fim de compreender como se dá a ética relacional em seus relatos. Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ A análise dos relatos foi dividida em três frentes temáticas-temporais do trabalho do palhaço: o antes da visita, o durante e o depois. Resultados e discussão O antes: angustias anteriores a visita A primeira visita no hospital é algo sempre muito esperado a todo aspirante a Médico da graça, e vivenciado geralmente com medo, tal como relata Dra. Fanta Uva: Depois que nos apresentamos na portaria [...] andávamos por aqueles corredores claros, uma ansiedade sem tamanho ia me dominando para querer saber o que nos esperava quando todos os corredores chegassem ao fim, e eu precisava me comportar como Palhaça de Hospital, a médica besteirológica com resposta pra tudo que estava ali para alegrar as crianças, que eu devia encarnar,mas estava difícil [...]. A ansiedade e a apreensão não somente se fazem presentes antes de entrarem no hospital, mas também quando neles se encontram, momentos que antecedem o encontro com seu público. A ambiguidade da consciência, ou seja, o ser o que não é e não ser o que é (Sartre, 1997), é que nos coloca frente ao mundo em estado de contradição. Somos liberdade e facticidade, não somos o mundo e nem o outro, mas nos construímos a partir deles e também o construímos, o sentido do passado se dá pela iluminação realizada pelo futuro, enfim, nossa realidade humana é permeada por ambiguidades e contradições. Por isso que Dra. Fanta Uva, ao lançar-se ao futuro vislumbra o que idealiza, mas ao retornar a si, defronta-se com sua solidão, com sua liberdade e responsabilidade para concretizar o seu ideal de ação. Assim, seu futuro ideal contrasta com seu presente, com seu dever ser. Para Sartre (1997), o homem só entra em contato com sua liberdade quando encontra um obstáculo, uma adversidade e nesta situação ele tem que lidar com seus questionamentos acerca de si e da vida, sua angústia. O autor aponta que “a angústia é o modo de ser da liberdade como Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ consciência de ser; é na angústia que a liberdade está em seu ser colocando-se a si mesma em questão” (p. 72-73). Não se deve esquecer que mesmo assumindo o personagem de palhaço, aquele cuja missão é conhecida por provocar o riso, a responsabilidade de agir no momento em que se adentra o ambiente pediátrico é toda do integrante. Neste sentido, pontuamos que os adereços que constituem a personagem de palhaço não são, por si, o que concretizará as ações desta. É a própria pessoa quem dará existência ao palhaço e, mesmo aquele que já tem experiência, sabe que seu objetivo para ser alcançado não depende somente de si próprio. Todos esses medos que rondam o momento anterior à entrada no hospital, existem por conta da temporalidade, ou seja, se deve ao fato de ninguém saber ao certo qual é a história que irá se construir depois que adentrarem cada porta de hospital. E assim é a vida, ao nos projetarmos no futuro, inserimos nele também a possibilidade dos acontecimentos não serem da maneira que desejamos. Em contato com o não-ser, o vazio é desvelado. A escolha dos próximos passos, bem como as respectivas consequências são de responsabilidade do palhaço-doutor. Em silêncio eu fiz uma oração. Quando olhei para o meu lado direito, vi que o Dr. Espiga de milho também aparentava certa ansiedade... ele baixou a cabeça e fez o sinal da cruz. Ufa! Isso me fez ver que eu não era a única que estava apelando para crenças naquele momento, e isso foi engraçado: um desespero e uma fé a serem compartilhados. Olhei para ele e nisso ele estendeu a mão e um olhar de que daria tudo certo, essa identificação, essa troca de energia foram fundamentais para continuarmos nossa caminhada, só que mais confiantes a partir de então, ao menos eu (Dra. Fanta Uva). Como as visitas são realizadas sempre em duplas, a vivência do nós é favorecida, e como sugeriu-nos ser confortante e humano, perceber a identificação da mesma vivência com o Dr. Espiga de Milho pela Dra. Fanta Uva. Se por um lado estamos sós e sem justificativas em nossas escolhas, a identificação de uma vivência ou de uma ação com o outro, nos provoca também uma vivência compartilhada, mesmo sem perdermos nossas individualidade. O outro Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ sentindo o mesmo que eu, me tira da solidão. Observamos aqui, o que Sartre (2002) coloca como reciprocidade positiva, esta sensação de nós é capaz de nos ajudar a diminuir o desespero da solidão frente nosso futuro. Deste momento, podemos tirar o aprendizado do quanto viver em comunidade nos propicia maior segurança frente a nosso futuro. O durante: as intervenções Com o decorrer das visitas, o palhaço vai tomando certa liberdade para diferentes atuações: para realizar suas brincadeiras, conversar com os acompanhantes, propor situações para a criança, entre outros. Nota-se que a diferenciação entre o personagem palhaço e a pessoa por de trás do nariz é muito importante, porque uma vez que ela existe, o palhaço pode cumprir sua função sem deixar levar-se pelos seus pensamentos, focando sempre na sua ação “palhaçoesca”. E os olhinhos dela se encheram de felicidade quando nos contou que iria sair do hospital no outro dia e que sentiria saudade da gente! – Ai que linda, nessa hora, se eu pudesse, eu a abraçaria forte e daria um beijo de estalinho. Imediatamente eu e a minha parceira começamos a passar a receita médica de coisas para fazer quando sair, como dar quatro cambalhotas, tomar sorvete de pizza, entre outros remédios besteirológicos. E ao decorrer da elaboração dessa tal receita, a cada item que colocávamos e líamos em voz alta, a menina gargalhava. Sem mais delongas, é isso que importa: gargalhada! (Dra. Fanta Uva). Após as conversas e brincadeiras que acabam dando certo, que foram demonstrados nos diversos relatos que lemos, é possível identificar uma alegria por parte do palhaço quando consegue alcançar o objetivo de sua tarefa. Contudo, se por um lado Sartre nos coloca que nosso inferno são os outros, este inferno é o que menos os palhaços desejam encontrar. Pelo contrário, duplamente trabalham para negá-lo: eles inserem uma negatividade no hospital, ao buscarem levar a possibilidade da alegria à pessoas que vivenciam geralmente momentos opostos no Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ internamento, bem como para se sentirem palhaços dependem do sorriso do outro, ou melhor dizendo, do olhar do outro direcionado literalmente ao palhaço. Quando chegamos à porta do quarto, o menino estava no banheiro, então ficamos lá na porta chamando por seu nome freneticamente sem parar e quando a porta do banheiro se movimentou, ficamos curiosos para ver quem apareceria, e saiu por trás dela um pequeno menino loiro que nos olhava fixamente com uma curiosidade no rosto, que se medida, ultrapassaria o tamanho de sua altura! (Dra. Fanta Uva) Estando a liberdade sempre situada no mundo, o palhaço deve desenvolver o seu reconhecimento pela alteridade. É através do olhar o outro, para Sartre (1997), que podemos reconhecer o nosso Eu. Somos para o outro antes de sermos para nós, ou seja, só sou algo quando me sinto visto pelo outro, e o palhaço parece estar numa situação de maior exposição, pois está diante de olhares de crianças, que tendem a ser mais autênticas. Destarte, é este mesmo olhar menos contaminado que também permite reconhecer o presente que o palhaço leva em momentos não muitos confortáveis, ou seja, o olhar da criança também presenteia o palhaço através do reconhecimento da sua intenção, ao se alegrar com ele. Este reconhecimento intersubjetivo eleva a relação homogênea. Somos consciência e corpoindissociáveis. Nosso corpo situa nosso centro de percepção., de onde apreendemos o mundo. E mesmo que no mundo do palhaço, a criança seja o foco, é a partir desta que seu espaço é organizado. Tudo que está em torno da criança em seu quarto é percebido tendo ela como centro organizador. Porém, nem sempre o palhaço amplia seu campo de percepção. Tão focado na criança, seu entorno pode ficar fora deste campo. E foi o que aconteceu com a Dra. Fanta Uva, ao não incorporar em seu campo vital o mundo da criança, somente o seu desejo de que a criança sorrisse. Tentei mais um daqueles giros que quase sempre funcionam, só que dessa vez melou completamente! Bem atrás de mim, havia uma mesinha, e nessa mesinha havia um copo de Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ suco de laranja que num piscar de olhos estava escorrendo pelo chão. Que susto! Pensei que eu estava frita com essa ocorrência, mas muito pelo contrário, ela veio muito a calhar, pois diante da minha quase cena de ataque desesperado, todos os que estavam no quarto riam descontroladamente. Fiquei até assustada (pois não preciso nem dizer que o desconcerto foi total!) [...] Até aquele momento tinha sido tão difícil arrancar sorrisos do menino, e agora ele estava rindo mas rindo muito mesmo! (Dra. Fanta Uva). Mesmo que o incidente tenha ajudado a palhaça atingir o seu objetivo, seu mal-estar ainda perdurou. A vergonha do olhar do outro não foi transcendida, haja vista que os sorrisos não foram causados por uma ação intencional, mas sim por um episódio não escolhido pela Dra. Fanta Uva e com isso, provavelmente, não pode assumir como de sua responsabilidade as gargalhadas que ecoaram naquele quarto. Mesmo o imprevisto fazendo-os rir, a relação da Dra. Fanta Uva para com as gargalhadas é de exterioridade, não havendo uma identificação para com estes, pois como falamos, não foram provocadas a partir de seu projeto. Contudo, este foco do olhar do outro desviado ao suco derrubado, pode também ser aproveitado como uma situação que lhe alivie a vivência da vergonha. Interessante observar neste caso a comprovação da ambiguidade da consciência. Dra. Fanta Uva não tomou como um reconhecimento de sua ação as gargalhadas, pelo foco dos demais direcionarem-se ao copo de suco derramado, mas se reconhecer a negatividade da situação, poderá também desvelar que os olhares dos demais não se direcionaram ao erro que cometeu, mas sim as consequências. Com isso reconhece-se que, se para as demais pessoas o ridículo significa possibilidade de olhares recriminatórios, para o palhaço, o ridículo é a sua própria essência. A palavra ridículo, de origem latina, vem de ridiculus, que significa ser risível (Thebas, 2005, p. 20), por isso, o envergonhar-se no palhaço, deve ser refletido, pois desvela um projeto que pode se contrapor ao seu intento. Mas bem sabemos que a vergonha será espontânea, pois quem se envergonha não é o palhaço, mas sim o ator. Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ O depois : o reconhecimento do ser palhaço Depois de feitas as visitas, os participantes do projeto normalmente se apresentam mais felizes e realizados. A sensação de totalização pelo cumprimento de uma tarefa é confortante. Como que podíamos animar um pouquinho aquela menina que passou por traumas tão terríveis? Parece até irônico, mas foi ótimo conhecê-la e ver o sorriso dela surgindo cada vez mais diante dos movimentos que fazíamos. Depois de quase trinta minutos no corredor com ela, fomos nos despedindo lentamente e seguimos para a nossa rota de saída mais felizes e satisfeitos do que nunca! (Dra. Fanta Uva). Ser reconhecido pelo outro faz com que integrante acredite que o que está fazendo é significativo. Outras consciências ratificam a nossa verdade, nosso projeto, o que nos leva a obter mais segurança, fortalecendo a identidade como um Médico da Graça. Porém, nem todas as visitas funcionam como os integrantes esperam, muitas experiências relatadas mostraram que a frustração também faz parte desta atividade e que o palhaço precisa, como qualquer outra pessoa, buscar desenvolver a consciência reflexiva crítica, tratando consigo a partir de uma relação de exterioridade, colocando seu Eu no mundo, a fim de apreender seu projeto de ser. A situação era uma interrogação. Eu sinceramente não conseguia interpretar o que estava acontecendo ali, se era dor, se era sono, se tudo aquilo na frente dela era uma bobice sem fim, ou se realmente ela não estava a fim mesmo. E a partir disso eu comecei a questionar a minha competência como uma palhaça de hospital. Todas as tentativas foram quase frustradas (Dra. Fanta Uva). A ausência do reconhecimento da criança, fez com que a Dra. Fanta Uva entrasse em contato com seu próprio vazio. Sartre (1997) aponta que a consciência é intencionalidade, sendo Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ assim, ela é sempre consciência de algo. O algo para o qual intencionava a consciência da doutora palhaça era o sorriso da criança, mas esta preencheu-se de sua própria essência, ou seja, do seu próprio nada. Pela má-fé, contaminamos nossa fé ao não querer assumir o que entramos em contato, que, neste caso, foi sua própria negatividade, e para driblar a angústia que sentimos frente ao nosso vazio, escolher negar a nossa negatividade, focando na ausência do outro e não na nossa. A ausência do outro, neste caso seria a ausência do sorriso da criança. Esta atitude delega ao outro a responsabilidade pela nossa frustração, fazendo que nos distanciemos da ética relacional, haja vista que, se sou livre para desejar que o outro corresponda ao meu projeto, o outro também é para não querer corresponde-lo. Assim, tanto quanto em um processo terapêutico, o trabalho com os Médicos da graça requer a provocação da consciência crítica dos mesmos. Discussão e conclusão Da angústia da primeira visita ao reconhecimento ou não da atividade ao final da mesma, notamos que os ensinamentos teóricos e dramáticos tem seu mérito sim, porém a adaptação do integrante a atividade só se faz no momento em que este reconhece sua atividade de palhaço de hospital partindo de suas experiências concretas como palhaço. Percebemos na análise que o reconhecimento da atividade do palhaço de hospital se dá a partir do momento em que este reconhece o olhar do outro e através deste o seu ridículo. Neste sentido, seja pelo seu olhar, seu sorriso, pela conversa, todos os envolvidos contribuem para a construção da identidade do palhaço. Notamos que a atividade do palhaço não somente envolve a criança, mas todos que compõem seu espaço vital e os cuidadores e acompanhantes da criança a tem em seus próprios espaços vitais. Com isso, se alguém que configura qualquer um destes espaços interdependentes sentirem-se invadidos pelo palhaço, pode se colocar como um obstáculo para com o seu projeto. Através desta análise,podemos considerar dois pontos como relevantes para a promoção da ética relacional no trabalho dos Médicos da Graça, e que sugerimos serem trabalhados com os Anais V CIPSI - Congresso Internacional de Psicologia Psicologia: de onde viemos, para onde vamos? Universidade Estadual de Maringá ISSN 1679-558X ___________________________________________________________________________ mesmos durante a execução do projeto: (1) é mister que o palhaço amplie seu campo de percepção, transcendendo seu foco na criança para seu espaço vital e, (2) a necessidade de desenvolver a consciência reflexiva crítica. Diante tais reflexões ressaltamos também a importância de um psicólogo na equipe, a fim de melhor auxiliar neste projeto humanizador. Referências Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (1998). Brasília. Recuperado em 14 junho 2012, de http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Constituicao/Constitui %C3%A7ao.htm Ferreira, A.B.de H. (1986). Novo dicionário da língua portuguesa. (2a ed.), Rio de Janei- ro, Nova Fronteira. Masseti, M. (2005). Doutores da ética da alegria. Interface, 9(17), 453-458. Sartre, J-P. (1997). O ser e o nada. Ensaios de ontologia fenomenológica. (2a ed.), Petrópolis, RJ: Vozes. (Obra original publicada em 1943). Sartre, J-P. (2002). Crítica da razão dialética. Rio de Janeiro: DP&A. (Obra original publicada em 1960). Thebas, C. (2005). O livro do palhaço. São Paulo: Companhia das Letrinhas.
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