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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA PATOLOGIA CLÍNICA VETERINÁRIA TRANSFUSÃO SANGUÍNEA Disciplina: Patologia Clínica Veterinária (GMV 024) Professor: Antonio Vicente Mundim Uberlândia - MG. 1 TRANSFUSÃO SANGUÍNEA 1- INTRODUÇÃO Embora a administração de sangue nos animais com finalidades terapêuticas date de 1890, a hemoterapia é uma prática relativamente nova na Medicina Veterinária. No passado fatores econômicos e as diferenças entre as espécies, foram os maiores obstáculos no uso das transfusões nos protocolos terapêuticos. A administração de sangue ou seus derivados pode salvar a vida de um paciente em estado crítico, visto que o choque causado por uma hemorragia maciça, a hipóxia tecidual, podem ter conseqüências catastróficas para o animal. Mesmo sendo a transfusão sanguínea uma conduta usada para salvar vidas, em algumas circunstâncias ela pode tornar-se muito mais perigosa do que a situação que se tenta recuperar. Devido a isto, não deve ser excluída dos protocolos terapêuticos, deve ser usada quando necessária, devendo a operação ser executada com grande cuidado e conhecimento técnico. Uma transfusão eficaz e segura requer um conhecimento preciso da condição a ser tratada, das necessidades transfusionais específicas, dos prejuízos e benefícios decorrentes desta terapia. Nas hemorragias mais severas, os sintomas de choque só aparecerão, quando ocorrer uma grande redução do volume sanguíneo normal. Nos primeiros estágios da hemorragia, o baço contrai e lança na circulação uma grande quantidade de células, além disto, 10 a 15% do volume sanguíneo podem ser restituído dentro de 5 minutos após a hemorragia, pelos movimentos dos líquidos teciduais. Quando a perda se processa de maneira lenta, os sintomas graves podem aparecer mais tardiamente, ou nem aparecem, devido aos mecanismos compensatórios e de adaptação. A hemoterapia pode ser realizada com a administração de sangue total, com o intuito de repor uma perda de sangue integral, ou com um de seus componentes, de acordo com as necessidades. Mas na Medicina Veterinária por conveniência e praticidade, a maioria das transfusões é processada com sangue total. Entretanto, a separação do sangue em seus componentes celulares e plasma, permite repor de maneira mais eficiente às necessidades do paciente, evitando riscos de sobrecarga, de reações transfusionais e reduzindo o número de doadores. 2 O clínico deve levar em consideração os seguintes fatores, antes de optar pela execução de uma transfusão sanguínea: 1. O grau de anemia, cães e gatos podem sobreviver vários dias em um estado de profunda anemia. 2. A resposta da medula óssea, ou seja, se a anemia é regenerativa ou arregenerativa. 3. As condições físicas gerais do animal. A pior das condições é a que mais carece de uma transfusão sanguínea. 4. A disponibilidade de um sangue adequado, principalmente para felinos, onde as reações transfusionais são mais frequentes. 5. A disponibilidade de equipamentos adequados para a colheita e administração do sangue. 6. As limitações financeiras, o proprietário deve ser informado do custo da transfusão. 2- GRUPOS SANGUÍNEOS E REAÇÕES CRUZADAS Os tipos sanguíneos são marcas genéticas encontradas na superfície dos eritrócitos, as quais são antigênicas e específicas para cada espécie. Os grupos sanguíneos são definidos pelos glicolipídeos e glicoproteínas da superfície da membrana das hemácias. Oito grupos sanguíneos foram identificados no cão (Tabela 2), sendo padronizados internacionalmente, recebendo a denominação coletiva de CEA (Antígenos eritrocíticos caninos), embora estudos mais recentes tenham revelado um aumento de 5 grupos sanguíneos no cão. Nos grandes animais, principalmente nos bovinos e equinos, tem pouco valor na orientação de uma transfusão sanguínea, devido ao seu grande polimorfismo (Tabela 3), sendo utilizado como marcas genéticas (hemotipos), na identificação dos animais, controle de filiação e origem nos programas de melhoramento genético. Tabela 1 - Grupos sanguíneos dos felinos Grupo Incidência% Significância na transfusão A 73 a 99,7 Possui poucos anticorpos naturais anti-B B 0,3 a 26 Possui sólida ocorrência de anticorpos anti-A AB 0 a 9,7 Pode ser transfundido em gatos AB Não apresenta anticorpos anti-A e anti-B Fonte: (Giger e Bucheler, 1991; Novais, 1995) 3 Tabela 2 - Grupos sanguíneos do cão Grupo CEA Classificação antiga Incidência* % Significância na transfusão 1.1 A1 42 Reação hemolítica aguda 1.2 A2 20 Reação hemolítica aguda 3 B 6 Reação retardada, remoção de células, sem hemólise 4 C 98 Nenhuma 5 D 23 Reação retardada, remoção de células, sem hemólise 6 F 98-99 Desconhecida 7 Tr 45 Reação retardada, remoção de células, sem hemólise 8 He 40 Desconhecida Fonte: Hale, (1995). * na população canina. Tabela 3 - Grupos sanguíneos nos animais de médio e grande porte Espécie animal Grupos sanguíneos Equínos A, C, D, K, P, Q, U. Bovinos A, B, C, F, J * L, M, R’, S, T, Z. Ovinos A, B, C, D, M, R, X *. Caprinos A, B, C, M, J * * antígenos solúveis Fonte: Smith,( 1994). A frequência dos grupos sanguíneos nos felinos apresenta uma pequena variação de acordo com a raça (Tabela 6). Não existe doador universal entre os gatos. Uma vez que os anticorpos naturais podem existir na maioria dos felinos, é aconselhável o teste de reação cruzada antes de todas as transfusões sanguíneas nesta espécie. Os anticorpos naturais são potentes hemolisinas e hemoaglutininas, que são responsáveis por sérias reações transfusionais e isoeritrólise neonatal. Em virtude da dificuldade em se fazer a tipificação do sangue, antes das transfusões, a melhor alternativa é o teste de compatibilidade sanguínea, através das reações cruzadas entre o sangue do doador e do receptor. Por vários anos, cães e gatos têm sido transfundidos apenas com as reações cruzadas, as reações transfusionais têm sido raras. 4 Dois tipos de reações cruzadas são utilizados a maior e a menor. A reação cruzada maior usa o plasma do receptor e as hemácias do doador, determinando a existência de anticorpos no plasma do receptor contra os antígenos eritrocitários do doador. A reação cruzada menor utiliza o plasma do doador e as hemácias do receptor, detectando a presença de anticorpos no plasma do doador contra os antígenos eritrocitários do receptor. Os testes devem ser feitos com sangue fresco, as reações cruzadas, não excluem a possibilidade de sensibilização do receptor em futuras transfusões. A maioria das transfusões sanguíneas na Medicina Veterinária é executada com sangue de animais não tipificados e sem execução dos testes de compatibilidade sanguínea. 3- CRITÉRIOS PARA SELEÇÃO DE DOADORES O ideal seria selecionar um adequado par de doador-receptor, pela tipificação sanguínea, ou pelas provas cruzadas de compatibilidade sanguínea, embora a tipificação seja difícil pela falta de reativos e laboratórios especializados. Na Medicina Veterinária, existe um princípio, geralmente aceito, de que a primeira transfusão, possa ser feita de forma segura, sem levar em conta o tipo sanguíneo. Já as transfusões subsequentes, requerem pelo menos provas cruzadas de compatibilidade. Com as fêmeas, equínos, e com os felinos, é melhor efetuar as provas cruzadas ainda que na primeira transfusão. O doador de sangue canino deve ser magro, ter idade entre 2 a 5 anos,peso superior a 25 kg, estar em boas condições de saúde, devidamente imunizado contra as principais doenças, possuir hematócrito ≥ a 40%, teor de hemoglobina ≥ a 13 g/dL. Os cães dos grupos CEA 1, CEA 7 negativos e CEA 4, são considerados como doadores universais. Além disso, devem ser sorologicamente negativos para Brucella sp., Ehrlichia sp., Babesia sp., Mycoplasma haemocanis, Trypanasoma cruzi, estar livres de carrapatos e pulgas, não ter recebido transfusões prévias, ou ter passado por gestação. O doador felino deve ser adulto, pesar em torno de 5 kg, possuir hematócrito a 35% e hemoglobina a 11 g/dL, sorologicamente negativo para Toxoplasma gondii, Mycoplasma haemofelis, vírus da peritonite felina, leucemia felina (FeLV) e panleucopenia felina (PLFe). Como existe maior perigo de ocorrência das reações transfusionais entre os felinos é aconselhável a realização da tipificação sanguínea ou das reações cruzadas de compatibilidade sanguínea, antes de qualquer transfusão. 5 Em geral, os princípios básicos na seleção de um doador de sangue são: 1) O doador deve ser um animal adulto jovem, sadio e sorologicamente negativo às principais doenças infecciosas (virais, bacterianas e parasitárias); 2) Evitar transfundir sangue de bovino J positivo, ovinos R positivo e equino A, C e Q positivos, com o objetivo de evitar choques ou destruição prematura dos eritrócitos pela presença de isoanticorpos naturais; 3) Usar um doador aleatoriamente para a primeira transfusão; 4) Sempre que possível, usar como doadores parentes do receptor como a mãe, filha, irmão para uma maior concordância dos tipos sanguíneos; 5) Evitar uma segunda transfusão com o sangue do mesmo doador, sempre que possível, uma vez que uma segunda transfusão realizada 4 dias ou mais dias após a primeira, aumenta, os riscos de reações; 6) Jamais transfundir uma fêmea gestante (principalmente equinos) a menos que seja absolutamente necessário; 7) Nunca transfundir uma fêmea com o sangue de um macho que por ventura possa ser cruzada futuramente (equinos); 8) Nunca remover mais que 20 a 25% do volume de sangue do doador. 4- COLHEITA E ESTOCAGEM DE SANGUE O sangue para transfusão deve ser colhido assepticamente por gravidade em bolsas plásticas, contendo um anticoagulante. Os locais de colheita em cães e gatos incluem as veias cefálicas, jugulares, artérias carótidas, femorais e ventrículos cardíacos. O sangue e o anticoagulante devem ser suavemente misturados durante a colheita, para evitar a formação de coágulos. Pode-se retirar 13 a 17 mL de sangue por kg de peso corporal de um cão a cada 3 a 4 semanas, ou uma unidade regular (450 mL), para um cão com peso igual ou superior a 25 kg. Já um gato pode doar 5 mL de sangue/kg de peso corporal, ou 50 mL (uma unidade felina) para um gato de peso igual ou superior a 5 kg, a cada 3 a 4 semanas. Doadores de sangue regularmente usados devem receber uma dieta com níveis adequados de vitaminas, minerais e proteínas. Sendo frequentemente suplementados com sulfato ferroso, vitamina B-12, ácido fólico e piridoxina. As seringas plásticas podem ser utilizadas para colheita de sangue em felinos e cães muito pequenos. 6 Entre os principais anticoagulantes usados para colheita e preservação de sangue total, temos: Ácido cítrico, citrato de sódio e dextrose (ACD), 1 mL/6 mL de sangue total, preserva o sangue durante 21 dias; Citrato de sódio, fosfato, dextrose e adenina (CPDA 1), 1 mL/6 mL de sangue total, durante 35 dias, pois a adenina fornece substrato para os eritrócitos sintetizarem ATP durante a estocagem, aumentando a sua viabilidade; Citrato de sódio, fosfato e dextrose (CPD), 1mL/6 mL de sangue total, preservação durante 21 dias; Glicose monohidratada, cloreto de sódio adenina e D-manitol (SAG-M), 1 mL/ 7 mL de sangue, preserva as células vermelhas por 42 dias. Citrato de sódio 3,8% pode ser usado para colheita de sangue para transfusão imediata (1 mL/10 mL de sangue). Mais detalhes sobre os anticoagulantes disponíveis no mercado para serem usados na colheita e estocagem do sangue podem ser observados no final do capítulo (Tabela 7). A viabilidade das hemácias é o principal determinante do tempo de estocagem do sangue nos diversos meios disponíveis. O sangue fresco total pode ser mantido à temperatura ambiente com agitações suaves, por menos de 8 horas, antes da transfusão. Papa de hemácias, pode ser estocada a 4°C por aproximadamente 30 dias. Qualquer meio de estocagem de sangue, produz hemólise mínima após 35 dias de estocagem, devido a danos na membrana da hemácia. A administração de sangue hemolisado no cão tem sido visto como tendo um efeito adverso na função renal e no sistema de coagulação. Plasma fresco congelado pode ser estocado a - 20ºC ou menos até 1 ano. Plasma rico em plaquetas e concentrado de plaquetas pode ser estocado à temperatura ambiente sob agitação suave por 48 horas. O crioprecipitado pode ser estocado a -30ºC ou menos por até 1 ano. As bolsas plásticas são as preferidas para a estocagem do sangue e seus derivados, por serem inquebráveis, por diminuírem o trauma mecânico às hemácias e por preservarem as plaquetas, uma vez que estas não aderem às suas paredes. 7 Tabela 4 - Comparação entre recipientes para a colheita de sangue Bolsa plástica Frasco de vidro Colheita demorada Colheita mais rápida Sem vácuo Com vácuo Colheita por gravidade causa menos trauma nas hemácias O vácuo causa mais traumas nas hemácias Menor ativação plaquetária Maior ativação plaquetária Menor ativação do fator XII (Hageman) Ativação do fator XII (Hageman) Inquebrável e de menor custo Quebrável e de maior custo Menor espaço de estocagem Maior espaço de estocagem Menor potencial para contaminação bacteriana Maior potencial para contaminação bacteriana Maior facilidade de separação dos componentes sanguíneos Maior dificuldade de separação dos componentes sanguíneos Fonte: Authement (1991). 5- INDICAÇÕES PARA AS TRANSFUSÕES Pode ser utilizado nas transfusões, tanto o sangue total como apenas alguns de seus componentes, de acordo com as necessidades do animal. 5.1. Sangue total Indicado nos casos de hemorragias ativas, choques hemorrágicos, anemias com trombocitopenias, depressão da hematopoiese, anemias hemolíticas graves. O sangue total fornece eritrócitos, proteínas plasmáticas e se usado dentro de 8 a 12 horas após a colheita, fornece também fatores de coagulação e plaquetas. Geralmente é indicada a transfusão, quando o hematócrito atinge valor igual ou inferior a 15% nos caninos, 12% nos equínos, e 10% nos felinos e bovinos, podendo variar com a situação clínica do paciente e com a resposta da medula óssea. 5.2. Concentrado de hemácias (CH) Preparação usada para repor massa de hemácias. As hemácias são concentradas por sedimentação gravitacional ou centrifugação, o que remove parte do plasma, ficando esta com hematócrito entre 70% a 80%. Tem como vantagem minimizar a exposição aos antígenos do plasma do doador e de aumentar o volume globular sem riscos de hipervolemia. Antes da transfusão, deve ser adicionado à bolsa 250 mL de solução fisiológica 0,9%, facilitando sua administração. O concentrado de hemácias pode ser 8 estocado 35 dias à 4ºC. Soluções aditivas como AS-1, Adsol, AS-3, Nutricel e Optisol podem ser adicionadas ao concentrado de hemácias após a remoção do plasma para aumentar sua viabilidade. 5.3 . Plasma fresco congelado (PFC) É o plasma congelado a -20ºC ou a –70ºC, dentro de seishoras após colheita, neste caso fornecerá, todos os fatores de coagulação por até um ano. Se congelado após 6 horas, ele passa a ser plasma comum congelado, perdendo assim os fatores lábeis V, VIII e von Willebrand e plaquetas, porém mantém viáveis os fatores dependentes da vitamina K (II, VII, IX e X). Este é usado para repor volume plasmático e quando se deseja repor também fatores de coagulação. A indicação mais comum é para repor fatores de coagulação em casos de CID, podendo ser também usado como fonte de albumina nas queimaduras e hipoproteinemias, na reposição de anticorpos em neonatos imunodeficientes. A administração de plasma é aconselhada quando as proteínas totais estiverem < que 3 g/dL ou quando a albumina estiver < que 1,5 g/dL, visando com isto restaurar a pressão oncótica, principalmente se edemas estiverem ocorrendo. Nestas situações pode também optar por expansores de plasma. Pode ser mantido 1 ano congelado, mantendo todos os fatores de coagulação. 5.4. Crioprecipitado (CP) É a porção insolúvel que permanece após o descongelamento parcial do plasma fresco congelado. Ele é rico nos fatores VIII e von Willebrand, fibrinectina e fibrinogênio. É indicado especialmente no tratamento das hemofilias A e doença de von Willebrand. Pode ser estocado 1 ano congelado (-20ºC). 5.5. Plasma rico em plaquetas (PRP) Indicado nos casos de trombocitopenias com ativo sangramento e nos casos de disfunção plaquetária. Quando estocados de forma ideal, o concentrado de plaquetas mantém sua eficácia hemostática até cinco dias, entretanto confia-se mais quando estocados durante menos de 24 horas. Além disto, por ser estocado à temperatura ambiente, o risco de contaminação bacteriana aumenta à medida que o tempo de estocagem aumenta. Sua única vantagem é a redução do volume necessário, o qual pode ser fator limitante em pacientes neonatos. 9 6- ADMINISTRAÇÃO DO SANGUE O sangue e seus derivados devem ser administrados através de um sistema de filtro, para reduzir a infusão de microagregados de plaquetas, leucócitos, gorduras e êmbolos. Antes de administrar sangue ou qualquer um de seus componentes armazenados sob refrigeração ou congelamento, estes devem ser aquecidos a 37°C por aproximadamente 30 minutos antes da transfusão, para evitar hipotermia. O calor excessivo deve ser evitado para não ocorrer hemólise e precipitação do fibrinogênio e outras proteínas. Após o aquecimento, o sangue não deve retornar à refrigeração devido à possibilidade de proliferação bacteriana Uma boa prática para evitar reações transfusionais imediatas, é a administração de um pequeno volume por um período de 5 minutos. A administração deve ser feita através das veias cefálica ou jugular. Nos animais recém-nascidos, pode ser feita a infusão através da cavidade medular do fêmur ou úmero, a qual permite que 95% das células penetrem na circulação em 5 minutos. Administração intraperitoneal é uma via que pode ser usada em cães e gatos jovens, quando a punção da veia é difícil ou impossível. Só que a absorção das células é de aproximadamente 50% com 24 horas e 70% com 48 a 72 horas. 7- CÁLCULO DO VOLUME A SER ADMINISTRADO O volume de sangue total, concentrado de hamácias ou plasma pode ser determinado pelo cálculo através do eritron (volume globular, teor de hemoglobina) ou do deficit de proteínas, podendo ser calculado com base em uma das seguintes equações: A) Peso do receptor x desejado de hemoglobina x volemia (Kirb, 1995) B) Volume de = peso corporal X volemia X (VG desejado - VG do receptor) sangue (mL) (kg) (VG do doador c/ anticoagulante) (Davis, 1984) Hemoglobina do doador Volume de sangue necessário (mL) = 10 Outra alternativa é a infusão de 1 a 2 mL de sangue/kg de peso, elevando o hematócrito em 1%, isto se o hematócrito do doador for de 40% ou mais. Se for utilizada papa de hemácias, deve administrar-se a metade do volume, pois o hematócrito da papa de hemácias está entre 70 a 80%. Como a função principal da transfusão é aumentar o hematócrito de forma suficiente para aliviar a condição crítica do paciente, sem impedir a eritropoiese, dependendo da causa da anemia, a reposição de 25 a 50% da deficiência já é o suficiente, desde que a hematopoiese não esteja deprimida. Além disto, quando um grande volume de hemácias é abruptamente introduzido na circulação, pode ocorrer uma supressão da eritropoese. Tabela 5- Valores médios da volemia nos animais domésticos Espécie animal % do peso corpóreo Volume de sangue /kg /peso corpóreo (mL) Bezerro recém nascido 10,5 105 Bezerro 7,5 75 Bovino adulto 6,5 65 Ovino 6,5 65 Caprino 6,5 65 Suíno 5,5 55 Canino 8,5 85 Cavalo tipo sanguíneo 10,5 105 Cavalo tipo linfático 6,5 65 Gato 6,5 65 Fonte: Garcia-Navarro e Pachaly (1994) O volume de plasma sugerido é de 6 a 10 mL/kg de peso nas hipoproteinemias, já para repor fatores de coagulação, é de 6 a 10 mL/kg de peso, 2 a 3 vezes ao dia, durante 3 a 5 dias, numa velocidade que não ultrapasse a 6 mL/minuto. O crioprecipitado deve ser administrado na dose de 12 a 20 mL/kg de peso ou 1 bolsa para cada 10 kg de peso corporal. 11 8- VELOCIDADE DE ADMINISTRAÇÃO A velocidade na qual o sangue deve ser administrado depende da situação clínica. Nas hemorragias maciças agudas, a velocidade deve ser relativamente alta, 20 mL/kg/hora em animais adultos, já em pacientes de pequeno porte ou com insuficiência cardíaca, 4 mL/kg/hora, em potros e bezerros jovens até 40 mL/kg/hora. Exceto nestes casos, aconselha-se uma velocidade inicial de 0,25 mL/kg durante 30 minutos, enquanto o paciente é cuidadosamente monitorado, para verificar a possibilidade de reações transfusionais. Após este período, a velocidade pode aumentar para 4 a 5 mL/kg/hora. O tempo máximo de infusão deve ser de 4 horas, para evitar crescimento bacteriano, no caso de contaminação. A velocidade de administração do plasma é de 20 mL/kg/hora, já nos casos de hipoproteinemias administrar 5 mL/kg/hora, para evitar prováveis sobrecargas. As soluções cristalóides podem ser administradas simultaneamente com o sangue total, papa de hemácias ou plasma, para auxiliar na correção da hipovolemia e restaurar o débito cardíaco. Somente as soluções salinas ou soluções balanceadas sem cálcio, devem ser administradas através do mesmo cateter, devido à possibilidade de coagular o sangue. Já as soluções de dextrose podem causar hemoaglutinação, hemólise ou ambos. 9- COMPLICAÇÕES TRANSFUSIONAIS As transfusões de sangue e de hemoderivados podem acarretar severos efeitos adversos, seja pela preparação, estocagem ou administração inadequada. A maioria destes efeitos é inerente a incompatibilidade entre o sangue do doador e do receptor. As reações transfusionais podem ser classificadas em imunologicamente e não imunologicamente mediadas. As reações transfusionais imunomediadas, consistem de reações hemolíticas agudas ou retardadas, reações adversas de leucócitos, de plaquetas, de proteínas e isoeritrólise neonatal. Já as reações transfusionaisnão imunomediadas, consistem de sobrecarga circulatória, coagulopatias, microembolismo pulmonar, intoxicação por citrato, hipotermia e transmissão de doenças, etc. As reações mais graves são as hemolíticas imunomediadas agudas, as quais podem iniciar dentro de segundos a minutos, podendo ocorrer até 48 horas pós- transfusão. As reações transfusionais são facilmente reconhecidas no animal consciente. Nos eqüinos o primeiro sinal frequentemente observado é o flexionamento dos membros posteriores ao andar, aumento da frequência respiratória, a cabeça mantém-se baixa, sua 12 inspiração torna-se ruidosa, podendo ficar várias vezes com a boca aberta. A respiração torna-se superficial, nas reações severas o animal tende mantê-la em inspiração, incontinência urinária e fecal nas reações severas. Nas demais espécies os sintomas frequentemente observados são: dispnéia, taquicardia, urticária, tremores, salivação, hemoglobinemia, hemoglobinúria, incontinência urinária e fecal, febre transitória, prostração, dispnéia, convulsões, CID e choque. Geralmente não são fatais, eles aparecem 5 a 15 minutos após o inicio da transfusão e regridem espontaneamente o mais tardar uma hora após cessada a transfusão. Toda hipertermia e/ou taquipnéia é sinal de hemólise e convidativo a não prosseguir com a transfusão. As reações hemolíticas retardadas são as mais comuns, ocorrendo sete a dez dias pós transfusão, à medida que anticorpos são produzidos em pacientes sensibilizados. Manifesta-se por uma inexplicável queda no hematócrito, possível icterícia, devido à lise extravascular. As reações pós transfusionais nos equinos em consequência de alo imunização anti-eritrocitária são raras, enquanto que as reações ligadas à imunização do receptor contra os antígenos leucocitários, plaquetários ou das proteínas plasmáticas do doador não tem sido se quer citadas. Nos bovinos elas têm uma débil incidência, podendo ocorrer somente quando múltiplas transfusões são efetuadas num prazo de 4 a 7 dias, são relativamente benignas, devido às particularidades dos mediadores fisiológicos da inflamação. Nos ovinos as crises hemolíticas são raras, sendo mesmo de difícil indução experimental. Uma febre imunomediada pode ocorrer devido à destruição de granulócitos do doador, seguida pela liberação de pirógenos na circulação do receptor. Coagulopatias em pacientes que receberam grande volume de sangue estocado, o qual é deficiente em plaquetas, fibrinogênio e fatores de coagulação. Hipotermia em animais jovens de pequeno porte, podendo causar arritmias cardíacas e morte súbita. Para minimizar tal possibilidade o sangue deve ser aquecido a 30ºC, antes da transfusão. Intoxicação por citrato é uma complicação menos comum, ocorrendo quando seu volume for grande, ou a administração for rápida, se o paciente tiver insuficiência hepática, reduzindo a metabolização do citrato para bicarbonato. 13 Hipocalcemia pode ocorrer devido à quelação do cálcio com o citrato, reduzindo o cálcio ionizado circulante. Isto pode ser evitado reduzindo a velocidade de infusão ou administrando gluconato de cálcio via endovenosa. Microembolia pulmonar pode ser observada nas transfusões maciças, sendo devido à formação de microagregados de plaquetas, leucócitos e fibrina no sangue estocado. Hiperamoniemia pode ocorrer com a administração de sangue estocado, esta complicação é rara, ocorrendo apenas em pacientes com insuficiência hepática grave. Acidose metabólica devida o metabolismo da glicose pelas células sanguíneas, produzindo ácido láctico e ácido pirúvico. Contaminação bacteriana pode ocorrer, visto ser o sangue excelente meio de crescimento de bactérias. Algumas bactérias são capazes de utilizar o citrato como fonte de carbono e tem habilidade de crescer em baixas temperaturas. Inúmeros agentes infecciosos podem ser transmitidos através de uma transfusão de sangue. Isoeritrólise neonatal em filhotes, filhos de mães sensibilizadas devido a transfusões incompatíveis. A hemoglobina livre circulante resultante da estocagem do sangue pode interferir na coagulação sanguínea e na função renal. Hemossiderose pode ocorrer em pacientes que receberam múltiplas transfusões, o excesso de ferro é estocado no fígado. As transfusões de sangue de tipos diferentes, mesmo quando não ocorrem reações hemolíticas transfusionais, ocorrerá uma redução na vida média das hemácias. Deve ser lembrado que as transfusões são capazes de deprimir a hematopoiese, além de que quando repetidas podem produzir hipoplasia da medula óssea. Em casos de acidentes transfusionais, suspender a transfusão, manter o acesso ao vaso e lutar contra o choque administrado: * Epinefrina 1/1000 4 a 5 mL/ 450 kg de peso. * Solução de manitol a 10% 1 a 2 mL/kg pv lentamente. * Dexametasona 4 a 6 mg/kg EV. * Dexametasona 0,5 a 1,0 mg/kg pv IM (preventivo). Para prevenir a CID, heparina 40 a 80 UI/kg via E.V., depois de duas horas, administrar 40 UI/Kg por via SC, repetir a cada 8 ou 12 horas. 14 10. CÁLCULO DO VOLUME DE PLASMA NECESSÁRIO Considerando que 5% do peso corpóreo ou 60% do volume sanguíneo de um equino adulto e que 65% do volume sanguíneo nos bovinos adultos equivale ao plasma, calculamos o volume de plasma a ser administrado da seguinte maneira: Volume de plasma = peso corporal x volemia x 65% bovinos 60% equinos Volume do plasma = 400 kg x 65 mL/kg x 65% (bovinos) Volume do plasma = 400 kg x 65mL/kg x 65% Volume do plasma = 16,9 litros (bovino) Teor de proteínas plasmáticas normais= 7 g/dL ou 70 g/L Teor de proteínas plasmáticas do receptor = 3 g/dL ou 30 g/dL Diferença (ou déficit) = 4 g/dL ou 40 g/L Quantidade de proteínas plasmáticas a ser reposta: No bovino: 16,9 litros de plasma x 40 g/litro = 676 g de proteínas. No equino: 15,6 litros de plasma x 40 g/litro = 624 g de proteínas Se em 1 litro de plasma tem 70 g de proteínas X litros de plasma tem 676 g de proteínas. X= 676 ÷ 70 X = 9,65 litros de plasma para repor 100% no bovino. X = 624 ÷ 70 X = 8,91 litros de plasma para repor 100% no equIno. 15 11. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ARCHER, R. K., FRANKS, D. Blood transfusion in veterinary practice. Vet. Record, v. 73, n. 27, p. 657 - 661, 1961. AUTHEMENT, J. M., WOLFSHEIMER, K. J., CATCHINES, S. Canine blood component therapy: product preparation, storage, and administration. J. Am. Anim. Hosp. Assoc., v. 23, p. 483-493, 1987. BOSCHER, M. Y., GUERIN-FEAUBLEE, V. Les groupes sanguins chez les bovins. La maladie hémolytique du nouveau-né et les accidents ransfusionnels d`origine immunologique. Point Vet., v. 25, n. 157, p. 841 - 844, 1994. DAVIS, L. E. Use of the components for feline and canine patients. J. Am. Vet. Med. Assoc., v. 185, n. 11, p. 1452 - 1454, 1984. GARCIA-NAVARRO, E. K.; PACHALY, J. R. Manual de hematologia veterinária, São Paulo: Varela Ltda. 1994, 169 p. GIGER, U., BUCHELER, J. Transfusion of type-A and type-B blood to cats. J. Am. Vet. Med. Assoc., v. 198, n. 3, p. 411-418, 1991. 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Tabela 7 - SOLUÇÕES DISPONÍVEIS PARA COLETA E ESTOCAGEM DE SANGUE Solução 1 Função Período 2 estocagem Concentrações aditivas (por 100 mL) Desempenho CPD Anticoagulante 21 dias Citrato de sódio (dihidratado) 2,63 g Ácido cítrico (monohidratado) 0,327g Glicose (monohidratada) 2,55 g Fosfato de sódio dihidrogenado 0,251g Previne a coagulação sangue Ajuste do pH Fonte de nutrição p/ as hemácias Ajuda na produção de ATP CPDA-1 Anticoagulante e Preservação do sangue 35 dias Citrato de sódio (dihidratado) 2,63 g Ácido cítrico (monohidratado) 0,327g Glicose (monohidratada) 3,10 g Fosfato de sódio dihidrogenado 0,251g Adenina 0,0275 g Previne a coagulação sangue Ajuste do pH Fonte de nutrição p/ as hemácias Ajuda na produção de ATP Ajuda manter os níveis de ATP nas hemácias SAG-M Preservação das hemácias 42 dias Glicose (monohidratada) 0,900 g Cloreto de sódio 0,877 g Adenina 0,0169 g D-Manitol 0,525 g Fonte de nutrição p/ as hemácias Ajusta a pressão osmótica Ajuda manter os níveis de ATP nas hemácias Ajuda manter a integridade da membrana das hemácias (evita hemólise) 1 - Outras soluções podem ser desenvolvidas Fonte: MED-E-MED – Produtos Técnicos Medicinais S/A 2 - Sangue total ou concentrado de hemácias Proporção ideal: 1 mL anticoagulante/ 7 mL de sangue x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.x.xx.x.x.x.x.x avm 2014
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