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4º PERÍODO GASTROENTEROLOGIA 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 1 AULA 1 DISTÚRBIOS MOTORES DO ESÔFAGO O esôfago é dividido em: terço superior, terço médio e terço inferior. O terço superior é basicamente feito de musculatura estriada; logo abaixo da região da laringe está o esfíncter esofagiano superior, que é composto por essa musculatura estriada, cuja inervação é domínio do núcleo ambíguo, ou seja, tem inervação específica. Do terço medial ao distal tem-se musculatura lisa, inervada pelo núcleo dorsal do nervo vago. Então se tem duas inervações e dois tipos de musculatura que compõem o esôfago e isso é importante quando se fala em distúrbio motor do esôfago porque cada doença é específica de uma musculatura, facilitando, assim o diagnóstico a partir da região afetada. Processo fisiológico da deglutição: Quando nós deglutimos um alimento ou líquido, ativa-se o movimento de uma série de 20 músculos; quando se aumenta a pressão na parte posterior da língua para deglutir o alimento, é feita uma onda de alta pressão de contração positiva visualizada por manometria esofagiana – nessa região tem-se o aumento da pressão para empurrar o bolo alimentar. Quando se tem esse aumento, a musculatura do esfíncter superior relaxa, formando uma onda de pressão negativa, para logo depois haver força para empurrar o bolo. Relaxa, passa o alimento e empurra por contração para que essa onda siga ao longo do corpo do esôfago inteiro. Essa onda de contração vai progredindo para empurrar o alimento. Além disso, quando relaxamos o esfíncter superior, automaticamente se relaxa o esfíncter esofagiano inferior (EEI). Ou seja, o EEI está programado para relaxar quando se inicia o processo de deglutição, seja de saliva, líquidos ou comida. Esse esfíncter permanece relaxado até que a onda de contração que empurra o que foi deglutido termine. Quando o que está sendo deglutido passa para dentro do estomago, esse esfíncter novamente contrai e permanece em uma pressão de contração de repouso – fica contraído com aproximadamente 30 a 45 mmHg para que não haja refluxo (não volte para o esôfago). 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 2 Distúrbios motores do esôfago: são as doenças provenientes da alteração no processo fi- siológico. Existem vários tipos de distúrbios motores, podendo eles ser classificados em (1) pri- mários: são exclusivos do esôfago; envolvem problemas no músculo do órgão, no núcleo ambí- guo, nos nervos do esôfago. O mais importante é a acalasia, além do espasmo esofagiano difuso, esôfago hipercontrátil (dividido em quebra nozes e EEI hipertensivo), esôfago hipocontrátil (dis- túrbio de motilidade ineficaz e EEI hipotenso (geralmente associado à DRGE)) e (2) secundários: quando causados por várias doenças sistêmicas que comprometem secundariamente o esôfago; doença do colágeno, vascular, endócrinas e metabólicas, neuromusculares e envelhecimento. Distúrbios motores primários Distúrbios motores secundários Acalasia Doenças do colágeno e vasculares Espasmo esofagiano difuso Doenças endócrinas e metabólicas Esôfago hipercontrátil Esôfago em quebra nozes Doenças neuromusculares EEI hipertensivo Esôfago hipocontrátil Motilidade ineficaz Envelhecimento EEI hipotenso ACALASIA: é o mais importante e mais frequente distúrbio. Compromete a musculatura lisa, ou seja, os dois terços distais do esôfago (domínio do nervo vago). Essa musculatura vai ter uma perda da peristalse, um enfraquecimento, uma diminuição da contratilidade, ou seja, uma perda de contração do esôfago da parte afetada e uma alteração do EEI (relaxamento). São duas coisas que a caracterizam: (1) perda do tônus muscular – é a força de contração do esôfago médio distal e (2) um defeito no relaxamento do esfíncter. Acalasia é um distúrbio motor do esôfago que compromete a musculatura lisa e se caracteriza pela perda da peristalse do corpo esofagiano e por defeito no relaxamento do EIE. Causas: no Brasil uma das causas mais importantes (principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste) é a doença de Chagas. Na parte Sul nós temos muito mais casos de origem autoimune, familiar ou, então, idiopática-viral. Autoimune: acontece depósito de anticorpos contra neurônios, levando à destruição de neurônios do plexo mioentérico. Isso faz uma alteração nos estímulos nervosos enviados para o esôfago, de modo que o órgão perde a peristalse. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 3 Doença de Chagas: existe uma neurotoxicidade na natureza da doença pela própria presença do Trypanosoma, que leva à produção de substâncias neurolíticas, as quais, provavelmente, destroem os neurônios. Há, ainda, um componente autoimune que vai colaborar para a doença. Idiopática-viral: se imagina que a pessoa teve uma virose em alguma fase da vida e passou a produzir anticorpos, dentre os quais alguns, eventualmente, eram neurolíticos e agiam destruindo o plexo mioentérico, ocasionando, posteriormente, uma alteração da motilidade do esôfago. Fisiopatologia: seja de qual natureza for, o que se tem, basicamente, é uma destruição do plexo mioentérico do esôfago, com redução das células ganglionares do plexo de Auerbach, degeneração das fibras aferentes do nervo vago, alterações do núcleo motor dorsal do nervo vago e perda dos neurônios inibitórios do plexo mioentérico. Tem-se um mecanismo que afeta o EEI e a musculatura lisa do órgão; como existe uma perda dos neurônios inibitórios do esfíncter, ele não consegue relaxar adequadamente, sempre mantendo uma pressão mais alta pela contração. Um esôfago que está com a musculatura enfraquecida pela destruição do plexo mioentérico não tem estimulo motor (não contrai) e o seu EIE não relaxa; assim, quando a pessoa come, a comida para e não tem como ir para o estômago porque o esôfago não empurra e o esfíncter não abre. Isso acontece caracteristicamente na acalasia. Clinicamente: o paciente tem disfagia (come e sente que o alimento não desce pelo tubo digestório), que geralmente é do tipo baixa (quando o alimento para no terço médio distal do esôfago). Normalmente essa disfagia é lenta e progressiva – começa aos sólidos, dias depois aos pastosos e, por último, aos líquidos. Entretanto, pode ser paradoxal: em um dia o paciente não consegue ingerir líquidos, no dia seguinte não consegue ingerir sólidos e no outro volta a não conseguir ingerir líquidos novamente, ou seja, não segue uma ordem de progressão. Apesar disso, a grande maioria é evolutiva. *Alguns pacientes falam que a comida enrosca na garganta: isso é disfagia alta. Quando o paciente diz que a comida para no peito, é disfagia baixa. Isso é importante porque indica qual nervo e qual músculo está comprometido – lisa ou estriada? Permite exclusão de doenças. Além disso, o paciente pode apresentar regurgitação (por acumular comida no esôfago; é mais comum após as refeições e à noite, quando o paciente se deita, pois não tem gravidade para ajudar na digestão) e retardo no esvaziamento esofágico na ausência de uma obstrução crônica (é um problema mecânico do órgão, pois não existe nada obstruindo a passagem do alimento). Quanto mais grave for a doença, mais difícil é fazer a digestão e mais o paciente regurgita. Como o paciente regurgita, não é raro que faça aspiração, situação em que gotículas do alimento vão para o pulmão, podendo causar tosse 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 4 e, até mesmo, pneumonia. Em casos mais avançados há perda de peso, por falta de alimentação (já que o alimento não chega ao estômago para ser digerido).Pode haver, ainda, pirose (queimação retroesternal, azia) e dor torácica, mas são incomuns. Evolução: megaesôfago. O esôfago com acalasia começa a dilatar e isso acontece porque o órgão começa a virar um reservatório de alimentos, já que o EIE não abre, a musculatura do corpo do esôfago não contrai e o alimento não passa para o estomago. Diagnóstico: é feito pela verificação da sorologia positiva para Chagas (provavelmente é a causa da doença), endoscopia digestiva alta (aplicação restrita), exame radiológico (muito importante) e manometria esofagiana (padrão ouro = melhor exame para o diagnóstico). EDA: não é tão útil assim para megaesôfago, principalmente nos estágios iniciais da doença. É útil apenas para excluir outros processos obstrutivos; para excluir neoplasia em pacientes com disfagia e estenose péptica (quando o paciente tem DRGE, há bloqueio do esôfago por regurgitação), ou seja, é boa para excluir lesões orgânicas e mecânicas que fazem disfagia. Também pode verificar resíduos alimentares e acúmulo de saliva, indicando que o esvaziamento do esôfago não está adequado. Em grau II de megaesôfago é possível verificar o aumento do calibre do órgão. Exame radiológico é importante porque classifica (gradua) o megaesôfago. Pede-se um esôfago contrastado ou seriografia, exame em que o paciente ingere bário, um contraste, e é radiografado – à medida que o bário vai descendo pelo tubo digestivo, o paciente está num radioscópio que vai tirando fotos, as quais permitem ver como esse trajeto é realizado. A seriografia é pedida para se visualizar o retardo da passagem do bário ao longo do esôfago no paciente com acalasia; não consegue ser empurrado com rapidez, ficando uma coluna dessa substância armazenada no órgão. Como existe uma redução ou ausência da peristalse, percebe-se que o esôfago não contrai e está dilatado no exame: a parte distal contém bário (fica branco na imagem do rx) e acima fica uma coluna de ar (cor negra) chamada de nível hidroaéreo. O esôfago distal fica num aspecto de bico de pássaro, bico de pena ou chama de vela e isso acontece por causa do espasmo do fechamento do EIE (cardioespasmo – contração da musculatura na cárdia). Megaesôfago grau I tem-se o órgão com um calibre ainda normal (até 3 cm), não muito dilatado. O esôfago não se contrai e o bário mancha a parede, deixando sua visualização nítida; vê-se a coluna de bário, seu 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 5 transito lento, sem contração esofágica e cardioespasmo (pois o EIE não está se abrindo adequadamente). Megaesôfago grau II: o esôfago já começa a dilatar (tem 4 a 7 cm de diâmetro), há retenção de contraste mais importante e o bico de pássaro já passa a ser mais visível (indica que o EIE não relaxa para a passagem do bário, ele fica estagnado dentro do esôfago, é retido de maneira mais visível). O órgão não tem contração (a parede fica parada, imóvel), inclusive se visualizam resíduos de alimentos sólidos. Megaesôfago grau III: o calibre do órgão fica entre 7 e 10 cm – esboça contrações, mas descoordenadas, não propulsivas, para empurrar a comida. Contraem-se vários locais ao mesmo tempo. Vê-se nível hidroaéreo em que se tem uma divisa, separando a coluna de bário com o ar. Megaesôfago grau IV: visualiza-se uma dilatação maior que 10 cm; está tão dilatado, pesado e cheio de resíduos, que deita sobre o diafragma – fica cheio de comida, resíduo e saliva. Existe uma grande retenção de alimento e o esôfago está muito dilatado, parado. É também chamado de dólecomegaesôfago. Manometria esofagiana: é o melhor exame para diagnóstico. Coloca-se no paciente uma sonda pelo nariz, até atingir o esôfago, que tem um manômetro, um aparelho com medidor de pressão conectado a um computador. A sonda é colocada no paciente e por medidas de pressão se verifica onde está o terço superior, médio e distal. Isso é possível porque à medida que a sonda é posicionada, ela tem vários marcadores de pressão e se sabe aproximadamente como é a pressão do esfíncter superior, do corpo esofágico e do esfíncter inferior. Mede-se primeiro com o GRAU I GRAU II GRAU II GRAU III GRAU IV 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 6 paciente em repouso, depois deglutindo saliva, depois deglutindo água e depois comida pastosa; à medida que o paciente deglute, formam-se ondas peristálticas que formam um gráfico. A análise desse gráfico resultante permite dizer se está normal ou não; o normal é que o ESE relaxe na deglutição e depois contraia, assim como a faringe se contrai em seguida e assim por diante até o estômago. O gráfico tem varias ondas indicando a propulsão. Toda vez que o ESE relaxa, o EIE também relaxa até a passagem do bolo alimentar e depois eles sobem essa pressão, mantendo-a entre 30 a 45 mmHg. Na acalasia não há movimento do corpo do esôfago, então as ondas peristálticas não vão acontecer. Além disso, o EIE não relaxa. Vê-se no exame, então, uma ausência de peristalse no corpo do esôfago, um relaxamento incompleto ou anormal do EIE ou uma pressão elevada dele. No gráfico não existem ondas lineares, são desorganizadas. Complicações: megaesôfago, aspiração (pode causar abscessos ou pneumonia), bezoar (acúmulo de resíduo dentro do esôfago que vai se solidificando e forma uma massa firme, dura, dentro do órgão), divertículo do esôfago (acontece por causa do peso do esôfago – é tão grande às vezes há uma herniação da parede do esôfago, causando o divertículo por causa do megaesôfago; o grande problema é que causa um processo inflamatório no órgão, que acaba às vezes por romper o divertículo e ocasionar uma fístula (comunicação do esôfago com qualquer estrutura que estiver próxima a ele)) e carcinoma de esôfago (devido ao processo inflamatório pela estase de alimento na parede do esôfago pode haver mutações celulares – pacientes com acalasia têm 33x mais frequente o desenvolvimento dessa neoplasia). Tratamento: quando a acalasia começa, ou seja, quando o paciente está nos primeiros sintomas, é importante fazer orientações alimentares (mastigar bem a comida, deglutir com calma) e medicação. Entretanto, nas acalasias mais evoluídas, há tratamentos mais agressivos (endoscópicos ou cirúrgicos). Tratamento farmacológico: trata-se a doença apenas na fase inicial, quando ainda não se desenvolveu o megaesôfago ou desenvolveu 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 7 apenas o grau I. Acima do grau II a doença já está avançada e não adianta medicar. Usam-se medicamentos que relaxam a musculatura lisa do EIE e reduzem a sua pressão (deseja se atuar na cárdia). Relaxando essa musculatura, a comida escoa para o estômago por gravidade. Esses medicamentos são nitratos e bloqueadores de canal de cálcio (dinitrato de isossorbida, nifedipina e diltiazem). Antes da alimentação o paciente deve colocar um comprimido de isossorbida embaixo da língua até o EIE relaxar. Os dois outros ajudam a diminuir a pressão também. O mais usado é diltiazem porque causa menos alteração de PA, já que não está se tratando uma hipertensão – um tempo antes da alimentação, paciente ingere o comprimido, espera haver relaxamento do EIE (leva mais tempo que o isossorbida, em média meia hora). Tratamento endoscópico: para megaesôfago grau II, III e IV. Pode ser por: (1) injeção de toxina botulínica – relaxa a musculatura; é injetada na cárdia através de um endoscópio com uma agulha. Injetou a toxina, essa musculatura abre, relaxa e o paciente consegue se alimentar. É de difícil execução e o paciente apresenta apenas uma melhoratransitória (dura de 4 a 6 meses) e é caro; e por (2) dilatação pneumática do esôfago com balão – o balão pneumático é um balão que entra no endoscópio por um fio-guia, murcho, e depois, dentro do esôfago, é posicionado na região da cárdia e insuflado, até que a pressão feita seja capaz de abrir o EIE. A partir dessa abertura, o endoscopista deixa o balão inflado na cárdia por uns 5 minutos, aguardando a pressão dilatar a luz. Depois que desinsufla e retira o balão, observa-se uma abertura da cárdia. É o tratamento de escolha na acalasia para grau I que não responde ao medicamento – melhora os sintomas em 70 a 80%. As dilatações podem ser seriadas, feitas a cada 15 dias ou 6 meses – varia do paciente. Apresenta um ótimo resultado para grau II e III, mas ruim para grau IV. (1) (2) 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 8 Tratamento cirúrgico: quando a dilatação pneumática já não ajuda mais ou o paciente tem megaesôfago grau IV, a escolha é fazer a cardiomiotomia Heller – o cirurgião chega ao esôfago por vídeolaparoscopia, de acesso abdominal, traciona o órgão, o posiciona dentro do abdome e faz um corte longitudinal na musculatura esofagiana; quando é feito esse corte na região da cárdia, expõe-se o esôfago e com isso o esôfago com cardioespasmo faz uma dilatação por corte da musculatura. Cortando essa musculatura, o esôfago fica mais aberto. O grande problema é o refluxo – à medida que se abre essa região da cárdia, o que estiver dentro do estômago pode voltar para o esôfago. Outra técnica é fazer cardiomiotopia e fundoplicatura (gastrofundoplicatura) juntas – anastomosa-se o fundo gástrico à região do corte, para evitar um pouco o refluxo. Nos pacientes com dólecomegaesofago, totalmente comprometido, não tem como preservar o órgão e o melhor é fazer esofagectomia – é feita uma anastomose do esôfago superior (musculatura estriada) com o estômago, de modo que o estômago passe a ser intratorácico. ESPASMO ESOFAGIANO DIFUSO: não é muito frequente. Não se sabe sobre sua etiologia, nem fisiopatologia; nada é muito definido, apenas suposições literárias não usadas. Clinicamente: espasmo (contração), podendo causar dor torácica retroesternal. Basicamente a clinica é dor torácica. O comprometimento dessa doença é basicamente o esôfago médio distal, ou seja, musculatura lisa, que se contrai repentinamente, causando a dor. A dor simula angina pectoris, pode se irradiar para a mandíbula ou para a região interescapular (lembra muito uma dor cardíaca). Não está obrigatoriamente associada à deglutição, mas quando o paciente ingere algo muito quente ou muito frio, pode desencadear espasmo (os extremos de temperatura podem causar dor) e pode ser desencadeada em momentos de estresse e tensão. Pode acontecer durante o dia e noite (paciente pode ate acordar por essa dor). Diagnóstico: o padrão ouro é a manometria, confirmando-se na radiografia. Radiografia: no rx o esôfago tem aspecto de saca-rolhas. Há várias contrações, chamadas de ondas terciárias – não são secundárias a um movimento de deglutição (seria uniforme, normal na manometria), ou seja, são várias ondas simultâneas, descoordenadas e que às vezes não dependem da deglutição. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 9 Manometria: o problema é que, às vezes, na hora do exame, o paciente pode não estar fazendo espasmos, comprometendo a veracidade do exame (na acalasia a qualquer hora pode ser feita a manometria); o paciente pode ter espasmos 1x por ano, por exemplo. Quando há alteração, observam-se ondas de contração simultâneas, o que não poderia acontecer – cada onda deveria estar posicionada em seu devido lugar no gráfico e não no mesmo lugar ao mesmo tempo. Ondas simultâneas em mais de 20% das deglutições durante a manometria caracterizam espasmo esofagiano difuso. ESÔFAGO EM QUEBRA NOZES: alteração da contratilidade do órgão. A etiologia e a fisiopatologia também são desconhecidas. Entretanto, é uma situação frequente, acontece em 27- 40% dos distúrbios motores do esôfago. É uma doença que pode evoluir para um espasmo difuso ou acalasia - parece que nessa doença existe lesão do nervo vago, no seu núcleo dorsal. A real situação que leva o paciente a não fazer de cara acalasia ao invés de quebra nozes é inexplicada. É uma doença associada à DRGE. Clinicamente: o paciente apresenta dor torácica, com disfagia intermitente (não muito comum, acomete menos de 30% dos casos) e pirose frequente (por causa da DRGE associada). É a principal causa de dor torácica não cardíaca. É o mesmo tipo de dor do espasmo esofagiano, acontece a qualquer momento. Diagnóstico: Radiologia: têm-se ondas terciárias, várias ondas de contração sem deglutição e o aspecto é de quebra nozes. Observam-se ondas de contração simultâneas, parecendo o aparelho que quebra nozes. Manometria: basicamente vê-se uma pressão brutal de contração do esôfago – normalmente a pressão de contração peristáltica do corpo do esôfago varia de 90 a 140 mmHg; nessa patologia a pressão varia em até 2x mais, o que é muito alto, ou seja, tem-se uma alta pressão de contração. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 10 ESFÍNCTER ESOFAGIANO INFERIOR HIPERTENSIVO: situação rara, também com etiologia e fisiologia desconhecidas. Clinicamente: o paciente pode ter dor torácica e disfagia. O EIE não relaxa adequadamente. Diagnóstico: no rx não se encontra nada, o estudo contrastado com bário é normal. Na manometria tem-se o aumento da pressão do EIE (> 45mmHg), mas as ondas peristálticas estão normais. O paciente não evolui para megaesôfago porque o corpo do esôfago tem peristalse normal (a pressão da peristalse é superior à pressão do EIE (>140 mmHg) quando contraído). Tratamento dos três últimos casos: tanto no espasmo difuso como no esôfago em quebra nozes e no EIE hipertensivo o tratamento é medicamentoso, buscando relaxar a musculatura. Os mesmos remédios para acalasia são uteis: bloqueadores de canal de cálcio, além de anticolinérgicos (como buscopam). Esses pacientes não têm sintomas contínuos, portanto o tto não é tão comum; é de demanda, só é feito quando precisa, ou seja, quando o paciente tem dor. Uma questão interessante é que esses pacientes se beneficiam muito com psicotrópicos – provavelmente o estresse emocional potencializa as patologias, dando mais sintomas, por isso podem ser usados esses medicamentos, como antidepressivos (mais usados – relaxam muito bem a musculatura; amitriptilina, imipramina e trazodona) e ansiolíticos (benzodiazepínicos como lorazepan e buspirona). Os psicotrópicos podem acalmar os sintomas do paciente. MOTILIDADE ESOFAGIANA INEFICAZ: é um esôfago que não tem força para contrair adequadamente; não tem onda peristáltica com força de contração, sem amplitude de contração boa – a pressão não atinge o necessário (90-140mmHg), fica em 30 ou abaixo de 30 mmHg. Essas ondas não têm força de propagação, então não empurram para o estômago o que está sendo ingerido. Esses pacientes podem também ter uma alteração no relaxamento do EIE, podendo ter associada uma hipotonia do EIE, causando DRGE (acontece na metade dos pacientes). Clinicamente: pirose, disfagia (geralmente baixa, pois quando o paciente come, o esôfago não tem força para empurrar a comida) e dor torácica. Os sintomas geralmente se alternam, não acontecem em conjunto. DISTÚRBIOS MOTORES SECUNDÁRIOS: (1) doenças do colágeno e vasculares: causam distúrbio de motilidade ineficaz. Podem ser: esclerose sistêmica progressiva, doença mista do tecido conjuntivo, dermatopolimiosite,lúpus, artrite reumatoide, artrite juvenil, vasculites, síndrome de Sjögren e miscelânia. (2) Distúrbios endócrinos e metabólicos: diabetes mellitus - o 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 11 DM de longa duração e mal controlado vai fazer lesão do nervo vago, processo chamado de neuropatia visceral; tem-se, então, uma destruição do SN autônomo, que faz com que não haja o estímulo motor. Assim o nervo vago não faz com que o TGI contraia. Clinicamente o paciente tem disfagia, pirose e regurgitação (sintomas de refluxo e de dificuldade de progressão do alimento). Na manometria têm-se ondas fracas, que n se propagam, com baixa amplitude e distúrbio de motilidade ineficaz. O tratamento é controlar o diabetes, evitando que chegue ao distúrbio da motilidade ineficaz. Usam-se IBPs (se necessários, quando o paciente tem sintoma do refluxo) e procinéticos (aumentam a contração do esôfago distal e a pressão do EIE – não têm resposta muito boa). (3) Doenças neuromusculares: comprometem o esôfago proximal, principalmente AVC, distrofia miotônica, miastenia gravis, esclerose múltipla, Parkinson e esclerose lateral amiotrófica. São doenças neurológicas que comprometem a musculatura estriada, o ESE e estão relacionadas ao núcleo ambíguo. Nessas doenças, os pacientes podem desenvolver manifestações esofagianas, como disfagia alta (às vezes eles não conseguem engolir a comida, por isso se afogam com facilidade), há aspiração e regurgitação nasofaríngea (acumula secreção). Esses distúrbios não comprometem o esôfago médio e distal! Na manometria verifica-se diminuição da contração faríngea e do ESE e diminuição da peristalse do esôfago proximal – diminuição de movimento na parte superior do esôfago. Não tem tratamento gástrico, apenas neurológico, eventualmente com fonoterapia para ajudar, ou então o paciente recebe sonda de alimentação (em casos mais graves), gastrostomia (sonda para dentro do estomago a partir da parede do abdome) ou enterostomia (sonda para dentro do intestino a partir da parede do abdome). 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 12 CASO CLÍNICO I ID: homem de 44 anos, comerciante, natural e procedente de Curitiba. QP: azia HMA: há 4 anos iniciou com pirose retroesternal, regurgitação pós-prandial e às vezes quando deita. Raramente apresenta dor torácica sem fator desencadeante. Há 6 meses refere também tosse seca, sem febre ou dispneia. Foi avaliado pelo pneumologista, mas nada foi encontrado. Nega outros sintomas gastrointestinais. HMP: HAS em uso de losartana 50mg/dia e ansiedade em uso de alprazolam 0,25mg/dia. HMF: pai com sintomas semelhantes desde a adolescência e mãe colecistectomizada CHV: tabagista de 5 cigarros ao dia há 20 anos, etilista de cerveja nos fins de semana, aproximadamente 6-10 latas ao dia, alimentação com pouca fibra e muita proteína animal e sedentário. RS: ganho de 10 kg em cerca de 5 anos. Ao exame físico: PA: 130/90mmHg FC: 78bpm Temperatura axilar: 36,4oC Peso: 91Kg (IMC 28 = sobrepeso. Precisa emagrecer, mesmo que 10kg em 5 anos não sejam muito) Altura: 1,78m Paciente corado, hidratado, anictérico e eupneico. Exame da cabeça, tórax e membros sem alterações. Abdome plano, RHA+, flácido, indolor, sem visceromegalias e timpanismo normal. Tutorial (10/08): As principais informações do caso são: pirose, regurgitação, dor torácica, tosse seca, tabagismo, alcoolismo, sobrepeso, sedentarismo e dieta irregular. O exame físico está ok. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 13 Dx diferenciais para o caso: DRGE, esofagite (pode ser infecciosa, por droga e eosinofílica), acalasia, úlcera péptica, gastrite e neoplasia. A principal causa de esofagite infecciosa é a candidíase, seguida pelo citomegalovírus e herpes simples (esofagite herpética); por bactéria é muito raro (faz mais episódios de esofagite pós-operatória). A esofagite causada por droga é comum com o uso de alendronato, para osteoporose; tem poder de “parar” no esôfago, levando a uma inflamação ao redor do comprimido ingerido, que ocasiona sintomas como disfagia e lesão local (onde está o comprimido). A esofagite cáustica ocorre pela ingesta de soda cáustica acidentalmente ou por tentativa de suicídio – é outra causa de esofagite por droga. A esofagite eosinofílica é uma reação alérgica alimentar em que não se identifica direito o alimento, mas se tem um infiltrado eosinofílico no esôfago – o sintoma principal é a parada do alimento no esôfago, tratada com corticoide – é o grande dx diferencial para DRGE. Complicações da DRGE: estenose péptica, neoplasia e esôfago de Barrett. A hérnia de hiato é uma causa para a doença e não uma complicação. - Sintomas típicos do refluxo: pirose e regurgitação. - Sintomas atípicos do refluxo: tosse seca e dor torácica. Não necessariamente o paciente precisa ter os sintomas típicos para ser diagnosticado; pode ter só os atípicos. A DRGE pode ter sintomas de disfagia por estenose péptica, neoplasia, anel de Schatzki (em que a mucosa do esôfago começa a proliferar e faz um anel dentro do esôfago, diminuindo a luz esofágica) e distúrbio motor associado à motilidade do esôfago. Úlcera péptica e gastrite não são dx diferenciais tão relacionados à DRGE porque os sintomas são diferentes. Barrett é uma metaplasia intestinal colunar COMPLETA – não faz disfagia, além dos sintomas do refluxo. Entretanto, se desenvolver um adenocarcinoma, faz disfagia sim. Existem dois tipos principais de hérnia de hiato: (1) por deslizamento – está associada à DRGE - o estômago se estende por cima do pinçamento diafragmático e (2) paraesofágica – a transição esofagogástrica está no pinçamento correto, mas o fundo gástrico faz herniação para dentro do tórax. Nem todo paciente com hérnia de hiato tem DRGE porque o clearance do meu esôfago pode ser o suficiente para não causar lesões, distúrbios e sintomas dessa doença. A endoscopia é pedida para pacientes com mais de 40 anos, com sinais de alerta (emagrecimento, sangramento, anemia, disfagia) para procurar por problemas mais agressivos. Um desses pontos é o suficiente para se pedir a endoscopia. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 14 O melhor exame é a pHmetria, indica se tem ou não tem a DRGE – se o paciente diz que tem azia, não precisa ser feito o exame. É importante fazer esse exame quando o paciente tem apenas os sintomas atípicos, pois ajuda. É um exame desconfortável – a sonda é posicionada no esôfago durante 24h. Prova terapêutica: deixa o paciente tomando 2 meses medicamentos para DRGE e observa se houve melhora. Aí não precisa fazer a pHmetria. Pcte com DRGE: primeiro exame a ser pedido é a endoscopia, seguida por pHmetria (impedância é melhor ainda). A manometria é indicada para dx diferencial com acalasia e como exame pré-operatório – não serve para dx. Tto: IBP – omeprazol por 12 semanas. É refratária se não melhora depois de 12 semanas de IBP em dose dobrada. No tempo certo, com tratamento certo, haverá cicatrização da doença. Anti-ácido – alivia sintomas. Hidróxido de magnésio. 1- Qual o diagnóstico provável? Justifique utilizando os sintomas clínicos. Doença do refluxo gastroesofágico, pois apresenta pirose retroesternal com regurgitação do conteúdo gástrico, principalmente após se alimentar. Além disso, apresenta tosse seca crônica, considerada como um sintoma extraesofágico. É um refluxo atípico. 2- Descreva a fisiopatologia desta doença. O refluxo gastroesofágico é o deslocamento sem esforço do conteúdo gástrico do estomago para o esôfago. Desde que nãohaja sintomas ou sinais de lesão mucosa, pode ser considerado um processo fisiológico. A etiologia da patologia é multifatorial. Tanto os sintomas quanto as lesões teciduais resultam do contato da mucosa com o conteúdo gástrico que refluiu, decorrentes de falha em uma ou mais das seguintes defesas do esôfago: (1) barreira anti-refluxo, (2) mecanismos de depuração in- traluminal e (3) resistência intrínseca do epitélio. (1) Barreira anti-refluxo: é a principal proteção. É composta pelo esfíncter inferior do esôfago (esfíncter interno - EIE) e esfíncter externo (formado pela porção crural do diafragma). O EIE se mantém fechado em repouso e relaxa com a deglutição e com a distensão gástrica. O relaxamento não relacionado com a deglutição é chamado de relaxamento transitório do esfíncter interno do esôfago, sendo considerado o principal mecanismo fisiopatológico as- sociado à DRGE. Em pacientes com formas graves de DRGE a pressão de repouso do EIE está diminuída. Muitas substâncias afetam essa pressão: (1) colecistocinina – CCK - é responsável pela diminuição dessa pressão, observada após a ingestão de gorduras; outros neu- 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 15 rotransmissores, como óxido nítrico (NO) e o peptídeo intestinal vasoativo (VIP). Ou- tro parâmetro para avaliar a função do EIE é o comprimento total e o comprimento abdominal – são valorizados quando diminuídos. A presença de hérnia de hiato con- tribui para o funcionamento inadequado da barreira através da dissociação entre o esfíncter externo e o interno e do refluxo sobreposto (fluxo retrógrado do conteúdo refluxado preso no saco herniário para a porção tubular do esôfago). A distensão gástrica, principalmente após as refeições, contribui para o refluxo, assim como o retardo do esvaziamento gástrico, o aumento da pressão intragástrica (ambos pre- sentes quando há obstrução ou semi-obstrução antropilórica) e alteração da secre- ção gástrica (embora menos frequente). (2) Mecanismos de depuração intraluminal: a depuração do material refluxado presente na luz do esôfago decorre de uma combinação de mecanismos mecânicos (retirando a maior quantidade do volume refluído, através do peristaltismo e da gravidade) e químicos (neutralização do conteúdo residual pela saliva ou pela mucosa). A alteração do peristaltismo pode ser primária (distúrbios motores do esôfago) ou secundária (em doenças do tecido conjuntivo). A diminuição do fluxo salivar pode ser secundária à síndrome de Sjögren ou ao uso de diversos medicamentos. A depuração do ácido pela saliva não é instantânea – episódios de refluxo noturno, na posição supina, são duradouros e têm grandes chances de causar lesão mucosa devido à diminuição do fluxo de saliva associada à falta de ação da gravidade. (3) Resistência intrínseca do epitélio: engloba três mecanismos de defesa: (a) pré-epitelial – composta por muco, bicarbonato e água no lúmen do esôfago, formando uma barreira fí- sico-química, que é pouco desenvolvida no esôfago, em comparação à mucosa gástrica e duodenal; (b) epitelial – junções intercelulares firmes, características do epitélio estratifi- cado pavimentoso, o que dificulta a retrodifusão de íons e substâncias tamponadoras in- tersticiais e (c) pós-epitelial – suprimento sanguíneo, responsável tanto pelo aporte de oxi- gênio e nutrientes quanto pela remoção de metabólitos. 3- Quais as complicações mais frequentes? Esofagite erosiva – paciente apresenta alterações fisiológicas mais claras. A visualização endoscópica mostra erosões esofágicas e sela o diagnóstico de DRGE. Estenose péptica – não existem fatores que possam predizer sobre a tendência evolutiva para estenoses esofágicas, pois a DRGE não se associa com essa tendência. Esôfago de Barret – é a condição em que um epitélio colunar associado à metaplasia intestinal substitui o epitélio escamoso normal que recobre o esôfago distal. O exame histopatológico 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 16 evidencia uma forma incompleta de metaplasia intestinal. A grande preocupação é essas células sofrerem alterações genéticas associadas ao adenocarcinoma. Sintomas de alarme: odinofagia, disfagia, sangramento, anemia e emagrecimento. 4- A investigação é sempre necessária? Como podemos investigar? Não. A identificação dos sintomas cardinais, como pirose e regurgitação, permite um diagnóstico presuntivo da DRGE, sem a necessidade da realização de outros exames complementares. Entretanto, exames complementares para o dx podem ser: (1) pHmetria esofágica prolon- gada – não é padrão ouro porque apresenta limitações, pois esse exame mede apenas um aspecto fisiopatológico da doença, que é multifatorial. Outros fatores além da exposição ácida vão deter- minar a presença ou ausência de sintomas e de lesões epiteliais, como sensibilidade e resistência da mucosa e presença de outras substâncias no refluxado, além do ácido. Além disso, os sintomas da DRGE podem variar de um momento para o outro, o que torna uma única avaliação de exposi- ção ácida passível de subestimar o refluxo; (2) impedância – permite a identificação do refluxo gastresofágico independente de seu pH e de seu estado. Possibilita a avaliação qualitativa do tipo de refluxo (ácido ou fracamente ácido), seu alcance proximal, sua composição (liquido, gasoso ou misto), bem como seu tempo de clearance. É indicado para pacientes com sintomas típicos ou ex- traesofágicos atribuídos à DRGE que não responderam de forma completa ao tratamento com ini- bidores de prótons; (3) endoscopia digestiva alta – é o padrão ouro para avaliação de alterações da mucosa secundárias à DRGE e para coleta de fragmentos esofágicos para biopsia. É indicada para excluir outras doenças ou complicações da DRGE (principalmente em pacientes com sintomas de alerta), pesquisar esôfago de Barret, avaliar a gravidade da esofagite, orientar o tratamento e fornecer informações sobre a tendência de cronicidade do processo. A investigação de biópsias é importante para o dx diferencial com a esofagite eosinofílica; (3) estudos radiológicos – cintilografia (ao invés de bário, usa-se outro material marcador) e esofagograma com bário (seriografia = raio x contrastado do esôfago) são utilizados na avaliação da DRGE e suas complicações, pois podem detectar hérnias de hiato, estenoses e anéis esofágicos – são indicados para disfagia e odinofagia e (4) teste de Bernstein-Baker – infusão de acido clorídrico 0,1 N na luz esofágica e solução salina como placebo – o teste é positivo quando o paciente apresenta sintomas típicos de DRGE quando se injeta HCl (deve ser usado em situações em que não se dispõe de pHmetria prolongada). A manometria esofágica não deve ser realizada para dx da doença – é útil na avaliação da gravidade da DRGE, podendo prever sua gravidade ao demonstrar um EIE com defeito ou disfunção peristáltica. O Bilitec é usado para identificar uma forma mais grave de DRGE, que é o refluxo duodenogastroesofágico – identifica substâncias com pH mais alto, como a bilirrubina. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 17 5- Como tratar os pacientes com esta doença? O tratamento pode ser de quatro vertentes: (1) Medidas higienodietéticas – educar o paciente a respeito dos fatores que podem precipitar os episódios de refluxo, como ingerir refeições pouco volumosas, com muita proteína e pouca gordura, se alimentar nas três horas precedentes ao horário de deitar, não exagerar na ingestão de bebidas alcóolicas (cerveja e vinho), controle da obesidade, não fumar, elevar a cabeceira da cama de 10 a 15 cm e deitar em decúbito lateral esquerdo. São medidas que podem ser evitadas porquediminuem a pressão do EIE. Essas medidas, entretanto, não são o suficiente para serem adotadas sozinhas; (2) Tto medicamentoso Inibidores da bomba de prótons: aliviam os sintomas mais rapidamente e cicatrizam as lesões na maior parte dos pacientes. Omeprazol 20 mg, lansoprazol 30 mg, pantoprazol 40 mg, rabeprazol 20 mg e esomeprazol 40 mg são os mais usados e devem sempre ser tomados antes das refeições. Inicalmente se inicia a terapia mais potente, seguida pela redução da dose suficiente para obter controle sintomático (step-down). São usados na terapia de manutenção. Se o paciente tem sintomas pouco frequentes, a medicação pode ser por demanda própria. Pacientes com esofagite grave começam com a dose- padrão e a mantêm, mas se os sintomas ou lesões persistirem, acrescenta-se uma se- gunda dose à noite. O controle dos sintomas atípicos é mais difícil e necessita do uso de dose dupla de IBP. Deve-se levar em conta que os IBP podem levar a casos de hipergas- trinemia (reversível com a interrupção do tratamento), progressão da gastrite do corpo gástrico induzida por H. pylori e possível interferência na absorção de nutrientes (devido à hipocloridria resultante do uso prolongado desses medicamentos). Eles agem dimi- nuindo o ácido e o volume da secreção gástrica. É recomendável, no entanto, usar a menor dose de IBP para obtenção do efeito terapêutico desejável. Antagonistas de H2: cimetidina, ranitidina, famotidina e nizatidina são drogas seguras, mas com curta duração de ação (entre 4 e 8h). Resultam em inibição incompleta da se- creção ácida; portanto, para tratamento da DRGE são necessárias doses múltiplas. Ob- serva-se, ainda, declínio da inibição da secreção ácida quando usados por mais que duas semanas (taquifilaxia), de modo que sua eficácia seja limitada. São mais indicados para pacientes com esofagite leve a moderada. São insuficientes na inibição ácida após refei- ções, mas têm eficácia comprovada na inibição da secreção noturna. Procinéticos: são eficientes apenas quando usados em pacientes com sintomas dispépti- cos associados. Metoclopramida não é boa escolha porque atua no SNC (sonolência, ir- ritabilidade, tremores e discinesia). Domperidona é útil, mas se observa hiperprolactine- mia em 15% dos usuários crônicos. A cisaprida não é mais usada porque induzia arrit- mias cardíacas por toxicidade cardíaca. Digesan = bromoprida. Plasil = metoclopramida. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 18 São acessórios aos IBP – para pacientes com mais desconfortos. Também fazem taquifilaxia. Podem ser associados a IBP para auxiliar no desconforto. (3) Tratamento cirúrgico – consiste no reposicionamento do esôfago na cavidade abdomi- nal associado à hiatoplastia e fundoplicatura. É uma alternativa segura e eficaz. As indi- cações para sua realização variam – é considerada uma opção para tratamento de ma- nutenção em pacientes com DRGE bem documentada e também apropriada de ser rea- lizada em todos os pacientes que optem por ela. O II consenso brasileiro da DRGE indica o tto cirúrgico em casos não complicados quando houver razoes que impossibilitem a continuidade do tto clínico e nos casos em que for exigido tto contínuo de manutenção com IBP, especialmente em pacientes com menos de 40 anos, que optem pelo tto cirúr- gico. É recomendado também nas formas complicadas de DRGE – estenose e ulcera – e quando há adenocarcinoma. O problema é que os pacientes podem voltar a ter a doença após a cirurgia e pode levar à disfagia, incapacidade de arrotar, acumulo de flatulências, abdome estufado. Atualmente é raro enviar paciente para cirurgia. (4) Tratamento endoscópico – ainda está sendo investigado. Pode ser radiofrequência (Stretta – cria uma lesão que, ao cicatrizar, resulta em estenose), sutura endoscópica (cria uma plicatura endoluminal no esôfago distal – não é uma técnica adequada porque não dura muito) e implantação de microesferas. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 19 AULA 2 DRGE A doença do refluxo gastresofágico é uma afecção crônica decorrente do refluxo de parte do conteúdo gastroduodenal para o esôfago e/ou órgãos adjacentes, acarretando um espectro de sintomas e sinais esofagianos e/ou extra-esofagianos, associados ou não a lesões teciduais. Em um estudo realizado nos EUA, descobriu-se que cerca de 14-15% da população americana tem pirose pelo menos 1 vez por semana. Já um estudo brasileiro feito em 22 cidades, aproximadamente 14 mil pessoas foram entrevistadas em relação a queixas de pirose no passado ou atual (sendo 66% positivos), pirose retroesternal (20%) e pirose 1 ou mais vezes na semana (12%). Existem várias causas de DRGE; a fisiopatologia é multifatorial, tendo influência de (1) fatores externos: dieta, obesidade, uso de certos medicamentos e tabagismo; (2) fatores gástricos: principalmente produção excessiva de ácido e refluxo biliar, que pode se acumular no esôfago no caso de refluxo duodenogastresofagiano, além de problemas no esvaziamento gástrico e a distensão gástrica (estufamento que a pessoa sente ao comer muito); (3) diminuição do clearance esofagiano: por alteração da peristalse ou salivação, que não são o suficiente para limpar o conteúdo que se acumula na parede do esôfago e (4) defeitos na barreira anti-refluxo: no EIE, no pilar diafragmático e a presença de hérnia de hiato. Sem sombra de dúvidas os grandes mecanismos estão na alteração do clearance esofagiano e na barreira anti-refluxo. A resistência do epitélio esofágico é diferente da resistência do epitélio gástrico: no estômago existem as células epiteliais com tight junctions e o epitélio em si é um grande produtor de bicarbonato e muco; o ácido secretado pelas células parietais do estômago vai para a luz gástrica e existe uma barreira mucosa que faz com que esse ácido seja neutralizado à medida que vai se retrodifundindo. O que comprova essa eficácia é que o pH da cavidade gástrica é 2, enquanto que na superfície do epitélio é entre 6-7 graças à barreira protetora. Então, quando o ácido retrodifunde, ele é neutralizado. No esôfago o epitélio é diferente, com células epiteliais que praticamente não secretam bicarbonato – é muito menor essa secreção do que no epitélio gástrico, gerando muito pouco muco. O que acaba acontecendo é que quando o ácido do estômago reflui para o esôfago, ele facilmente penetra pela fina camada de muco e atinge as células; quando as atinge, pode fazer lesão. Tanto a superfície quanto a luz do esôfago ficam ácidas na presença do refluxo. A resistência do epitélio esofagiano não é grande, mas existem alguns elementos que tentam clarear esse epitélio quando existe refluxo: (1) peristalse: responsável pelo clearance de 90% do ácido que reflui; conforme vamos deglutindo, o movimento peristáltico vai levando o que refluiu de volta para o estômago. As deglutições são mais frequentes quando estamos acordados (60-90 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 20 vezes/hora) e dormindo cai radicalmente para 4-6 vezes/hora – por isso que o refluxo noturno é mais lesivo; (2) produção de saliva: faz o clearance de 10% do refluxo. A saliva tem bicarbonato, que neutraliza o ácido clorídrico e alcaliniza o meio esofagiano e (3) a gravidade: ajuda a empurrar de volta para o estomago o conteúdo refluído. Devido a isso, o refluxo noturno é pior que o diurno porque quando deitados temos menos gravidade influenciando na descida do alimento. O principal ator dessa doença é o EIE, pois nele estão os maiores problemas que levam à lesão do esôfago. O maior problema do EIE é o relaxamento transitório; oEIE não é um esfíncter verdadeiro, é somente uma zona de alta pressão que não tem uma musculatura bem definida. Então é a pressão na região que evita a passagem do conteúdo do estômago para o esôfago. Cerca de 70-80% dos refluidores têm o relaxamento transitório do EIE, que acontece quando há relaxamento independente da deglutição. Esse esfíncter só deveria relaxar ao deglutirmos alguma coisa – se houver relaxamento fora desse período, não é normal e é isso que acontece no relaxamento transitório (o esfíncter relaxa a qualquer momento). Outro defeito é a alteração da pressão desse esfíncter – normalmente fica entre 10-35 mmHg; se for menor que isso, aumenta a chance de a pessoa ter DRGE. Além disso, pode-se ter, ainda, uma resposta adaptativa anormal do EIE à ingesta de alimentos: o paciente acaba tendo uma distensão gástrica porque come muito - o estomago distende tanto que o EIE não consegue fechar devido à alta pressão e, então, faz refluxo do conteúdo para o esôfago. Outro defeito que colabora para a DRGE é a hérnia de hiato: o estômago tem que ficar abaixo do pilar diafragmático; quando esse pilar, por algum mecanismo, relaxa (seja por hipotonia do diafragma, ganho de peso ou aumento de pressão intra-abdominal) o diafragma abaixa e o estômago é empurrado para dentro do tórax porque tem pressão negativa, com isso forma-se hérnia. A hérnia, então, é um deslocamento do estomago para a cavidade torácica. Podemos ter hérnia com refluxo ou não: se o EIE na região do cárdia está funcionando, mesmo que a pessoa tenha hérnia de hiato, não haverá refluxo. Entretanto, se o paciente tem o EIE incompetente e ainda por cima uma hérnia de hiato, o refluxo dele é muito maior e muito mais grave porque perdeu dois grandes mecanismos de defesa (o EIE e o diafragma). Ou seja, a hérnia de hiato colabora para piorar a situação do refluxo. 29% dos pacientes que têm hérnia de hiato vão ter uma esofagite não erosiva, (que não corroeu o esôfago). 71% desses pacientes apresentam DRGE erosiva 72% dos pacientes com Barrett têm hérnia de hiato e 96% dos pacientes com hérnia de hiato têm Barrett clássico (com mais de 3 cm). 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 21 Endoscopicamente se vê o pilar diafragmático fechado e a mucosa esofagiana (em rosa mais claro), a linha Z de transição esofagogástrica, a mucosa gástrica (mais avermelhada) e as pregas do fundo gástrico – a transição que deveria coincidir com o pinçamento do diafragma não está acontecendo – a transição está bem acima desse pinçamento e isso caracteriza a hérnia. Fisiopatologia: de forma resumida, tem-se a alteração do clearance esofagiano; um defeito no EIE com relaxamento transitório, hipotensão ou alteração de acomodação; defeitos no pilar diafragmático dos componentes anatômicos anti-refluxos; alteração do esvaziamento gástrico ou aumento da pressão abdominal por obesidade e um defeito na resistência do epitélio esofágico (porque não tem muco produzido em quantidade suficiente). Além disso, leva-se em conta a agressividade do conteúdo que reflui - quanto mais ácido, pior é o sintoma do paciente, principalmente se o refluído for de bile. O conteúdo refluxado pode ser de H+, pepsina, bile e tripsina. Clínica: os sintomas típicos são os sintomas esofagianos e podem ser com lesão ou sem (sem esofagite). Os sintomas atípicos são fora do esôfago, nos órgãos adjacentes, podendo ser da boca, otorrinolaríngeos, pulmões ou coração. Sintomas típicos: acontecem quando o ácido ou a bile refluem para o esôfago. São: pirose (com ou sem dor retroesternal) e regurgitação (sem eructações). Quando o paciente tem esses sintomas, há 90% de certeza de que ele tem DRGE. Pode haver, também, sialorreia (situação em que o paciente produz mais saliva para aumentar o clearance esofágico). Sintomas atípicos: disfagia e odinofagia não são frequentes, mas quando presentes, pensar em complicações, assim como dor epigástrica. Sangramento (hematêmese ou melena), dor torácica e globo esofagiano (“bola que sobe e desce”). São as manifestações que ocorrem fora do esôfago e podem ser sinais orais, pulmonares e otorrinolaringológicos. 40-75% dos pacientes com DRGE podem ter essas manifestações e não obrigatoriamente vão ter os sintomas típicos de pirose e regurgitação. Tórax: dor torácica não cardíaca 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 22 Otorrinolaringológico: rouquidão, pigarro, laringite posterior crônica e otalgia, globo faríngeo e sinusite crônica. Oral: erosão dentária (desgaste do esmalte dentário) e halitose Pulmonar: asma, tosse crônica, hemoptise, bronquite, bronquiectasia, pneumonias de repetição e fibrose pulmonar. A tosse nem sempre acontece por microaspiração; o broncoespasmo e a tosse têm dois mecanismos: (1) microaspiração: em que o ácido vai até a laringe, o paciente respira e aspira o ácido para o pulmão e (2) via reflexa vagal: em que o ácido entrou no esôfago e estimulou o nervo vago, fazendo uma manifestação reflexa de espasmo e tosse. Aproximadamente metade dos pacientes com asma têm DRGE, mesmo na infância. Não é obrigatório que os pacientes apresentem regurgitação e pirose – 1/3 dos pacientes com asma não têm os sintomas de DRGE, mas têm a doença. Diagnóstico: só pelos sintomas o diagnóstico pode ser feito. O primeiro exame solicitado no Brasil é a endoscopia; ela não vai ser feita em todos os pacientes, mas é o método de escolha por ser mais fácil de ser realizada. A EDA não diagnostica o refluxo, mas sim as lesões causadas por ele – muitas das vezes o esôfago do paciente com DRGE pode estar normal. Ou seja, a EDA não é um exame para diagnóstico da doença e sim das suas complicações. É indicada a EDA para pacientes com sinais de alarme: (1) mais de 40 anos, (2) paciente com sintomas atípicos, (3) paciente que acorda à noite devido ao sintoma (acorda tossindo, por exemplo), (4) com historia de emagrecimento, (5) histórico familiar de câncer gástrico, (6) disfagia, (7) odinofagia, (8) com massa palpável em região alta epigástrica, (9) paciente com anemia, (10) presença de sangue oculto nas fezes, melena ou hematêmese. Cerca de 50% dos pacientes com DRGE têm exame endoscópico normal. A EDA serve para verificar injúria da mucosa esofagiana; visualizar a presença de úlceras, esofagite, epitélio metaplásico, herniações, estenose de esôfago, neoplasia. Além disso, permite a coleta de material para biópsias. *Hérnias de hiato: o estrangulamento do esôfago que se vê na endoscopia corresponde ao pinçamento diafragmático. A hérnia é considerada quando o estômago está a mais de 2 cm desse pinçamento (percebe-se a mudança na cor da mucosa – o estomago é mais vermelho e o esôfago é mais rosa) O que realmente faz o diagnóstico de refluxo é a pHmetria (ainda é considerada padrão ouro). Esse exame é indicado para pessoas com sintomas de DRGE e sem lesão endoscópica, para pessoas com sintomas atípicos sem lesão endoscópica e para pacientes que não respondem ao 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 23 tratamento. O problema desse exame é que só vai medir o ácido que reflui, ou seja, só tem capacidade de ver quanto ácido reflui, sem identificar o que está refluindo. A pHmetria pode ser (1) simples – em que se insere um cateter nasofaringiano no paciente para medir o refluxo do esôfago distal e pode ser (2) de duplo canal – avalia o refluxo no esôfago distal e proximal; é pedida quando o paciente tem sintomas atípicos da DRGE. O diagnóstico de DRGE é dado ao paciente com pH esofagiano menor que 4. A impedanciometria é um teste igual à pHmetria: mede todo o conteúdo que reflui,mas analisa, ainda, qualquer matéria refluída pela diferença de carga elétrica de cada substância. Ou seja, permite a identificação do que é ácido, do que é bile, do que é água e do que é comida. Por essa diferença de corrente elétrica é possível diferenciar o conteúdo. É um exame mais completo que a pHmetria, mas é ainda um procedimento que está começando a se instalar. A manometria serve para localizar o EIE, avaliar sua pressão, e avaliar a motilidade esofagiana. Isso é importante porque, às vezes, o paciente pode ter DRGE com esôfago em quebra nozes ou com distúrbio de motilidade ineficaz. Além disso, também serve como exame pré- operatório, pois a fundoplicatura não pode ser feita em paciente com distúrbio de motilidade; então permite avaliar quem pode ou não passar pela cirurgia. A seriografia é um exame auxiliar que permite identificar hérnias de hiato e distúrbios de motilidade do esôfago, estomago e duodeno. Complicações: estenose, hemorragia, Barrett e adenocarcinoma. Pode haver, ainda, evolução para úlcera esofagiana, uma lesão mais profunda que erosões, coberta por material fibrinoso e esbranquiçado. A estenose distal do esôfago faz com que a abertura da mucosa seja muito pequena. A complicação mais preocupante é o esôfago de Barrett: é a substituição do epitélio escamoso estratificado do esôfago por epitélio colunar contendo células intestinalizadas (não basta ser células colunares gástricas, somente intestinais, como células caliciformes). Essa substituição acontece em qualquer extensão do órgão. Pode ser uma metaplasia curta, quando tem extensão menor que 3 cm (acontece em ate 5% dos pacientes com DRGE) ou longa, o tipo mais clássico, em que a extensão da metaplasia é maior que 3 cm (acontece em cerca de 10 a 15% dos pacientes). O epitélio metaplásico tem cor rósea-salmão em meio ao rosa clarinho do esôfago. Como acontece? Primeiro o paciente precisa ter um refluxo intenso de ácido gástrico e bile; ou seja, não é todo paciente com DRGE que vai fazer Barret - vai fazer quem tem 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 24 refluxo duodenogastresofagiano. A lesão causada pelo ácido e pela bile evolui para uma inflamação, uma esofagite, que faz com que as células totipotentes do esôfago se transformem, ou seja, mudem na área inflamada para um epitélio intestinal com células intestinais. Essa metaplasia não é de células gástricas porque tem bile no refluxo, logo o epitélio precisa resistir a ela. Se o refluxo acontecer só de ácido puro, sem bile, a metaplasia é colunar gástrica – dai não é Barrett. Geralmente o Barrett acomete em maior intensidade homens brancos com mais 50 anos, com prevalência de 15% em pacientes com DRGE intensa. A prevalência de adenocarcinoma em pacientes com Barrett é de 1/200 pacientes ao ano. O Barrett clássico tem mais chances de levar à instalação do adenocarcinoma, quando comparado ao Barrett curto. O problema do epitélio colunar metaplásico intestinal é que ele pode levar a displasias e neoplasias, fazendo adenocarcinoma de esôfago – a chance de isso acontecer é de 0,5% ao ano dentre os pacientes com Barrett. Quanto maior é a extensão com metaplasia, maior é a chance de uma das células mutadas sofrer displasia. Os sintomas do Barrett são os mesmos da DRGE ou, ainda, o paciente pode ser assintomático, quando grande parte da mucosa já está mutada e adaptada. O diagnóstico é feito por endoscopia; o endoscopista suspeita da mucosa que vê, biopsia e o patologista confirma, ou seja, o diagnóstico final é sempre histopatológico. O paciente pode desenvolver úlceras no epitélio metaplásico quando o refluxo continua acontecendo mesmo com a metaplasia. No adenocarcinoma se visualiza uma massa sólida obstruindo o esôfago. Tratamento: a curto prazo é preciso eliminar os sintomas e cicatrizar as lesões. A longo prazo, prevenir e tratar as complicações e evitar recidivas. O tratamento é basicamente pautado em três pilares: (1) medidas comportamentais, (2) medidas farmacológicas e (3) medidas cirúrgicas. (1) As modificações do estilo de vida incluem modificações dietéticas, tais como fazer refeições pequenas, não deitar depois de comer (esperar no min 2h) e evitar lanches noturnos. Além disso, é recomendado que o paciente emagreça, levante a cabeceira da cama, pare de fumar e ajuste medicação concomitante (existem vários medicamentos que fazem relaxamento do EIE, como opioides, anti-espasmódicos, anticolinérgicos, estrogênio, alguns anti-hipertensivos e broncodilatadores) (2) A terapia medicamentosa pode ser feita em vários níveis. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 25 a. Os antiácidos (ou alcalinos) são substâncias que neutralizam o ácido já produzido - hidróxido de magnésio e alumínio, magaldrato e alginato. Eles melhoram a sintomatologia emergencialmente, mas os médicos raramente prescrevem, é mais automedicação. Os bloqueadores de H2 atuam no receptor histamínico das células parietais e diminuem a produção de ácido: cimetidina, ranitidina, famotidina e nizatidina. Eles bloqueiam parcialmente a secreção e principalmente para a secreção noturna são muito bons. Entretanto, aproximadamente 40% dos pacientes vão responder clinicamente ao medicamento, por isso não são bons. b. Os procinéticos aumentam a motilidade do estômago, aumentam o esvaziamento gástrico e aumentam a pressão do EIE e isso é importante porque esvaziar o estômago contribui para não ter material a refluir, mas não é capaz de cicatrizar esofagite e não alivia todos os sintomas do paciente. Podem ser usados quando o paciente tiver retardo do esvaziamento gástrico (reclama de plenitude gástrica) ou então em conjunto com um bloqueador. Os procinéticos mais usados são: cisaprida, bromoprida, domperidona e metoclopramida. c. Os melhores medicamentos, entretanto, são os que bloqueiam de forma efetiva a secreção de ácidos – bloqueiam a bomba produtora de ácido, a bomba de prótons: IBPs. Esses medicamentos têm ação rápida e efetiva e permitem a cicatrização de esofagites. A dose padrão é usada quando o paciente tem grau mais leve de DRGE (A ou B). O tratamento convencional é feito por 8 a 12 semanas. Se o paciente tiver muita esofagite (grau C ou D) ou manifestação atípica, o IBP é usado em dose dupla (um antes do café da manhã e outro antes do jantar). Omeprazol 20-80 mg/d Lansoprazol 30-60 mg/d Pantoprazol 40-80 mg/d Rabeprazol 20-40 mg/d Esomeprazol 40-80 mg/d Efeitos colaterais dos IBPs: alteração da absorção de cálcio, de ferro e vitamina B12 e também podem estar relacionados à pneumonia em pacientes que fazem aspiração do conteúdo gástrico. O maior problema é que o paciente pode continuar tendo DRGE depois do tratamento; se o defeito básico da doença persiste, o paciente pode ter sintomas novamente e isso acontece porque ele tem um problema no relaxamento do EIE. Então, o que se indica fazer quando os sintomas voltam é manter o IBP (como tratamento de manutenção) em dose completa, em dose reduzida ou sob demanda (quando o paciente tiver os sintomas, toma o remédio). Além do tratamento de manutenção, pode ser indicado o tratamento cirúrgico. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 26 (3) A cirurgia anti-refluxo é indicada em diversas situações: (1) quando o paciente está em uso de IBP, mas não está respondendo bem ao tratamento, (2) quando o distúrbio do paciente é intratável ou ele precisa de altas doses de medicamentos para se sentir bem e cicatrizar sua esofagite, (3) pacientes com esofagite muito grave – graus C e D, (4) esôfago de Barrett, (5) refluxo biposicional – há regurgitação no pacientequando ele está deitado e em pé, (6) hipotonia do EIE ou (7) pacientes com sintomas atípicos, principalmente pulmonares (aspiração). Nessa cirurgia se faz uma fundoplicatura por videolaparoscopia; identifica-se o pilar diafragmático, fecha um pouco seu orifício (geralmente está mais alargado do que deveria), depois traciona o fundo gástrico e a parede anterior do estômago de modo a envolver o esôfago e estrangula-lo – isso reforça o pinçamento do órgão e fecha mais a sua luz. Assim, a comida desce e não consegue mais subir. A cirurgia apresenta 90% de sucesso, mas 10% dos casos apresentam sintomas pós-cirúrgicos. *No Barrett: o tratamento deve ser feito com IBP em dose dupla ou o paciente pode ser encaminhado para cirurgia. O monitoramento é feito de 1 a 3 anos com realização de endoscopia, pois dependendo do grau e dos fatores de risco do paciente, ele pode desenvolver neoplasia. É preciso ter controle efetivo da DRGE nesse paciente e sempre manter a sua mucosa cicatrizada. Se houver displasia de baixo grau, acompanhar o paciente a cada 6 meses para ver evolução. Se passar para displasia de alto grau, deve-se indicar: (1) ablação do esôfago (queima-se a região do Barrett, cauteriza) e (2) mucosectomia (quando o endoscopista começa a cortar o epitélio do esôfago entre o epitélio e a submucosa; vai escavando embaixo da submucosa, tirando a camada onde está o Barrett). Além disso, se a displasia de alto grau for extensa, melhor fazer esofagectomia porque alguma área já pode ter câncer. Se já tem o câncer, não tem saída: precisa ser tirada a parte comprometida – é mais comum acontecer no esôfago distal – fazendo, então, esofagectomia e anastomose esôfago-gástrica. IBP + procinético = não cicatriza a esofagite. Essa associação só é indicada para pacientes que regurgitam muito e que têm plenitude pós-prandial. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 27 Caso Clínico II Identificação: mulher de 26 anos, bancária, natural e procedente de Curitiba. Queixa principal: “dor no estômago” História Mórbida Atual: há 2 anos iniciou com epigastralgia em queimação, cíclica, sem relação com alimentação e de predomínio diurno. Dependendo do alimento apresenta sensação de peso e plenitude pós-prandial. A epigastralgia melhora com o uso de antiácidos e piora quando está tensa. Nega alterações do ritmo intestinal e diz estar com o peso estável. História Mórbida Pregressa: Transtorno de Humor (Depressão): faz psicoterapia 2 vezes na semana e usa Escitalopran 20mg/dia. Fibromialgia: sem tratamento adequado; usa Paracetamol ou Dipirona ou Ciclobenzaprina para alivio das dores no corpo. História Mórbida Familiar: Mãe: depressiva e hipertensa Pai: com histórico de úlcera péptica Condições e Hábitos de Vida: Nega tabagismo e etilismo Uso de maconha na adolescência Sedentária Revisão dos Sistemas: Misto de sintomas depressivos e irritabilidade. Ao exame físico: PA: 110/70 mmHg FC: 80bpm Temperatura axilar: 36,0oC 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 28 Peso: 65 Kg Altura 1,70m Paciente corada, hidratada, anictérica e eupneica. Exame da cabeça, tórax e membros sem alterações. Exame do abdome: plano, RHA+, flácido, doloroso à palpação profunda de epigástrio, sem visceromegalias e timpanismo normal. *A paciente tem síndrome da dor epigástrica associada à síndrome pós-prandial: dor ou queimação localizada no epigástrio, moderada a intensa, intermitente e que ocorre, no mínimo, 1x/semana, nos últimos 3 meses. *Gastrite nervosa: estresse orgânico grave (politraumatizado, p.ex.). Acontece porque o corpo tira o sangue do estomago e distribui para órgãos vitais. Essa diminuição da vascularização do estomago, leva a gastrite nervosa. *Gastrite crônica por H. pilory: geralmente é assintomática, há um infiltrado linfocítico (monomorfonuclear). Isso faz atrofia da mucosa gástrica. É o terreno fértil para fazer ulcera e câncer gástrico. Além disso, o paciente pode apresentar diminuição de vitamina B12, pela diminuição da produção do Fator intrínseco levando a uma anemia. *Tem outro tipo de gastrite, que é a gastrite medicamentosa, principalmente causada por anti- inflamatórios. E também há a gastrite erosiva. *Úlcera péptica: a principal causa, 90% dos casos, é devido a H. pylori. Depois é causada por anti- inflamatórios. Na ulcera há uma perda de substancia, uma ferida. Enquanto que a gastrite é um ‘aranhado’. A úlcera é evolução da gastrite crônica. A paciente pode ter UP, mas ela não tem desconforto relacionado à alimentação e também porque a paciente tem 2 anos de sintomas cíclicos ‘curtos’. A UP se apresenta em ciclos, mas são ciclos longos. A complicação da UP é o sangramento e a perfuração (cai acido na cavidade abdominal). *Parasitose: giárdia faz dor abdominal epigástrica (se acomoda no intestino proximal). O exame parasitológico de fezes. *Dispepsia funcional: baixo limiar de dor (hipersensibilidade), motilidade alterada e alterações emocionais. *Intolerância à lactose: deficiência enzimática. Quando o paciente come ele tem os sintomas. A lactase quebra a lactose em glicose e galactose. O dx é feito com um teste em que o paciente tem que tomar 50g de lactose – para o exame ser negativo, a glicose sanguínea tem que aumentar em, 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 29 no mínimo, 20 mg/dL. Se esse teste não der certo, fazer o teste caseiro (o paciente para de comer alimentos com lactose). *Doença de Crohn: doença inflamatória intestinal (pode acometer todo tubo digestivo). Pode ter uma ulcera estomacal por doença de Crohn (extremamente raro). *Doença celíaca: podem não apresentar diarreia. A doença celíaca é uma intolerância ao glúten (que tem no trigo, cevada, centeio e aveia). É uma doença inflamatória da mucosa intestinal devido a uma resposta imune ao glúten. Pode causar anemia, gases, estufamento. A doença celíaca tem um componente genético (HLA DQ2 e DQ8) e afeta principalmente intestino proximal (duodeno e jejuno). Tratamento de DC: dieta. Dx: dosagem de anticorpo e biopsia. *Pacreatite crônica: a grande causa é o álcool. Na idade da paciente, a causa de pancreatite mais comum é Fibrose Cística. *Adenocarcinoma: a idade da paciente e o tempo de doença não sugerem adenocarcinoma. Nesta idade, a neoplasia mais comum é o linfoma. 1- Clinicamente é possível definir o diagnóstico? Justifique? Segundo o Consenso Roma III, a Dispepsia Funcional pode ser diagnosticada de acordo com 3 critérios diagnósticos: - Queixas dispépticas durante os últimos 3 meses e que se iniciaram, no mínimo, há 6 meses. - É fundamental a presença de um ou mais dos seguintes sintomas: Empachamento pós-prandial. Saciedade precoce. Dor epigástrica. Queimação epigástrica. - Fundamental a ausência de lesões estruturais, incluindo-se a realização de uma endoscopia digestiva alta, que possam justificar os sintomas. Portanto, não é possível definir o diagnóstico apenas clinicamente. Seria necessária a realização de uma endoscopia digestiva alta para confirmar a ausência de lesões, que poderiam estar causando os sintomas da paciente. Mas a dispepsia funcional é um diagnóstico muito provável, já que a paciente apresenta dor epigástrica, queimação epigástrica e empachamento pós-prandial (peso e plenitude). Além disso, os sintomas se iniciaram há 2 anos. Tem-se, ainda, um histórico familiar que pode ter uma relação com o quadro da paciente (pai com úlcera péptica). Há, também, o estado emocional da paciente, que pode gerar um aumento da produção de ácidogástrico. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 30 2- De acordo com seu diagnóstico clínico, cite os fatores etiológicos relacionados com a doença. Cerca de 20-40% da população mundial apresenta alguma queixa dispéptica. Entretanto, apenas 30% procura atendimento médico. Os sintomas podem surgir em qualquer idade e são mais prevalentes no sexo feminino. A fisiopatologia da doença é desconhecida. São vários os fatores etiológicos considerados: (1) hipersecreção ácida, (2) alteração da motilidade gastroduodenal, (3) alteração da sensibilidade visceral, (3) alteração de acomodação gástrica, (4) fatores pscicossociais e (5) gastrite associada a H. pylori. Atualmente se acredita que uma combinação dos fatores pscicossociais e fisiológicos possa ser responsável pelo quadro clinico. Tabagismo, etilismo e uso de AINES (anti-inflamatórios não esteroidais) NÃO são considerados fatores de risco. Contudo, os pacientes com DF apresentam mais risco de desenvolver sintomas quando tratados com AINES. Alguns mecanismos fisiopatológicos estão sendo propostos para tentar explicar o inicio do quadro: (1) dispepsia pós-infecciosa, em que os sintomas surgem após episódio de gastrenterite, particularmente depois de surtos de salmonelose; (2) presença de inflamação crônica no duodeno, que cursa com infiltração eosinofílica e (3) fatores genéticos, como o gene β-3 – tem sido associado com frequência a essa doença. Tem sido demonstrada a não relação entre um aumento na produção de ácido pelo estômago e os pacientes com DF. Foram analisados pacientes e se observou que tanto a produção basal, quanto a produção máxima de ácido pelo estômago são normais nos dispépticos quando comparados a indivíduos que não possuem a doença. Contudo, os pacientes com DF podem apresentam uma hipersensibilidade quando submetidos a uma mesma quantidade de ácido no estômago que os indivíduos normais. Fatores psicossociais: diagnósticos psiquiátricos, como depressão e ansiedade, são comuns em pacientes com DF. Esses fatores parecem estar associados a um contingente expressivo de dispépticos funcionais, porém deve ser ressaltada a necessidade de estudos muito bem elaborados, objetivando uma melhor quantificação do estresse, tanto aguda como crônica, e das inter-relações entre função gastrintestinal, sistema nervoso autônomo, limiar de dor e estresse. 3- Há necessidade de investigar o caso? Se a resposta for negativa justifique, se afirmativa, qual (s) exame (s) solicitar. Sim, é necessária a investigação dos sintomas para descartar dispepsia orgânica (ulcerosa) – que acontece por fator genético, um dos fatores que ela tem, já que seu pai tinha a doença ulcerosa. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 31 Não é necessário realizar muitos exames, sobretudo em pacientes com sintomas típicos e que não apresentam sintomas de alarme (emagrecimento, vômitos recorrentes, disfagia progressiva, presença de sangramento, icterícia). O Comitê de Roma III sugere que a abordagem dos pacientes dispépticos seja separada em dois grupos: - Dispepsia não investigada: Avaliação de sintomas de alarme Exclusão de AAS e outros AINES Na presença concomitante de sintomas típicos de refluxo, o diagnóstico deve ser DRGE. Iniciar tratamento com IBPs. Em pacientes jovens, sem sinais e sintomas de alarme, exames não invasivos para pesquisa de H. pylori (teste respiratório, antígeno fecal ou sorologia). Nos casos positivos iniciar o tratamento com ATB. Endoscopia digestiva alta: pacientes que apresentam sinais de alarme e com idade superior a 40 anos, especialmente aqueles com sintomas agudos. - Pacientes com diagnóstico de dispepsia funcional: EDA: realizar durante um período sintomático e, preferencialmente, sem terapia antissecretora é essencial para o diagnóstico. É recomendada a realização de biopsias durante o procedimento, visando detectar H. pylori. Ultrassonografia não é indicada de rotina. Deve ser realizada quando há suspeita de doença pancreática ou na via biliar. Eletrogastrograma e Barostato gástrico: avaliar motilidade e tempo de esvaziamento gástrico. 4- Como tratar? A melhor forma de tratar pacientes com DF é de maneira ampla e global, tentando identificar os fatores causadores dos sintomas, particulares a cada paciente. Muitos pacientes obtêm melhora do quadro com simples mudanças no estilo de vida e adoção de hábitos mais salutares em seu cotidiano (dieta, atividade física e exercícios de relaxamento). - Recomendar hábitos saudáveis: comer devagar, mais vezes ao dia, menor quantidade. Evitar alimentos gordurosos, condimentados, ácidos, café, cigarro e álcool. - A utilização de remédios está indicada para fases sintomática, cuja duração é variável. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 32 - Antiácidos, drogas anti-secretoras (IBP e inibidores de H2 – principais drogas de escolha para pacientes com DF e dor epigástrica), procinéticos (metoclopramida, domperidona e bromoprida – pacientes com desconforto pós-prandial), ATB para erradicação de H. pylori (claritromicina e amoxicilina associado com IBP), ansiolíticos e antidepressivos. Os fatores emocionais devem ser avaliados. Muitas vezes está indicada psicoterapia, ou outras técnicas que objetivem redução do estresse e também antidepressivos tricíclicos. Os antidepressivos têm uma ação sobre o limiar de dor do paciente, além de diminuir a ansiedade. Tutorial (17/08): Pontos importantes do caso: dor epigástrica do tipo queimação, sensação de plenitude, sem dor noturna, sem relação com alimentação, melhora com antiácidos, piora com tensão, sem alteração de hábitos intestinais e perda de peso. Faz uso contínuo de escitalopran (da classe dos inibidores da captação de serotonina), tem depressão, fibromialgia (pessoa chega com várias dores ao longo do corpo, sem existir uma alteração inflamatória, é uma doença funcional (sem lesão)). Doença funcional primária ou doença idiopática: não se sabe direito o que é. Não tem causa para ocorrência, como a fibromialgia. Doença orgânica: existe uma causa, uma lesão, que justifica os sintomas do paciente. A dor é sentida por processo inflamatório. UP: existe uma relação com fatores genéticos e é causada, primordialmente, pelo H. pylori (é a causa maior da doença). O principal dessa história é a dor epigástrica. O que causa esse tipo de dor? Gastrite, úlcera péptica (gástrica ou duodenal), coronariopatia, pancreatite, refluxo, gastrinoma, doença celíaca, dispepsia funcional, doença biliar, aneurisma, pneumonia e dor na parede abdominal. Pneumonia 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 33 não pode ser porque a paciente não tem sintomas respiratórios. Aneurisma não pode ser porque o quadro é crônico e a paciente não está na idade de tal feitio. Doença celíaca não pode ser porque não dói. Coronariopatia não se encaixa pela cronicidade, idade do paciente, sem fatores de risco e sem história familiar. Pancreatite pode ser descartada porque a paciente não apresenta fator de risco, que é o alcoolismo. Gastrinoma (tumor que produz gastrina, hormônio responsável pela secreção de HCl) entra como causa de ulcera péptica, pois a alta produção de HCl lesiona a mucosa). Dor biliar é do tipo cólica e agudamente forte, com momentos de desaparecimento, portanto pode ser descartada também, além de que o histórico da doença é de acometimento de mulheres obesas e com mais de 50 anos. DRGE pode ser, mas a paciente não apresenta nenhum sintoma que remete a essa doença. Portanto, sobra gastrite, úlcera péptica e dispepsiafuncional – as duas primeiras são orgânicas e a ultima é funcional (acontece por hipersensibilidade gástrica, apesar de não haver hipersecreção, pode ser por atividade mioentérica alterada). Dispepsia funcional: alteração do funcionamento e da sensibilidade do estômago. O paciente que faz dispepsia funcional é aquele que sofre com alteração emocional. Não é possível afirmar com certeza que alguém tem essa doença, apenas que o paciente tem quadro dispéptico (qualquer sintoma de tubo digestivo alto como dor epigástrica, náusea, mal estar e sensação de plenitude). A paciente tem uma dispepsia não investigada, que pode ser (1) orgânica – gastrite, úlcera, parasitose, DRGE – alguma lesão orgânica que explica o sintoma ou (2) funcional – sem causa lesiva, mas que acarreta os sintomas. Preciso endoscopar o paciente? Não necessariamente. Eu não preciso porque ela é jovem, os sintomas são típicos de dispepsia funcional, não há sinais de alarme. Caso ela faça a endoscopia, os resultados viriam todos normais. A endoscopia ajuda na identificação do H. pylori. Pode-se, ainda, pedir um exame parasitológico de fezes para descartar doença orgânica e um hemograma, creatinina e glicemia (diabético faz dispepsia também, por isso é importante investigar), exame de TSH (sintomas corroboram com hipotireoidismo). H. pylori: identificado por endoscopia, que coleta biópsia e se faz o teste de urease. Há, ainda, o teste respiratório: eu pego ureia radiomarcada com carbono, o paciente toma e como o H. pylori é a única que produz urease, ela vai usar esse carbono para essa produção. Se tiver carbono radiomarcado na respiração do paciente, indica que foi usado pela bactéria. Causa gastrite crônica, adenocarcinoma, linfoma tipo Malte, úlcera péptica e dispepsia funcional. Tto: IBP é o mais frequentemente utilizado, procinéticos (para auxiliar no esvaziamento gástrico), bloqueadores de H2, antidepressivos/ansiolíticos, antiácidos (para aliviar a dor), acupuntura, agonistas do receptor da serotonina (5HT4 – medicamentos que agem no tubo digestivo), indicar para psicoterapia e tratar o H. pylori. Indicar, também, correções nas alimentações: retirar os irritativos gástricos, como café, tempero, chocolate, pimenta e ainda evitar 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 34 comidas gordurosas. O melhor tratamento é o acompanhamento psicossocial do paciente, para parar de apresentar a sintomatologia. Antidepressivos x ansiolíticos: ansiolítico é remédio para ansiedade, sendo que não necessariamente ele está depressivo. O antidepressivo é para o paciente deprimido cronicamente. Alguns antidepressivos têm efeitos ansiolíticos muito bons. Os ansiolíticos a longo prazo podem fazer dependência, por isso a preferência pode ser por antidepressivos. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 35 AULA 3 GASTRITE E H. PYLORI Existem três tipos de gastrite, de acordo com a classificação de Sydney (1990): Gastrite aguda – também chamada de erosiva. Gastrite crônica Formas especiais GASTRITE AGUDA/EROSIVA: É um processo inflamatório da mucosa gástrica caracterizado por infiltrado PMN e, endoscopicamente, o diagnóstico é feito por alterações como enantema (vermelhidão de mucosas) e/ou erosões. A classificação da gastrite como aguda não tem relação com o tempo de duração da doença. O termo aguda se refere à presença de processo inflamatório da mucosa gástrica caracterizada por predomínio de polimorfonucleares. Etiologia e fisiopatologia: Etanol: o álcool não faz gastrite crônica, apenas erosiva/aguda. O etanol é lipossolúvel e causa a degradação da membrana da célula epitelial gástrica, fazendo alteração da permeabilidade da mucosa gástrica. Isso faz com que haja passagem de ácido da luz do estômago para dentro das células (retrodifusão de ácido). Por fim, essas células são perdidas e se instala a erosão. AINE/AAS: atuam sobre a COX, promovendo redução de prostaglandinas, o que afeta diretamente na mucosa gástrica. As PG são responsáveis pela produção de muco, bicarbonato e fluxo sanguíneo para a mucosa gástrica e, uma vez que essas PG estão diminuídas, ocorre redução da barreira mucosa, favorecendo as lesões. Hipoperfusão: estresse, choque hipovolêmico, grandes queimados são situações que mais causam hipoperfusão. Nesses casos, as catecolaminas são liberadas, e ocorre vasoconstrição, isquemia da mucosa, redução da defesa (diminui muco e bicarbonato), retrodifusão de ácido e consequentemente, lesão. Infecciosa: por bactérias (como H.pylori e flegmonosa), vírus, fungos e parasitas. É muito raro o aumento da produção de ácido ser o agente causador da lesão. Então, o grande problema não é o aumento da produção de ácido, mas sim a redução da barreira mucosa. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 36 Diagnóstico: É feito primeiramente pela clínica. Os sintomas mais comuns são: dor epigástrica do tipo queimação, sensação de peso e plenitude, náuseas e vômitos, hematêmese ou melena. O exame físico no geral é normal, podendo haver dor a palpação epigástrica. O diagnóstico é feito pela EDA (existe descamação da mucosa, por perda do epitélio. O local onde houve essa perda do epitélio é recoberto por fibrina, que faz uma camada esbranquiçada). A histologia na gastrite aguda não é necessária, mas se biopsiar e mandar para análise, será possível observar edema da lamina própria, congestão capilar, hemorragia, erosões e infiltrado de neutrófilos PMN (caracteriza gastrite aguda). Não fazemos biopsia nas gastrites agudas, pois o aspecto é característico, então basta a EDA para diagnóstico, Tratamento: são utilizados, basicamente, medicamentos que atuam na acidez, seguindo o termo “sem ácido, sem úlcera”. Antiácidos: neutralizam o ácido já produzido. Devem ser utilizados 1 e 3h após cada refeição (média de 6 vezes ao dia). Tratamento de 4 a 8 semanas. o Hidróxido de alumínio o Hidróxido de magnésio o Magraldato o Alginato Sulcralfato e bismuto: atuam na barreira física entre o epitélio gástrico e agentes agressores, além de aumentarem PG. São utilizados de 1 a 4 vezes ao dia. Tratamento de 4 a 8 semanas. Análogos de prostaglandinas: não disponíveis no Brasil (abortivos). Aumentam as PG endógenas fazendo com que se aumente a secreção de muco e bicarbonato protegendo a mucosa. Tratamento de 4 a 8 semanas. Bloqueadores H2: bloqueiam a secreção de ácido por período curto. Devem ser tomados a noite (atuam na secreção ácida noturna). Tratamento de 4 a 8 semanas (efeito mais limitado). o Cimetidina 800 mg/d o Raniditida: 300 mg/d o Famotidina: 40 mg/d IBP: devem ser tomados de manhã, 15 a 30 minutos antes de comer. Tratamento de 2 a 4 semanas (mais eficazes) o Omeprazol 20 a 40 mg/d 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 37 o Lanzoprazol 30 mg/d o Pantoprazol 40 mg/d o Rabeprazol 20 mg/d o Esomeprazol 40 mg/d A gastrite erosiva pode ser autolimitada, mas apresenta recidivas frequentes. A dor pode interferir na qualidade de vida e ela é importante quando o paciente tem sangramento. Esse tipo de gastrite não evolui para úlcera, mas é possível ter simultaneamente gastrite erosiva e úlcera. Então, a gastrite erosiva não é muito importante, diferente da gastrite crônica. GASTRITE CRÔNICA: São entidades histológicas, caracterizadas pelo infiltrado de MMN (predominantemente), com ou sem PMN (agudo), na mucosa gástrica. Pode comprometer o antro, o corpo ou ambos. Os fatorescausadores (etiologia) da gastrite crônica são: Helicobacter pylori e gastrite autoimune. Clinicamente, 95% dos pacientes são assintomáticos, e quando apresentam algum sintoma normalmente é dispepsia (dor epigástrica, plenitude). Gastrite crônica autoimune: É rara. Predomina nos europeus do Norte. Compromete o corpo gástrico. Ocorre a produção de anticorpos contra células parietais e fator intrínseco. As células parietais são produtoras de ácido e, se há anticorpos contra elas, haverá hipo ou acloridrica (sem secreção de ácido). Essa diminuição de ácido ocorre devido à atrofia da mucosa, causada pela destruição glandular. Além disso, se há redução de FI, o paciente não consegue absorver vitamina B12 e, por isso, pode apresentar anemia megaloblástica. A vitamina B12 é importante para produção de hemácias e formação da bainha de mielina dos nervos. Se essa vitamina diminuir, pode haver comprometimento neurológico. Esses pacientes podem ter lesão periférica (coluna e MMII), perda de sensibilidade e fraqueza muscular. A clínica da gastrite crônica autoimune é geralmente assintomática – 95% (paciente não vai ter nenhum sintoma digestivo). O diagnóstico da gastrite crônica autoimune pode ser feito bioquimicamente através da pesquisa de anticorpos anti-célula parietal e anti-fator intrínseco. Na EDA será possível observar gastrite crônica presente no corpo gástrico - nas lesões de gastrite crônica existe alteração do relevo das lesões (depressões, sulcos, atrofias). Histologicamente o patologista observa gastrite crônica atrófica severa + metaplasia intestinal. Portanto, há presença de processo inflamatório crônico (MMN) e destruição das glândulas produtoras de ácido (atrofia). 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 38 O tratamento dessa doença é basicamente reposição de B12 pelo resto da vida. Não adianta administrar B12 via oral, pois como não tem FI, não ocorre absorção da vitamina. Portanto, a reposição tem que ser intramuscular ou endovenosa. É necessário monitorar pacientes com gastrite crônica autoimune com EDA e histologia anual pelo risco de câncer gástrico. Toda gastrite crônica atrófica que tem metaplasia intestinal tem risco de câncer gástrico. Helicobacter pylori e gastrite crônica: Causador (fator etiológico) de 95% das gastrites crônicas. A bactéria é um bacilo gram negativo, espiralada, flagelada e, portanto, móvel. O H. pylori se adapta ao meio gástrico, pois ele tem formato espiralado e flagelo, então ela é capaz de perfurar o muco gástrico e se aderir ao epitélio (abaixo do muco – ali não tem tanto ácido). Epidemiologia: - Cosmopolita (50% da população mundial está infectada). - Contaminação predominante a antes dos 5 anos. - A transmissão é fecal-oral ou oral-oral. - Dependente da condição sócio-econômica. - 70% da população do Brasil é contaminada. A bactéria coloniza primeiramente o antro, pois nessa região não tem ácido, somente muco – no antro tem células produtoras de muco, somatostatina e gastrina. Depois, a H. pylori compromete o corpo/fundo gástrico. A clínica é assintomática em 95% dos pacientes, mas pode causar sintomas dispépticos (plenitude, náusea). A H. pylori produz BAB-A, que é uma proteína de adesão ao epitélio. A H. pylori não invade as células, ela fica aderida no epitélio ou solta dentro do muco. Além disso, essa bactéria produz a urease, que degrada a ureia existente no muco do estômago, formando dióxido de carbono + amônia. A amônia promove um ambiente alcalino, que favorece a vida da H. pylori. A H. pylori tem no seu genoma uma ilha chamada de ilha de patogeninidade cag ou cagPAI, a qual é uma sequência gênica/fragmento do DNA. Nesse segmento existem vários genes produtores de toxinas (nessa ilha estão os genes mais agressivos da bactéria). O primeiro gene a ser descoberto foi o cag e por isso se deu esse nome à ilha. Essa sequência gênica mostrou que há vários genes produtores de toxinas (proteínas), sendo as mais 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 39 importantes a CagA e a VacA. Essas toxinas são importantes e as bactérias que as produzem são as mais agressivas. A CagA forma um canal entre a bactéria e a célula do epitélio gástrico para que as outras toxinas sejam injetadas. A partir desse canal, a VacA e BAB, por exemplo, entram dentro do citoplasma da célula do epitélio gástrico. A VacA é uma toxina vacuolizadora, a qual faz lesão mitocondrial e consequentemente morte celular. No local onde a célula morreu é formada uma nova célula e esse processo de destruição e regeneração pode fazer com que se forme um câncer de estômago ou predisponha a úlcera. Quando o paciente tem H. pylori CagA ou VacA positivos, há 20% de chance para desenvolver úlcera e de 1 a 3% para desenvolver câncer. Então nem todas as H. pylori são iguais. Além da úlcera péptica e do câncer, a H. pylori pode causar o linfoma Malt (Malt significa tecido linfoide associado a mucosa). A H. pylori tem a capacidade de regular a produção de ácido. Essa bactéria regula as células D presentes o antro, as quais são produtoras de somatostatina. A H. pylori diminui a ação da célula D, o que diminui a somatostina e aumenta gastrina, a qual vai até células parietais e estimula produção de ácido. Então, no começo da infecção por H. pylori, quando ainda não tem atrofia gástrica, ocorre hipercloridria. Ao decorrer da infecção, quando ocorre atrofia gástrica, ou seja, destruição de células parietais, não se tem mais a secreção de ácido – hipo ou acloridria. Infecção pelo H.pylori: 1ª fase – gastrite aguda: ocorre quando o indivíduo se contamina. A bactéria fica apenas no antro gástrico (região que tem mais muco - se abriga melhor). Clinicamente o paciente pode ter sintomas de gastrite aguda (náusea, dor epigástrica, vômito). Se nesse momento for feito uma EDA vai ser possível observar gastrite e caráter avermelhado. A histologia vai mostrar infiltrado neutrofílico (PMN). Quando a H.pylori entra tem estimulo de uma interleucina chamada de interleucina beta-1, a qual estimula a diminuição da produção de ácido, favorecendo a instalação da bactéria - hipocloridria (transitória). Essa gastrite aguda dura 3 semanas. 2ª fase - gastrite crônica: a gastrite clássica da H.pylori é gastrite crônica ativa antral + infiltrado de MMN (predominantemente) + PMN (gastrite aguda somada). O termo ATIVA quer dizer que existe PMN junto com MMN (infiltrado agudo e crônico). Geralmente os pacientes são assintomáticos. A resposta humoral local e sistêmica faz com que haja produção de Ac contra H. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 40 pylori (IgG, IgA, IgM), porém esses anticorpos não são capazes de destruir a H.pylori, uma vez que a bactéria não consegue entrar nas células. Além disso, ocorre aumento da produção de gastrina e depois retorno da secreção acida normal. 3ª fase – lesão crônica: nessa fase a H.pylori migra também para o corpo/fundo gástrico. A medida que a bactéria sobe do antro para corpo, haverá cada vez mais destruição de glândulas produtoras de ácido, causando atrofia glandular. Então a gastrite crônica ativa passa a ser gastrite crônica atrófica. Portanto, devido à destruição das células produtoras de ácido vai haver hipocloridria/acloridria (devido à atrofia). Nessa fase os pacientes têm maior predisposição a desenvolver úlcera gástrica e câncer gástrico. Portanto, o câncer aparece na terceira fase da infecção por H.pylori. Entao o caso típico é que o paciente tinha estomago normal, foi infectado por H. pylori, desenvolveu gastrite cronica ativa no antro, que depois evoluiu para gastrite cronica atrofica e,depois, para GCA (gastrite cronica atrofica) com metaplasia intestinal. Essa metaplasia levou a uma alteração no DNA e na sua replicação, gerando displasia e, por fim, câncer. Existem dois tipos de adenocarcinoma no estômago: (1) difuso e (2) intestinal – veio de uma metaplasia intestinal. Além do H. pylori, outros fatores como genético, resposta imune, fatores ambientais e bile podem desencadear câncer gástrico. O H. pylori está sempre no antro, mas nem sempre no corpo gástrico! Diagnóstico da gastrite crônica: A EDA sugere o diagnóstico. É possível observar nodularidade da mucosa antral por ação inflamatória – hiperplasia linfoide. A Histologia confirma o diagnóstico. Identifica a possível presença de inflamação crônica (MMN), atividade/inflamação aguda (PMN), atrofia glandular, metaplasia intestinal, H. pylori, além de graduar a gastrite como leve, moderada ou severa. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 41 Diagnóstico da gastrite crônica por H. pylori: - Métodos não invasivos: utiliza sangue, ar expirado ou fezes. Pode ser feita sorologia para pesquisa de anticorpos. A sorologia serve para dizer se o paciente teve ou não contato com H. pylori, mas não diz se o paciente está ou não com a bactéria. Então é usado somente em estudo epidemiológico. Além disso, pode ser feito o teste respiratório com ureia marcada (alta sensibilidade e especificidade) - indisponível no Brasil. Pode ser feito também a pesquisa de antígeno fecal – H. pylori nas fezes. - Métodos invasivos: necessita EDA e biópsia gástrica. Pode ser realizada cultura, histologia (é feito biopsia do corpo e do antro para ter parâmetro comparativo e determinar em que fase a infecção está). Além disso, pode ser feito o teste da urease, o qual é barato e de fácil execução. É colhida uma amostra de tecido gástrico obtido através da endoscopia + biopsia gástrica (antro ou corpo). Essa amostra é colocada em uma solução que contem ureia + indicador de pH colorido. A ureia presente no muco gástrico sofre ação da H. pylori, a qual, na mucosa gástrica produz urease, que degrada a ureia em amônia. Isso faz com que haja mudança de pH (agora alcalino) e da cor da solução = teste positivo. Erradicação do H. pylori – tratamento: São necessários usar, no mínimo, 2 antibióticos. As drogas usadas são basicamente: Sais de bismuto Amoxicilina – se o paciente for alérgico, indica-se o uso de Metronidazol. Macrolídeos: Claritromicina, Azitromicina – no Brasil a resistência à claritromicina é de 12%. Tetraciclinas, Doxiciclina Nitroimidazólicos: Metronidazol, Tinidazol Quinolonas: Levofloxacino, Ofloxacino Eritromicina 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 42 Opções terapêuticas quando há falha de erradicação: Terapia quádrupla com bismuto: IBP + Bismuto + AMO ou TET + MET Terapia sequencial: IBP + AMO 1g 2x/dia – 5 dias ou IBP + CLA 500mg + TIN 500mg 2x/d – 5 dias Terapia concomitante: IBP + CLA + MET/TIN + AMO Terapia com Levofloxacino: IBP + LEV + AMO Tratamento básico: terapia quádrupla com Bismuto ou IBP + AMO/MET + CLA FORMAS ESPECIAIS DE GASTRITE: Gastrite reativa (por refluxo alcalino): ocorre devido ao refluxo biliar em gastrectomizados ou incompetência do piloto (refluxo duodenogástrico). É um tipo de gastrite crônica e pode também levar ao câncer gástrico. Clinicamente é assintomática, mas pode haver dor epigástrica e vômitos biliosos. O diagnóstico é feito a partir da endoscopia - que vai detectar enantema (vermelhidão) e erosões, e pela patologia – vai detectar infiltrado inflamatório crônico, atrofia e metaplasia intestinal. O tratamento é com anti-ácidos: quelante de sais biliares – se liga e neutraliza sais biliares. Pode ser feito ainda derivação em Y de Roux (Billroth II). Gastrite linfocítica: tem sua etiologia provavelmente relacionada à doença celíaca. Na clínica encontra-se epigastralgia tipo úlcera, náuseas, vômitos, perda de peso e hemorragia. O diagnóstico é feito pela EDA, a qual vai mostrar erosões elevadas; histologia, a qual vai mostrar gastrite crônica com infiltrado predominante de linfócitos; anticorpos antiendomísio ou antitransglutamianase. O tratamento é a retirada do glúten caso confirmação de doença celíaca. Gastrite eosinofílica: se a IgE estiver aumentada sabemos que a etiologia dessa gastrite é alergia/atopia. Caso a IgE esteja normal, a provável etiologia é enteroparasitose. A clínica da gastrite eosinofílica é igual a linfocítica. O diagnóstico é pela EDA, a qual vai detectar nodularidade da mucosa gástrica; na histologia será observado um infiltrado eosinofílico na mucosa gástrica; e é preciso fazer dosagem de IgE e hemograma (eosinofilia). O tratamento é feito com vermífugo ou corticoide. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 43 Caso clínico III Identificação: homem de 47 anos, pedreiro, natural e procedente de pinhais. Queixa principal: dor no estômago HMA: há 3 meses iniciou com dor epigástrica cíclica, pré-prandial, que alivia quando come, mas depois volta a doer, irradiada para o hipocôndrio direito e o dorso à direita. Às vezes acorda na madrugada com dor e teve um episódio de vômito. Nega alteração intestinal. HMP: HAS: usa Enalapril 10mg 12/12 horas. Cirurgias: apendicectomia. HMF: Mãe: falecida por CA de cólon Pai: falecido de IAM Condições e Hábitos de Vida: Tabagista de 20 cigarros ao dia, há 30 anos. Etilista de aguardente diariamente, 3-5 “martelinhos” (cerca de 100 mL por dose) ao dia. Alimentação com pouca fibra e muito carboidrato. Revisão Dos Sistemas: Mantendo peso. Está em uso de Ibuprofeno 600mg 8/8 horas devido a trauma de bicicleta há 10 dias. Ao exame físico: PA: 120/80mmHg FC: 92bpm Temperatura axilar: 37,0oC Peso: 72 Kg Altura 1,70m Paciente corado, hidratado, anictérico e eupneico. Exame da cabeça, tórax e membros sem alterações. Exame do abdome: plano, RHA+, flácido, doloroso à palpação profunda de epigástrio, sem visceromegalias e timpanismo normal. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 44 1- Qual o diagnóstico provável? Justifique pela clínica. O provável diagnóstico é úlcera péptica gastroduodenal. Não é muito fácil diferencia-las pela clínica, mas algumas dicas estão abaixo: • A úlcera gástrica tem como característica a dor em 4 tempos: dói- come-passa-dói – a ingestão de alimentos às vezes piora ou desencadeia o sintoma; diferente da úlcera duodenal – UD - que a dor ocorre em 3 tempos: dói, come e passa – a alimentação geralmente melhora a dor, depois de um tempo em que há o esvaziamento gástrico, volta a doer. • O fato de o paciente ser despertado pela dor no meio da noite (“clocking”) é sugestivo de presença de ulcera, particularmente a duodenal. 2- Qual a fisiopatologia desta doença? As úlceras pépticas constituem soluções de continuidade da mucosa gastrintestinal secundárias ao efeito corrosivo do HCl e da pepsina, estendendo-se através da muscular da mucosa, atingindo a submucosa e, até mesmo, a muscular própria. Se a lesão é mais superficial, é dita como erosão. Podem se desenvolver em qualquer porção do trato digestório exposta à secreção em concentração e duração suficientes. A úlcera duodenal é a forma predominante da doença ulcerosa, sendo 5x mais frequente do que a ulcera gástrica; localiza-se na primeira porção do duodeno e acomete mais homens, de 30 a 55 anos. A úlcera gástrica é localizada na regiãodo antro gástrico, no epitélio não secretor de ácido, próximo à transição para o epitélio secretor localizado no corpo do estômago; acomete homens de 50 a 70 anos de idade. O declínio na prevalência de úlceras pépticas tem sido atribuído à redução das taxas de infecção pelo H. pylori – relacionado com melhoria dos padrões de higiene e condições sanitárias urbanas. Entretanto, existem outros fatores associados além da bactéria. O fator genético é muito importante – permite variação na população de células parietais e diferentes limiares de sensibilidade das células envolvidas no processo secretório gástrico. Envolve também os mecanismos de defesa da mucosa – indivíduos normais têm equilíbrio entre os fatores agressivos e defensivos e quando essa condição é alterada, favorece ao desenvolvimento da úlcera. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 45 A úlcera é uma afecção de origem multifatorial. Fatores ambientais desempenham importante papel na eclosão da doença nos indivíduos geneticamente predispostos. A infecção por H. pylori é fundamental. Indivíduos que secretam ácido em níveis normais podem desenvolver a doença, assim como hipersecretores podem não desenvolvê-la. O H. pylori está relacionado à úlcera em virtude da inflamação que promove sobre a mucosa e da alteração dos mecanismos regulatórios na produção de ácido – a liberação de citocinas inflamatórias e a resposta imune do hospedeiro seriam moduladores da agressão que determinaria a presença e o tipo de doença que o hospedeiro infectado apresentaria. Proteínas, Ca+2, aminoácidos, histaminas e acetilcolina estimulam a célula G a produzir gastrina, a qual atinge o receptor na célula parietal por via sanguínea e a induz a produzir HCl. A queda no pH estomacal se difunde e sensibiliza receptores da célula, que secreta somatostatina, a qual vai inibir a célula G de secretar mais ácido. A secreção de ácido num indivíduo varia na dependência de vários fatores ambientais: alimentação, uso de determinados medicamentos, hábito de fumar, estado emocional. A produção de ácido está aumentada nos portadores de úlcera duodenal e normal ou baixa nos de úlcera gástrica. O aumento da secreção pode ser por: (1) amento da população de células parietais, (2) maior sensibilidade da célula parietal ao estímulo da gastrina ou (3) menor sensibilidade da célula G aos mecanismos de inibição. Além disso, a resposta exagerada de gastrina pode resultar também da menor produção de somatostatina. O pepsinogênio encontra-se elevado na maioria dos ulcerosos. Os que têm úlcera duodenal apresentam aumento no pepsinogênio total. A diminuição da capacidade de defesa da mucosa é importante – equilíbrio entre prostaglandinas (estimulam a produção de muco e bicarbonato na mucosa) e o fator de crescimento epitelial (o comprometimento de sua produção significa redução na capacidade regenerativa da superfície epitelial). Diminuição da concentração do FCE foi observada em pacientes ulcerosos gástricos e duodenais. Sabe-se que pacientes ulcerosos estão em geral infectados por cepas cag-A positivas que são, também, em geral, vac-A positivas. A positividade de proteínas da ilha de patogenicidade cag representa importante fator preditivo no desenvolvimento de úlcera péptica. Na úlcera duodenal há produção de gastrina aumentada, maior secreção de ácido e maior frequência de metaplasia gástrica no bulbo duodenal. Os locais em que se tem a metaplasia são colonizados por H. pylori, evoluindo com inflamação, o que torna o epitélio mais suscetível à agressão pelo fator ácidopéptico, cujo resultado final é a úlcera. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 46 Infecção ou doença péptica? A erradicação da bactéria resulta na normalização da alteração fisiológica e na cura da doença na maioria dos ulcerosos. A recidiva nos indivíduos erradicados ocorre quando há reinfecção, recrudescência ou uso de AINE (incluindo AAS). O HCl tem papel importante na doença também, pois o uso de antissecretores ou mesmo antiácidos é eficaz em promover a cicatrização da úlcera. Portanto, a simples presença da bactéria não é o suficiente para provocar a úlcera. O maior número de pacientes submetidos ao tto de erradicação do H. pylori aumenta a tendencia ao surgimento de úlceras relacionadas ao uso de AINEs e AAS ou a situaçoes raras, como gastrinoma, doença de Crohn ou resposta secretória exagerada aos estímulos fisiologicos. A fisiopatologia da lesao induzida por AINEs e AAS baseia-se na supressao da sintese de prostaglandinas – há redução na produção de muco – a defesa celular fica comprometida e a mucosa se torna vulnerável à agressao de fatores intraluminares, como HCl, pepsina, sais biliares, H. pylori e medicamentos. Pacientes em uso de AINE têm risco 4x maior de desenvolver complicações, como sangramentos. São consideradas situações de risco em usuarios de AINE: (1) antecedente de ulcera, (2) > 60 anos, (3) 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 47 presença de comorbidades, (4) uso de altas doses de AINE, (5) associação com corticoides, AAS ou anticoagulantes e (6) infeccao por H. pylori. Em indivíduos de alto risco (com sangramento prévio), a erradicação do H. pylori não é suficiente para prevenir novos sangramentos – deve se associar supressão ácida como medida. Clínica: os sintomas referidos não permitem diferenciar úlcera duodenal de gástrica e, algumas vezes, são muito discretos, atípicos ou ausentes. A dor é habitualmente pouco intensa, em queimação, localizada no epigástrio, circunscrita e descrita como “dor de fome, queimadura ou desconforto na boca do estômago”. A melhora da dor com ingesta de alimentos é frequente nos portadores de UD (dor em tres tempos: dói-come-passa), ao passo que os portadores de UG sentem piora ou o início da dor após ingerir alimentos (dor em quatro tempos: dói-come-passa-dói). A dor é periódica: tem momentos de acalmia (desparece por meses e até anos) intercalados por periodos sintomáticos. O fato de o paciente ser despertado pela dor no meio da noite (clocking) é sugestivo de UD. Azia é comum nos pacientes com UD. Outros sintomas dispépticos não são proprios da ulcera péptica, mas podem estar associados, como eructação, flatulência, sialorreia, náuseas e vômitos. O exame físico não auxilia muito – a não ser nos casos de complicações como hemorragia, estenose ou perfuração. Muitos pacientes que procuram hospitais para tto das complicações nunca apresentaram sintomatologia prévia. Em 10% dos ulcerosos a hemorragia é a primeira manifestação da doença e em um terço dos pacientes com úlcera perfurada, o abdome agudo foi o primeiro sintoma. Não há, entretanto, sensibilidade ou especificidade suficientes na anamnese ou no exame físico para a confirmação diagnóstica da doença. A confirmação deve ser realizada atraves de exames específicos. Mecanismo da úlcera duodenal em resumo: o H. pylori se localiza no antro. Após três semanas, passa a gastrite aguda (1ª fase) e começa a gastrite clássica do H. pylori, que é uma gastrite ativa com infiltrado de PMN e MMN (2ª fase). A mucosa do corpo nessa fase está preservada. O H. pylori suprime as células D do antro, e então ocorre diminuição de somatostatina. Somado a isso, ocorre aumento da secreção de gastrina, a qual vai ao corpo do estômago e estimula a célula parietal a produzir ácido clorídrico. Frente a isso, mais ácido chega ao duodeno e 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 48 ele pensa “já que terei que receber essa quantidade de ácido todo dia, vou me adaptar”,então ocorrem áreas de metaplasia gástrica no duodeno (epitélio gástrico). A H. pylori então coloniza essas áreas de metaplasia promovendo uma inflamação nessa área, chamada de duodenite. Esse processo inflamatório progride até a destruição do epitélio fazendo a ulceração – úlcera duodenal. Paciente com H.pylori tem mais chance de desenvolver antes uma UD do que uma UG. Isso acontece porque para o H. pylori colonizar o corpo gástrico e destruir as células parietais demora bem mais tempo – gastrite crônica atrófica (3ª fase). A úlcera gástrica pré-pilórica (final do estômago) tem o mesmo modelo fisiopatológico da úlcera duodenal, apesar de ser localizada no estômago. Na 3ª fase o paciente começa a fazer metaplasia intestinal (contrário da 2ª fase). Áreas que apresentam epitélio inflamado, metaplasia intestinal e diminuição do fluxo sanguíneo são consideradas focos potenciais para úlcera gástrica. Portanto, a úlcera gástrica ocorre numa fase bem mais tardia da infecção do H. pylori. 3- Quando e como investigar? A EDA é o exame de eleição para o dx de úlceras – apesar de ser invasivo e de alto custo. A EDA não só estabelece o dx, mas também determina a sua natureza e permite a definição da etiologia; a retirada de fragmentos de biopsias nas bordas das lesões para exame histológico e do antro ou corpo para pesquisa de H. pylori influencia decisivamente no manejo clínico do paciente. Com base no aspecto do nicho ulceroso, Sakita, em 1973, validou uma classificação em que diferencia a lesão em três fases: A (active) - ativa; H (healing) - em cicatrização; e S (scar) - cicatrizada. Nas úlceras gástricas, sempre são necessárias múltiplas biopsias no intuito de distinguir lesões benignas de malignas. Sabe-se que, em até 20% dos casos, cânceres gástricos podem mimetizar lesões benignas. Por outro lado, sinais que indiquem malignidade (infiltração, friabilidade, pouca distensibilidade, pregas espessadas, com interrupção abrupta, aparência de "mordida", baqueteamento, fusão ou afilamento tipo "pico de montanha" e "ponta de lápis") podem estar ausentes no câncer gástrico precoce ulcerado. Nesses casos, o segmento do paciente com exames endoscópicos associados a biopsias serão necessários para confirmação diagnóstica. Biopsias não são obtidas rotineiramente de úlceras duodenais, já que raramente são malignas. No entanto, quando houver alterações não habituais (ulcerações com margens ir regulares, fundo necrótico, bordas infiltradas), deve-se biopsiar como intuito de descartar causas não pépticas (infecção, medicamentos, neoplasias). O exame radiológico contrastado é outro método útil para o dx, porém é menos preciso e pouco utilizado. Tem como desvantagem o uso de radiação ionizante e a necessidade da 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 49 realização de exames endoscópicos e biopsias das lesões suspeitas para confirmação diagnóstica. Dessa forma, fica indicado apenas em situações em que a EDA não esteja disponível ou quando há indicação cirúrgica. Exame complementar da gastrina; para pacientes com quadro clínico atípico (múltiplas ulceras gastroduodenais, ulceras refratárias, recorrentes ou localizadas em segunda porção duodenal e não associadas a H. pylori ou AINE, ulceras recorrentes pós-operatórias, associadas com diarreia ou calculo renal, historia pessoal ou familiar de tumor de hipófise ou paratireoide) = deve pesquisar gastrinoma através do teste de gastrina sérica elevada – dx é feito com gastrina em jejum acima de 1000 pg/mL e hipersecreção gástrica de ácido. É importante, também, fazer o diagnóstico dos fatores etiológicos: Os testes para diagnosticar infecção pelo H. pylori são importantes em pacientes com doença ulcerosa péptica. Exames negativos mudam a estratégia diagnóstica para outras causas de úlcera (uso de AINE, gastrinoma), dispensando a terapêutica antibiótica. É necessário lembrar, porém, que podem ocorrer resultados falso-negativos em pacientes que receberam tratamento com inibidores da bomba de prótons, bismuto ou antibióticos, os quais podem suprimir temporariamente o H. pylori. Os métodos para diagnóstico do H. pylori podem ser classificados em invasivos e não invasivos. Os métodos invasivos são aqueles que necessitam de endoscopia acompanhada de biopsia gástrica. Segundo o II Consenso Brasileiro sobre o Helicobacter pylori, caso haja opção pela pesquisa da bactéria durante a endoscopia digestiva, a coleta de material para urease deverá ser realizada no corpo e antro gástricos. O estudo histológico deve incluir a coleta de cinco fragmentos: dois do antro, dois do corpo e um da incisura angular. Os métodos não invasivos, que não necessitam de endoscopia, são três: (1) teste sorológico: pode ser realizado em laboratórios de referência ou através de um teste rápido desenvolvido para o consultório. Geralmente, a IgG está aumentada em pessoas contaminadas pelo microrganismo. O achado de IgG elevada não significa infecção ativa, uma vez que os níveis de anticorpos decrescem vagarosamente depois da erradicação da infecção. Não deve ser utilizado, portanto, nos casos em que haja necessidade de controle imediato de tratamento, embora uma queda acentuada dos níveis de anticorpos observada 6 a 12 meses após o tratamento antimicrobiano signifique sucesso na erradicação; (2) teste respiratório com ureia marcada: quando positivo, ao contrário do teste sorológico, sempre significa infecção atual. Pode indicar cura do H. pylori 8 semanas após a terapia antibiótica, período em que os testes com anticorpos ainda são positivos. Neste teste, o paciente ingere ureia marcada com carbono 14 (radioativo) ou carbono 13 (não radioativo). Este último, por não ser radioativo, é seguro, podendo ser utilizado em mulheres grávidas, crianças e também para transporte de um local para outro (análise laboratorial em outra localidade). Se o organismo estiver presente, ele transforma a ureia em amônia e dióxido de carbono marcado. Este pode ser detectado e quantificado no ar expirado 30 min mais tarde em um balão de coleta e (3) pesquisa do antígeno fecal: método que identifica, através de reação 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 50 imunoenzimática, antígenos do H. pylori nas fezes dos pacientes. É bastante conveniente para pesquisa da bactéria em população pediátrica. Para drogas anti-inflamatórias (AINES) deve-se pesquisar durante a anamnese o uso, particularmente em pacientes idosos nos quais haja maior consumo devido à elevada prevalência de doenças osteoarticulares. Pacientes cardiopatas devem ser pesquisados, pois, nesse grupo, é comum a ingestão regular de doses baixas de ácido acetilsalicílico na profilaxia de enfermidades cardiovasculares isquêmicas. Quando uma úlcera gástrica for refratária ao tratamento instituído e existir suspeita de ingestão de AINE não admitida pelo paciente, o nível sérico dos salicilatos ou a atividade da ciclo-oxigenase das plaquetas, se disponível, pode ser solicitado. Quando investigar: quando há sinais de alarme. No caso o paciente os sinais de alarme são: idade superior a 45 anos, início de sintoma recente (3 meses) e despertar noturno. 4- Quais as complicações possíveis? O sangramento é a complicação mais frequente da doença e está mais associado às úlceras duodenais. Úlceras pépticas são a causa principal, mais comum, de hemorragia digestiva alta. Além de hemorragia, pode complicar para estenose ou perfuração. Um paciente pode ter hemorragia por úlcera sem ter perfuração. A hemorragia ocorre porque a úlcera atingiu um vaso importante. Então existem úlceras que não são tão profundas, mas atingem um vaso e fazem hemorragia. Ao mesmo tempo em que pode haver uma úlceraprofunda que não atingiu nenhum grande vaso e, portanto, não causou hemorragia. Quando há perfuração livre de ulcera, ocorre peritonite: abdome em tábua/endurecido, dor difusa, posição antálgica, dor à descompressão súbita (sinal de Blumberg). A estenose ocorre geralmente na parte final do estômago – bulbo duodenal, antro distal e piloro. Clinicamente observa-se peristalse visível (se o paciente for magro). O fechamento cicatricial das úlceras é o que causa a estenose Os pacientes apresentam melena e hematêmese. Muitos são assintomáticos e chegam ao PS com manifestações agudas, como hemorragia. Trata com cauterização. Úlcera perfurada: abdome agudo (peritonite). Tratamento: cirurgia. Fazer rx, procurando pneumoperitônio (ar entre diafragma e fígado – Sinal de Jober). Paciente com suspeita de perfuração não faz exame endoscópio, porque piora o quadro. Entretanto, nem todo paciente que tem úlcera perfurada faz abdome agudo. Depende do local em que a ulcera está localizada. Obstrução por via de saída do estômago leva à estenose, com sintomas de náuseas, vômitos e refluxo. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 51 Nas complicações desenvolvidas os pacientes podem apresentar melena, hematêmese, sangue oculto nas fezes, nauseas, vômitos, distensão abdominal, sinais de peritonite ou instabilidade hemodinâmica. 5- Como tratar? O tratamento da úlcera péptica, seja ela gástrica ou duodenal, tem como objetivo: alívio dos sintomas, cicatrização das lesões e prevenção de recidivas e complicações. Atualmente sabe-se que não basta apenas cicatrizar a úlcera, mas há necessidade de erradicar o H. pylori, a título de evitar a recidiva. Quanto à alimentação e dieta, nem o tipo, nem a consistência da dieta afetam a cicatrização da úlcera, mas é conhecido que alguns alimentos aumentam e/ou estimulam a produção de ácido clorídrico e outros são irritantes à mucosa gástrica. É importante recomendar aos pacientes que evitem alguns alimentos e que parem de fumar, pois o fumo pode alterar o tempo de cicatrização da úlcera. As medicações que promovem a cicatrização da úlcera agem por dois mecanismos: fortalecendo os componentes que mantêm a integridade da mucosa gastroduodenal (pró- secretores) e diminuindo a ação cloridropéptica (anti-secretores). Os pró-secretores atuam estimulando os fatores responsáveis pela integridade da mucosa, como muco, bicarbonato, fatores surfactantes, além de favorecer a replicação celular e o fluxo sanguíneo da mucosa. São considerados pró-secretores: antiácidos, sucralfato, sais de bismuto coloidal e prostaglandinas, mas, na prática, são pouco utilizados. Os antissecretores são os medicamentos de escolha para a cicatrização da úlcera, e dois grupos são atualmente utilizados: os bloqueadores do receptor H2 da histamina e os inibidores da bomba de prótons (IBP). - Úlcera péptica por AINE: suspender o AINE, mas caso não seja possível, trocar o inibidor de COX 1 para um inibidor de COX 2 (os que normalmente fazer UP é inibidor de COX 1, como Diclofenaco, Ibuprofeno). Os inibidores de COX 2 são os coxibes. O problema deles é que eles fazem lesão vascular e isso aumenta agregação plaquetária, que pode levar a AVC isquêmico ou IAM. Além disso, é preciso administrar IBP. Se a úlcera for gástrica, fazer IBP por 8 a 12 semanas e se for úlcera duodenal faz IBP por 4 a 6 semanas. - Úlcera péptica por H. pylori: IBP + Claritromicina + Amoxicilina/Metronidazol (Levofloxacina é utilizado apenas do retratamento; nunca como primeira opção de terapia). 7 dias de ATB para pouco H. pylori e 10 a 14 dias para quantidades grandes de H.pylori. - UG: erradicação do H. pylori com ATB (7 a 14 dias). Depois mantem o IBP por 8 semanas (obrigatório) 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 52 - UD: erradicação do H. pylori com ATB (7 a 14 dias). Na UD só basta erradicar a bactéria. A UD é tão dependente do H. pylori que uma vez erradicada, o ciclo de agressão cessa. Após o tratamento é necessário fazer o controle da erradicação: - Na UG você trata e depois faz EDA para ver se cicatrizou. Essa EDA deve ser feita 8 a 12 semanas após o término do antibiótico (e não do tratamento). O paciente tem que parar o IBP 10 a 14 dias antes da endoscopia (IBP dá falso negativo para H. pylori). É preciso ter certeza que a UG está cicatrizada. Ela não vai para malignidade, mas uma úlcera neoplásica pode se parecer muito com uma ulcera benigna. - Na UD o controle de erradicação é feito entre 30 a 90 dias (4 a 12 semanas) depois do tratamento. Nesse caso precisa saber se o H. pylori foi erradicado ou não. Pode ser feito então EDA, teste respiratório da ureia marcada. A grande maioria das UG que não cicatrizam deve ser pesquisada: paciente não tomou corretamente, administrou-se a dose errada, influência de outros fatores agressores (tabaco, etanol, AINE). Tanto na UG quanto na UD, se o H. pylori não foi erradicado deve ser feito retratamento do H. pylori. Pode ser feito então IBP + Levofloxacina + Amoxicilina de 10 a 14 dias (tempo maior do que 7 dias no retratamento). Além disso, a terapia que realmente funciona é IBP + Bismuto + Amoxicilina/Metronidazol + Tetraciclina de 10 a 14 dias (no retratamento a AMO pode ser usada sempre, mas o Metronidazol não). Todo retratamento é de 10 a 14 dias. Após todo esse processo, a EDA deve ser repetida para verificar a eficácia do tratamento. Durante o tratamento é importante evitar tabaco, AINE e álcool* (não é consenso que o álcool cause ulcera péptica). 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 53 AULA 4 DOENÇA ULCEROSA PÉPTICA Úlcera é uma perda circunscrita do tecido, ultrapassando limites da muscular da mucosa e se localizando em áreas do trato digestivo banhadas pela secreção de HCl e pepsina (geralmente estômago e duodeno proximal, podendo acontecer no esôfago, também, quando associada à DRGE). A lesão qu e é mais superficial, não envolve a muscular da mucosa, é chamada de erosão. Às vezes a úlcera é tão profunda que atinge a serosa, fazendo perfuração. O termo úlcera péptica busca nominar somente as úlceras do estomago e duodeno. As úlceras do esôfago também são pépticas, mas são classificadas em relação à DRGE. A prevalência da UP tem caído nas ultimas décadas devido à melhoria das condições sanitárias, diminuindo casos de contaminação por H. pylori. O uso mais frequente de antibiótico também foi responsável por eliminar a bactéria, além da redução do tabagismo que, principalmente no Brasil, tem sido baseada em uma campanha bastante intensa e eficaz. Epidemiologia: apesar de a sua incidência estar caindo, é ainda uma situação muito comum no mundo. Cerca de 1 em 10 indivíduos podem ter UP. Acomete mais frequentemente homens, por vários fatores que se somam. A úlcera duodenal (UD) é mais comum que a úlcera gástrica (UG). A UD acontece numa idade mais jovem – principalmente por causa do mecanismo do H. pylori; para fazer ulcera por infecção dessa bactéria, acaba acontecendo que não são necessárias décadas de infecção. Portanto, a UD por H. pylori tem incidência numa fase mais precoce da vida: entre 20 e 40 anos. A UG precisa de uma infecção por H. pylori por mais tempo; é preciso fazer gastrite atrófica e uma lesão mais extensa no corpo e antro gástricos, o que leva mais tempo. Assim, é mais comum acontecer após os 40 anos. Além disso, a UG também é muito dependente do uso de AINEs – 30% dos pacientes que têm UG desenvolveram a doença devido ao uso de AINEs. Quem mais faz uso desse tipo de medicamento são pessoas com mais de 40 anos. 4º PERÍODOTAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 54 Fisiopatologia: a úlcera vai acontecer quando houver desequilíbrio entre o que protege e o que agride o estômago. O desequilíbrio desses dois componentes leva à instalação da úlcera. Fatores de agressão: ácido clorídrico e pepsina. Quando ambos retrodifundem há gde chance de fazer lesão celular. *Retrodifusão é quando as substâncias são secretadas, ficam na luz do estômago e do duodeno e depois fazem retrodifusão, penetram de novo no epitélio. Fatores de defesa: a grande maioria é responsabilidade das prostaglandinas; elas atuam no aumento da produção de muco, bicarbonato e fofolipídeos, além de fazerem regeneração celular e atuar na microcirculação. Muco: é formado a partir de duas substâncias extremamente importantes: (1) glicoproteínas – formam um gel hidrofóbico que repele água, HCl e pepsina. É uma malha que repele essas substâncias agressivas nos casos de retrodifusão. Toda vez que se reduzir essas glicoproteínas, haverá redução da espessura do muco e maior possibilidade de retrodifusão de ácido e (2) fosfolipídeos – presentes no muco, são responsáveis pela camada surfactante (que está também nos alvéolos pulmonares) e também colaboram para hidrofobicidade, ou seja, para repelir o ácido clorídrico evitando retrodifusão. Nessa malha de glicoproteínas e fosfolipídeos está aprisionado o bicarbonato, justamente para neutralizar o ácido que está penetrando pela camada de muco. Dessa maneira o muco e o bicarbonato formam a barreira protetora da mucosa gástrica. Fluxo sanguíneo e regeneração celular: as prostaglandinas (PG) e o óxido nítrico (NO) fornecem nutrientes e oxigênio para a mucosa gástrica. As PG mantêm um fluxo sanguíneo adequado para essa mucosa, ou seja, permite que chegue mais O2 e nutrientes, remove substâncias tóxicas e lesivas que estão acumuladas e permite que a célula trabalhe adequadamente e se regenere, caso haja morte celular. Se a célula morre, o fluxo adequado que a banha lhe ajuda a regenerar. Então na presença dos fatores agressivos, pode haver a formação de uma lesão. Esses fatores são multifatoriais; o paciente pode ter um ou mais, agredindo sua mucosa gástrica e duodenal. Sem sombra de dúvida os fatores mais importantes são: H. pylori e o uso de AINES. Mas se tem, também, a síndrome de Zollinger-Ellisson, fatores genéticos e o tabagismo. O etilismo não é considerado um fator de agressão; existe uma grande discussão a respeito disso e se é aceito que o álcool é causador de gastrite erosiva, mas não é causador de UP. *H. pylori: existem cepas dessa bactéria que são mais ou menos agressivas. Algumas fazem uma gastrite crônica ativa leve, que persiste por toda a vida e o paciente não tem queixas. Outras são 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 55 mais agressivas, como é o caso das cepas cagA/vacA positivas - toda vez que a bactéria colonizadora da mucosa for dessa cepa, haverá mais adesão, injeção de toxina e destruição celular, fazendo muito mais lesão. O H. pylori é o agente etiológico de 95% das UD e de 70% das UG. ÚLCERA DUODENAL: para ter uma UD, o individuo precisa adquirir o H. pylori, que vai até o antro gástrico e faz a clássica gastrite crônica ativa antral. No antro faz, primeiro, uma gastrite aguda e depois entra em fase de crônica ativa, que permanece sem cura. Quando o H. pylori está no antro, ele vai fazer uma inibição da secreção de somatostatina, resultando em uma redução da sua produção. Essa redução da somatostatina faz com que a célula G (produtora de gastrina) seja ativada e, assim, há aumento na liberação de gastrina. O corpo gástrico está preservado, suas células parietais estão liberadas para produzir ácido, então elas vão sofrer a influencia dessa gastrina e vai se aumentar a produção e liberação de ácido. Esse ácido sendo produzido no corpo gástrico vai chegar ate o bulbo duodenal, já que está em grande quantidade. Como o duodeno não está acostumado a receber ácido, as suas células se transformam em células do tipo gástricas, ou seja, esse aumento da quantidade de ácido chegando ao duodeno leva ao aparecimento de uma metaplasia gástrica no bulbo duodenal. O H. pylori coloniza epitélio gástrico, onde quer que ele se encontre (isso inclui esôfago ou duodeno, por metaplasia). Quando ele coloniza essas áreas de metaplasia no duodeno, leva à instalação de uma duodenite e, em seguida, aparece uma ulceração. Isso acontece quando o H. pylori está predominantemente no antro, sem comprometimento do corpo gástrico! A metaplasia que o duodeno sofre é basicamente de células antrais, por isso, não produzem ácido (ele é produzido pelas células do fundo e corpo gástrico). As úlceras gástricas pré-pilóricas seguem o mesmo modelo da ulcera duodenal. O processo inflamatório está no antro, próximo do piloro. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 56 ÚLCERAS GÁSTRICAS: estão no antro médio, proximal, na incisura angular, no corpo e no fundo gástrico. Para sua instalação, a infecção por H. pylori tem que ser mais avançada. O H. pylori está colonizando o antro, fazendo gastrite crônica ativa e começa a comprometer o corpo gástrico, fazendo uma gastrite atrófica. Isso começa a destruir as glândulas produtoras de ácido (faz atrofia). Quando há essa atrofia, a quantidade de acido produzida diminui – hipocloridria. A UG acontece num ambiente hipoclorídrico. Uma vez o H. pylori no corpo gástrico, vai haver gastrite crônica – o que acontece é que se tem uma migração da mucosa intestinal para o estomago, chamada de metaplasia intestinal. Com a idade de contaminação e a ação do H. pylori acaba acontecendo essa migração de epitélio intestinal para o estomago fazendo metaplasia também. Quando existe essa metaplasia, vai se tendo basicamente uma alteração entre as junções celulares. Nas áreas de junção entre a célula gástrica e do epitélio intestinal há uma frequente retrodifusão de ácido porque as células não se encaixam perfeitamente – existindo essa retrodifusão, há chance de fazer ulceração. Existe outro fator, que é a diminuição do fluxo sanguíneo em determinados lugares, que é importante para ulceração; a primeira curvatura da incisão angular é muito pouco vascularizada, então quando se tem a união entre células gástricas com área de metaplasia intestinal, onde a junção é frouxa e ainda não se tem chegada de sangue adequada, essa região não é bem nutrida, facilmente se predispõe à úlcera. Normalmente na UG precisa-se de uma gastrite mais grave, intensa, atrófica, com metaplasia para que a ulceração aconteça por H. pylori. A úlcera causada por AINEs tem mecanismo totalmente diferente. ÚLCERA PÉPTICA E OS AINES: a prevalência em pacientes usuários de AINEs não seletivos (inibidores de COX-1) é de 10-30%. 0,7% desses pacientes com úlcera apresentam hemorragia digestiva. 85% das HD por AINEs acometem indivíduos com mais de 65 anos. Esse tipo de ulceração tem alta taxa de hospitalização porque acomete pacientes mais idosos, com outras comorbidades e com predisposição à hemorragia. A mortalidade de hemorragia por AINEs chega até 10%. O risco de desenvolver UG quando se usa AINE é 46x maior do que os riscos da opulação 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 57 que não usa e 8x maior para UD. A chance é maior para úlcera gástrica do que duodenal porque o estomago é muito mais dependente da secreção de bicarbonato e do fluxo sanguíneo – como os AINEs diminuem a produção de PGs, o muco gástrico vai ser muito menos espesso e isso propicia a ulceração. A instalação da úlcera por AINE pode ocorrer de duas maneiras: a partirdo (1) efeito tóxico direto: em que o paciente toma o comprimido, este cai no estomago e faz uma lesão; não é muito importante porque é raro e (2) a ação sistêmica: feita por qualquer AINE usado sublingual, VO, intramuscular e na forma de supositório devido à ação sobre as PGs; nesse caso, não é o comprimido o problema, mas sim o efeito sistêmico do AINE, pois quando se reduz a concentração de PGs, se reduz a barreira mucosa gástrica e propicia a ulceração. Os AINEs que atuam sobre a COX-1, inibindo-a, são mais agressivos, têm ação muito mais lesiva porque inibem as PGs protetoras do estômago. Apesar dessa ação mais lesiva, têm uma ação anti-trombogênica. Já os inibidores da COX-2, os coxibes, têm menos chance de lesão gástrica, mas fazem muito mais dano cardiovascular. Essa COX está presente em macrófagos, fibroblastos e células endoteliais, têm ação anti-inflamatória pura. Assim, a ação trombogênica é maior. Essa fisiopatologia da ulceração por uso de AINEs e AAS é a mesma para UG e UD: reduz PG, reduz barreira mucosa, faz retrodifusão de ácido e propicia a ulceração. Sabe-se que o paciente usuário de AINE tem maior risco de fazer lesão gástrica; entretanto, não é todo paciente que tem essa predisposição. Isso depende de alguns fatores: (1) idade > 60 anos: a pessoa com essa idade já tem uma produção de muco e bicarbonato menor; (2) paciente que já teve úlcera no passado; (3) paciente que faz uso de múltiplos medicamentos: dois AINEs ou AINE + AAS; (4) uso de AINEs em altas doses e por tempo prolongado: quanto maior a dose e o tempo de uso de AINE, maior é a chance de ulcerar; (5) uso de AINE não seletivo: inibidor da COX- 1; (6) uso de corticoide ou anticoagulante junto com AINE; (7) associação com H. pylori e (8) associação com tabagismo e etilismo (uma situação ainda controversa). Os AINEs, mesmo os inibidores de COX-1, não têm o mesmo risco de levar à ulceração; o ibuprofeno, por exemplo, tem menos risco e o cetoprofeno tem mais. O piroxican e o cetoprofeno são muito usados no Brasil, e têm chance de 9 a 10x maior de ulcerar pacientes. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 58 SÍNDROME DE ZOLLINGER-ELLISON: é outro fator causador de UP. É um tumor chamado gastrinoma; gastrinomas são tumores secretores de gastrina, benignos, a rigor, mas podem ter comportamento maligno e, inclusive, sofrer metástase (para linfonodos e fígado indicam pior prognóstico). Geralmente estão localizados no pâncreas e no duodeno, São lesões muito pequenas (a maioria tem até 1 cm de diâmetro) e podem estar associados a neoplasias endócrinas múltiplas (tumor de tireoide, tumor de ovário, tumor adrenal e de pâncreas). Quando se tem um gastrinoma, haverá um estimulo à produção de ácido e a sua secreção será muito alta; a quantidade de hipersecreção é tão grande, que supera a possibilidade de defesa da mucosa e o paciente faz ulceração. Somente 0,1% das UP são causadas por gastrinomas. Clinicamente têm-se várias úlceras no estomago e no duodeno, às vezes podendo ser muito grandes. O paciente pode ter diarreia em 70-75% das vezes porque a gastrina também aumenta o peristaltismo. O dx desses pacientes é feito por dosagem da gastrina (vai estar muito elevada) e tomografia ou ressonância magnética para tentar procurar o tumor. O tto é feito com altas doses de IBP para bloquear a secreção de ácido ou por cirurgia, retirando o gastrinoma. Se ambas as opções não forem possíveis, faz-se gastrectomia + vagotomia (tratamento paliativo); se retira o antro gástrico, que é onde estão as células G produtoras de gastrina. A vagotomia é para não haver estimulo de acetilcolina estimulando a produção de ácido, assim, essa produção cai brutamente, pois só fica ativo o receptor da histamina nas células parietais. ÚLCERA PÉPTICA E FATORES GENÉTICOS: hereditariedade do grupo sanguíneo O e pessoas que tem hiperpsinogenemia tipo I (aumento na produção de pepsina) tem mais chance de desenvolver UP. ÚLCERA PÉPTICA E TABAGISMO: o cigarro também é causador de úlcera porque reduz as PGs e os fatores protetores do estômago. Aumenta a quantidade de pepsinogênio, retarda o esvaziamento gástrico e facilita o refluxo da bile para o estômago (duodenogástrico). Os pacientes que fumam têm mais chance de ter úlcera, a cicatrização é mais complicada, têm mais complicações (risco de 10x maior de perfuração), têm recidivas mais frequentes. A mortalidade é 3x maior do paciente com ulcera que não fuma. CLÍNICA DA UP: 10% dos pacientes são assintomáticos e os outros 90% têm dispepsia, dor na região epigástrica (cíclica, periódica, pode despertar o paciente na UD e pode irradiar para o dorso), náuseas, vômitos, plenitude e saciedade. O exame físico é muito pobre; o máximo que se encontra é dor à palpação epigástrica, quando a úlcera não está complicada. COMPLICAÇÕES: (1) hemorragia digestiva: é a mais frequente, leva o paciente a ter hematêmese ou melena e ao exame físico pode ter palidez, taquicardia, hipotensão e até choque. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 59 (2) Perfuração bloqueada: quando a úlcera perfura para uma víscera; normalmente essa perfuração é para o pâncreas (faz pancreatite), mas pode ser para o fígado ou uma alça intestinal. O paciente passa a ter dor intensa (o tipo de dor muda – não é mais em queimação, passa a ser intensa, persistente, que não melhora e com irradiação para o dorso). Não existe pneumoperitônio porque não houve perfuração para cavidade livre. Ao exame físico o abdome à palpação está plano e flácido, apenas dolorido – não dá abdome agudo. Esse tipo de perfuração é menos grave.. (3) Perfuração livre: quando a úlcera cai em cavidade; é mais grave porque a úlcera penetrou toda a parede até a serosa e foi para o peritônio; desse modo, o ácido, a pepsina, a bile e a comida vão se exteriorizar para o peritônio, fazendo peritonite. O paciente tem dor intensa, o abdome fica contraído, em tábua, o paciente fica em posição anti-álgica para aliviar a dor e tem sinal de Bloomberg positivo. Os RHA estão diminuídos porque o íleo fica paralítico. (4) Estenose: acontece em úlceras repetidas; os pacientes começam a ter cicatrizações, que vão fazer retrações cicatriciais que podem levar a uma estenose. Acontece na região antral distal, no piloro e no duodeno, onde o calibre da víscera é menor. O paciente come e vomita, sente plenitude (estufamento) porque a comida não passa para o intestino. Quando acontece acúmulo de grande quantidade de comida no estomago, há vascolejo gástrico (com a técnica de mão em garra sobre o estomago, movimenta-lo para ouvir um barulho de líquido dentro do órgão). Pode ser observado, também, o peristaltismo gástrico tentando vencer a estenose. Diagnóstico: é feito por EDA; é o melhor exame porque permite diagnóstico, terapêutica e a realização de biópsia. Pode ser feito exame radiológico também, de seriografia (estudo contrastado do estomago, esôfago e duodeno com bário) e a dosagem de gastrina, quando se suspeita de gastrinoma. Na seriografia o bário se acumula no local que há ulcera; o problema é que não permite biopsia, então é pouco usada no brasil. Perfurações: nunca se faz EDA em pacientes com perfurações/suspeitas. Faz-se rx e se observa uma faixa de ar no abdome, entre o fígado e o diafragma. UD não tem muita chance de ser neoplásica, então, frequentemente não precisa de biópsia. A UD de parede posterior é mais grave, pois é o local por onde passam artérias calibrosas – se a úlcera perfurar, pode haver muita hemorragia; nesse caso é preciso biopsiar. Já a UG pode ter aspecto benigno e ser maligna, portanto precisa ser biopsiada sempre. As úlceras visualizadas na endoscopiasão classificadas de acordo com a Classificação de Sakita em: Active Stage (A), Healing stage (H) e Scar stage (S). Todas essas fases têm duas subfases (A1, A2; H1, H2; S1, S2). 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 60 Na hemorragia digestiva por úlcera, caracteriza-se o estágio da hemorragia de acordo com Forrest. Forrest Ia = sangramento em jato; indica sangramento arterial. Forrest Ib = sangramento em babação; indica sangramento venoso. Forrest IIa = vaso visível; precisa ser tratado imediatamente porque vai voltar a sangrar. Forrest IIb = coágulo aderido no fundo da úlcera, tem menos chance de sangrar. Forrest III = úlcera com fundo limpo, sem sinal de sangramento, não há evidência de vaso sangrando. O Forrest é importante porque de acordo com a situação, vai indicar o risco de ressangramento; do grau Ia para o grau III há diminuição na chance de ressangramento do paciente, ou seja, o grau I é o que mais pode ressangrar. Todos os casos que estiverem até o estagio III precisam de um procedimento no vaso que sangrou para que não volte a sangrar. Hemorragia ativa Úlcera parou de sangrar 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 61 Tratamento: a EDA também permite a terapêutica endoscópica a partir de dois procedimentos, basicamente: (1) injeção de substâncias que fazem vasoconstrição e interrompem o sangramento, como álcool e adrenalina e (2) realização de hemoclip: em que se aplicam clipes metálicos sobre o vaso sangrante para interromper o sangramento. Com relação a medicamentos, estudos mostraram que o uso de qualquer inibidor da bomba de prótons apresenta maior chance de cicatrização da úlcera do que o uso de bloqueadores de H2. Logo, IBP é cicatrizador de úlcera péptica em melhor grau. Indica-se um tratamento de 8 a 12 semanas com IBP, independentemente do fator causador do problema. É importante, ainda, fazer a erradicação do H. pylori, pois se o paciente for infectado, haverá 80% de chance recidiva da úlcera após o tratamento com IBP. Portanto, é obrigatório erradicar a bactéria se a úlcera for causada por ela. Quando erradicada, apenas 4% dos pacientes têm chance de recidiva da úlcera. Se o paciente tem úlcera + H. pylori: se for duodenal, usar terapia tríplice de erradicação para H. pylori – a úlcera vai cicatrizar; se for gástrica, além da erradicação da bactéria, manter IBP por 8 a 12 semanas porque esse tipo de úlcera demora mais tempo para cicatrizar; é muito dependente do ácido, da pepsina e da parede mucosa. O tratamento de erradicação do H. pylori é basicamente IBP + amoxicilina (ou Metronidazol) + claritromicina, ou pode fazer terapia quádrupla, incluindo bismuto. O controle da erradicação da bactéria na UG é feito 60 dias após o término do antibiótico ou até 90 + nova endoscopia obrigatoriamente para confirmar se a úlcera cicatrizou; se faz biópsia da úlcera toda, se ela não cicatrizou, e da cicatriz para ter certeza que é péptico. Além disso, biopsia o corpo e o antro para confirmar a erradicação do H. pylori: se não erradicou, escolher outro esquema de tratamento e retratar. O controle da UD é feito de 30-60 dias após o termino do antibiótico; é indicado, também, fazer teste respiratório para H. pylori ou EDA com biópsia de corpo e antro, para pesquisa de H. pylori por histologia. Pode, ainda, fazer o teste da urease para verificar se a bactéria foi erradicada. Se o paciente está tomando anti-inflamatório e tem H. pylori, deve-se lembrar de que são fatores sinérgicos e é necessário erradicar obrigatoriamente a bactéria antes de o paciente voltar a tomar o AINE. Nesses pacientes com UP ou com HD por úlcera, mas que precisam manter o uso de AINE, manter IBP continuamente. Se o paciente puder suspender os AINEs, é o melhor a ser feito. Se não puder, erradicar o H. pylori e manter com IBP. A terapia de manutenção com IBP é usada continuamente: (1) quando o paciente tem úlcera e não conseguimos erradicar o H. pylori (após muitos tratamentos); (2) quando o paciente usa AINE frequentemente; (3) em paciente com história de UP complicada com recorrência frequente, ou seja, tem úlcera de repetição mesmo com a erradicação do H. pylori; e (4) em 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 62 pacientes com síndrome de Zollinger-Ellison. É indicado manter o IBP por tempo indefinido nessas situações. Atualmente a cirurgia para UP só é indicada em perfurações e quando existe uma estenose muito severa, que o paciente não consegue se alimentar. As gastrectomias são muito raras, pois erradicando o H. pylori já se obtém a solução do problema. *Toda vez que se faz endoscopia de UG, se biopsia para confirmar se é benigna ou maligna. Ainda se biopsia o antro e o corpo para avaliar gastrite e pesquisar H. pylori. *Na UD só se biopsia o antro gástrico para pesquisar o H. pylori. Daí se faz o teste da urease no antro ou biopsia e manda para histologia para o patologista procurar a bactéria. Não é necessário biopsar a UD; ela só é biopsiada se for suspeita de úlcera de Crohn, uma doença inflamatória intestinal. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 63 Caso clínico IV Identificação: homem de 67 anos, aposentado, natural e procedente de Colombo. Queixa principal: vômito com sangue hematêmese. HMA: há 2 meses iniciou com epigastralgia eventual após tomar medicamentos. Há 6 horas iniciou com náuseas e seguiu com 1 episódio de vômito com sangue vivo. Após uma hora deste evento, apresentou outro vômito com sangue escuro. Teve tontura e há 30 minutos evacuou fezes negras e de odor muito fétido. Nega outros sintomas. HMP: IAM há 2 anos e desde então utiliza AAS 100mg/dia + carvedilol 6,25mg 12/12 horas + losartana 50mg 12/12 horas e espironolactona 25mg/dia. Diabete mellitus tipo 2 em tratamento com metformina 850mg no almoço e jantar. Hiperplasia prostática sem tratamento HMF: Mãe falecida por IAM. Pai com histórico de úlcera péptica e diverticulose. CHV: Ex-tabagista: fumou dos 12 aos 65 anos, parou há 2 anos após o IAM. Etilista de cervejas nos finais de semana (2 a 4 latas por final de semana). Alimentação balanceada, 5 vezes ao dia. Revisão dos Sistemas: Mantendo o peso. Dores articulares, principalmente nos 2 joelhos. Ao exame físico: PA: 90/50 mmHg FC: 112 bpm Temperatura axilar: 36,4oC Peso: 80 Kg 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 64 Altura 1,68m Paciente descorado ++/IV, desidratado +/IV, anictérico e eupneico Exame da cabeça com vasos sublinguais baixos hipovolemia. Exame do tórax demonstra BCR taquicárdicas sem sopro; ausculta pulmonar normal. Exame do abdome: plano, RHA+, flácido, muito doloroso à palpação profunda de epigástrio, sem visceromegalias e com timpanismo aumentado. Toque retal com fezes negras. Exame dos membros revela lentificação do enchimento capilar. 1- Qual o diagnóstico sindrômico? Hemorragia digestiva aguda. 2- Qual o diagnóstico provável? Justifique pela clínica. Hemorragia digestiva alta aguda. O paciente apresenta hematêmese há 1 dia de sangue vivo e em borra de café. A presença de melena é altamente sugestiva de distúrbio hemorrágico do trato gastrintestinal superior também. Além disso, o paciente apresenta dor abdominal à palpação e RHA aumentados. A causa mais importante de hemorragia digestiva é a ulcera péptica gastroduodenal. O quadro clínico pode corresponder a variassituações diferentes, pois o sangramento pode ocorrer de múltiplas lesões e de vários segmentos do TGI. O sangramento pode ser maciço ou leve, evidente ou oculto. A HD se manifesta clinicamente de uma ou mais das seguintes formas: (1) alta – proveniente do TG superior, (2) oculta – desconhecida pelo paciente, (3) baixa – proveniente do TG inferior ou (4) obscura – 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 65 proveniente de local desconhecido no TGI. *HD aguda = aparecimento recente, arbitrariamente definido como menos de 3 dias de duração, podendo levar à instabilidade dos sinais vitais, anemia e/ou necessidade de transfusão sanguínea. *HD crônica = sangramento por um período de vários dias, frequentemente com perda de sangue lenta ou intermitente. Pode se manifestar com sangue oculto ou visível nas fezes, anemia, sem repercussão hemodinâmica. HD alta é 5x mais frequente que HD baixa. A hemorragia em si é mais comum em homens, idosos e portadores de doenças crônicas. Pode apresentar evolução autolimitada em cerca de 80% dos casos, mas algumas vezes evolui mal e leva a óbito. Clínica: a HD aguda se manifesta através da hematêmese (vômitos de sangue vivo ou em borra de café), melena (fezes negras e malcheirosas) e hematoquezia (eliminação pelo reto de sangue vermelho vivo ou de cor vinhosa, ou de coágulos recentemente formados). *HD alta aguda: se instala em consequência de lesões localizadas proximais ao ligamento de Treitz, manifestando-se através de hematêmese e/ou melena. *HD baixa aguda: lesões situadas distalmente ao ligamento de Treitz e identificada através de hematoquezia. O dx unicamente clínico é praticamente impossível, pois na maioria das vezes os pacientes são assintomáticos ou os sintomas são muito parecidos entre varias doenças. No caso do paciente, deve se pensar em ulcera péptica como causadora da HDA, pois ele faz uso de medicamentos que afetam a mucosa gastrintestinal, tem histórico familiar de ulcera e há 2 meses apresentou dor em região epigástrica. 3- Qual(is) fator(es) de risco está(ão) associado(s) a essa situação? - HMF: pai teve ulcera péptica H. pylori (susceptibilidade genética) – bactéria causa inflamação da mucosa gástrica (causa infecciosa). - Uso de AAS depois de episódio de IAM – AINES e AAS têm ação sobre a COX, que vai fazer com que haja uma diminuição da produção de PG. As PG são fundamentais, pois aumentam a produção de muco e bicarbonato, além da regeneração celular. - Álcool e tabagismo – o álcool, por ser uma substancia lipossolúvel, degrada a membrana celular, que é lipídica, e com isso acontece perda tecidual, altera a permeabilidade de mucosa e o 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 66 ácido faz uma retro difusão piorando a erosão, podendo, inclusive, atingir vasos sanguíneos e fazer sangramentos. 4- Qual a abordagem clínica para a situação de emergência que o paciente se encontra? A conduta é de avaliação imediata e estabilização hemodinâmica do paciente; determinação da fonte do sangramento; parada do sangramento ativo; tratamento da doença de base e prevenção de sangramento recorrente. A primeira etapa na conduta do paciente com HD é a avaliação da gravidade do sangramento. Pode ser: (1) maciço: quando há perdas muito elevadas, com repercussões hemodinâmicas importantes e apresentando pressão arterial sistólica com o paciente em posição supina abaixo de 90 mmHg, FC > 100 e perdas sanguíneas acima de 2000 ml ou > 40% da volemia; (2) moderado: se exterioriza por hematêmese, melena ou hematoquezia, mas tem repercussões hemodinâmicas discretas, PA sistólica acima de 90 mmHg, FC < 100 e perdas sanguíneas abaixo de 1500 ml ou entre 20-40% da volemia ou (3) discreto: sem repercussão hemodinâmica, com perdas inferiores a 1000 ml ou de, no máximo 20% da volemia. A magnitude do sangramento está ligada principalmente à idade do paciente, ao uso prévio de medicamentos que lesam a mucosa ou alteram o estado de coagulação sanguínea, ou, ainda, à presença de enfermidades pré-existentes. Cerca de 80% das HD cessam espontaneamente, mas a abordagem diagnóstica precisa ser dinâmica e associada a cuidados terapêuticos, a fim de preservar o equilíbrio hemodinâmico e a vida do paciente. Na anamnese é sempre bom confirmar a existência do sangramento e o uso de medicamentos pelo paciente. Arguir ainda sobre cirurgias prévias, radioterapia, etilismo, uso de tóxicos e procedência de áreas onde prevaleçam certas doenças (esquistossomose mansônica). *Sinais e sintomas que podem auxiliar: dor abdominal, náuseas, vômitos, mudança no habito intestinal, anorexia e perda de peso. *Presença de melena: indica que o paciente sangrou no mínimo 50 a 100 ml há pelo menos 14h e está mais relacionada a HDA aguda. *Presença de hematoquezia – comum nas lesões do cólon, do reto e do canal anal. Menos frequente em hemorragias profusas do delgado ou proximais ao ângulo de Treitz. *Presença de hematêmese – sugestiva de HDA aguda. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 67 Vômito com sangue vivo geralmente indica sangramento gastrintestinal alto significativo, mesmo em pequena quantidade. Pacientes com vômitos em borra de café habitualmente não estão com sangramento ativo, mas é provável que tenham sangrado recentemente. Ao exame físico: frequência do pulso e PA com o paciente deitado, sentado e em posição ortostática permitem avaliação da hemodinâmica. Analisar cor de mucosas e presença ou não de sudorese. Cuidar com hipertensão portal, insuficiência hepática, malformações vasculares, vasculites e coagulopatias. Dor à palpação abdominal, linfadenopatia, massa abdominal e esplenomegalia. RHH aumentados sugerem HDA aguda. 5- Como tratar a doença de base? Os portadores de HDAA maciça ou moderada, os que apresentam estigmas preditivos de ressangramento, devem ser hospitalizados e aqueles com repercussão hemodinâmica importante devem ir para UTI. - Terapêutica endoscópica: método mais efetivo para controle de HD por úlcera. Indicada para casos em que os sinais endoscópicos são preditivos de recorrência do sangramento ou de mau prognóstico. A hemostasia pode ser feita através de (1) métodos térmicos – laser, heater probe, eletrocoagulação mono ou bipolar e coagulação com plasma de argônio, (2) métodos mecânicos – colocação de clipes metálicos, ligadura elástica e endoloops e (3) de injeção de substâncias – através de um cateter ao redor do ponto de sangramento – álcool absoluto, solução de epinefrina, solução salina, água, dextrose, cola de fibrina, trombina, cianoacrilato e agentes esclerosantes. As complicações são menores das cirúrgicas. As complicações mais frequentes são reativação do sangramento e perfuração visceral. Todos os pacientes com UP devem ser investigados para H. pylori; durante o episodio de sangramento ativo, entretanto, o teste da urease tem sensibilidade reduzida. Os pacientes com teste positivo devem ser tratados para erradicar a bactéria: é comprovado que essa erradicação previne a recorrência de UP e HD. - Antagonistas dos receptores H2 e bloqueadores da bomba de prótons: a elevação do pH intragástrico pode facilitar a agregação plaquetária e interromper a hemorragia. O efeito dos antagonistas de H2 tem sido desapontador, provavelmente por não promoverem inibição ácida máxima – seu uso é desaconselhado. Os bloqueadores da bomba de próton propiciam maior redução da acidez e se mostraram como os únicos agentes farmacológicos com evidencia suficiente de eficácia – seu uso é indicado como associado à terapêutica endoscópica (após a hemostasia endoscópica).4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 68 - Somatostatina e octreotídio: reduzem a pressão venosa portal e o fluxo arterial para o estômago e duodeno, enquanto preservam o fluxo arterial renal. Reduzem o risco de sangramento contínuo e a necessidade e são mais eficazes em sangramento por varizes esofágicas do que outras causas. - Tratamento angiográfico: raramente indicado em pacientes com ulcera sangrante, pode ser útil naqueles que apresentam hemorragia intensa, persistente, em que a terapia endoscópica não é bem sucedida ou não está disponível e a cirurgia é muito arriscada. - Cirurgia: indicada quando o sangramento não responde ao tratamento habitual. Deve ser prontamente indicada quando sua protelação representar risco de vida para o paciente. Recomenda-se ao menos uma tentativa de retratamento endoscópico antes de indicar cirurgia no caso de ressangramento após terapia inicial. Tutorial (31/08): O paciente está chocado: hipotensão, taquicardia, extremidades mal perfundidas. É um paciente preocupante. A primeira conduta é hidratar o paciente com soro fisiológico 0,9% ou ringer lactato. Preciso melhorar a PA do paciente em primeiro lugar. Soro glicosado não faz volume e não afeta a PA. Politrauma = ringer lactato, é mais benéfico em pacientes com acidose metabólica. Soro fisiológico é indicado para TGI alterado. O que preocupa na história do paciente é o uso de AAS, que predispõe ao desenvolvimento de úlcera péptica, principalmente também porque tem histórico familiar da doença (pai). Tomar cuidado com o fato de o paciente ser diabético, obeso e ter problema cardiovascular (já infartou). HDA: fígado, pâncreas, vias biliares, esôfago, estômago e parte inicial do duodeno. Verificado por endoscopia digestiva alta. HDB: abaixo do ângulo de Treitz. Visualizado por exame de colonoscopia (consegue ver até o íleo terminal). HD média: acomete o delgado (sangramento de delgado é raro), que pode ser visualizado por enteroscopia (exame muito caro, não muito usado). Melena: fezes escuras (pretas) com odores muito fétidos. Ingestão de ferro e bismuto deixam as fezes pretas, mas não alteram o odor. Catártico: com efeito laxante. O sangue no tubo digestivo tem efeito catártico, limpa o tubo digestivo. O paciente evacua de 5 a 6 vezes devido à presença de sangue no tubo digestivo. Hematêmese = HDA! 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 69 Melena = HDA e/ou HDB! As bactérias intestinais digerem o sangue. Hematoquezia/enterorragia = HDB! Cuidar: hemorragia volumosa na diarreia pode ser HDA porque é em vermelho vivo. A HDA pode ser causada por: (1) ulcera duodenal, (2) ulcera gástrica, (3) lesões agudas de mucosa/gastrite, (4) Mellory Weiss (laceração gástrica ou esofágica por vômitos repetidos e forçados, típico de alcóolatras), (5) varizes esôfago-gástricas (paciente com hipertensão portal), (6) Dielafoy (vaso anômalo, mal formado na submucosa, suscetível à hemorragia – sangra e para, sangra e para... Quando para, não há lesão, não é visível o local que sangrou – difícil de fazer diagnóstico), (7) angiodisplasia (telangiectasia – vasos dilatados ao longo do tubo digestório suscetíveis a se romper), (8) gastropatia congestiva (ou hipertensiva – paciente com hipertensão portal – o estomago fica inchado), (9) neoplasia, (10) fístula aortoentérica (a aorta abre dentro do tubo digestivo – bem raro), (11) hemobilia (sangramento do fígado ou da via biliar – trauma, tumor), (12) hemosuccus. Divertículo colônico (intestino grosso) e de Meckel (muito raro – está no íleo do intestino delgado. Tem metaplasia gástrica no divertículo, que pode sangrar por ulceração) são as causas principais de HD Baixa. Geralmente sangramento agudo de mucosa (por gastrite) não é grande – é difícil o paciente chegar em choque por causa disso. Depois do soro fisiológico: parar a hemorragia. Pedir uma EDA para o paciente – para identificar a hemorragia e para-la. Fazer, também, estabilização hemodinâmica por transfusão sanguínea. Seguir com monitorização (debito urinário, coração, respiração, saturação). Colocar O2 nasal para paciente chocado. Tratar a causa: no paciente, úlcera – IBP e retirada do AINE/AAS. IBP inicial: o meio ácido diminui a formação de coágulo, então se adm IBP, é mais fácil de estancar o sangramento (bolus de 40mg de omeprazol ou infusão contínua por 24 horas (5 ampolas)) – esse IBP não é para a ulcera cicatrizar, mas para estancar o sangramento. Pedir exames como hemograma (verificar hemoglobina – pensando em anemia), creatinina (ver se não fez isquemia renal) e coagulograma. Se eu tenho suspeita de insuficiência hepática, pedir exames das enzimas funcionais. Quando fazer a transfusão? O que define isso é a hemoglobina e o volume globular. Paciente que eu acho que sangrou bastante, mas está com valores normais, eu não preciso transfundir. Abaixo de 21 de volume globular e abaixo de 7 de hemoglobina = precisa de transfusão, mas somente se o paciente ainda estiver sangrando! Ex: paciente de 27 anos, sem hemorragia no momento, Hb = 6 e VG = 19 não precisa de transfusão! Paciente de 67 anos, com hemorragia ativa, Hb = 8 e VG = 25 fazer transfusão! Os valores estão normais, mas o paciente está em risco de abaixar esse valor. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 70 Se eu sangrei a mesma proporção de plasma e hemácia, o valor do exame de Hb não será alterado! Tomar cuidado. Fazer exames a cada 6 horas para verificar os valores – é comum que vá diminuindo quando há hemorragia causando hipovolemia. Durante esse tempo, administrar soro fisiológico. Daí fazer transfusão de glóbulos vermelhos (somente hemácias, pois o plasma eu repus com o soro fisiológico). Paciente com HDA grave precisa ser internado em UTI porque precisa de cuidados o tempo inteiro – seu quadro pode mudar a qualquer hora. A endoscopia é feita depois da estabilização do paciente. Paciente com HDA menos grave pode esperar. É indicada a instalação de sonda nasogástrica também no paciente com HDA para verificar se a hemorragia está ativa (haverá refluxo de sangue pela sonda) e limpar o tubo digestório para a realização de EDA (injetar substâncias limpadoras). Retirar IBP e acrescentar somatostatina no tto ou seus análogos para casos de varizes no esôfago ou hipertensão portal. Fazem vasoconstrição das varizes, controlando o sangramento. Na suspeita de um cirrótico, suspeitar de sangramento por varizes e fazer administração de somatostatina, antes mesmo da EDA, pois pode dar conta de parar a hemorragia. Além disso, fazer antibioticoterapia profilática – cirrótico em HDA tem chance de fazer translocação bacteriana, em que as bactérias intestinais migram para o líquido da ascite, fazendo peritonite e piorando o prognóstico, além de evitar ressangramento. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 71 AULA 5 HEMORRAGIA DIGESTIVA As hemorragias digestivas altas e baixas são extremamente comuns e, felizmente, a maioria cessa espontaneamente (de 70-80%); em grande parte dos casos, quando os pacientes chegam até o atendimento medico já cessou o sangramento. A mortalidade por HD ainda está entre 7-10% e depende muito da idade do paciente e da presença de outras doenças associadas que ele possa ter, principalmente cardiovascular e pulmonar, DM e doença hepática. Todos esses fatores acabam agravando o prognóstico e aumentando a mortalidade. HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA: corresponde a 80% de todas as HD; é muito mais frequente do que a HD baixa. Por HDA entende-se todo sangramento que acontece acima do ângulo de Treitz, ou seja, todosangramento que ocorre em um local antes e até essa angulação, nós chamamos de HDA. Clínica: paciente pode vomitar sangue (hematêmese) e esse vômito pode ser de sangue vivo, coagulado ou digerido (em borra de café). Pode ter, também, melena (fezes enegrecidas com odor muito fétido) e hematoquezia (acontece em 10-15% dos casos, não é muito frequente). Hematoquezia é qualquer sangramento do tubo digestivo que é exteriorizado como sangue vivo – não nos permite saber em que altura do tubo houve o sangramento; pode ser acima e abaixo do ângulo de Treitz. Etiologia: a úlcera péptica é a principal causa de sangramento alto (mais de 50% de todas as HDAs são por UP). Também pode ser causada por varizes esôfago-gástricas, erosões esofa- gogastroduodenais (esofagites, gastrites e duodenites), síndrome de Mallory-Weiss, neoplasias, angiodisplasias e ectasias vasculares e outros sangramentos como he- mobilia (sangramento da papila duodenal), fístulas aortoentéricas, dentre outros (correspondem a menos de 1%). HEMORRAGIA DIGESTIVA BAIXA: são todas as lesões que acontecem abaixo do ângulo de Treitz. Correspondem a 20% das HD. Predomina no gênero masculino e também em pessoas de mais idade porque as doenças que causam HDB têm muito a ver com o envelhecimento. Clínica: enterorragia/hematoquezia; ambos são de sangramento vivo exteriorizado e, raramente, melena; alguns sangramentos, principalmente de delgado, até de cólon direito, eventualmente se manifestam como melena. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 72 Etiologia: a principal causa de sangramento é a doença diverticular (40%) – por isso é mais comum em pessoas idosas, já que a incidência dessa doença aumenta a partir dos 50 anos. Outras causas incluem e doença in- flamatória intestinal, neoplasias (pólipos e adenocarcino- mas de cólon), coagulopatias, doenças anorretais (he- morroidas), angiodisplasias e ectasias vasculares. Fisiopatologia das hemorragias digestivas: tanto na HD baixa quanto na alta o grande causador da doença é a redução da volemia pela perda de sangue; tem-se uma diminuição da volemia, que reduz o retorno venoso e o débito cardíaco, abaixando a PA, liberando catecolaminas e aumentando a FC. Isso vai corroborar com palidez, sudorese, confusão mental, má perfusão periférica e central. Tudo isso acontece pela perda volêmica. Abordagem inicial do paciente com HD: a rigor, deve-se seguir 5 passos essenciais: (1) avaliar o estado hemodinâmico, (2) fazer medidas de ressuscitação volêmica, (3) determinar a fonte do sangramento, (4) controlar o sangramento e (5) prevenir a recorrência. 1- Avaliação do estado hemodinâmico: primeiro é essencial fazer uma história objetiva, clara e sucinta e um exame físico bem feito. Permitem avaliar a gravidade da hemorragia; História: perguntar como foi que descobriu o sangramento (apresentou hematêmese ou melena?). *Quando o paciente refere hematêmese + hematoquezia é mais grave porque ele deve estar perdendo um volume tão grande de sangue, que vomita pela distensão gástrica e chegando vivo ao reto, mesmo tendo que passar por todo o intestino; paciente com essa apresentação clínica é mais urgente – pode ser UP de parede posterior e varizes do esôfago. *Hematêmese em pó de café + sem evacuar indica que o sangue ainda não desceu pelo intestino para se exteriorizar como melena, então pensar em um sangramento menos grave. Saber o volume do sangramento é importante também: usar tática de comparação, perguntando se a quantidade que o paciente vomitou enche um copo, por exemplo. Perguntar, ainda, se ele já teve sangramento posteriormente, onde foi e por que. É muito importante saber se ele está tomando AINE ou AAS (pode lesionar todo o tubo digestivo, não somente o estômago), se faz uso de álcool (pensar em cirrose hepática), se tem doenças pregressas e alterações de coagulação, se tem doença hepática, se fez cirurgias gastrintestinais anteriormente e se ingeriu cáusticos (principalmente em casos de lesão esofagiana). Exame físico: PA, FC, análise das mucosas (se estão coradas, ictéricas), sudorese (por hipovolemia/choque), qual é o nível de consciência, se tem estigmas de doença 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 73 hepática (ascite, circulação colateral, aranhas vasculares, baqueteamento digital), apresenta algum grau de emagrecimento, se tem estigmas de doenças vasculares (hematomas/petéquias/lesões em articulações), presença de alguma massa abdominal palpável, dor à palpação abdominal e procurar por sinais de falência cardíaca e/ou pulmonar (principalmente em pacientes que já têm alguma doença ou estão em sangramento mais grave). Gravidade da hemorragia: pode ser leve, moderado ou maciço. Avaliar a partir da PA e da FC do paciente. *Leve: quando o paciente está deitado, não tem alteração de PA; se ficar em pé, pode diminuir até 20 mmHg da PA. A FC quando deitado é normal também e quando levanta, pode aumentar em 20 bpm. Isso indica perda volêmica menor q 1L ou 20% da volemia. *Moderada: PA sistólica entre 90-100 mmHg e FC de 100 bpm. Estima-se perda sanguínea de 1,5L. *Maciça: PA sistólica < 90 mmHg, FC por volta de 120 bpm. Indica perda em torno de 2L da volemia. Além disso, podemos solicitar o hemograma com hematócrito e hemoglobina – é um bom exame, bem feito, mas não é fiel num primeiro momento porque quando sangramos, perdemos tudo, tanto liquido quanto componentes celulares do sangue; consequentemente a hemoglobina e o hematócrito não vão ter uma redução real. No entanto, depois de certo tempo do sangramento, há uma mobilização de agua do extra para o intravascular e isso vai fazer uma diluição dos elementos celulares do sangue e, assim, registra-se uma queda do hematócrito (VG) e da Hb. Essa mobilização de líquido demora a acontecer; de 6-24h - isso porque o próprio paciente mobiliza o líquido e porque recebe infusão no pronto atendimento (diluindo o sangue e fazendo queda nos valores). É recomendado ser feita essa avaliação inicial para se estimar a situação do paciente para saber se vai precisar de transfusão ou não. Depois de 6h ou 12 ou 24h da admissão do paciente, repetem-se os exames. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 74 2- Medidas de ressuscitação volêmica: são iniciadas baseadas na gravidade da hemorragia. Em caso de paciente estável, é indicado tratamento eletivo (paciente com hemorragia leve). Se o paciente estiver instável hemodinamicamente, por hemorragia moderada ou severa, é importante ir para UTI para iniciar as medidas de ressuscitação. Pacientes com mais riscos: (1) idade > 60 anos, (2) em choque ou hipotensão ortostática, (3) que têm comorbidades associadas, como doença hepática, DM, cardíaca, insufiência renal), (4) em uso de medicamentos como AINES e anticoagulantes (podem permanecer sangrando por muito mais tempo), (5) com hematêmese ou enterorragia volumosa, (6) com melena persistente (todo dia sangrando fezes com melena), (7) casos de hemorragia em pacientes internados, (8) ressangramento em pacientes já tratados e (9) necessidade de transfusão sanguínea (quanto maior é o numero de bolsas de sangue que o paciente precisa, mais grave ele está). As medidas de ressuscitação incluem: (1) fazer acesso venoso calibroso (periférico se o paciente tiver veias boas ou na jugular para acesso venoso central), (2) proteger as vias respiratórias (para não aspirar o sangue vomitado. É indicado deixar a cabeceira da cama levemente elevada e é melhor intubar, se o paciente estiver confuso, meio inconsciente), (3) infundir fluidos adequadamente(soro fisiológico ou ringer lactato - para expandir o volume intravascular e aumentar a PA), (4) administrar sangue e hemoderivados quando forem necessários, (5) administrar O2 quando necessário (em máscara ou ventilação mecânica com intubação, se o paciente estiver com PaO2 <60 mmHg) e (6) monitorar permanentemente os dados vitais e a diurese do paciente (verificar a função renal é muito importante). *Transfusão de sangue e hemoderivados: avaliar cada caso individualmente. A transfu- são de hemácias é importante porque essas células transportam oxigênio – quando a pessoa perde sangue, perde oxigênio também porque perde as hemácias e isso faz com que se instale quadro de hipóxia, cianose, confusão mental, Às vezes pode até apresentar angina, por má perfusão. Esses pacientes com má perfusão precisam receber concentra- dos de hemácia; mesmo que a hemorragia seja maciça, não se faz transfusão de sangue total, apesar de na hemorragia o paciente perder tanto plasma quanto hemácias. Por- tanto, se prioriza as hemácias para aliviar a oxigenação do organismo. Quando fazer a transfusão? VG < 25 ou < 30 em idosos e em pacientes com comorbidades. Em casos de sangramento maciço ou choque. Em paciente com presença de sintomas ou sinais de má perfusão (como angina, estado comatoso ou com diurese muito baixa). Quanto é que cada bolsa de sangue consegue elevar do VG? Cada bolsa eleva em 3 pontos percentuais. Por exemplo: um paciente está com VG inicial de 21; é preciso elevar acima de 30 – para tanto, vou prescrever 3 bolsas de sangue (vou aumentar 9 pontos com essa transfusão, atingindo os 30 de que preciso). 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 75 Se o paciente for cirrótico ou tiver alteração de coagulação: fazer transfusão de plasma fresco. Uma apresentação para transfusão é o plasma congelado, que fornece albumina e outra é o plasma fresco que, além da albumina, tem os fatores de coagulação. Se o paciente tem situação de trombocitopenia, leucemia, doenças hematológicas: fazer transfusão de plaquetas (para valores abaixo de 40 mil). 3- Diagnosticar a fonte da hemorragia: pode-se descobrir a fonte do sangramento a partir de três exames, essencialmente: (a) arteriografia: pega a braquial ou a ilíaca (é a principal de punção), onde se insere um cateter que vai até a mesentérica para fazer a angiografia; (b) cintilografia e (c) exames endoscópicos: incluem EDA, colonoscopia, anuscopia, enteroscopia (visualiza até o delgado) e a cápsula endoscópica (não é usada para HD aguda – somente crônica, quando nenhuma outra técnica endoscópica identificou o problema). Angiografia: cateteriza-se a ilíaca, coloca o cateter, um contraste e se obtém o desenho de toda a artéria mesentérica; onde se identificar um acúmulo de sangue, pode indicar a fonte provável do sangramento. A partir dessa identificação, pode se embolizar o vaso (coloca-se uma espécie de cola), que obstrui e não sangra mais. Essa técnica só é eficaz em casos de sangramento de 0,5 mL de sangue/minuto. Cintilografia: o paciente recebe uma injeção de contraste e passa por um aparelho para ver aonde esse contraste vai se acumular. Esse exame, entretanto, não permite tratamento e o paciente precisa ter sangramento ativo para o exame ser positivo. Exames endoscópicos: Endoscopia digestiva alta: consegue ver as mais diversas causas, tais como úlceras com sangramentos (usar classificação de Forrest), varizes de esôfago (podem ter coágulos aderidos ou em sangramento jorrando – apesar de ser uma veia, ela sangra em jato por causa da pressão dentro dela da hipertensão portal), varizes gástricas (de fundo gástrico), erosões (do esôfago, do estômago e duodeno, apesar de duodenite com HD é muito rara), Mallory-Weiss, laceração da transição esôfago-gástrica (visualiza-se uma rachadura na região) e tumores (pólipo de estômago e ectasias vasculares, fazendo um aspecto de watermellon, indicando dilatação vascular com áreas de vergões vermelhos). 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 76 Paciente cirrótico faz gastropatia congestiva, situação em que a alta pressão do sistema porta faz com que todas as veias do estômago (principalmente a gástrica esquerda) dilatem, aumentando a congestão gástrica e fazendo áreas avermelhadas, que também podem ser fonte de sangramento. Colonoscopia: para HDB. A doença diverticular é a principal causa; os divertículos são uma herniação da mucosa e submucosa do cólon. Entretanto, o divertículo intestinal não é verdadeiro porque não faz hérnia nas quatro camadas do intestino, portanto se diz que é um pseudo- divertículo. Os vasos aneurismáticos que envolvem o divertículo são a principal região do sangramento baixo. Além disso, outra causa pode ser a doença de Crohn: visualizam-se muitas úlceras e uma mucosa irregular no cólon. Outra causa é a retocolite ulcerativa: é simétrica, com lesão homogênea, diferente do Crohn, que tem ulcerações extensas e irregulares com pseudopólipos de processo inflamatório. A colonoscopia permite identificar pólipos também, que podem ser encontrados em qualquer lugar do tubo digestivo, mas os mais comuns são os de cólon; existem vários tipos de pólipos, alguns benignos e outros com potencial de malignizar (tornando-se adenomas). Os adenomas são pólipos de cólon que, com o passar dos anos, vão formar um adenocarcinoma de cólon (câncer retal clássico); podem sangrar e, também, têm risco de evolui para câncer. Os pólipos podem ser inflamatório, juvenil, edematoso ou maligno. Outras causas visíveis, ainda, incluem o câncer colorretal e angiodisplasia (dilatações arteriais em que os vasos da mucosa dilatam de maneira aracneiforme (parece aranha) – geralmente acontece em idosos por envelhecimento dos vasos sanguíneos). Os pólipos podem ter um pedículo (chama-se de pólipo pediculoso) que os une à parede do intestino; nesse caso, eles têm uma cabeça, que é onde está a lesão que pode malignizar. O pólipo também pode ser cécil, com uma base larga grudada ao cólon. Anuscopia: identifica doenças orificiais, como fissura anal (faz sangramento pequeno, de sangue vivo, identificado no papel higiênico ou que pinga no vaso sanitário), hemorroidas (prolapsadas com pontos de sangramentos visíveis) e tumores anais (carcinomas – envolvidos com HPV, geralmente). Enteroscopia: analisa o delgado, quando o paciente está em sangramento e não foi possível identificar a fonte. As causas mais comuns incluem tumor no delgado (podem ser leiomiomas, tumores submucosos com ulceração 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 77 na parte externa, que é onde acontece o sangramento) ou GIST (tumor estromal). Só fazendo biopsia é possível saber o tipo do tumor. Cápsula endoscópica: usada quando é preciso investigar hemorragia de delgado. É mais usada em sangramento obscuro, crônico e não em hemorragias agudas. É um comprimido que o paciente ingere e dentro da cápsula existe uma bateria, que ativa um mecanismo de fotografia. Leva-se, aproximadamente, 6h a partir da deglutição para chegar ao cólon. À medida que progride no tubo digestivo, vai disparando fotos em todos os locais, que são repassadas para um software e permite a análise pelo médico. 4- Controlar o sangramento: para fazer o tratamento é importante dividir as hemorragias em (a) HDA não varicosas, (b) HDA varicosas e (c) HDB. HDA não varicosa: é qualquer HDA que não seja causada por varizes de esôfago. O tratamento primordial é suspender o uso de AAS, AINEs e medicamentos que complicam a situação da hemorragia. Iniciar IBP, fazer tratamento endoscópicoe, em alguns casos, indicar para tratamento cirúrgico. IBP endovenosos: é importante na HDA porque vai fazer uma estabilização do coágulo por alcalinização do meio gástrico. Quando o paciente tem ácido no estomago, esse ácido reduz a formação de coágulo, ou seja, promove uma desagregação plaquetária e favorece a fibrinólise – o que queremos é o contrário, por isso quando se administra IBP, procura-se reduzir o risco de ressangramento, reduzir a necessidade de cirurgia de urgência e, até mesmo, reduzir a mortalidade (conforme relatado em alguns estudos). O IBP, então, estabiliza o coágulo, o mantém aderido à parede e estabiliza o sangramento. Tratamento endoscópico: é o principal feito para HDA. São de vários tipos e alguns servem para HDB também. Pode ser por (1) terapia injetora: tem- se uma agulha no endoscópio que injeta substância vasoconstritora, de aderência ou esclerosante ao redor da lesão ou dentro do vaso que está sangrando. Podem ser adrenalina, cianoacrilato e colas como adesivos tissulares; (2) terapia térmica: pode ser de contato, em que o bisturi elétrico faz eletrocoagulação bipolar ou cauterização pelo heater probe, que é um ferro quente, uma sonda de calor, que aquece a 180ºC, e queima o vaso sangrando, parando o sangramento (é muito bom para UP) e pode ser sem contato, com laser ou argônio, que queimam o local apenas por borrifação e aproximação do laser no local em sangramento; ou (3) terapia mecânica: por colocação de hemoclips (grampeiam-se os vasos sangrantes) e por ligadura, que pode ser (a) elástica: usada nas varizes de esôfago, interrompendo o fluxo sanguíneo e necrosando a área, até cair e (b) 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 78 polipectomia: usada nos pólipos, é uma alça térmica que laça o pólipo cécil ou pediculado e o corta por calor, depois se cauteriza. Tratamento cirúrgico: a cirurgia é feita em situações de sangramento não controlável por endoscopia por 3x de tentativa, nem por outra terapêutica, em casos de paciente sem reserva funcional (se o paciente tiver redução de volemia, pode ter agravamento de comorbidades), úlceras gigantes e sangramento com localização de risco (fundo de estomago, onde passa a artéria gastroduodenal, por exemplo). HDA varicosa: é uma HDA causada por varizes de esôfago, varizes de estomago e gastropatias congestivas (também causadas por hipertensão portal). As varizes acontecem pela dilatação da veia gástrica esquerda, devido ao aumento da pressão no sistema porta. 40-70% dos pacientes com cirrose vão desenvolver varizes, 30-40% vão sangrar e existem 50% de mortalidade no primeiro sangramento (ou seja, quando o cirrótico sangra, existe 50% de chance de ir a óbito). O sangramento geralmente é volumoso por causa da hepatopatia (deficiência do fator de coagulação). Drogas vasoativas: quando o paciente tem hipertensão portal e sangramento por varizes, podemos usar drogas vasoativas, que fazem contração dos vasos esplâncnicos e reduzem o fluxo do sangue para o sistema porta (diminuem a pressão da artéria gástrica esquerda, veia porta e veia ázigus); essas drogas são somatostatina, octreotide ou terlipressina; são usadas como uma medida desesperadora em tratamento de sangramento varicoso. Tratamento endoscópico precoce: é recomendado quando o paciente não estiver sangrando; quando ele estiver hemoestabilizado, indicar para essa endoscopia. Entretanto, às vezes, pode ser emergencial porque o paciente não para de sangrar – indica-se fazer ligadura elástica ou injeção de substâncias esclerosantes, como etanolamina ou cianoacrilato. Antibioticoterapia sistêmica: todo paciente com sangramento por hiperten- são portal precisa desse tratamento porque o hepatopata tem risco au- mentado de desenvolver encefalopatia ou peritonite bacteriana espontâ- nea (com ascite). Geralmente usam-se Cefalosporinas de 3ª geração (ceftri- axona) ou quinolonas (ciprofloxacina ou norfloxacina). Balão gastresofágico: quando nenhum dos outros tratamentos resolve. O balão de Sengstaken Blakemore é uma sonda nasogástrica que, uma vez posicionada no estômago, recebe ar injetado, ou agua, para inflar e fixa-lo à parede posterior do órgão, onde vai comprimir as varizes. No outro balão da sonda, que é posicionado no esôfago, mantém-se uma 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 79 pressão de aproximadamente 20-30 mmHg, fazendo com que essa pressão atue na parede do órgão e propicie o colabamento das varizes; esse colabamento, por pressão, faz parar o sangramento. O problema é ao desinsuflar o balão e o retira-lo, é necessário fazer tratamento endoscópico para retirar o coágulo que ficou armazenado ao redor do balão. TIPs: transjugular intrahepatic porto- systemic shunt. Também é uma opção quando nenhum outro tratamento é efeito. É feita uma cateterização da jugular, passando pelo átrio, indo para a cava e entrando na veia supra-he- pática. Uma vez posicionada nessa veia, por tentativa e erro, se começa a “cutucar” o fígado, procurando um ramo da veia porta; quando achar esse ramo, coloca-se um stent que per- mite a comunicação da veia porta com a veia hepática, assim, o sangue passa direto para o átrio direito e isso diminui a pressão do sistema porta. O problema é que essa passagem de sangue pode fazer com que os paci- entes tenham encefalopatia, pois o sangue não é processado pelo fígado, está cheio de toxinas e principalmente ureia, fazendo comprometimento do SNC. HDB: fazer a estabilização hemodinâmica sempre e o tratamento endoscópico exatamente com os mesmos artifícios da endoscopia, mas através de colonoscopia. A arteriografia pode ser feita também, injetando vasopressina ou por embolização vascular; o cuidado a se tomar é de não injetar em vaso muito calibroso porque pode fazer isquemia. O tratamento específico da causa da hemorragia é importante também, como o tratamento da neoplasia, da doença intestinal inflamatória, da doença orificial e da isquemia do intestino. 5- Prevenção: quando o paciente tem doença hepática, é indicada a pesquisa de verificação de varizes e a prevenção da sua formação ou, se já existirem, que não aumentem – usa-se geralmente propranolol. Quando o paciente já tem varizes de esôfago de grosso calibre e deseja se prevenir o sangramento (profilaxia primária), usa-se propranolol ou se faz uma ligadura elástica (às vezes a variz tem sinais vermelhos que indicam fragilidade da parede). Quando o paciente já sangrou, faz-se profilaxia secundária: mantem o propranolol e se ligam todas as varizes com elástico. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 80 AULA 6 DIARREIA AGUDA Diarreia aguda é uma situação muito frequente de procura por atendimento médico. A mucosa intestinal é uma interface entre o meio externo e interno do organismo; devido a isso, o tubo digestivo pode sofrer agressões externas, assim como a pele também pode. Apresenta uma grande permeabilidade ativa e passiva à água e nutrientes, mas também a uma série de toxinas que possam vir a ser ingeridas (expõe o meio interno a microrganismos e toxinas). Existe uma grande absorção de água pelo tubo digestivo; diariamente, 7 a 10 litros são produzidos e 1,5L chega ao cólon. A função principal do cólon é transformar esse 1,5L em 100-150 mL, que serão eliminados diariamente com as fezes. Se há uma alteração nessa absorção intestinal, mais água é enviada para o cólon e ele não dá conta de absorver toda ela e, então, dá diarreia. Sendo assim, pode-se concluir que pequenas alterações de água no nosso organismo podem instalar o quadro de diarreia– 1% de mudança na absorção é o suficiente. De maneira geral, “diarreia” é definida como um aumento da quantidade de líquido com consequente aumento de peso nas fezes (> 200 mg/dia) e diminuição de sua consistência. É a passagem de 3 ou mais evacuações ao dia de fezes amolecidas, líquidas. O paciente que chega dizendo que teve uma diarreia não é relevante; diz-se que ele teve uma evacuação líquida apenas, porque não foi mais de 3x. De acordo com o tempo se classifica a diarreia, pois indica causas diferentes: (1) aguda: até 14 dias, pode ser virose e diarreia bacteriana aguda; (2) crônicas: mais de 1 mês e (3) aguda persistente: intermediária, não pode ser caracterizada como crônica, mas já acontece há mais de 14 dias (entre 2-4 semanas). Para eu ter diarreia, algo precisa estar acontecendo no intestino para causa-la. Existem 4 mecanismos principais para esse processo: (1) osmótico, (2) secretor, (3) exsudativo e (4) motor. Todos eles podem, ainda, ser mistos, pois algumas bactérias e toxinas podem fazer esse tipo de quadro. Alguns autores usam o termo disabsortivo, que pode ser incluso no processo osmótico. (1) Diarreia osmótica: acontece quando eu tenho dentro da luz intestinal uma substância osmoticamente ativa que vai puxar água para ela. Se eu tenho aumento da água na luz intestinal, absorvo menos a agua e elimino mais; vou ter diarreia. Quando eu paro de ingerir o nutriente que causa a diarreia, ela é interrompida. Exemplo: eu tenho intolerância à lactose; ela não é absorvida, “sobra” no intestino e é o composto osmoticamente ativo que vai “roubar” água para a luz intestinal. Se eu paro de ingerir lactose, paro de ter diarreia. A análise das fezes revela um fluido fecal (após centrifugação) rico em soluto não absorvível e pobre em eletrólitos. É o tipo mais simples, sem lesão do tubo digestivo. Há apenas perda na capacidade de absorver o soluto. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 81 Causas: (a) ingesta de carboidratos mal absorvíveis e (b) ingesta de íons não absorvidos. a. Laxantivos – lactulose, sorbitol (xaropes, alimentos dietéticos, frutas como ameixa e laranja), manitol (preparo de colonoscopia e alimentos dietéticos), frutose e fibras (farelo de trigo). b. Magnésio em antiácidos e alguns laxantes (sulfato de magnésio, sulfato de sódio e fosfato de sódio). (2) Diarreia secretora: tem-se um problema na mucosa intestinal. O que acontece é que eu tenho um aumento na secreção de íons pelos enterócitos ou uma diminuição da taxa de absorção desses íons e da água. Assim, sobra mais líquido no intestino e eu tenho diarreia. O mecanismo principal é a alteração do AMP/GMPc, cálcio e proteíno- quinases intracelulares, que conduzem a essa diminuição de absorção de sódio ou aumento da secreção de cloretos. Acontece por uma toxina bacteriana, que vai fazer essa alteração da sinalização celular. A análise fecal é de um fluido rico em eletrólitos. A diarreia persiste mesmo após 48-72h de jejum (na osmótica o paciente para com a diarreia se ficar em jejum). O problema é que a sinalização intracelular dos enterócitos está alterada, assim o paciente continua tendo diarreia. Causas: (a) infecções intestinais por agentes enterotoxigênicos, (b) laxantes, (c) hormônios tireoideanos e (d) tumores endócrinos. a. Os principais são V. cholerae, rotavírus, adenovírus, E. coli toxigênicas, S. aureus e C. perfringens. b. Derivados antracênicos como cáscara sagrada e sene (tamarine), bisacodil (humectol) e fenoftaleína (agarol). São de uso pontual e não contínuo. O problema da osmótica é o que está na luz intestinal e o problema na secretora é o mecanismo do enterócito. (3) Diarreia exsudativa: também chamada de inflamatória. Tem-se uma lesão grande de enterócito devido à inflamação e ulceração, resultando em eliminação de proteínas, muco e sangue na luz intestinal. É o principal mecanismo das disenterias. O processo inflamatório e ulcerativo libera para a luz intestinal proteína muco e sangue, que vão causar a disenteria. Causas: (a) infecções bacterianas e virais, (b) protozooses, (c) uso de drogas. a. Causada por Shigella, Salmonella, E. coli enterohemorrágica e C. difficile. b. Pensar em giárdia e amebíase. c. Como clindamicina, ampicilina, Cloranfenicol e cefalosporinas. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 82 O paciente chega com queixa de diarreia com sangue e pus. É importante fazer o dx diferencial com doenças que fazem diarreia crônica: retocolite ulcerativa, enterocolite isquêmica, doença inflamatória intestinal, doença de Crohn, neoplasia de cólon e neoplasia de reto (essas doenças começam com quadro de diarreia aguda). (4) Distúrbio motor: ocorre aumento do peristaltismo ou diminuição e essa alteração pode causar diarreia. A diminuição do peristaltismo aumenta a quantidade de bactérias intestinais, propiciando o supercrescimento bacteriano, que causa diarreia. Já o aumento do peristaltismo influencia na menor absorção de agua, sendo ela mais eliminada. Geralmente essas diarreias são crônicas. Causas: (a) aumento da motilidade do delgado e (b) diminuição da motilidade do delgado. a. Ocasionada por hipertireoidismo, síndrome carcinoide e síndrome de Dumping pós-gastrectomia (devido à gastrectomia, rapidamente o conteúdo ingerido passa para o delgado e ele não dá conta). b. Diabetes, hipotireoidismo e esclerodermia. Principais causas de diarreia aguda: Infecções: primeira causa e a mais importante. Podem ser bacterianas ou virais, geralmente ocasionadas por rotavírus, adenovírus, Norwalk vírus, agentes toxigênicos e invasivos. Contaminação alimentar. Medicamentos e suplementos alimentares (intolerância alimentar). Álcool. Outros. Quando se fala em diarreia aguda, é importante pensar em 4 tipos de situações: (1) diarreia adquirida na comunidade, (2) diarreia adquirida no hospital: paciente internado passa a ter diarreia após algum tempo no hospital, (3) diarreia do viajante: acontece quando o indivíduo de um país frio vem para um país quente e (4) diarreia persistente: que dura mais de 4 semanas. São quadros epidemiológicos distintos. (1) Diarreia adquirida na comunidade: a principal causa de diarreia na comunidade é a infecciosa, causada por vírus (30-40% das gastrenterites comunitárias são causadas por vírus). GECA = gastroenterocolite aguda (pega vários segmentos do tubo digestório). Dos vírus, pensar nos principais: a. Rotavírus: incubação de 1-3 dias, resolução do quadro em 4-5 dias. Reidratação é o principal objetivo da terapia. b. Norovírus: incubação de 1-2 dias, resolução em 2-3 dias. c. Adenovírus: corresponde de 5-10% das diarreias infantis. Período de incubação de 8- 10 dias, com um quadro clínico mais prolongado, podendo durar até 14 dias. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 83 O rotavírus está presente nas fezes, é identificado diretamente; os outros são identificados por PCR das fezes, mas essas pesquisas acabam sendo feitas somente em pacientes imunocomprometidos, em que é importante saber o agente para combatê-lo. No dia-a-dia, na comunidade, não é nem comum pedir o exame de rotavírus. Todos são tratados como a mesma coisa, dando o diagnóstico de diarreia viral. Não se classifica porque o tto é igual e todas são doenças autolimitadas. No paciente imunocompetente isso não é problema. Em algumas situações, entretanto, se pede o exame do rotavírus, principalmente em casos de surtos. Essa diarreia pode ser bacteriana também, que pode ser de vários tipos. Toxigênica: a principal causa é a cólera (Vibrio cholerae); o paciente com cólera morre dedesidratação, não pela infecção. Há grande perda liquida decorrente da ação das enterotoxinas nas células epiteliais do intestino delgado; a perda é de cerca de 15-20L por dia (a reposição de soro para esse paciente é praticamente impossível). Esses pacientes fazem desidratação, perda de função renal, choque hipovolêmico e distúrbio hidroeletrolítico grave, morrendo por essas complicações. Invasivas: os patógenos invadem a mucosa, principal do íleo distal e do cólon, fazendo ulcerações na mucosa e reação inflamatória aguda na lâmina própria. Os principais agentes são: o Shigella: passa de pessoa para pessoa ou pela ingesta de ovos e laticínios. o Salmonella: ingerida por frango, ovos, carnes e laticínios. o Campylobacter: de leite e frango contaminado. o Yersínia: comida, leite ou agua contaminados. o E. coli enteroinvasiva: de carne contaminada e leite não pasteurizado. Nas diarreias de surto é feita a identificação do agente causador para corrigir o problema. Por contaminação alimentar pode-se ter a toxina liberada pela bactéria no alimento ou a própria bactéria; se eu tenho a ingesta de toxina pré-formada no alimento, apresento um quadro rápido de náusea e vômitos nas primeiras 6 horas após a ingesta, seguida por diarreia – pensar em S. aureus e B. cereus. A diarreia aquosa acontece entre 6-12 horas após a ingesta e pode ser causada por Clostridium perfringens, B. cereus, E. coli enterotoxigênica, V. cholerae e giárdia. Além disso, pode haver manifestação de uma ileocolite inflamatória, que dá disenteria, indicando a ingesta da bactéria junto na comida; pensar em Salmonella, Shigella, Campylobacter, E. coli enteroinvasiva e enterehemorragica, V. parahaemolyticus, Yersínia, com sintomas ocorrendo de 16-72h após a ingesta. Outras causas na comunidade incluem o uso de medicamentos e suplementos alimentares (antibióticos, laxativos, colchicina, digoxina, antiácido com magnésio), álcool (aumenta o transito intestinal, reduz a atividade das dissacaridases e reduz a secreção de bile – tudo isso leva à diarreia) e a diarreia em maratonistas e esportistas (que pode acontecer pelo excesso de fibras e carboidratos na dieta, aumento da motilidade colônica, isquemia intestinal e liberação de neuropeptídios e prostaglandinas; por isso é importante orientar uma alimentação compatível e muita ingesta de líquidos). 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 84 Resumidamente, na comunidade a diarreia na maioria das vezes é infecciosa e causada por vírus, algumas podem ser por bactérias. Se não for, pensar nas outras causas possíveis. (2) Diarreia adquirida no hospital: é quando o paciente é internado sem diarreia e dentro de 72h passa a ter; é uma diarreia hospitalar. Deve se pensar em 3 causas principais: (1) algum medicamento que ele está recebendo faz diarreia, como antibiótico (pode fazer alteração de microbiota intestinal, podendo durar até 6 meses depois do uso) e substâncias hiperosmolares, (2) diarreia por Clostridium difficile: acontece devido à seleção de bactérias na luz intestinal por (a) uso de atb ou por imunossupressão; nesse processo, a principal bactéria que sobrevive é o C. difficile e pode ser um problema do próprio paciente, em que ele pode ter essa bactéria na microbiota e viver bem com as outras bactérias, mas quando usa atb, mata as outras e ela não, causando a diarreia; e (b) por transmissão de um paciente para o outro; por isso que todo paciente com Clostridium precisa ficar isolado e o profissional que lhe atender precisa usar luvas e avental. O problema é que demora alguns dias para fazer o dx e nesse tempo vai se passando essa bactéria para os pacientes – daí a importância de lavar as mãos a cada paciente q vai se visitar, principalmente porque o Clostridium só morre ao se lavar a mão. Cada vez mais se vê essa bactéria na comunidade, infectando o paciente que usou atb e começou a fazer diarreia apenas por seletividade. É uma bactéria difícil de crescer em cultura, não cresce na cultura convencional – para pesquisa-lo, pede-se pesquisa de toxina por ELISA (toxinas A e B); o problema é que são toxinas termolábeis, então a coleta precisa ser bem armazenada sob refrigeração. Às vezes é importante fazer PCR para melhorar a identificação. Apesar de ser causada pelo uso de atb, a doença é tratada com atb, principalmente dois: Metronidazol (1ª opção) e vancomicina (via trato digestivo – ampola diluída em água e toma de 6/6h). Em pacientes com recidivas é feito transplante de microbiota fecal – por colonoscopia ou sonda nasoenteral. (3) Outras bactérias e vírus. (3) Diarreia do viajante: inicio abrupto geralmente nas 2-3 semanas e dura aproximadamente 5 dias. Zonas de risco para contrair a doença incluem a América latina, África e Ásia. As fezes são líquidas e podem ser acompanhadas de náuseas, vômitos, febre e sangue. Tem-se uma alteração da microbiota desses pacientes, dando espaço à colonização por E. coli enterotoxigenica e Shigella, rotavírus e Norwalk, giárdia e ameba. Em resumo, a pessoa entra em contato com bactérias que não tinha em seu intestino antes. (4) Diarreia aguda persistente: é aquele paciente que você pensou estar com uma diarreia aguda, viral, e voltou depois de 2 semanas sem melhoras – está entre o período de 2-3 semanas. Pode ser devido a: (1) uma infecção persistente: por E. coli enteropatogênica e enteroaderente, C. difficile, Campylobacter, Salmonella, giárdia, Cryptosporidium, Entamoeba, Strongyloides (por isso é importante fazer pesquisa de parasitas nas fezes 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 85 sempre) e CMV/herpes em imunossuprimidos. São diarreias mais intensas, não tão simples; (2) infecção de repetição: tratei a primeira bactéria e o paciente se recontaminou, persistindo a diarreia por reinfecção do mesmo agente e (3) alterações que podem acontecer no intestino pós-infecção: paciente que teve diarreia viral/bacteriana, tratou, curou, mas desenvolveu uma alteração motora de sensibilidade do intestino e faz uma síndrome do intestino irritável com quadro de gastrenterocolite (sensibilidade intestinal aumentada; é a dispepsia do intestino, pode começar depois de um quadro de diarreia aguda por infecção). Cuidar com paciente com apresentação inicial de doença crônica: (1) retocolite ulcerativa e (2) doença de Crohn. A diarreia é aguda, sanguinolenta, que não melhora; aí o médico indica para colonoscopia e observa as alterações. Anamnese: é a primeira coisa a ser feita. Pesquisar sintomas inespecíficos de náuseas, vômito e dor abdominal; perguntar sobre fatores causais: se usou atb ou outros medicamentos, se fez alguma viagem recente, ingeriu alimentos diferentes ou suspeitos, entrou em contato com enfermos, sofreu hospitalizações recentes, ficou exposto a animais, se tem doenças sistêmicas, problemas na imunidade e qual o perfil sexual. Analisar a severidade da doença perguntando sobre presença de sangue, muco, pus ou resíduos alimentares, se apresentou febre associada, cólicas abdominais e emagrecimento, quantas vezes precisa ir ao banheiro evacuar. É importante saber se ocorreu em familiares ou amigos também, pois sugere diarreia infecciosa. Qual é o volume das fezes evacuadas – doenças do delgado tendem a apresentar grande volume, serem aquosas e tendem à desidratação, enquanto que as doenças do cólon têm pequeno volume e estão associadas a tenesmo e urgência de evacuação. Qual a duração do quadro – diarreias são autolimitadas em maior grau, durando aproximadamente 5 dias; persistência dos sintomas indica doença de maior gravidade (toxinas termoestáveis provocam diarreia entre 6-24h, enquantoque os quadros infecciosos iniciam em 48h). Os sintomas de diarreia do delgado diferem dos sintomas do intestino grosso. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 86 É importante saber as características de evacuação do paciente para direcionar a caracterização do problema. Algumas situações são bem especificas, mas a maioria envolve sintomas altos e baixos. O acometimento de cólon proximal dá característica de diarreia alta. A baixa é acometimento de intestino final. O paciente com diarreia do intestino delgado tem cólon normal, então ele suporta armazenar uma quantia grande de fezes – por alteração do delgado, passa uma grande quantidade de líquido para o cólon e dá diarreia, mas é somente quando passa esse volume e o cólon não aguenta mais é que o paciente vai evacuar; então o paciente evacua poucas vezes por dia, mas em grandes quantias. O paciente com alteração de intestino grosso, cada pouquinho de fezes que chega ao cólon é o suficiente para que seja preciso evacua-la, assim, o paciente evacua varias vezes ao dia, mas em pequenas quantidades. Sangue nas fezes é mais comum ser vivo quando for alteração de cólon. O sangramento de delgado é misturado nas fezes. Além disso, diarreia de delgado com leucócito é muito raro, pensar mais em intestino grosso. A investigação do pató- geno é importante para cada si- tuação de acometimento tam- bém. Cada agente é mais coloni- zador de uma parte do intestino, causando diferentes sintomas de diarreia. Essa informação direci- ona tanto a investigação quanto a conduta de tratamento. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 87 Diagnóstico: É feito praticamente pela clínica; diarreia aguda (GECA). Exames laboratoriais podem ajudar e eu vou solicita-los para o paciente em que tenho preocupação maior, ou seja, que apresente alguma complicação. Esses exames incluem: (1) parasitológico de fezes: 3 amostras, (2) pesquisa de leucócitos fecais: paciente com febre, suspeita de infecção, (3) coprocultura: em caso de febre alta, quadro severo, diarreia sanguinolenta, leucócitos fecais positivos, em todos os imunossuprimidos e em diarreias persistentes que não estão sendo tratadas empiricamente com atb. Esse exame identifica Salmonella, Shigella e Campylobacter. *Se é desejado pesquisar Clostridium, preciso pedir pesquisa específica para ele. Podem ser pedidos exames de imagem a colonoscopia não é feita no momento agudo – é pedida em casos de persistência ou recidiva. Tratamento: o melhor é prevenir; lavar as mãos, ter condições sanitárias adequadas. A maioria os casos é autolimitada, então melhora normalmente sozinha. Diarreia é um sintoma, não o dx – o dx é GECA. É importante saber a causa da diarreia para o dx em casos mais graves, mas, em geral, o tto é sintomático – não se faz atb, antiviral ou antiparasitário, só alívio dos sintomas. Em algumas situações é preciso tratar a doença de base com o medicamento necessário. A primeira coisa é não deixar o paciente desidratar – na grande maioria das vezes se hidrata o paciente por via oral (pelo tubo digestivo). Se o paciente está vomitando, em distensão abdominal, instabilidade clínica, acidose metabólica ou tem desidratação grave, não pode se fazer reposição oral; fazer endovenosa. Se o paciente está bem, pode ir para a casa se tratar e caso mais grave precisa ficar internado. Evitar o consumo de produtos com lactose nos primeiros 2-3 dias devido à deficiência de lactase secundária à lesão dos enterócitos. Embora a absorção de sódio esteja prejudicada, a de glicose e sacarose permanece inalterada e facilita a absorção de água e sódio sem gasto enérgico. Por isso é essencial fazer reposição de água com sal e açúcar – se for somente água + sal, não será absorvido!!! A bomba de sódio intestinal está prejudicada. Os isotônicos são bons para manter a hidratação – é bom no paciente que não está desidratado, pois não reidrata, apenas mantém. Se o paciente está desidratado, precisa de soro – existe esse soro já pronto para ser comprado em farmácia, soro OMS (3,5g de NaCl, 1,5g de KCl, 2,9g de Citrato de Sódio e 20g de glicose). Quanto tomar? É preciso, pelo menos, repor a perda, ou seja, toda vez que evacua precisa se hidratar. Mesmo que tenha diarreia depois que ingere, precisa continuar ingerindo! Não é o que acabou de tomar que está saindo; é apenas o reflexo gastrocólico que fica ativado. Em suspeita de diarreia bacteriana: não esperar o resultado da coprocultura (demora bastante para ficar pronto). Mesmo que demore, é importante pedir para se ver o surto de qual bactéria está ocorrendo e, se meu paciente não melhorar, vai ser útil no ajuste de atb. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 88 Qual atb dar? Os principais são as quinolonas, principalmente Ciprofloxacin (500 mg de 12/12h por 3 dias) ou Norfloxacin (400 mg 12/12h por 3 dias também). Sulfametoxazol + trimetoprim pode ser usado também, 160/800 mg de 12/12h por 3 dias. Usar Metronidazol na suspeita de giárdia e Clostridium. Utilizar atb somente quando o paciente tiver doença do viajante, febre (> 39ºC), leucócitos fecais positivos, sangue nas fezes, em imunossuprimidos e diarreia > 7 dias com quadro de desidratação importante. Antidiarreicos: existem alguns tipos: (1) agentes antimotilidade: loperamida (“imosec” – o problema é que diminui motilidade intestinal, aumentando o risco de invasão da mucosa; portanto são contraindicados para diarreia aguda bacteriana), difenoxilato com atropina e tintura de opium. Não usar nenhum desses na suspeita de diarreia bacteriana!!! (2) Agentes de solidificação das fezes: deixam as fezes mais espessas; psilium e kaolin com pectina. Podem ser feitos à vontade, não geram problemas. (3) Subsalicilato de bismuto: propriedades antibacterianas e antidiarreica – não são muito usados. (4) Racecadotril (tiorfan): diminui a secreção de água, é importante na diarreia osmótica, infecciosa. Pró-bióticos: todo paciente com diarreia aguda precisa de um pró-biótico. Podem ser usados como coadjuvantes, têm se mostrado uteis em diarreia do viajante e em crianças. São usados para repor a microbiota intestinal (Saccharomyces boulardi); essa reposição é promissora, mas ainda sem evidências conclusivas. Terapia antimicrobiana especifica: E. coli e Shigella: Ciprofloxacin 500 mg de 12/12h ou Norfloxacin 400 mg de 12/12h por 3 a 5 dias. Pode prescrever SMX/TMP também, de 12/12h por 3 dias. Clostridium difficile: Metronidazol 500 mg de 8/8h por 10 dias ou vancomicina 125 mg de 6/6h por 10 dias. Salmonella e Aeromonas: Ciprofloxacin ou Norfloxacin no mesmo esquema. Campylobacter jejuni: eritromicina 500 mg de 6/6h por 7 dias. Além da terapia farmacêutica é impor- tante tirar da dieta do paciente alimentos que possam “soltar” o intes- tino, como leite, laranja, manga, kiwi, abacate, verduras verdes e gor- dura. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 89 Caso clínico V ID: mulher de 36 anos, advogada, natural e procedente de Curitiba. Queixa Principal: diarreia HMA: sempre evacuou 2-3 vezes ao dia, mas há cerca de 6 meses passou a evacuar 5-6 vezes ao dia. As fezes são pastosas, amareladas, sem sangue, muco ou pus. Nega urgência evacuatória e o quadro diarreico não ocorre de madrugada. Nega dor abdominal, mas admite distensão (meteorismo) e flatulência. Nega sintomas dispépticos. Não sabe referir relação da diarreia com a alimentação. HMP: Hipotireoidismo em uso de levotiroxina 100mcg/dia. Tratou anemia várias vezes utilizando sulfato ferroso, mas permanece com o mesmoquadro. Antecedentes gineco/obstétricos: GICIA0P0. HMF: Mãe colecistectomizada e com intolerância à lactose. Pai hipertenso. Avô com histórico de câncer colorretal. CHV: Nega tabagismo e etilismo. Boa alimentação. Sedentária devido à fadiga. RS: queda de cabelo, perda de 4 kg em 6 meses, astenia e desânimo. Ao exame físico: PA: 110/60 mmHg FC: 80 bpm Temp. axilar: 36,0ºC Peso: 55 Kg Altura 1,68m Paciente descorada ++/IV, hidratada, anictérica e eupneica Exame da cabeça com mucosas descoradas e alopécia 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 90 Exame de tórax sem alterações. Exame do abdome: plano, RHA+, flácido, doloroso levemente à palpação profunda de mesogástrio, sem visceromegalias e timpanismo aumentado. Unhas quebradiças. 1. Qual o diagnóstico sindrômico e a doença mais provável? Diarreia crônica. Síndrome disabsortiva – doença Celíaca. Há diversas causas para diarreia crônica, dentre elas: Síndrome do intestino irritável (SII) – diarreia funcional – não pode ter nenhum sinal de alarme (paciente teve anemia e perda de peso, isso mostra que a doença é real e não apenas uma alteração no funcionamento intestinal). Doença inflamatória intestinal (DII) – Doença de Crohn Síndrome de má absorção: intolerância à lactose (não dá anemia e nem perda de peso) ou doença celíaca (de herança genética). Doença de Whipple: Trophoryma Whippeli (bactéria que faz uma infecção no intestino delgado, paciente tem uma diarreia osmótica, pode ter febre, emagrecimento acentuado, pode comprometer articulações, escurecimento da pele, muito rara pelo uso constante de ATB, pode ter LNM também e sintomas neurológicos, é uma doença rara. A dificuldade é fazer o dx). Enteroparasitose: giárdia (delgado), ameba (diarreia inflamatória) e Strongyloides stercoralis (delgado). Linfoma: principalmente no delgado Diarreia crônica causada por microrganismo associado ao HIV Câncer colorretal (sinais de perda de sangue) – hereditariedade (paciente teve uma avó com esse tipo de câncer). Síndrome da má absorção secundária – DM, doença de Addison, amiloidose, esclerodermia, tuberculose, neoplasias de delgado. Gatroenterocolite eosinofílica Más absorções secundárias a cirurgias abdominais Infecção crônica Medicamentos com efeito secretório (fenolftaleína e derivados antraquinônicos – sene). Uso excessivo de dissacarídeos não absorvíveis, como o Sorbitol, em dietas com restrição de açúcar – diarreia osmótica (da mesma forma que o uso de laxantes como o hidróxido de magnésio e manitol). VIPomas (tumores neuro-endrócrinos produtores de neurotransmissores com ação secretora como o VIP – peptídeo vasoativo intestinal). Síndrome carcinoide – liberação de serotonina. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 91 Hipertireoidismo Alcoolismo – pode levar à pancreatite crônica (90% dos casos por álcool). Provavelmente a paciente do caso não tem pancreatite crônica porque ela não bebe, não tem herança e não tem dor abdominal. Obs: pseudodiarreia – incontinência anal (diferenciar de diarreia crônica) *Na síndrome de má absorção ou no câncer de cólon deve se investigar sinais de desnutrição, como edema e anemia. *Diarreia crônica: duração maior que 4 semanas. Quando se tem um paciente com diarreia crônica, a primeira coisa a se fazer é excluir incontinência fecal (incapacidade de manter o esfíncter anal fechado para não perder fezes; acontece em diabéticos e idosos). Isso é importante porque a diarreia pode ser confundida com incontinência fecal. Características Delgado Cólon Número Pequeno Grande Volume Grande Pequeno Consistência Pastosa Esfarelada/líquida Cor Normal/brilhante Normal Odor Normal/rançoso Normal/pútrido Puxo/tenesmo Não Sim Urgência em defecar Não Sim Restos alimentares Sim Não Muco Não Sim Sangue visível Não Sim Dor Incomum (fossa ilíaca direita) Frequente (fossa ilíaca esquerda) Alívio com a evacuação Não Sim 2. Onde é absorvido o ferro no trato digestivo? No epitélio duodenal, principalmente na porção proximal. As outras porções do TGI não têm uma grande importante na absorção de ferro. Anemia ferropriva: não absorve direito, não consome ferro ou perde a substância (a partir de lesões que sangram, normalmente no TGI – úlceras, neoplasias, retocolite ulcerativa, pólipos, 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 92 angioplastias. Também pode ocorrer por menstruação, a partir do aparelho urinário – hematúria – e das vias aéreas – hemoptise). 3. Qual a fisiopatologia dessa doença? Mecanismo disabsortivo ou osmótico. Qualquer que seja a causa, haverá uma diminuição da absorção de alimentos, seja de gordura ou proteína. Quando isso acontece, há um aumento da osmolaridade dentro da luz intestinal. Isso aumenta a quantidade de água do túbulo digestivo. Essa quantidade de água é maior que a capacidade absortiva do cólon, o que vai se traduzir em diarreia. Doença Celíaca: Glúten: conjunto de proteínas que se encontram nos cereais e se dividem em poliaminas e gluteninas. As poliamidas são: gliadina (trigo), secalina (centeio), hordeína (cevada) e aveina (aveia). O glúten é uma substância albuminoide, que não se dissolve em água. A doença por sensibilidade ao glúten pode ser definida como um estado de resposta imunológica, tanto celular como humoral, em indivíduos geneticamente suscetíveis. A intolerância ao glúten é permanente. Atualmente esse conceito ampliou-se e a intolerância ao glúten pode se expressar em diferentes níveis: o Enteropatia ou lesão intestinal – doença Celíaca: forma mais comum de apresentação. Também conhecida como espru celíaco, espru não tropical, enteropatia glúten-induzida, enteropatia glúten sensível, esteatorreia idiopática ou espru idiopático. (Espru: afecção intestinal crônica acompanhada de diarreia gordurosa). o Dermatite herpetiforme o Estomatite aftosa de repetição o Artrites o Nefropatia por IgA O paciente celíaco apresenta pré-disposição genética - caucasiana (HLA DQ2, HLA DQ8, e HLA DR3 – o HLA apresenta os antígenos para as células APC e essas células apresentam o antígeno para os linfócitos T), e quando associado ao componente ambiental (glúten), desenvolve uma resposta imunológica que é de dois tipos: a) Celular: TH1 IL inflamação: aumento dos linfócitos epiteliais e destruição das vilosidades intestinais. b) Humoral: TH2 anticorpos e citocinas migração intensa de linfócitos para as vilosidades (linfócitos intraepiteliais). A doença celíaca acomete o intestino delgado proximal, afetando locais nobres da absorção. Quanto mais grave a lesão e maior o segmento atingido, mais intensa será a má 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 93 absorção e mais comprometida será a saúde do paciente. Entretanto, há pacientes celíacos com alterações discretas no intestino proximal. Somente uma rigorosa análise é que dará o dx nesses casos. O defeito básico da absorção, na forma pura, situa-se na fase epitelial. À medida que o processo evolui, surgem comprometimentos secundários: Etapa pré-epitelial: há alterações na micelação de gorduras, perda fecal de sais biliares, assim como redução da enteroquinase devido à redução da borda estriada do enterócito. Etapa pós-epitelial: bloqueio relativo ao escoamento de nutrientes devido à infiltração do córion. Portanto, na DC além da redução da área absortiva, existem alterações nos mecanismos de digestão etransporte. Consequentemente, há espoliação de vários nutrientes, exsudação de proteínas e oligoelementos para o lúmen intestinal e aumento de secreção pelas células das criptas. A diarreia da DC resulta de: Grande volume líquido apresentado aos cólons Aumento de gordura nos cólons, que passa a AG por ação bacteriana, tendo efeito catártico (evacuação imediata). Elevação da secreção de água e eletrólitos, aumentando mais o volume no lúmen intestinal. Diminuição da liberação de hormônios digestivos, da enteroquinase e das secreções pancreáticas. Redução da circulação enterohepática de sais biliares, se houver lesão no íleo terminal, também com efeito catártico. O infiltrado de linfócitos na membrana basal, associado ao processo inflamatório, destrói as vilosidades levando ao achatamento. As criptas aumentam a proliferação celular e se hipertrofiam na tentativa de repor os enterócitos, mas isso não é efetivo. Com o tempo, o paciente apresenta um padrão “careca” de mucosa, podendo, então, desenvolver síndrome disabsortiva. *Criptas: área do intestino que produz células novas. Nem sempre a DC leva a esse quadro de diarreia crônica, uma vez que depende diretamente da extensão de comprometimento do delgado e do componente genético do paciente. *Pacientes com DC podem ter varias outras doenças autoimunes, principalmente tireoidite de Hashimoto e LES. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 94 Sintomas: diarreia, esteatorreia, distensão abdominal, flatulência, dor abdominal (raro), anemia, aumento dos RHA, desnutrição, cabelos e unhas quebradiças, edema (pela perda de proteína), anasarca, hepatoesplenomegalia (infiltração de gordura no fígado), glossite e queilite angular (falta de vitamina B). Além disso, pode apresentar manifestações independentes do aparelho digestivo, como anemia ferropriva ou megaloblástica, osteoporose (baixa concentração de cálcio e vitamina D), dermatite herpetiforme (depósitos de imunocomplexos da pele), hipotireoidismo (autoimune), DM (autoimune), abortos de repetição, esterilidade ou infertilidade (deficiência de acido fólico e anemia ferropriva). O paciente pode ter apenas osteoporose, por má absorção de cálcio que é absorvido no duodeno e jejuno proximal (mesmo local do ferro). Pode ter também doenças psiquiátricas ou neurológicas – não absorvem 5-hidroxitriptofano, precursor da serotonina, ou diminuição da B12. Se for criança: retardo no crescimento. Adolescente: retardo do aparecimento dos caracteres sexuais. Somente 25% dos pacientes vão ter os sintomas típicos: diarreia, esteatorreia, perda de peso, desnutrição e distensão/flatulência. A principal complicação é o linfoma. 4. Como investigar? Dosagem da fração IgA de anticorpos: anti-endomisio* (extremamente específico para DC), anti-transglutminases*** (95% de especificidade) e anti-gliadina diaminada. Se houver deficiência de IgA, dosar IgG, já pensando em doença celíaca. EDA + Biópsia + Histologia (HX): histologia do duodeno é o padrão-ouro para o dx (a biopsia é duodenal porque o endoscópio só chega até ali). Na biópsia encontra-se desnutrição de microvilosidades, presença de linfócitos inter-epiteliais e hipertrofia de criptas. Métodos de imagem: transito intestinal e eco de abdome total (ultrassom) - afastas doenças das vias biliares, fígado e pâncreas. Gordura fecal: verificar esteatorreia. Sangue oculto nas fezes Parasitológico de fezes Avaliar estado nutricional: hemograma, dosagem de ferro, de ácido fólico, de cálcio, de B12, vitamina B e K, GJ; TSH, T4. PCR, VHS 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 95 Anti-HIV Teste de Xilose Teste de tolerância à lactose Câncer de colorretal: fazer colonoscopia em caso de (1) história familiar em paciente com mais de 40 anos ou 10 anos antes da idade do parente de 1º grau que teve o câncer; e (2) acima de 50 anos mesmo sem histórico familiar. 5. Como tratar? Casos leves: dieta e reposição; o Retirar farinhas que contenham glúten (trigo, aveia, centeio e cevada). É permitido ingerir: farinha de arroz, milho, batata, mandioca, trigo sarracena e quinoa. o Restrição de lactose (pois é no topo da vilosidade que ocorre produção de lactase) – TODO PACIENTE COM DC É INTOLERANTE À LACTOSE. o Pode comer: proteína, verduras, legumes, frutas, arroz e feijão. o Reposição de vitaminas: A, B, E, K, D e biotina e sais minerais. A reposição de cálcio e vitamina D é para o resto da vida. Reposição de vitamina K somente se o paciente apresentar sinais de sangramento. Casos moderados: dieta enteral; o Suplementação enteral à base de glutamina, carboidrato e sais minerais. Casos graves: nutrição parenteral total. Doença refratária ou casos graves: corticosteroides. Tutorial (14/09): Dados para o dx: quadro diarreico há 6 meses (crônico), sem sangue, muco ou pus (se é inflamatória, invasiva ou não), evacua 5-6 vezes ao dia (preciso correlacionar com o basal do paciente porque tem que saber se está aumentada a frequência ou não; para uma pessoa pode ser normal 5-6 vezes), fezes pastosas, não acontece de madrugada, não sente dor, distensão abdominal (flatulência, indica fermentação). Junto disso tem anemia associada, perda de peso, hipotireoidismo associado (pode ser causa da diarreia, pois diminui a motilidade intestinal e propicia o supercrescimento bacteriano) e historia familiar importante de intolerância à lactose e avô com câncer de colorretal. Dx sindrômico: diarreia crônica. Dx topográfico: delgado. Dx etiológico: (1) parasitose; (2) doença de Whipple: dx por biopsia do delgado com PAS para encontrar o agente etiológico; é menos provável; (3) excesso de levotiroxina: mais provável se a paciente apresentar sintomas de hormônio em excesso, como excitação, agitação e taquicardia; 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 96 (4) intolerância à lactose: não faria emagrecimento, nem anemia; tem distensão abdominal devido ao acumulo de flatulências, o que leva à presença de dor; (5) síndrome do intestino irritável: não faz anemia e alteração de habito intestinal (um dia está bem e outro não está); (6) doença de Crohn: é uma doença autoimune que faz inflamação intestinal com diarreia invasiva que compromete da boca ao ânus, podendo fazer anemia, astenia e emagrecimento. A diarreia teria sangue, muco ou pus, ou seja, seria disenteria; (7) câncer colorretal: emagrecimento, diarreia paradoxal e obstipação (há oclusão do sigmoide e do reto para passagem das fezes), (8) supercrescimento bacteriano: paciente fez uma derivação do aparelho digestivo por cirurgias ou estado patológico de mau tratamento de patologias; (9) doença celíaca e (10) AIDS. Absorção do ferro: o ferro do nosso organismo pode vir da dieta ou das hemácias. O ferro da dieta pode ser absorvido de duas formas: não heme (em vegetais – Fe3+) e heme (em carnes – Fe2+). Esse ferro cai no intestino; o ferro heme precisa de um receptor nas células intestinais, onde se liga e é endocitado junto com seu receptor e liberado como ferro somente – sai da célula pelo transportador ferroportina. O ferro não heme é transformado em +2, é oxidado por uma enzima do enterócito, se liga ao receptor PTMD-1, é endocitado e liberado da célula pela ferroportina, sendo transportado na corrente sanguínea pela transferrina. Se o paciente contar que tem anemia, repõe ferro e não cura a causa, eu devo pensar em duas causas: (1) não está absorvendo ou (2) está perdendo muito. No caso da paciente, pensar em má absorção porque não há presença de sangue nas fezes (não tem melena).Doença celíaca: para eu ter doença celíaca, preciso ter duas coisas: (1) fator genético – HLA, que pode ser DQ2 e DQ8 (definem a doença, é obrigatório, essencial) e (2) o meio – representado pelo glúten, ou seja, eu preciso comer glúten. Tudo que tem glúten inclui trigo, aveia, centeio e cevada – sabe-se que a aveia é a menos tóxica de todas. A partir do momento que ingere glúten, a pessoa desencadeia uma resposta imune com formação de autoanticorpos que vão destruir meu epitélio intestinal. Anticorpo anti-transglutaminase, anti-gliadina e anti-endomísio – esses são os mais importantes porque permitem o rastreio da doença celíaca. Esse paciente pode manifestar outros sintomas, além dos intestinais: dermatite herpetiforme, osteoporose, infertilidade, anemia (alteração mais comum no jovem), doenças autoimunes associadas. É uma manifestação muito variada. O diagnóstico é feito por sorologia dos anticorpos; na doença celíaca, 5% dos casos não produzem IgA, não se sabe por que, então é mais indicado pedir sorologia IgG para não vir um resultado falso negativo. O anti-transglutaminase é o melhor (mais sensível e especifico) a se fazer, seguido pelo anti-endomísio. Não fecha o exame! Tem que pedir + biópsia de duodeno (segunda porção e bulbo, fecha o diagnóstico), para detectar alterações por classificação de Marshall – de I a IV. Independente do grau, todo mundo precisa retirar o glúten da sua dieta. A retirada do glúten não emagrece!!! Engorda porque quando retirado, o enterócito volta a absorver melhor as substâncias. Se depois de 6 meses o anticorpo não negativar, pensar em falta de aderência ao 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 97 tratamento e ingesta por contaminação cruzada. O celíaco tem maior chance de fazer linfoma de intestino delgado, por isso não pode ingerir, além dos riscos de deficiência vitamínica. Doenças celíacas mais graves precisam de glicocorticoides, quando não respondem à dieta. Dermatite herpetiforme: fecha o dx para doença celíaca e não precisa de endoscopia. Conduta no caso: pedir exames para parasitose, intolerância à lactose, doença celíaca e AIDS; (1) anticorpos anti-transglutaminase, anti-endomísio e/ou anti-gliadina; (2) anti-HIV, (3) parasitológico de fezes ou tratamento empírico, que pode ser por prescrição de (a) secnidazol 1 g, 2 comprimidos (2 comprimidos dose única) + albendazol 400 mg, 3 comprimidos (tomar 1 comprimido por dia, durante 3 dias) ou (b) annita 1 comprimido de 12/12h por 3 dias e (4) teste de tolerância oral à lactose. Não recomendar ainda a retirada do glúten – esperar o resultado dos exames. Só mandar parar de comer glúten depois da biópsia positiva. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 98 AULA 7 DIARREIA CRÔNICA Diarreia crônica é um aumento da fluidez das fezes, com aumento de água, que persiste por mais de 4 semanas. Quando estamos frente a uma diarreia crônica, uma das primeiras coisas a se fazer é excluir a incontinência fecal; ocorre quando o paciente fica sem pressão do esfíncter anal e, aí, quando chega certo volume de fezes, não consegue manter o esfíncter fechado e elas escapam. Essa incontinência é mais frequente nas mulheres porque elas têm problema no parto, sendo que pode haver lesão do esfíncter, e também em pessoas idosas, diabéticas, em que há diminuição da inervação da região de modo a não haver funcionalidade correta da musculatura. A principal causa de diarreia crônica originada do delgado é a doença celíaca. Excluída a incontinência, quando temos uma diarreia crônica, temos que definir as suas características clínicas e sua localização: Alta: acometimento de órgãos da digestão (fígado, estomago e pâncreas, vias biliares) e intestino delgado; Baixa: acometimento de cólon. Além disso, tentamos verificar o tipo de diarreia que o paciente tem, lembrando que elas são divididas em 4 tipos, de acordo com a fisiopatologia: Osmóticas: há aumento da quantidade de soluto hiperosmolar dentro do intestino e o órgão passa a reter quantidade maior do que a sua capacidade absortiva; Secretora: por estímulo à secreção de água em enterócitos, de etiologia geralmente toxigênica, medicamentosa ou hormonal; Exsudativas: também chamadas de inflamatórias; diarreia com perda de células para dentro do intestino, como células epiteliais, hemácias, leucócitos e muco (proteico); e Motora: alteração de motilidade, tanto pra mais quanto pra menos, fazendo com que o paciente tenha diarreia. Por hipomotilidade pensar em aumento do crescimento bacteriano dentro do intestino. A partir da definição desses aspectos, nós vamos seguir uma investigação mais dirigida e iniciar o tto específico. Clinicamente diferenciando: perguntar para o paciente (1) número de evacuações durante o dia: delgado evacua menor numero (5-6 x por dia) e cólon evacua mais; (2) volume evacuado: delgado é grande e cólon é pequeno; (3) consistência das fezes: é mais pastosa no delgado e esfarelada/líquida no cólon, (4) cor das fezes: normal/brilhante no delgado (devido à presença de 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 99 gordura nas fezes por processo disabsortivo) e normal no cólon, (5) odor: no cólon é mais fétido, mais pútrido e no delgado é normal ou rançoso; (6) puxo/tenesmo: definido pela emergência evacuatória, sensação de evacuação incompleta – mais comum na diarreia de cólon; (7) presença de restos alimentares: diarreia de delgado; (8) presença de muco e sangue visíveis: não acontece na diarreia de delgado, mas sim na de cólon; (9) dor: frequente nas diarreias de cólon, especialmente na fossa ilíaca esquerda; nas diarreias de delgado pode haver raramente, sendo que acomete, daí, a fossa ilíaca direita (10) alívio com evacuação: frequente nas diarreias de cólon (delgado não dói). Classificação das diarreias crônicas altas I- De origem pré-epitelial ou de órgãos relacionados à digestão: relacionada a tudo que vem antes do epitélio do duodeno, antes da área que absorve os alimentos, ou seja, o estômago, fígado, vias biliares e pâncreas. Um paciente com gastrectomia pode ter diarreia crônica porque não consegue fazer uma trituração adequada desses alimentos, chegando ao intestino, aumentando a osmolaridade e propiciando diarreia. Paciente com problema pancreático não produz a enzima pancreática e ela não atua no intestino, não digerindo gordura, proteínas e carboidratos – isso faz diarreia porque acarreta um aumento da osmolaridade por persistência do conteúdo na luz intestinal. Pacientes sem a vesícula biliar (colecistectomizados) e/ou com obstrução de vias biliares podem ter diarreia, pois não fazem micelização das gorduras. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 100 II- Epitelial ou por lesão do enterócito: por problema no epitélio do delgado, no enterócito. Tem-se uma lesão da célula do intestino delgado responsável pela absorção dos componentes. Doença celíaca Intolerância à lactose Giardíase Spru tropical Doença de Whipple Hipogamaglobilinemia III- Pós-epiteliais ou do sistema de transporte: relacionada ao defeito no transporte dos nutrientes, por problema no vaso linfático ou sanguíneo. O alimento foi digerido, o enterócito absorveu, mas não consegue transportar o nutriente obtido. Existindo esse problema no transporte dos nutrientes, estes permanecem acumulados no intestino e não são absorvidos completa e corretamente. Problemas nos vasos linfáticos, como dilatação, por exemplo,linfomas, doença de Crohn, doença de Whipple e, colagenoses Problemas vasculares, como isquemia. Essas situações todas podem causar transporte inadequado dos nutrientes, estes permanecendo acumulados no intestino e não sendo absorvidos completamente. Sinais e sintomas da diarreia crônica alta Seja ela de qualquer natureza, os pacientes podem ter: Diarreia com esteatorreia (perda de gordura). Não obrigatoriamente a esteatorreia estará presente, mas é frequente. A esteatorreia é relatada por fezes mais claras, brilhantes, de odor mais rançoso (cheiro de gordura velha). O paciente percebe óleo no papel higiênico (principalmente em casos de insuficiência hepática) e no vaso sanitário. O cheiro das fezes não é tão fétido. Quando o paciente perde gordura nas fezes, a consequência é que ele emagrece e pode ter astenia. Diarreia com azotorreia: é a perda de proteínas nas fezes – quando perdemos proteína, também temos emagrecimento, astenia e diminuição da albumina sérica, que leva a uma diminuição da pressão oncótica, acarretando edema, anasarca, derrames cavitários. Deficiência de vitamina do complexo B: leva à anemia megaloblástica, queilite angular, glossite, neuropatia sensórica periférica (compromete a bainha de mielina). Deficiência de ferro e ácido fólico: leva à anemia também e o paciente apresenta unhas quebradiças. Deficiência de vitamina K: também pode acontecer, principalmente se acompanhada por problema na absorção de gorduras. Leva a manifestações como equimoses e hemorragias espontâneas. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 101 Deficiência de vitamina A: leva a cabelos ralos e quebradiços, unhas fracas. Deficiência de cálcio, magnésio e vitamina D: leva a temores, tetania, osteoporose, má formação dentária e raquitismo. A diarreia crônica alta é praticamente disabsortiva e todos os sinais e sintomas estão relacionados à desnutrição, que pode ser (1) global – pandesnutrição ou (2) seletiva – perda de um único nutriente. Isso depende do local lesionado. Investigação de diarreia crônica alta Pedir, essencialmente hemograma (para verificar anemia) e bioquímica sanguínea dirigida (proteína, albumina, hormônios (principalmente TSH), dosagem de vitaminas e sais minerais). Também é pedido exame de fezes para análise de parasitológico (sempre em 3 amostras), verificação de gordura nas fezes (deixa na cara que é diarreia alta) por quantificação e qualificação e do pH fecal (principalmente para diarreias com acidez nas fezes, em casos de intolerância aos dissacarídeos). O teste da D-xilose não é usado em laboratórios brasileiros, caiu em desuso; o paciente toma 20g de açúcar, 1h depois se coleta seu sangue e verifica quanto da D-xilose foi digerida (o ideal é que 20% do ingerido esteja no sangue) – se não recuperar, indica que a pessoa não conseguiu absorver esse açúcar e indica que o enterócito está com problema. São solicitados anticorpos para doença celíaca também – anti-endomísio, anti- transglutaminase e anti-gliadina. Podemos fazer EDA + biópsia de delgado para analisar o estômago e o duodeno e se enterócito está íntegro ou não, principalmente quando se suspeita de doença. A enteroscopia também pode ser feita na suspeita de delgado comprometendo jejuno e íleo e também permite biópsia. Além disso, vários métodos de imagem podem ser usados: Rx simples de abdome: pode mostrar lesão, como pancreatite crônica calcificante (acontece por álcool – observam-se muitos cálculos na topografia pancreática); Trânsito intestinal: o paciente ingere bário e são feitas diversas radiografias do abdome, de modo a acompanhar a sua descida pelo TGI – percebe-se edema da parede do intestino, obstruções, ulcerações e acúmulo de bário; Ecografia abdominal, tomografia computadorizada e ressonância magnética: são boas para fígado, vias biliares e pâncreas. A enterografia por tomografia ou ressonância é um exame em que o individuo recebe contraste duplo (toma e injeta o contraste) e o 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 102 intestino delgado fica bem individualizado, fica muito bem visto e o radiologista pode identificar a presença de neoplasia, inflamação, fístulas, estenoses. Classificação das diarreias crônicas baixas I- Sanguinolentas: doença de Crohn, colite ulcerativa, neoplasia, parasitoses (amebíase, principalmente), colite actínica (diarreia por radiação – geralmente o paciente faz uma radioterapia para conter tumores, por exemplo, recebe radiação na região pélvica e compromete o intestino grosso, lesionando sigmoide e reto, levando a uma diarreia com sangue. É irreversível, para sempre) e infarto mesentérico (quando o paciente tem uma obstrução da artéria mesentérica, fazendo necrose em um segmento do intestino delgado ou cólon, levando a uma morte intestinal que se manifesta por diarreia). II- Não sanguinolentas: doenças como síndrome do intestino irritável, doenças sistêmicas (hipo/hipertireoidismo, DM), uso de drogas que alteram o peristaltismo, pós-cirurgia (colectomia parcial) e colite microscópica (inflamação crônica do epitélio sem lesão macroscópica – cólon íntegro e normal, mas na biópsia se visualiza um processo inflamatório). A colite microscópica pode ser (a) linfocítica: com aumento expressivo de linfócitos, associada à doença celíaca e (b) colagenosa: com depósito de colágeno no intestino, fazendo com haja dificuldade na absorção de água, devido a envelhecimento. Investigação de diarreia crônica baixa Hemograma para verificar anemia causada por perda sanguínea nas fezes; na diarreia de delgado a anemia acontece por falta de absorção de nutrientes enquanto que na diarreia colônica essa anemia acontece por melena e/ou hematoquezia. Pedir, ainda, exame de fezes, para análise de parasitológico de fezes (leucócitos fecais (presença de pus nas fezes, processo inflamatório) e sangue oculto (importante porque às vezes o paciente não vê, mas evacua com sangue)). Calprotectina fecal: substitui os leucócitos fecais com maior precisão. A calprotectina é uma proteína do citoplasma dos neutrófilos; quando temos essa substância aumentada nas fezes, é sinal de que existe muito neutrófilo no intestino, ou seja, tem um quadro de inflamação intestinal. Retosigmoidoscopia, colonoscopia: ambas permitem biópsia de cólon ou íleo terminal para avaliar o órgão histologicamente. Enema baritado: também chamado de enema opaco ou clister opaco; é um exame em que se injeta bário pelo reto do paciente, que escorre e permite que seja feita radiografias desse trânsito – esse exame está em desuso, se faz muito mais colonoscopia. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 103 DOENÇA CELÍACA É a diarreia mais importante das diarreias crônicas altas. É muito frequente atualmente na população. A doença celíaca é também chamada de espru celíaco, espru não tropical, enteropatia glúten-induzida e intolerância ao glúten. É uma enteropatia caracterizada pela intolerância permanente ao glúten, desencadeada por mecanismos autoimunes em pacientes que tenham predisposição. Não é pra quem quer ter a doença; é pra quem pode. Assim, a pessoa precisa ter a predisposição genética para manifestar a doença ao entrar em contato com o glúten. Foi descoberta por Dicke e colaboradores na década de 1950. Antes da 2ª guerra mundial existiam muitas crianças europeias com diarreia e desnutrição, apesar de se alimentarem bem. Durante a guerra, a comida ficou muito escassa – trigo, cevada e aveia deixaram de ser plantados e com essa escassez de cereais, a população passou a se alimentar mais de raízes (farinhas dearroz, milho e batata) e, curiosamente, as crianças pararam de ter diarreia. Após a guerra, os campos voltaram a ser cultivados e as crianças que pararam de ter diarreia voltaram a tê-la. Essa observação fez com que Dicke verificasse que algo presente no trigo, na cevada, na aveia e no centeio que causasse má absorção nas crianças. A partir disso foi descrita a doença como intolerância ao glúten. A prevalência da doença é de 0,5-1% da população branca – quem tem são os caucasianos. Não se tem descrição de orientais puros e africanos puros com doença celíaca; entretanto, quando os orientais e africanos se misturam com os caucasianos, podem manifestar a doença. No Paraná tem-se 1 celíaco para 214 pessoas. Em Brasília essa prevalência é menor devido à grande migração e miscigenação. O paciente pode manifesta-la em qualquer idade e o desenvolvimento da doença não depende do gênero (homens e mulheres tem doença igual). Somente 10% dos casos de doença celíaca são diagnosticados – esses números tendem a ser maiores com o passar dos anos devido à introdução de técnicas de dx por sorologia. Lembrar que é uma doença rara em determinados grupos étnicos. Etiopatogenia: o glúten é uma proteína insolúvel em água e solúvel em álcool; é uma proteína vegetal. A fração tóxica que faz a doença é a gliadina e está presente no trigo. Os outros cereais, como centeio, aveia e cevada têm proteínas semelhantes à gliadina, mas não têm gliadina; centeio tem secalinas, cevada tem hordeínas e aveia tem aveninas – também são de ação tóxica. Fatores genéticos: nós sabemos que os pacientes que vão ter doença celíaca têm que ter predisposição genética inicialmente – isso foi verificado a partir de estudos que verificaram que pacientes gêmeos homozigóticos têm 70% de desenvolverem a doença, irmãos HLA idênticos têm 40% de chance e parentes de primeiro grau de 10-20%. Esses 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 104 estudos de parentesco facilitaram a verificação da existência do fator genético predisponente para o desenvolvimento da doença – ocorrência de múltiplos casos em uma mesma. Com relação aos fatores genéticos, sabe-se que o problema está no gene HLA, que tem como função carregar fragmentos de peptídeos antigênicos até a célula T. Mais de 95% dos celíacos têm HLA DQ8 e DQ2 positivos no cromossomo 6 – isso propicia a doença celíaca. Entretanto, 50% da população normal também têm DQ8 e DQ2 positivo, o que nos leva a pensar que não obrigatoriamente esse portador genético será um celíaco, mas pode ser; isso depende de como o seu sistema imunológico responderá ao glúten. Então é necessário ter uma predisposição genética + alteração imune ao glúten. Quando o paciente tem esses DQs, ele pode ter uma resposta autoimune ao endomísio, uma estrutura da matriz extracelular do intestino (fibroblastos, células endoteliais, monomorfonucleares – estruturas endomisiais), ou seja, ele pode responder contra essas estruturas na presença do glúten. A transglutaminase tecidual é secretada pela matriz subepitelial do intestino – é uma enzima, que também acaba sofrendo reações na doença. Patogênese: o paciente entra em contato com o glúten a transglutaminase da mucosa intestinal vai fazer uma desaminação da gliadina quando desamina a gliadina, é produzido ácido glutâmico, que tem uma afinidade muito grande por moléculas DQ2/8 presentes nas células apresentadoras de antígeno essas APCs vão pegar a gliadina deaminada e apresenta-la aos linfócitos TH1 esses pacientes fazem uma resposta anômala à gliadina, alterada, que acaba acontecendo uma resposta celular de estimulação do fibroblasto intestinal (produz colágeno, instalando fibrose), destruição das vilosidades e hiperplasia de criptas. Além disso, a gliadina também é apresentada ao linfócito TH2 o plasmócito vai produzir muitos anticorpos anti-transglutaminase, anti-endomísio e anti-gliadina, geralmente da classe IgA (pode ser IgG no paciente que tem deficiência de IgA). 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 105 Resumindo: O que nós temos é um individuo com fator genético DQ2/8 positivo, que propicia o aparecimento da doença celíaca. Tendo esse fator genético, o paciente entra em contato com o glúten e a partir disso estimula as células T a fazerem uma resposta humoral (produção de anticorpos) e uma resposta celular (destruição celular, atrofia vilocitária, hiperplasia de criptas e inflamação). Sintomas clínicos: Sintomas gastrintestinais: manifestações típicas, clínica clássica; diarreia, esteatorreia, distensão abdominal, emagrecimento, borborigmos, hábito celíaco (quando a criança é barriguda, com perda de musculatura, principalmente da nádega), aftas recorrentes (grandes, maiores de 0,5 cm), astenia, anorexia, edema, vômitos e alterações emocionais (o paciente não absorve triptofano, precursor da serotonina). No exame físico pode haver perda da massa muscular, palidez (anemia), língua sem papilas (deficiência de B12), queilite/glossite (deficiência de B12), abdome distendido (nutrientes não absorvidos), aumento de RHA, hepatoesplenomegalia (esteatose hepática por depósito como reserva, já que tem problema de absorção, acontece em desnutridos), cabelos ralos e quebradiços, unhas em vidro de relógio, pigmentação da pele alterada, pele seca, edema/anasarca e equimoses (perda de vitamina A). Esse quadro é raro. Sintomas extra-intestinais: manifestações atípicas; dispepsia e constipação, anemia (muito frequente o celíaco ter anemia por deficiência de ferro porque o local de comprometimento da doença é o local de absorção de ferro e cálcio), alteração óssea (osteoporose precoce), retardo do crescimento em crianças, manifestações de pele (dermatite herpetiforme em cotovelo, sacro, atrás do joelho, antebraço), doenças autoimunes (muito frequentes – tireoidite, DM 1, LES, doença de Addison, síndrome de Sjögren e deficiência de IgA), esterilidade, infertilidade (devido à dificuldade de absorção de ácido fólico), doenças neurológicas e neoplasias (linfoma de delgado – tipo de tumor que é predisposto pela doença celíaca). Assintomática: 50% dos pacientes celíacos não têm sintoma porque a doença celíaca depende da gravidade – quanto maior for o segmento comprometido, maior é a chance de ser sintomático. Somente uma pequena porcentagem dos pacientes terá a forma clássica da doença. A grande maioria terá manifestações atípicas ou assintomáticas. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 106 Diagnóstico: É feito a partir de 4 processos: (1) suspeita clínica, (2) marcadores sorológicos, (3) biópsia de duodeno (lesões histológicas) e (4) biologia molecular (pesquisa de HLA DQ2/8 – se forem pesquisados individualmente, não faz diagnóstico de doença celíaca). A EDA é um exame muito útil no diagnóstico. Observa-se o bulbo duodenal e a 2ª porção do duodeno. Na doença celíaca observa- se uma alteração na mucosa – nodularidades e áreas de atrofia. Quando se vê a alteração, envia para biópsia. Na biópsia o patologista analisa e a classifica a histologia da mucosa de acordo com Marsh. Fase 0: pouca alteração do intestino, apenas presença de alguns linfócitos, chamada de mucosa pré-infiltrativa. Fase 1: migração de linfócitos para o epitélio, aumentando intra-epitelialmente, que estão acima de 30 células por 100 enterócitos. É, então, o aumento de linfócitos intra-epiteliais para mais de 30 por 100 enterócitos. Sugestivo de doença celíaca. Fase 2: aumento do tamanho das criptas, áreas que produzem os enterócitos. Elas começam a aumentar de tamanho para produzirmais células porque há destruição das vilosidades do intestino. O aumento dos linfócitos persiste. Ocorre, então, hiperplasia das criptas, aumento de linfócito intra-epitelial e redução da altura das vilosidades. Fase 3: vilosidades bem destruídas + hiperplasia de criptas + infiltrado linfócito. o 3a = atrofia parcial o 3b = subtotal o 3c = atrofia total NODULARIDADES ATROFIA 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 107 É devido a isso que a doença celíaca é variável – ela varia com a extensão da doença, com o grau de destruição de vilosidades, com o grau de infiltrado inflamatório e com o grau de hiperplasia. Isso leva ao desenvolvimento de sintomas mais cedo ou mais tarde. A endoscopia com magnificação de imagem mostra as vilosidades perferitamente. No delgado celíaco elas estão diminuídas, achatadas. Além disso, o aumento de linfócitos intra-epiteliais, hiperplasia e atrofia de vilosidade confirma a doença celíaca. Os testes sorológicos também são muito usados no diagnóstico e pesquisa. O mais usado é o anti-transglutaminase tecidual – é fácil de realizar, de alta sensibilidade e especificidade – é o que inicia a triagem para investigação. O melhor a ser feito é o anti-endomísio, que é 100% específico, o problema é que é caro. O anti-gliadina puro não é feito porque é positivo em qualquer doença autoimune – não tem boa especificidade, nem sensibilidade – então, não é recomendado na rotina para o dx de doença celíaca. O anticorpo bom é o anti-gliadina deaminada – tem melhor especificidade, principalmente para dx em crianças com menos de 2 anos; é melhor porque tem mais classe IgG que IgA – é mais específico, assim. Em crianças com menos de 2 anos se faz anti-gliadina deaminada e acima de 2 anos se faz anti-endomísio ou anti-transglutaminase. Interpretação dos resultados: Sorologia positiva + histologia positiva doença celíaca confirmada. Sorologia positiva + histologia negativa revisar ou repetir a biópsia em 1-2 anos e manter seguimento do paciente. Pode ser que o paciente ainda não tenha desenvolvido lesão do delgado. Sorologia negativa + histologia positiva considerar outras enterites; solicitar HLA DQ2/8 (ver se é positivo, podendo ter problema na produção de anticorpos, mas com chance de ser celíaco). Outras causas incluem giárdia, doença de Whipple e hipogamaglobulinemia. Sorologia negativa + histologia negativa paciente não é celíaco. Diagnóstico descartado. Diagnósticos diferenciais: Enteroparasitoses: giardíase e stronyoidíase Gastrenterite eosinofílica Doença de Crohn Doença de Whipple Espru tropical Enteropatia da AIDS Estados de imunodeficiência combinada Enterite actínica Quimioterapia recente Isquemia crônica Síndrome de Zollinger-Elisson Linfomas de células T Síndrome do intestino irritável Complicações: câncer (linfomas, adenocarcinomas de delgado, carcinoma de orofaringe, língua ou esôfago – celíaco tem risco aumentado para desenvolver esses tipos de câncer), infertilidade não explicada em mulheres, osteoporose precoce e fraturas ósseas (principalmente de repetição). Tratamento: Ao tirar o glúten o paciente deixa de ser celíaco; não tem processo inflamatório e sua mucosa volta a absorver os nutrientes. Assim, o principal tratamento é retirar o glúten da alimentação e restringir a ingesta de lactose, pois quando destrói vilosidade, destrói onde é produzida lactase, no ápice das vilosidades; assim, o paciente se torna intolerante à lactose também, mas ele pode voltar a tomar lactose depois da recomposição das vilosidades. Pacientes com casos mais graves podem fazer dieta enteral ou nutrição parenteral total (quando internado). É importante fazer toda a reposição das vitaminas e nutrientes necessários – cálcio, ferro, vitamina B12, vitamina D, ácido fólico. Na doença refratária usam-se corticoides, pois auxiliam diminuindo a inflamação e melhorando, desse modo, a sintomatologia. Farinhas proibidas: trigo, cevada, centeio, aveia mista, cuscuz, farinha de trigo Durum, farinha com glúten, semolina, triticale (mistura de trigo e centeio), germe de trigo, amido de trigo e farelo de trigo. Farinhas permitidas: arroz, tudo que vier do milho (farinha de milho, amido, fubá) e da mandioca (tapioca, araruta, polvilho), grão de bico, trigo sarraceno, batata, quinoa, farinha de soja, farinha de sorgo e aveia não contaminada (deaminada). Seguimento: não há um consenso sobre a periodicidade de acompanhamento da doença, mas se faz uma avaliação nutricional a cada 3-6 meses; exames sorológicos (anti-TGA IgA) a cada 6 meses – isso é importante porque se o paciente estiver fazendo dieta correta e estiver melhorando, há diminuição na sorologia; EDA com biópsia 1x por ano para verificar se estão sendo recuperadas a vilosidade e as criptas. Não se esquecer de sempre solicitar a pesquisa de anticorpos da doença para todos os familiares de primeiro grau do paciente celíaco. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 109 Persistência dos sintomas: ver se o paciente está seguindo a dieta irregularmente, se houve erro de dx, se o paciente tem intolerânica à lactose ou frutose, insuficiência pancreática, intolerância à proteína do leite, enteroparasitoses, colite microscópica linfocítica, aumento de bactérias no intestino delgado, associação com síndrome do intestino irritável e malignização por linfoma de células T. Mitos sobre doença celíaca: não é doença rara, é mais predominante em caucasianos e miscigenados, não ocorre apenas na Europa e nos EUA, não ocorre apenas na infância (o sintoma pode se manifestar em qualquer época da vida), nem todos os pacientes têm diarreia crônica, doença celíaca é incurável (é crônica – a partir do dx, o glúten tem que ser abolido da dieta do paciente pelo resto da sua vida). Caso clínico VI ID: mulher de 27 anos, enfermeira, casada, natural de Palmas e procedente de Curitiba. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 110 Queixa Principal: dor abdominal e diarreia. História Mórbida Atual: há 6 meses iniciou com dor na fossa ilíaca direita (FID) e mesogástrio, intensa (nota 9/10), às vezes em cólicas, geralmente piorando após comer e associada à distensão abdominal e, às vezes, vômitos. Desde então passou a ter diarreia, 3-5 evacuações ao dia, pastosas, por vezes com estrias de sangue e muco, sem gordura e raramente com restos alimentares. Teve febre em duas ocasiões (37,5ºC). Há 15 dias admite dor perianal, com aumento de volume que a seguir passou a drenar secreção piosanguinolenta. Perdeu 9 kg em 6 meses. História Mórbida Pregressa: Enteroparasitose aos 8 anos tratada com Secnidazol e Albendazol Hepatite A aos 6 anos História Mórbida Familiar: sp Condições e Hábitos de Vida: nega tabagismo e etilismo. Boas condições higiênico- dietéticas. Revisão dos Sistemas: refere muita tristeza, choro fácil e vontade de isolamento social. Ao exame físico: PA: 110/70mmHg FC: 110bpm Temp axilar: 37,2ºC Peso: 60Kg Altura 1,72m Paciente descorada ++/IV, hidratada, anictérica e eupneica Exame da cabeça e membros sem alterações. Bulhas cardíacas rítmicas e taquicardicas (sem sopro) Exame do abdome: plano, RHA aumentados, flácido, doloroso à palpação profunda de FID e mesogástrio, sem visceromegalias e timpanismo aumentado. Exame proctológico com fístula perianal; toque retal sp O quadro clínico sugere doença funcional ouorgânica? Justifique. Orgânica, pois o organismo da paciente apresenta alterações ao exame físico. Qual o diagnóstico provável? 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 111 Doença inflamatória intestinal, mais pendendo para o lado da doença de Crohn pela presença de fístula perianal ao exame físico. A doença de Crohn é uma doença inflamatória intestinal transmural de fisiopatologia autoimune que pode levar ao acometimento de qualquer segmento do tubo digestivo. O mais comum é ocorrer a formação de úceras profundas que seguem o eixo linear (intestinal), acometendo geralmente as 4 camadas do tubo (mucosa, submucosa, muscular e serosa), podendo haver sangramento. O processo inflamatório transmural pode levar à fistulização (delgado- delgado, delgado-cólon) ou perfuração (com abcesso intra-abdominal). É mais fácil uma obstrução a nível de delgado do que cólon, pelo menor diâmetro do tubo digestório nessa altura. Nesse caso, é mais provável que tenhamos um quadro de acometimento do íleo terminal. A grande produção de colágeno faz com que haja depósito na parede intestinal. A região da úlcera pode levar tanto à fístula quanto à estenose. Clinicamente se identifica a estenose por distensão abdominal e dor pós-alimentação. Paciente estenosado ou subestenosado tem aumento do peristaltismo, com cólica, distensão abdominal, náuseas e vômitos, parada de eliminação de fazes e fezes. Ao exame físico se observa aumento de RHA; em um segundo momento o intestino começa a ficar sofrido, diminui a circulação intestinal, resultando em edema e infarto. O infarto faz com que o intestino pare de se movimentar. Há comprometimento de todas as camadas do intestino fazendo necrose. Quais os mecanismos fisiopatológicos implicados nessa doença? Pacientes têm granulomas com infiltrado inflamatório às custas de linfócitos e um pouco de eosinófilos. Para que isso ocorra, temos uma ativação de TH1, principalmente. Há também liberação de citocinas, TNF-α, IFN-ɣ, que aumentam a migração de linfócitos para o intestino. Quais complicações ocorrem nessa doença? Hemorragia: é menos comum na DC do que na RCU e é mais por doença no íleo. Cerca de 5-10% dos pacientes com Crohn têm ulcerações no estômago ou no duodeno e nas crianças o comprometimento do intestino delgado proximal é mais frequente. Perfuração intestinal Abscesso intra-abdominal 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 112 Estenoses: estreitamento da luz intestinal. Suboclusão e obstrução intestinal: são as mais frequentes, surgem em consequência de inflamação aguda ou edema, ou fibrose crônica. Fistulas e doença perianal: é proveniente do processo inflamatório das úlceras formadas. É a comunicação entre duas estruturas ocas. O nome é dado do local onde está para onde vai: entero- entérica – vai de uma porção do intestino delgado para outra porção; entero-cutânea; entero- vaginal; entero-vesical; cólon-cutânea. É visualizada por fistulografia – injeta-se bário para radiografar o trajetório. Megacólon tóxico Malignidade: maior risco de câncer de cólon após 8 anos de doença, principalmente quando se tem grande área do cólon comprometida. Maior risco conforme duração da DC, idade precoce de começo, ou história familiar de câncer colorretal. Há também risco aumentado para adenocarcinoma do intestino delgado. Colangite esclerosante primária pode ocorrer na DC e aumenta o risco para colangiocarcinoma. Complicações extra-intestinais: estão na tabela abaixo. Os mais preocupantes são a fistula, estenose, perfurações (mais raramente), hemorragia, câncer de intestino grosso (adenocarcinoma). Como investigar o caso? Exames para pedir: Colonoscopia + biópsia Exame de fezes: parasitológico, leucócitos (geralmente positivos – procurar proteína de neutrófilos presente nas fezes: CALPROTECTINA, pois há uma perda muito grande na doença inflamatória intestinal, aumentando essa proteína nas fezes). Enteroscopia com duplo balão 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 113 (vantagem: permite biópsia; desvantagem: se não chegar ao íleo terminal, precisa de colonoscopiax adicional) Cápsula endoscópica Enterorresonância/enterotomografia: permite identificar fístulas, principalmente em parte pélvica ou reto-anal. Raio x simples do abdome: para ver complicações. Clíster opaco para verificar o trânsito intestinal do delgado. Hemograma: trombocitose, anemia, PCR, VHS (sinais inflamatórios). α-1-glicoproteína ácida: importante no dx e seguimento de processos inflamatórios. Está aumentada na doença de Crohn. Marcadores específicos para DII: o ASCA: anti-sacharomices é positivo para Crohn o ANCA: anti-neutrófilos é positivo para retocolite ulcerativa Como conduzir o tratamento? Corticoides: até a regressão dos sintomas o Prednisona 1 mg/kg/dia – 40-630 mg/dia. o Deflazacort budenisona, hidrocorticona 5-ASA: anti-inflamatórios na mucosa do intestino. DII não curam com AINEs. o Sulfassalazina (atua sobre todo o cólon) o Mesalazina (menos efeito colateral e atua desde o esôfago). Imunossupressores: em pacientes que não respondem a corticoides. o Azatioprina o 6-mercato purina o Ciclosporina A o Tacrolimus Modificadores da resposta biológica: o Anti-TNFs; o Infiximab (pode desenvolver anticorpos contra o remédio – EV a cada 2 meses o Adalinumab (SC a cada 2 meses). Cirurgia: casos selecionados, quando houver complicações como neoplasia, retardo de crescimento, fístulas, estenoses e perfurações. Boas condições nutricionais Paciente grave: começar com corticoides, remédio biológico e imunossupressores. Depois faço o desmame do corticoide para manter apenas o imunossupressor e o biológico. A doença de Crohn não consegue ser mantida somente com 5-ASA, precisa de imunossupressor associado. Antes de qualquer imunossupressor, pede-se PPD e raio x de tórax porque esses medicamentos podem reativar tuberculose. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 114 Tutorial (21/09): Diagnósticos diferenciais para o caso: (1) doença inflamatória intestinal, (2) parasitose, (3) Tb intestinal, (4) HIV. Em relação a doenças inflamatórias intestinais, elas podem ser Doença de Crohn e Retocolite ulcerativa inflamatória. São doenças autoimunes que podem ser ativadas por dieta, exposição a medicamentos, alteração da microbiota intestinal, gravidez, estresse (relacionado à vida urbana com estresse em pessoas de alto nível sócio-econômico). A doença de Crohn pode acometer da boca ao ânus e a retocolite ulcerativa acomete cólon e reto. A localização mais comum da doença de Crohn é no íleo-terminal e a retocolite é mais frequente no cólon esquerdo. Em relação à profundidade da lesão: Crohn é uma doença transmural (acomete toda a parede do intestino) e a retocolite é superficial (acomete mucosa ou submucosa). A retocolite ulcerativa começa a comprometer o reto e vai subindo, tem padrão ascendente a partir do reto; se acometer somente o reto, é uma retite ou próctite; se acometer o sigmoide, sigmoidite ou próctosigmoidite; até o ângulo esplênico é colite esquerda; no cólon transverso é colite extensa e se acometer o ceco, é pancolite. A retocolite ulcerativa não vai acometer o íleo terminal, com uma única exceção – quando fizer um quadro de pancolite, pode destruir o íleo terminal e todo o material terminal do ceco pode refluir para o íleo e formar uma ileíte de refluxo no paciente com retocolite ulcerativa idiopática. Essa manifestação no íleo terminal não é da doença, poisnão há autoanticorpos na região – ou seja, é uma doença que se manifesta somente no cólon, podendo comprometer o íleo por refluxo apenas. Fístula e estenose são complicações da doença de Crohn. Essas doenças podem se manifestar fora do intestino através de manifestações extra- intestinais. Nos ossos faz artrite, epicondilite a..., osteoporose. nos olhos pode fazer conjuntivite, epiesclerite, esclerite e uveíte. No fígado faz hepatite, colangite esclerodérmica primária (CEP) e litíase de vias biliares. Nos rins faz nefrolitiase por acumulo de oxalato de cálcio. Na pele faz eritema nodoso (nodulacoes avermelhadas geralmente na face anterior da perna, que doem bastante) e pioderma gangrenoso. ASCA é um ac relacionado à doença de Crohn e ANCA (anti-citoplasma) é retocolite. São exames pouco sensíveis – não dão o dx das doenças. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 115 AULA 8 DOENÇAS INFLAMATÓRIAS INTESTINAIS As principais DII são doença de Crohn e retocolite ulcerativa. Em cerca de 4% dos pacientes não é possível identificar se lhe ocorre doença de Crohn ou retocolite ulcerativa – são chamados de portadores de colite indeterminada. A incidência de RCU é um pouco maior que DC, mas também existem estudos que mostram que ambos têm incidência parecida. O acometimento ocorre mais em jovens, porém muitas vezes ocorre um pico bimodal, em que existem manifestações predominantemente em jovens de 20 anos e em idosos. Os idosos, inclusive, vêm sendo mais diagnosticados com DII. Com relação ao Crohn, as mulheres são mais acometidas que os homens; têm maior tendência a ter a doença. A grande dificuldade é pensar em doença inflamatória no diagnóstico para o paciente; felizmente com a facilidade dos métodos diagnósticos de hoje em dia (mais fácil conseguir uma colonoscopia, tem mais segurança no exame) permite que cada vez mais seja diagnosticada a doença. Etiopatogenia: Essas doenças dependem de dois fatores: (1) genético e (2) ambiental. A genética começou a ganhar espaço nas doenças inflamatórias intestinais a partir da íntima relação com alterações no gene NOD2/CARD5 do cromossomo 16 e em polimorfismos no gene receptor da IL- 23, relacionados à produção de interleucinas – permitem que a inflamação se estabeleça e se perpetue nos pacientes, formando um padrão crônico. Pela análise de alguns estudos translacionais percebe-se que a base genética justifica uma concordância em gêmeos monizigóticos de 50%, sendo menor em gêmeos dizigóticos (4%). Além disso, judeus asquenazes têm prevalência de 7,8% contra 5,2% de não judeus, porque se casam entre si. Entretanto, se eu tenho a genética, não basta; eu preciso me expor ao meio. É uma doença que prevalece em meios urbanos em detrimento dos rurais porque o paciente urbano tem um acesso mais fácil a alimentos modificados (transgênicos, com aromatizantes, alimentos com produtos que perpetuem a validade) e são pessoas com acesso 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 116 mais fácil a antibióticos, ao meio médico em si; então é muito sugerido que esses pacientes tenham sido criados “dentro de uma bolha de cuidados” – você ter contato com sujeira e bactérias pode te proteger de adoecer. Além disso, pacientes intelectualizados têm mais doença intestinal que trabalhadores braçais – fator estresse, talvez. Outro fator é o tabaco – alguns estudos mostravam que o tabagismo parecia proteger os pacientes com retocolite ulcerativa porque eles tinham uma piora da sua doença ao parar de fumar. Entretanto, em estudos experimentais a nicotina imposta como instrumento de pesquisa não melhorou a doença dos pacientes em estudo clínico, parecendo que este dado foi supervalorizado no passado. Ainda não foi possível usar a nicotina como farmacologicamente ativa para ser usada no tratamento. Mucosa intestinal: a gente tem que lembrar que o intestino, principalmente o delgado, é o maior órgão de defesa imune do nosso organismo; mais da metade do sistema imune está no intestino, uma vez que serve como uma barreira de entrada. É um órgão rico em célula imunocompetente, cheio de macrófagos, linfócitos T e B, mastócitos e neutrófilos, que vão combater a entrada de qualquer substância e organismo para que não atinja a nossa corrente sanguínea. Além disso, a mucosa intestinal consegue fazer essa barreira imune através da secreção de algumas substâncias como aminas biogênicas (histamina e serotonina), prostaglandinas, leucotrienos, oxidantes e citoquinas – essas substâncias potencializam a ação das células imunes frente a uma invasão, ou seja, amplificam o sinal de proteção. Desse modo, portando a genética e o me expondo ao meio que me favoreça, eu desencadeio um mecanismo de autodestruição e instalo a doença. Quem faz agressão aos tecidos, ou seja, quem é o maior agente destruidor tecidual, não são os invasores, mas o próprio sistema imune. Existem várias teorias aceitas para explicar a doença inflamatória intestinal, principalmente porque não se entende muito bem como acontece essa doença, mas todas tendem ao princípio de ativação de células do sistema imune a partir de uma agressão, em que as APCs ativam linfócitos T e macrófagos, os quais atuam liberando IL-23 e IL-12, respectivamente. A IL-12 interage com linfócitos T ativados, provocando uma resposta exacerbada por subpopulação TH1; essa subpopulação acaba produzindo mais substâncias inflamatórias (intérferons gama e TNF-α), as quais são responsáveis por vasodilatação e recrutamento de mais células de defesa para o local. A partir do momento que esses mecanismos agressores baseados na minha genética permitiram que as células se ativassem, foi desencadeada uma resposta sem freio que destrói minha mucosa por completo. Assim, diz-se que diferença entre uma reação inflamatória normal e uma crônica é o freio. Pensando nisso, o paciente que faz agressão à mucosa, mas não tem a base 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 117 genética que cronifique essa agressão, desenvolve uma quadro de diarreia e erosão da mucosa, mas que num certo ponto para, se resolve e acaba. Nos pacientes com DII é como se o processo de agressão não parasse nunca e, portanto, a base do tto é tentar bloquear esse mecanismo inflamatório imunomediado. Depois da ativação dos linfócitos, ocorre uma cascata de ativação de outras células e isso perpetua todo o ciclo, mesmo se eu não for reexposto aos antígenos no futuro. Na doença de Crohn há erro na apoptose de TH1 – ao invés de a célula saber que precisa morrer, ela continua viva por um tempo muito maior e, assim, a inflamação se perpetua. RETOCOLITE ULCERATIVA É uma doença que acomete somente o cólon e o reto, entretanto, existe uma única condição que poderia comprometer o íleo-terminal; pacientes com pancolite podem estabelecer o quadro de ileíte de refluxo (acomete todo o cólon e extravasa pela papila ileal para o íleo- terminal). É uma doença superficial, basicamente comprometendo mucosa – raramente passa para submucosa. Suas lesões são contínuas – não se encontram áreas de mucosa alterada salteadas entre a mucosa normal. A doença começa do reto e sobe; do distal para o proximal, podendo fazer acometimento parcial ou total do intestino grosso. Dependendo da extensão que acomete tem nome específico: só no reto é chamada de retocolite ulcerativa, com padrão proctite ou retite (a); quando compromete o reto e o sigmoide é chamada de retosigmoidite ou proctosigmoidite (b). Se a doença conseguir chegar até o ângulo esplênico, chama-se de colite esquerda (c).Quando ultrapassa o ângulo esplênico, mas não 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 118 compromete todo o cólon ascendente, é chamada de colite extensa. Pancolite (d) é quando acomete até o ceco, de forma difusa, podendo ou não ter ileíte de refluxo. Sintomas: diarreia baixa (com dor abdominal ou tenesmo), diarreia com características invasivas (ou inflamatórias: houve destruição da mucosa e exsudou material da região) com muco, sangue, pus. Alguns pacientes têm emagrecimento, mas é mais comum terem desidratação e anemia, uma vez que o grande absorvedor de nutrientes é o delgado e no cólon ocorre a absorção de água apenas. Há manifestações extra-intestinais também. Diarreia baixa + emagrecimento + desidratação + manifestação extraintestinal. Diagnóstico: o laboratorial nos auxilia pouco. Hemograma: detecta anemia pela perda crônica de sangue – HCM baixo, ou seja, uma anemia hipocrômica e normocítica. A ferritina pode vir baixa (não focar nisso porque pode ser somente pelo quadro de inflamação). Provas de atividade inflamatória: proteína C reativa e VSH. Nos pacientes com DII usa- se muito a α-1-glicoproteina ácida. ANCA atípico: é um anticorpo citoplasmático anti-neutrófilo. Não nos traz um resultado muito bom, pois não é exclusivo de retocolite, assim, não é um norteador ou confirmador da doença. Calprotectina fecal: é o mais fidedigno; o problema está no custo, pois os convênios não cobrem. É uma proteína do citoplasma de macrófagos e neutrófilos que pode ficar nas fezes por até 7 dias, refletindo inflamação digestória. Eleva-se nas lesões inflamatórias do intestino e nos ajuda a ver o quão (des)inflamado o paciente está. Lactoferrina Usam-se mais exames endoscópicos, como colonoscopia e retosigmoidoscopia. O primeiro é mais indicado porque chega até o íleo-terminal e o segundo é restrito à visualização do sigmoide; assim, se o paciente tiver a doença acima do sigmoide, não será visualizada. Usa-se 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 119 somente um laxante retrógrado para a sigmoidoscopia e para a colonoscopia usa-se um laxante anterógrado. Mesmo que o paciente esteja com diarreia, tem que dar o laxante, senão não se consegue visualizar as lesões que são passíveis de biópsia. Numa mucosa limpa a acurácia diagnóstica é maior e mesmo assim alguns estudos trazem que cerca de 10 a 30% das lesões podem ser perdidas. A evacuação diarreica deixa um cólon sujo, mucoso, pastoso. Na retocolite se procura por uma mucosa enantemática, friável ao toque do aparelho (não é raro sangrar ao toque do endoscópio), além de material de fibrina, de coloração branca. O acometimento é difuso; tem-se uma mucosa inteiramente doente. A biópsia é importante no momento da endoscopia; o paciente vai estar com intestino inflamado e mesmo assim eu preciso coletar amostras. Na análise histológica, além da inflamação (padrão de colite), pode haver depleção das células caliciformes e abscesso de criptas (também descrito como criptite). Não é raro não se encontrar todos esses aspectos – o paciente pode ter só um, que já dá o diagnóstico. Outro exame que pode ser feito é o clister/enema opaco – seriografia. Nesse exame se visualiza uma imagem semelhante a papel rasgado (mostrando que a mucosa está doente), um tubo rígido (sinal do cano de chumbo), com perda das haustrações ou até mesmo uma aparência que lembra um microcólon, com perda da conformação normal. O importante no paciente com retocolite é buscar sempre por uma melhora clinica + laboratorial + endoscópica. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 120 DOENÇA DE CROHN É uma doença que vai da boca até o ânus; acomete qualquer parte do TGI. É uma doença profunda, transmural, que consegue comprometer todas as camadas do TGI. Acomete áreas de mucosa normal intercaladas com mucosa doente, ajudando no dx diferencial. Entretanto, nada impede que acometa só o intestino grosso – daí é preciso diferenciar de retocolite pela intercalação. Se for pancolite, o dx diferencial fica mais difícil. Frequentemente poupa o reto. Manifestação: pode fazer úlceras aftoides ou úlceras discretas em mucosa normal. Outro padrão é de úlceras mais profundas, lineares/serpeginosas (irregulares, de aspecto sinusoidal). O local de acometimento mais comum é o íleo-terminal (representam 40% dos quadros), seguido por ileíte ou jejunoileíte (30%), colites (25%) e gastroduodenite (5%). Ao exame físico: Paciente com queixas de diarreia baixa com massa palpável em fossa ilíaca direita (plastrão/processo inflamatório ou espessamento do íleo terminal), Presença de fístula (importante analisar a região anal) Plicomas anais gigantes (pele em volta do ânus – no paciente com Crohn se evidencia mais, mas pode aparecer em pacientes sem a doença também, com fissura anal). No orifício sai secreção hialina, sanguinolenta ou purulenta. Diagnóstico: É difícil se fazer o dx (1) em quadros da doença aguda, porque se confunde muito com GECA, (2) quando o paciente faz uso recente de atb; pode selecionar a flora bacterina e fazer com que o paciente manifeste uma colite por Clostridium, pseudomembranosa, que faz inflamação aguda do cólon, resultando em diarreia, (3) em casos de hospitalização ou viagem recente, (4) início em idoso (não pensar nessa doença somente para jovens) e (5) história clínica com grande variação de apresentação (ficou um tempo bem, depois piorou, apresentou manchas da pele, depois melhorou; ou seja, sintomas bem inespecíficos). Exames laboratoriais: Hemograma: anemia por sangramento com HMG baixa Dosagem de B12 e vitaminas lipossolúveis: se respalda por destruição do íleo terminal 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 121 ASCAR: anticorpo anti-Saccaromyces cereviasiae. Pode estar negativo e positivo sem a doença, então é muito pouco pedido, pois não fecha o dx. Exames endoscópicos: EDA: para estadiar o paciente, sabendo se compromete alguma outra parte do TGI. Permite uma avaliação global da manifestação da doença. Colonoscopia: teste essencial no manejo. É importante chegar até o íleo-terminal, portanto se opta por esse exame de imagem. As alterações visualizadas incluem úlceras profundas, úlceras superficiais, formação de pseudopólipos e aparência em pedras de calçamento. Como os exames endoscópicos citados não permitem a visualização do delgado, para isto usam-se outros 3 exames: Enteroscopia com duplo balão: é um exame demorado, exige que se avalie todo o delgado, podendo começar por cima ou por baixo. São 2 aparelhos, um dentro do outro, de modo a enrugar o delgado dentro deles, puxando o tubo até que o intestino fique sanfonado ao redor do aparelho mais externo; assim, permite avaliar toda a mucosa. Outras desvantagens é que é um exame caro e que precisa de anestesia geral. A vantagem é que permite realização de biópsia. Cápsula endoscópica: o paciente tem que deglutir a cápsula, que vai fotografar diversas partes conforme passa pelo tubo digestivo. É um exame bem tolerado e as fotos são boas (permitem a avaliação de todo o TGI). O risco é se o paciente tiver estenose ou diminuição da motilidade do TGI, fazendo com que a cápsula fique parada. Ainda é um exame caro, em algumas situações tem pouca nitidez, a bateria pode perder a potência e não permite fazer biopsia. Exames radiológicos: objetivam a avaliação da complicação da DII. Radiografia simples do abdome: análise da transição tóraco-abdominal para avaliar pneumoperitônio; podeser feito com o paciente sentado e deitado. Percebe-se distensão das alças do delgado e presença de nível hidroaéreo (sinal de obstrução). Trânsito intestinal do delgado: desenha toda a mucosa, mas não é tão usado hoje em dia (é mais usado quando não se tem disponível o recurso da ressonância ou tomografia). O paciente deglute bário e se observa sua movimentação a partir de radiografias. A área estenosada, com acumulo de bário, indica doença de Crohn. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 122 Enema opaco: de forma retrógrada se injeta contraste no intestino, dese- nhando estenoses na doença inflamatória. US de abdome e TC: ajudam pouco, apenas na identificação de massa e estenoses. Não permitem biópsias. A colonoscopia virtual é uma opção, mas não permite biopsias idem. Ressonância magnética: ajuda na avaliação do trajeto fistuloso por fistulografia e enterorressonância. Exame histológico: obtido pela biópsia; pode haver granuloma incompleto, mas não é 100% presente. Por essa doença acometer muitas partes do TGI, é importante pensar sempre em diagnósticos diferenciais: linfoma, tuberculose (ambos para região íleo-terminal), carcinoma e colite infecciosa (ambos para cólon), doença celíaca (para delgado). Nos quadros agudos pensar em apendicite e diverticulite. Entretanto, se o quadro for crônico não pensar nessas doenças jamais! Manifestações extra-intestinais da DII: o paciente pode buscar auxilio médico não pela diarreia, mas por inicio de manifestações articulares, na pele ou ocular. O mesmo acontece quando eu tenho uma doença intestinal controlada e ela passa a se manifestar, em seguida, como doença extra-intestinal. Na pele: o Eritema nodoso: nódulos avermelhados que acometem a superfície externa da perna e que doem muito. Melhora com administração de imunossupressores. o Pioderma gangrenoso: uma úlcera não infectada, apesar de visivelmente parecer. É de base autoimune, que se cura com imunossupressores. Articulares: no esqueleto axial ou no esqueleto periférico. o Tipo 1: artropatia pauciarticular de grandes 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 123 articulações, principalmente cotovelo e joelho). Aparece quando a DII está exacerbada – o paciente refere que tem quadros de diarreia e que suas articulações estão doendo. É uma manifestação própria da doença. Acomete poucas articulações e pode haver HLA-B27 presente. o Tipo 2: é uma artropatia poliarticular de pequenas articulações. Independe da atividade da DII – a tendência é acometer mais de 5 articulações pequenas. o Artropatia axial: acomete as articulações sacro-ilíacas e coluna. A tendência (o tipo mais comum) é o paciente apresentar sacro-ileíte assimétrica – 50% desses pacientes com essa condição têm doença de Crohn, podendo simular uma condição chamada de espondilite anquilosante, em que a dor lombar melhora com exercícios físicos e acomete menores de 30 anos. O HLA-B27 está presente em 75% dos casos. É indicado fazer manobra do FABERE nesse paciente, avaliando a articulação sacro-ilíaca dos dois lados. Olhos: inflamação da íris (irite), da úvea (uveíte) ou até mesmo da esclera (epiesclerite), fazendo manifestação muito semelhante com conjuntivite, mas somente uma área do olho fica avermelhada, não dói e não há secreção. Outras: estomatite aftosa. Hepatobiliar: colangite esclerosante primária (CEP: são estenoses e dilatações da árvore biliar e grade maioria dos pacientes com essa manifestação tem retocolite ulcerativa) e litíase biliar. Renal: litíase renal e amiloidose. Complicações: As próprias manifestações do Crohn, como fístula e estenose podem fazer com que o paciente tenha perda da qualidade de vida. o As fistulas são as que mais trazem malefício ao paciente porque é a comunicação de uma estrutura intestinal com outra. São nomeadas de onde vêm para onde vão: entero-entérica – de delgado para delgado; entero-vesical – do delgado para a bexiga; entero-colônica – do delgado para o cólon; entero-vaginal – do delgado para vagina; entero-cutânea – do delgado para a pele. Essas comunicações trazem muito prejuízo para o paciente – tanto social quanto pelo aumento da disponibilidade a infecções. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 124 Megacólon tóxico: dilatação do intestino grosso, geralmente de doenças que comprometem o cólon, sendo mais presente na retocolite. É uma complicação extremamente grave, que pode ser exacerbada pelo uso de opioides e analgésicos. Precisa de cirurgia, pois não se tem muita efetividade no manejo clínico. Tratamento de DII: O objetivo é manter o paciente em remissão clínica, laboratorial e endoscópica. Sem sangue nas fezes e sem manifestações intestinais ou extra-intestinais. Evitar ao máximo leva-lo à cirurgia, pois existe uma melhor possibilidade de fazer o tratamento clinicamente, ainda mais na doença de Crohn, pois se eu operar pode haver formação de fistula e estenose como complicações. É importante, ainda, evitar complicações de longo prazo – neoplasias. Todo tratamento deve ser individualizado, considerando recidivas, a extensão da doença e suas complicações, presença de doenças coexistentes e uso de medicações efetivas. Corticoides: para barrar o processo inflamatório, não são usados em longo prazo. É para a doença ativa, em fase de exacerbação. o Budesonida: é o melhor corticoide para esse caso, com menos efeitos colaterais, podendo ate fazer aplicação retal. o Prednisona Derivados do ácido 5-aminossalicílico: tratamento a longo prazo. Também chamados de 5-ASA. o Sulfassalazina: quando ingerimos, não é ativo; ele só funciona no intestino grosso pq precisa da ação das bactérias intestinais. É indicado para manifestações leves e moderadas da doença. 3-4 mg/dia na doença ativa 2g/dia na retocolite de remissão (dose de manutenção) o Mesalazina: tem a vantagem de ser o produto já ativo. É melhor para pacientes com doença de delgado. 3,2-4 g/dia na doença ativa 2,4 g/dia na retocolite de remissão (dose de manutenção). Os dois medicamentos não mantêm o paciente em remissão na doença de Crohn! 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 125 Antibióticos: ação anti-inflamatória sobre a mucosa. Importante nunca basear o tto no uso de atbs a longo prazo; medicamentos mais indicados para infecção associada à inflamação mucosa. o Ciprofloxacin o Metronidazol Imunossupressor: para manutenção do processo inflamatório contínuo o Azatioprina: é o mais usado, mas é ruim porque leva de 3-6 meses para fazer efeito. Em geral seu uso é associado a corticoides, no início do tto, para alívio dos sintomas enquanto não faz efeito. Precisa ser tomado todo dia. 1,5-2,5 mg/kg/dia o 6-mercatopurina o Metotrexate: mais usado nos intolerantes à azatioprina. É um medicamento hepatotóxico. A diferença e vantagem é que é tomado 1x na semana. Tem que ser associado à administração de ácido fólico porque faz anemia 15-25 mg/semana o Ciclosporina: mais usada em paciente com doença grave, que não pode esperar o efeito da azatioprina. Associa-se com corticoides. A vantagem é que tem rápido efeito. É melhor na fase aguda. Pode ser administrada, inicialmente, uma tríade com ciclosporina + azatioprina + corticoide. Retira-se o corticoide em 8 semanas e a ciclosporina quando a azatioprina começar a fazer efeito. Tem efeitos colaterais a longo prazo de uso, portanto é mais usado para fase aguda – é nefrotóxica e podefazer ciclosporinemia. Também pode ser usada na retocolite grave e refratária a corticoides. 4-8 mg/kg/dia Biológicos: é o tratamento mais eficaz. São anticorpos anti-TNFα (anti-fator de necrose tumoral α). São indicados para pacientes corticodependentes (não consigo tirar o corticoide sem melhorar a doença), corticorresistentes (altas doses são ineficazes), de tratamento não responsivo, pacientes com fístulas (devem ser os primeiros remédios a serem prescritos) e paciente com pioderma gangrenoso (manejo primário também) – para todos iniciar o tratamento com biológicos, mas dar continuidade com azatioprina. o Infliximabe: é um fármaco 25% murino, com anticorpo de rato – agressivo ao próprio remédio. 5 mg/kg, endovenoso. É administrado na semana 0, 2 e 6 e depois a cada 8 semanas. Uso concomitante com azatioprina para evitar a formação de anticorpo HACA (antiquiméricos). o Adalimumabe 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 126 160g de ataque, seguido por 80 mg após duas semanas e depois manutenção de 40 mg subcutâneas a cada 2 semanas. Certolizumabe (CDP-870) Cirúrgico: raramente é feito o Protocolectomia: retirada do reto e de todo o cólon na retocolite ulcerativa com reconstrução em J. Antigamente se tirava o cólon inteiro e anastomosava o íleo- terminal no canal anal; assim, o paciente perdia fezes, tinha incontinência anal inconscientemente. Com a reconstrução em J evita-se o uso de bolsas de colostomia no abdome, ou seja, essa técnica permitiu a melhora nas condições desses pacientes. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 127 Caso clínico VII Identificação: mulher de 39 anos, branca, natural e procedente de Curitiba, do lar. Queixa Principal: ressecamento intestinal História Mórbida Atual: paciente relata que há mais de 10 anos tem problemas de intestino preso. Apresenta uma evacuação a cada 5-7 dias, com esforço, fezes endurecidas, às vezes tipo cíbalos, com sensação de evacuação incompleta. Às vezes fica longos períodos evacuando diariamente, com fezes de consistência normal. Observou sangramento anal em 2 ocasiões no último ano. Refere hemorroidas. História Mórbida Pregressa: Hipotireoidismo em tratamento com Levotiroxina 88mcg/ dia. Depressiva em tratamento com Amitriptilina 100mg/dia. História Mórbida Familiar: Mãe e Irmã também com constipação. Pai falecido de complicações de uma diverticulite. Condições e Hábitos de Vida: Nega tabagismo e etilismo Faz lanches frequentes substituindo refeições do almoço, não gosta de frutas ou verduras. Sedentária. Revisão dos Sistemas: sp Ao exame físico: PA: 120/80 mmHg FC: 84 bpm Temperatura axilar: 36,2ºC Peso: 72 Kg Altura 1,55m Paciente corada, hidratada, anictérica e eupneica Exame da cabeça, tórax e membros sem alterações. Exame do abdome: globoso (obesidade), RHA+, flácido, doloroso discretamente à palpação profunda de fossa ilíaca esquerda, sem visceromegalias e timpanismo normal. 1. Qual o diagnóstico provável? Constipação intestinal 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 128 2. Quais as principais causas dessa doença? Constipação é a percepção de evacuação insatisfatória. Esse sintoma pode indicar varias doenças de caráter subjetivo. Não é uma doença, mas um sintoma que pode indicar várias doenças. É definida como uma defecação insatisfatória caracterizada por reduzido número de evacuações e dificuldade para evacuar pelo menos nos últimos 3 meses. A dificuldade para evacuar inclui (1) fezes endurecidas, (2) necessidade de esforço para evacuar, (3) sensação de evacuação incompleta, (4) sensação de obstrução anorretal ou (5) necessidade de usar manobras manuais para facilitar a evacuação. A frequência de evacuação é, sem dúvidas, o parâmetro mais fácil de quantificar e o de maior aplicação clínica. É considerado constipado o individuo que vem apresentando significativa redução em relação ao seu número habitual de evacuações. A ocorrência aumenta muito após os 60 anos, mas não representa uma consequência fisiológica do envelhecimento; é uma etiologia multifatorial que inclui comorbidades, diminuição da motilidade intestinal, defecação e medicamentos. Nas crianças, é mais comum meninos apresentarem o episódio, quando comparados às meninas. Na idade adulta isso se inverte e as mulheres apresentam maior prevalência. A constipação pode ser classificada em três grupos: (1) Primária: é simples, provocada por situações inerentes aos hábitos de vida do paciente ou por outras circunstancias, geralmente banais. A anatomia do órgão está preservada. a. Ingesta alimentar inadequada: anamnese cuidadosa para pacientes constipados que não apresentam causa orgânica. Pesquisar a redução na ingesta de fibras ou desnutrição, além da ingesta de quantidade inadequada de líquidos. b. Sedentarismo: o sedentarismo em si não é um fator importante na etiopatogenia, mas a inatividade física debilita músculos importantes na fase expulsiva da evacuação, como os músculos diafragmáticos, abdominais e intestinais. c. Gravidez: por alterações hormonais e compressão extrínseca que o útero gravídico faz sobre as alças intestinais. d. Perda do reflexo de evacuação: o bloqueio voluntário repetido do desejo de evacuar provoca alterações, por vezes definitivas, nos mecanismos sensoriais, de tal forma que a chegada de mais fezes no reto não é capaz de provocar o desejo de evacuar. Tem-se, então, uma alteração do limiar de sensibilidade à pressão provocada pela distensão retal. e. Posição: a posição ereta reduz a velocidade de progressão do bolo alimentar, devido às angulações formadas no estomago e alças intestinais, através dos ligamentos e flexuras, que passam a funcionar como um obstáculo mecânico. f. Viagens: é comum a mudança do hábito intestinal devido à alteração na dieta habitual e no hábito de evacuações; é transitória, volta ao normal com o retorno. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 129 g. Pouca disponibilidade de sanitários: pode inibir o reflexo de evacuação. (2) Secundária: ocasionada por uma doença sistêmica, por iatrogenia ou, então, por problemas psicossociais. a. Doenças do cólon: qualquer condição que provoque estreitamento anatômico ou bloqueio mecânico do lúmen intestinal. Extraluminais: tumores, vólvulos crônicos e hérnias. Os tumores podem causar constipação intestinal por compressão extrínseca. Hérnias, vólvulos e invaginações fazem obstrução intestinal. Luminais: tumores, estenoses, diverticulite, linfogranuloma venéreo, sífilis, tuberculose, colite isquêmica, endometriose e cirurgias. Em geral, ocupam espaço, reduzindo a luz do órgão. Alterações da musculatura e da inervação: dolicocólon, miopatia visceral familiar, doença diverticular, distrofia miotônica, distrofia muscular de Duchenne, dermatomiosite e amiloidose. Dolicocólon: alongamento do intestino grosso, especialmente do cólon esquerdo e sigmoide. Nem sempre apresenta sintomas e, em geral, é um achado radiológico. Doença diverticular: é mais frequente acima dos 60 anos e é assintomática, assim como suas complicações. Fazem estase intestinal devido à hipertrofia da musculatura do cólon ou de processos inflamatórios. Lesões do reto: prolapso interno do reto, retocele, proctite ulcerativa, tumores e tríade de Curralino (estenose anorretal, tumor pré-sacral e deformidade do sacro). Provocam dor durante a evacuação e isso gera obstipação porquea pessoa evita evacuar. Lesões do canal anal: estenoses, fissura anal e prolapso da mucosa anal. b. Doenças neurológicas: tanto centrais quanto periféricas. Periférica: doença de Hirschsprung, hipo ou hiperganglionose, neuropatia autonômica e doença de Chagas. Hirschsprung: afecção congênita caracterizada pela ausência ou redução dos plexos nervosos em determinados segmentos do intestino. A região afetada se torna espástica, acarretando estenose funcional. A ausência de inervação interrompe o estímulo nervoso nesse segmento. Hipo/hiperganglionose: tanto a diminuição quanto o aumento da concentração neuronal no intestino podem causar constipação. São de difícil diagnóstico. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 130 Neuropatia autonômica: não se sabe se as alterações neuronais nesses casos são causas ou consequências da constipação intestinal. Dx sempre muito difícil. Doença de Chagas: destruição dos plexos neuronais da musculatura lisa do intestino, especialmente o plexo de Auerbach. Os segmentos afetados tornam-se atônicos e muito dilatados, ocorrendo acúmulo de material fecal. Central (cerebral e medular): tumores, AVC, Parkinson, Tabes doisalis, esclerose múltipla, trauma raquimedular, tumor da cauda equina e meningocele. Quando a lesão é central, a constipação se deve ao comprometimento do sistema neuromotor do intestino. Nas lesões medulares a magnitude do problema está na dependência do segmento acometido. c. Distúrbios endócrinos: os distúrbios metabólicos geram, quase sempre, uma diminuição de água no organismo, além de redução no peristaltismo. Hipotireoidismo, pseudohipoparatireoidismo, diabetes, feocromocitoma, glucagonoma, hipercalcemia, hipopotassemia, acidose, desidratação e uremia. Pseudohipoparatireoidismo: apresentam, em geral, constipação intestinal grave como único sintoma, que desaparece com a normalização da calcemia. Diabetes: cerca de 15% dos diabéticos são constipados, devido à neuropatia autonômica que desenvolvem. d. Medicamentos: diversos mecanismos envolvidos. Analgésicos, anestésicos, antiácidos (à base de cálcio e alumínio), antiarrítmicos, anticolinérgicos, antidepressivos, anti-hipertensivos, antiparkinsonianos, bismuto, bloqueadores ganglionares, diuréticos, hematínicos, inibidores da MAO, intoxicação por metais pesados, opiáceos e parassimpaticolíticos. e. Distúrbios psiquiátricos: depressão, ansiedade e, sobretudo, distúrbios mais sérios, como psicose, neurose, anorexia nervosa. São pacientes fóbicos e, nas suas fantasias, creem ser portadores de grave doença intestinal. Nos pacientes com anorexia nervosa a reduzida ingesta de água e alimentos é a causa de constipação intestinal. (3) Constipação intestinal idiopática ou funcional: não existe nenhuma alteração estrutural ou metabólica, nem qualquer alteração na rotina diária do paciente que possa justificar o sintoma. a. Constipação intestinal com transito normal: o transito colônico e a frequência de evacuações são normais, mas os pacientes se consideram constipados, pois sentem dificuldade para evacuar e/ou apresentam fezes endurecidas. b. Constipação intestinal com transito lento: inércia colônica. É um prolongado tempo no trânsito das fezes através do cólon devido a uma disfunção da musculatura colônica (miopatia) ou na inervação intrínseca (neuropatia). Essas disfunções levam a uma diminuição da peristalse normal, com diminuição na 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 131 amplitude dos movimentos contrativos do intestino e, assim, há uma prolongada permanência do bolo fecal no interior do cólon. Outro mecanismo pode ser a incoordenação da atividade motora no cólon distal. c. Obstrução anorretal: falência do mecanismo de coordenação da evacuação, por mecanismos desconhecidos. Ocorre uma contração da musculatura da pelve, ao invés do relaxamento, durante a evacuação, resultando em acúmulo do bolo fecal. A definição pelos critérios de Roma III inclui pelo menos 3 dos seguintes sintomas, com no mínimo 6 meses de aparecimento, podendo ser contínuos ou não: Esforço evacuatório em mais de um quarto das evacuações. Eliminação de fezes pequenas ou endurecidas em mais de um quarto das evacuações (fezes cibilosas). Sensação de evacuação incompleta em mais de um quarto das evacuações Menos de 3 evacuações por semana. 3. Quais os mecanismos fisiopatológicos mais frequentes associados à doença? Neurológicos (diminuindo a motilidade do intestino, diminuindo a evacuação e aumentando o acúmulo de fezes nas alças), funcionais (não existe causa evidente, não se entende bem o mecanismo) e doenças orgânicas sistêmicas que diminuem e luz intestinal (por estenose), obstruem a passagem do bolo fecal ou alteram os nervos da região, levando à hipomotilidade. O termo encoprese é a perda involuntária de fezes inteiras na roupa íntima (normalmente não se relaciona à constipação intestinal), ao passo que incontinência fecal é a perda de pequenas quantidades de fezes, geralmente líquidas ou pastosas. 4. Existe necessidade de exames complementares? Se afirmativo, qual(is)? O dx é realizado a partir de 3 pontos: (1) orgânico, (2) funcional e (3) psicológico. (1) Orgânico: anamnese cuidadosa (investigando inicio dos sintomas, quais são os sintomas, historia dos sintomas, hábitos alimentares e prática física. É mais tranquilizador historia crônica de sintomas; de inicio recente, sugere doença orgânica). O exame físico, embora seja normal na maioria das vezes, é importante no sentido de excluir doença orgânica que possa ser responsável pela constipação. Examinar, ainda a boca, além do abdome (que pode revelar distensão, hérnias, massas e sinais de fecaloma) e toque retal + inspeção da região perianal. O toque retal não pode ser omitido! (2) Funcional: determinação do tempo de transito colônico (radiografia seriada com bário) (3) Psicológica: constipação intestinal não é somente a evacuação pouco frequente e/ou com fezes duras, mas também a sensação subjetiva que o paciente apresenta. Obter história de vida do paciente, no sentido de detectar “traumas emocionais” e conflitos 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 132 não resolvidos. De um modo geral, os pacientes constipados não aceitam bem a ideia de que seus problemas possam ter origem emocional. É necessário detectar ocorrência de abuso sexual também, principalmente na infância e adolescência. Existe uma situação específica em que há necessidade de exames complementares, principalmente no paciente que apresenta sinais de alarme: Historia familiar de câncer Hemorragia Perda de peso Anemia Sangue oculto nas fezes Massa abdominal Fecaloma (impactação de fazes) – não sai sozinho. Idade (acima de 50 anos TEM QUE fazer colonoscopia) Prolapso retal Constipação de início recente Doenças inflamatórias. Os exames endoscópios mais usados são: Retossigmoidoscopia: particularmente se o paciente tem menos de 40 anos e nos pacientes jovens com suspeita de que o problema está somente no reto ou sigmoide (cólon baixo). Colonoscopia: se > 40 anos (avaliação de todo o cólon pela possibilidade de pólipos, além de serem pré-neoplásicos, podem, dependendo do tamanho, pode obstruir a passagem das fezes). É mais realizada devido à possibilidade de biopsias e visualização do ânus, assim como a retirada de pólipos. Enema opaco (bário no reto): identifica estenose, obstrução tumoral, doença diverticular, doença de Chagas e doença de Hischsprung. Defecografia: feita principalmente quando há suspeita de retocele. Tempo de transito colônico: usado somente na constipação de trânsito lento. Pode ser normal ou apresentar inércia colônica. Paciente ingere anéis radiopacos e então é radiografado após 3 dias (tempo para que possa ocorrer pelo menos um momento de propulsão), o dx normal é quando o paciente apresenta 5 ou menos anéis localizados principalmente em cólon esquerdo e reto. Num paciente com inércia haverá presença de quase todos os anéis, depois de aproximadamente 10-15 dias da ingestão dos anéis. Manometria anorretal: feita no anismo (disfunção do assoalho pélvico) para ver a incoordenação muscular. Exame proctológico: fissuras anais, avaliação da musculatura do reto e esfíncter, hemorroidas, prolapso retal. US, TC ou RM: observar a presença de tumores. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 133 5. Como tratar? Não existe nenhum medicamento ou esquema terapêutico único para todos os pacientes ou situações. A melhor estratégia é personalizar o tratamento, levando em conta a historia clínica, a causa e os aspectos emocionais de cada paciente. O tto se baseia em melhorar os sintomas, sempre que possível atuando nos mecanismos fisiológicos que regulam as funções do TGI. Orientações gerais: necessidade de aderência ao tto, atentar para a variabilidade das funções intestinais e que não é obrigatório evacuar diariamente, importância de se estabelecer uma rotina evacuatória, investigar causas específicas e esclarecer sobre o abuso e uso inadequado de laxativos - Reeducação dos hábitos evacuatórios: estabelecer um horário para evacuar após uma refeição, mesmo que não tenha desejo. Com o tempo isso se torna um reflexo condicionado. Não deixar, ainda de atender ao desejo quando sentir vontade. - Adequar a ingestão de líquidos de pelo menos 1L de água por dia. - Se necessário, ajustar a posição de evacuação para melhorar a anatomia evacuatória (de cócoras). - Tratar as afecções anorretais, como hemorroidas, fissuras, fístulas e retocele. - Praticar exercícios físicos regularmente, sobretudo abdominais, para reforçar os músculos que participam da evacuação. - Coibir o uso abusivo de laxantes - Aumentar a ingestão de fibras (farelo de trigo, verduras, frutas e leguminosas). As fibras solúveis são metabolizadas pelas bactérias do cólon, formando um gel lubrificante que é incorporado ao bolo fecal, amaciando-o e facilitando a sua progressão. As fibras insolúveis (grãos integrais, nozes, sementes) atuam retendo água, aumento o volume e o peso do bolo fecal – estimulam a motilidade e aumentam o tempo de trânsito intestinal. Pacientes que são constipados desde o nascimento e aqueles que apresentam inércia colônica ou disfunção do assoalho pélvico em geral não respondem à dieta. A eficiência da dieta de fibra se deve à liberação de ácidos graxos voláteis, como acético, butírico e propiônico, enquanto o gás carbono, hidrogênio e metano produzem amolecimento das fezes. Alguns pacientes se queixam de aumento na produção de gases e distensão abdominal – para amenizar esses efeitos, é aconselhado iniciar doses subterapêuticas, aumentando o teor semanalmente, até atingir o efeito ideal. Quando o paciente não tolera o aumento de fibras naturais, lançar mão das fibras medicinais ou das sintéticas. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 134 Tutorial (28/09): Destaques do caso: quadro há 10 anos, intestino preso, evacuação incompleta e 1x a cada 5-7 dias, precisa de esforço para evacuar, fezes duras e em cíbalo (cocô de cabrito), hemorroidas, tem hipotireoidismo. Períodos intercalados com fezes normais. A amitriptilina tem como efeito colateral a constipação, assim como a depressão (paciente depressivo tem sensibilidade exacerbada). Além disso, a paciente tem uma dieta de pouca fibra e sedentarismo para ajudar no caso. Se o paciente chega e fala “tenho intestino ressecado”, o que você entende? Fezes duras, com pouca água. Evacuação de fezes duras. Obstipado x constipado: são a mesma coisa!!! Não existe diferença nenhuma. Prisão de ventre: é uma constipação acompanhada por excesso de gases. Dx sindrômico: constipação intestinal Dx topográfico: intestino grosso - cólon Dx etiológico: dietético/sedentarismo, funcional, síndrome do intestino irritável, orgânica (doença de Chagas, hipotireoidismo, medicamentosa, neoplasia de cólon, gravidez, abuso sexual, doença diverticular). Doença diverticular: é a herniação da camada muscular para a parede externa, em contato com a cavidade abdominal. Acomete mais indivíduos velhos, então pode ser excluído para esse caso. Abuso sexual: faz obstipação por trauma; quadro de anismo, contração do esfíncter anal externo, impedindo que a pessoa elimine as fezes acumuladas. Gravidez: faz constipação porque o útero crescido prende a passagem do sigmoide e do reto, principalmente, além dos demais órgãos do tubo digestivo. Chagas: comprometimento cardiovascular (ICC) ou gastrintestinal (esofagopatia chagásica ou colopatia chagásica ou os dois conjuntamente). Diabetes: poliúria, polidipsia, polifagia, glicemia casual acima de 200 mg/dL ou hb glicada > 6,7%. Hipotireoidismo: TSH alto descompensado. É bem importante nesse caso. Medicamentos: tricíclicos, hidróxido de alumínio, bloqueador de canal de cálcio (anti- hipertensivos), opioides. Neoplasia de cólon: tendência de fezes em fita, sem alternância com fezes normais. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 135 Alterações funcionais: os critérios de obstipação funcional incluem manobra manual para evacuar, sente dor para evacuar, evacua menos que 3x durante a semana... Todos esses sintomas por 3 meses num intervalo de 6 meses. 2 critérios diagnosticam obstipação funcional. SII é classificada por dor aliviada à evacuação – pode ter padrão diarreico (fiz diarreia, melhorei, fiquei normal), alternante/misto (fiz diarreia, depois prendeu, voltou ao normal) e constipante (fiquei constipado, normal, depois constipado, normal de novo). Paciente pode se queixar de estufamento também. Por que a SII acontece? Presença de hipersensibilidade, alterações em receptores 5-Ht3 e 5-HT4 da serotonina que aumentam a motilidade gastrintestinal – eu consigo modular de maneira diferente essa motilidade. Exames a se pedir: (1) Retossigmoidoscopia: inflamação e tumor. (2) Colonoscopia: para rastreio. É melhor que a retossigmoidoscopia. Serve para obstipação orgânica, procurando por neoplasias colônicas, divertículos, pólipos. (3) Tempo de trânsito colônico: cápsula cheia de anéis radiopacos, ingerida pelo paciente. Depois de 5 dias faz radiografia para avaliar esse material. <20% encontrado no exame indica normalidade. Inércia colônica há capsula espalhada pelo intestino todo. Obstrução de saída com muitas cápsulas paradas no reto. (4) Exame proctológico: toque retal, indicado para todos os pacientes com esse sintoma. Identifica tonicidade do esfíncter, sangramento, fístulas e estenose. Permite palpação de fecaloma também e de hemorroidas internas. Graus de hemorroida: I grau: com a força ela não exterioriza. II: exterioriza e volta depois que parar de fazer força; III: exterioriza, não volta espontaneamente, mas consegue voltar se eu empurrar com o dedo. IV: exterioriza, não volta espontaneamente nem se eu empurrar. (5) Clister opaco/enema opaco: megacólon é aumento do diâmetro do colon; dolecocólon é um cólon tão grande que se dobra sobre ele mesmo, sendo parecido com o dolecoesôfago e volvo (vólvulo) é a torção do cólon (faz um nó sobre ele mesmo). Identifica estenose e neoplasias. (6) Manometria anorretal: hipertonia/hipotoniado esfíncter anal. (7) Defectograma/defectografia: é um vaso sanitário com radioscópio, que emite a onda do raio x – acompanha o movimento em tempo real da descida da massa fecal conforme o paciente evacua. É desagradável, raramente solicitado. (8) TSH e glicemia (9) Rx de abdome simples: para ver acúmulo de fezes. Tratamento: orientar dieta, ingerindo 2L de água por dia, 25-30 g de fibra por dia (farelo de aveia, farelo de trigo, linhaça, gergelim, granola, semente de girassol, nozes). Na farmácia é 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 136 possível comprar sachê/pote de fibras sintéticas: metamucil, plantabem, benefiber, fibermais – o grande problema é que a fibra natural fermenta e dá gases (paciente reclama de estufamento) A alternativa é comprar fibra sintética no mercado: policarbofila de cálcio – não dá gases, benestare e muvinor. Se a fibra não adiantar, recorrer aos laxantes: (1) emoliente/lubrificante: óleo mineral (nujol) – deixa as fezes amolecidas e lubrificadas; (2) osmóticos: sorbitol, lactulose, glicerol, polietilenoglicol – o objetivo é aumentar a pressão osmótica da luz intestinal e puxar água; (3) estimulantes/irritativos: bisacodil (lactopurga) o problema é que “vicia” o intestino e pode desenvolver inércia colônica; focar em outras classes. (4) secretagogos: linaclotide e lubiprostone – jogam mais água para a luz intestinal agindo nos canais de cloro. (5) agonistas 5HT4: tegaserode e prucaloprida – tegaserode não é mais comercializado porque induziam morte cardíaca. Para eliminar dor abdominal: (1) brometo de otilônio, (2) brometo de pinavério, (3) mebeverina. Conduta: 1- dieta + exercício físico; 2- dosagem de TSH, 3- trocar amt por outro agente anti-depressivo, 4- retorno em 15 dias se não melhorar 5- receitar laxante. Ou já começar o laxante na consulta e retornar em 15 dias para avaliar se precisa aumentar/diminuir dose. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 137 AULA 9 SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL (transcrição Samara) A SII está inclusa nas 32 doenças funcionais do aparelho digestivo que foram catalogadas no critério de Roma IV. É um distúrbio funcional do trato GI caracterizado por dor abdominal, que pode ser avaliado pela evacuação, associado à alteração na frequência e consistência das fezes. Há 3 subtipos de SII, e estes subtipos são classificados de acordo com o tipo das fezes. Se predominar a constipação, é classificada em SII-C (constipação). Quando predomina a diarreia, é classificada em SII-D (diarréia) e quando alterna entre constipação e diarreia, é caracterizada como SII-A (alternante). Essa alternância pode ser rápida ou então de longo prazo, por exemplo, o paciente passa 1 ano com diarreia e outro ano constipado. Em relação aos gastroenterologistas, aproximadamente 30% das consultas são por SII. No Brasil, entre 25 e 30% dos pacientes que procuram o gastroenterologista é por SII. No médico generalista, 12% são por esta síndrome. Em relação ao gênero, as mulheres têm mais chance de apresentar sintomatologia e esses sintomas aparecem geralmente por volta dos 35 até 55 anos. A grande população está entre 30 e 60 anos. No Brasil, aproximadamente 4 mulheres têm SII para cada 1 homem. Não se sabe se isto está relacionado ao próprio gênero, ou porque as mulheres procuram mais os médicos do que os homens. Fisiopatologia: Há várias situações que estão relacionadas à SII: (1) desregulação do sistema nervoso autônomo; (2) hiperreatividade da musculatura lisa; (3) hipersensibilidade visceral; (4) anormalidades dos neurotransmissores ou seus receptores, este é o principal motivo para que queiram definir a doença como orgânica e nãofuncional; (5) ativação sustentada do sistema imune após infecção/inflamação; (6) alteração da microbiota intestinal; (7) fatores psicossociais; (8) fatores pessoais. O cérebro está conectado ao sistema nervoso entérico através do sistema nervoso autônomo - fibras aferentes e eferentes pelo nervo vago. Se ocorrer morte cerebral, o sistema nervoso entérico ainda funciona perfeitamente. Ou seja, o SNE não depende do sistema nervoso para funcionar. O maior número de neurônios fora do cérebro está no trato digestivo, assim como a maior produção de neurotransmissores. Além disso, o sistema digestivo é o local onde ocorre a maior atividade imunológica do corpo humano. Qualquer desequilíbrio entre um e outro, pode desencadear sintomas relacionados à síndrome do intestino irritável. 70% dos pacientes com SII desencadeiam a doença pós-situação traumática. Acredita-se que 70% das pessoas que apresentam SII tiveram um estresse traumático ao longo da vida. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 138 Aumento da percepção visceral: descobriu-se que ocorre um aumento da hipersensibilidade visceral através do teste de balão. O balão desinsuflado é colocado no reto, e a partir do momento que o paciente sente dor, ele deve avisar. Normalmente, as pessoas sem SII começam a referir desconforto a partir de 150 mL no balão. As pessoas com SII apresentam desconforto com menos de 50 mL. O aumento da percepção visceral está relacionado ao eixo cérebro-intestino e está relacionado também aos neurotransmissores. Neuro-hormônios e função intestinal: os neurohormônios podem regular sensibilidade visceral, secreção de líquidos e eletrólitos e motilidade do tubo digestivo como um todo. A serotonina atua nas 3 situações. Ela é importante não só para percepção do que ocorre na víscera (5-HT1), mas também é responsável por secreção de água e eletrólitos no intestino, além de ser importante na motilidade (5-HT3 e 5-HT4). A recaptação da serotonina influencia tanto na motilidade, como na sensibilidade e secreção. 95% de toda serotonina presente em nosso organismo é produzida nas células enterocromafins do intestino e é liberada por essas células também. Essa serotonina liberada vai para os neurônios primários que existem no plexo mioentérico. Esses neurônios primários vão estimular os interneurônios do plexo, que vão estimular a motilidade do intestino. É a 5-HT3 e 5-HT4 que fazem ter maior ou menor contração intestinal. Há ainda neurônios motores que promovem relaxamento, como peptídeo intestinal vasoativo e óxido nítrico. Dependendo do funcionamento desses neurônios, há maior ou menos funcionamento do intestino. 70% dos pacientes com SII desenvolvem a doença após um estresse traumático. Aproximadamente 30% dos pacientes com SII desencadeiam a doença após uma infecção intestinal, principalmente uma gastroenterite. A infecção pode levar a uma alteração da microbiota, e essa alteração da microbiota intestinal leva à uma alteração do sistema imunológico. Isso acaba repercutindo não só na função secretória, mas na alteração do SNE e alteração das fibras musculares lisas. Existe uma alteração no sistema imunológico, que causa uma microinflamação intestinal e isso altera então fibras, função e percepção. Fatores genéticos: síntese de ácidos biliares (aumento da síntese de sais biliares aumenta o trânsito intestinal) e alteração do gene FGFR4. Podem ocorrer também polimorfismos de gene das citocinas, mas todos esses fatores ainda estão sendo estudados. Fatores psicossociais: 73% dos indivíduos desenvolvem síndrome do intestino irritável após eventos estressantes ou abuso. É comum que esses pacientes, por terem alteração nos neurotransmissores, apresentem sintomas como fobia, ansiedade, pânico, depressão. Em relação à chance de pacientes com distúrbios gastrointestinais desenvolverem doenças psiquiátricas, todos os autores mostram que os pacientescom doenças funcionais do aparelho digestivo podem apresentar muito mais doenças psiquiátricas do que os pacientes com doença orgânica. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 139 CRITÉRIOS DE ROMA IV Dor recorrente nos últimos 6 meses, durante pelo menos 3 dias do mês nos últimos 3 meses. Na prática, pergunta-se o paciente há quanto tempo a dor está incomodando. Se passar de 3 meses, o diagnóstico é feito. Além disso, nos últimos 2 meses, essa dor pode: (1) melhorar com evacuação; (2) estar associada com alteração na frequência das evacuações e (3) associação com alteração na forma/aparência das fezes. O diagnóstico é feito com presença de dor (melhora ou não com evacuação) + alteração na evacuação (número ou aspecto). As fezes podem ser pastosas ou líquidas. Além disso, podem ser secas ou cibalosas. O paciente pode ter alteração do formato fecal - uma hora é formada, nas outras calibrosas. Quando o paciente tem predomínio de diarreia, ocorre urgência evacuatória. Outros pacientes, ao contrário, quando evacuam apresentam sensação de evacuação incompleta. É o que ocorre na constipação. Os pacientes apresentam ainda flatulência, meteorismo (sensação de distensão abdominal) e eventualmente muco nas fezes. A dor abdominal é o sintoma cardinal que nos leva a pensar em síndrome do intestino irritável. Pode ter uma mistura de doenças funcionais. 30% dos pacientes com SII também tem dispepsia funcional. Constipação crônica e refluxo gastroesofágico também são muito frequentes. O paciente com SII não tem apenas sintomas gastrointestinais, mas também sintomas sistêmicos. Isso ocorre por causa dos neurotransmissores e por causa do eixo cérebro-intestino. A sintomatologia extra-intestinal inclui: fadiga, cefaleia, fibriomialgia, sintomas urológicos (urgência urinária, polaciúria), sintomas ginecológicos (dor pélvica, dispareunia, histerectomia/ooforectomia). 55% das mulheres com dor pélvica são submetidas à histerectomia/ooforectomia sendo que o fator desencadeante da dor é a SII, ou seja, dor não de origem ginecológica. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 140 O exame físico é usualmente normal, sendo que frequentemente podem apresentar dor à palpação da fossa ilíaca esquerda. Pode ocorrer percepção de distensão abdominal. Diagnósticos diferenciais: intolerância à lactose, intolerância à rafinose (um açúcar composto de 4 monossacarídeos presente no feijão, lentilha, repolho, brócolis etc - o açúcar é digerido pela α-galactosidase), doença celíaca, parasitoses e/ou infecções, doença inflamatória intestinal (doença de Crohn), doença diverticular dos cólons (principalmente nos pacientes acima de 50 anos), doenças metabólicas (hipo ou hipertireoidismo e DM associada a supercrescimento bacteriano), câncer colorretal e endometriose. Sinais de alarme (1) Sangramento GI: sangramento retal, sangramento oculto, anemia; (2) Perda de peso; (3) Massa abdominal palpável; (4) Febre; (5) Diarreia persistente com desidratação; (6) Esteatorreia; (7) Impactação fecal; (8) História familiar de câncer colorretal ou DII; (9) Início dos sintomas após 50 anos. Quando o paciente não apresenta sinais de alarme, pode ser tratado empiricamente. Exames complementares Hemograma: verificar anemia ou leucocitose. VHS e PCR: para verificar processo inflamatório, TSH e glicemia: para avaliação de tireoide ou diabetes. Teste de tolerância à lactose: em casos específicos em que se suspeita de intolerância à lactose, pode se realizar o teste (curva achatada significa que o paciente não conseguiu absorver a lactose). Anticorpo anti-endomísio e anti-transglutaminase intestinal: para excluir doença celíaca. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 141 Parasitológico de fezes; Sangue oculto nas fezes; Calprotectina fecal; Retossigmoidoscopia/colonoscopia. Tratamento A relação médico-paciente é muito importante para explicar o que é a síndrome do intestino irritável - é uma doença benigna que se apresenta com alteração no funcionamento intestinal. Na SII, os exames não estão alterados. Modificar hábitos de vida (técnica de relaxamento, atividade física), dieta (hipersensibilidade, intolerância ou alergia alimentar). O tratamento da dor normalmente é feito com anti-espasmódicos, pois relaxam a musculatura lisa intestinal, diminuem a dor e o movimento peristáltico - cuidado com pacientes que apresentam constipação, pois podem ficar mais constipados ainda. Os anti-espasmódicos reduzem também a urgência evacuatória. São principalmente indicados para SII onde predomina dor ou diarreia. Os mais usados são: hioscina (buscopan), brometo de otilônio e brometo de pinavério que são bloqueadores do canal de cálcio, mebeverina e trimebutina. Esses medicamentos melhoram não só a dor, mas também a sensação de distensão abdominal. Bloqueadores de canal de cálcio: o cálcio é muito importante na ativação da contração muscular. O intestino não é só um órgão motor, mas um órgão sensitivo. Há um monte de fibras nervosas na mucosa do intestino. O cálcio é importante para manter a contratilidade intestinal adequada, além de ser importante na sensibilidade por ação nos neurônios. Quando se utiliza um bloqueador do canal de cálcio, ele vai atuar nas células da musculatura lisa, tem ação anti-espasmódica exclusiva para células da musculatura lisa do intestino. Reduzem a duração e a intensidade das contrações espásticas do intestino. Os principais representantes são brometo de pinavério e brometo de otilônio. A sensação de distensão é melhorada por atuarem principalmente nos neurônios, desencadeando uma diminuição da sensibilidade. Agonistas opioides: o Trimebutina: atua em dois receptores opioides, e pode tanto aumentar como reduzir movimento peristáltico. É a única droga que pode ser utilizada tanto no paciente com SII-D como no paciente com SII-C. Esse opioide tem ação exclusiva no trato digestivo, então o paciente não fica sonolento, com tontura, náusea e outros sintomas. Musculotrópicos: o Mebeverina: bloqueia os canais de sódio e recaptação do cálcio extracelular. Diminui a sensibilidade e motilidade do trato gastrointestinal. Não tem efeitos colinérgicos. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 142 Os dois melhores medicamentos para dor são mebeverina e brometo de otilônio. Quando o paciente tem predomínio de diarreia, pode se usar loperamida. A loperamida é μ-opioide de ação periférica, que reduz o trânsito intestinal e aumenta a absorção de água. Reduz a frequência e urgência evacuatória e melhora a consistência fecal. O problema da loperamida é que não melhora a dor. Geralmente é usada por curtos períodos de tempo. Nos casos de constipação, usam-se os formadores de massa - substâncias que aumentam o bolo fecal (Psylium, Plantago, Policarbofila, Goma aguar). O problema dos formadores de massa é que podem causar gases, distensão abdominal e dor. Nos casos em que não ocorre melhora com formadores de massa, usam-se laxantes osmóticos (Polietilenoglicol, hidróxido de magnésio, lactulose, lactitol). Os laxantes osmóticos podem causar gases, distensão abdominal e dor. Quando o paciente apresenta muitas gases, deve se usar laxantes osmóticos salinos, pois não aumentam o quadro. Os serotoninérgicos também são usados nos casos de constipação. Atuam na hipersensibilidade visceral, além de atuarem no movimento peristáltico. São agonistas do receptor 5-HT4. Regulam o movimento peristáltico, melhoram a constipação e a distensão abdominal. Reduzema sensibilidade visceral, efeito direto na percepção de dores abdominais. Os representantes são Tegaserode (está sendo retirado do mercado, pois causa arritmia cardíaca, atua no 5-HT1) e agonista seletivo para 5-HT4 que é a Procaloprida. Por ser exclusiva do 5-HT4, não causa arritmia cardíaca. Quando os pacientes com SII não respondem a nenhum desses medicamentos, começa-se o tratamento com anti-depressivos. Eles reduzem a sensibilidade visceral, ou seja, reduzem a dor. Os melhores anti-depressivos são os tricíclicos. Eles são ótimos para SII, entretanto causam constipação. Por isso, são usados apenas nos casos de SII-D e SII-A. Além disso, apresentam alguns efeitos colaterais relacionados a ação anti-colinérgica. A dose utilizada para o tratamento de SII é muito inferior à dose utilizada para o tratamento de depressão. O uso deve ser contínuo e não circunstancial, por pelo menos 1 ano. Outra classe de anti-depressivos são os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS). Podem ser usados em qualquer forma da doença, pois não mexem de maneira significativa na motilidade, atuando mais na sensibilidade. São exemplos: fluoxetina, paroxetina, sertralina, citalopran, escitalopran, duloxetina. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 143 AULA 10 EXAMES COMPLEMENTARES EM HEPATOLOGIA E ICTERÍCIA Os diagnósticos de distúrbios hepáticos têm muito envolvido a parte laboratorial. O fígado normal está localizado no hipocôndrio direito, abaixo dos arcos costais – parece intratorácico, mas é intra-abdominal porque está abaixo do diafragma. Estende-se do 5º EIE até o rebordo costal direito. O fígado não faz muito sintoma, quando doente – não dá dor de cabeça, não dá má digestão... A grande maioria dos pacientes apresenta queixa de “dor no fígado” quando come e sente enxaqueca em seguida; apesar disso, o fígado não tem relação alguma com a ocorrência. O órgão pesa, aproximadamente, 1800g em homens e 1200g em mulheres. Tem capacidade única de regeneração, ou seja, regenera depois de lesado e essa característica é muito importante porque permite transplante hepático. Faz excreção, metabolismo, acúmulo e síntese de substâncias e é o primeiro órgão a receber o sangue enriquecido pelos nutrientes do intestino através do fluxo portal (precisa tolerar toxinas do intestino também e não propiciar imunidade contra eles). Funções: Excreção de xenobióticos e componentes endógenos através de proteínas de transporte; muito do que ingerimos tem eliminação hepática, assim como através da bilirrubina. Metabolismo importante de carboidratos e lipídeos. Síntese de proteínas: o Fatores de coagulação (exceto fator VIII); o α-1 antitripsina; o Ceruloplasmina o Albumina; o α-fetoprotieina; o Fibrinogênio; o Proteínas do metabolismo de ferro Transferrina e ferritina 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 144 Função na absorção de vitaminas lipossolúveis A, D, E e K. Essas funções são importantes porque o paciente com problema hepático pode deixar de exercê-las e, ai, apresentará distúrbios e sintomas característicos da inabilidade funcional do órgão. Prova de função hepática/teste bioquímico hepático: ALT: alanina aminotransferase. Também chamado de TGP AST: aspartato aminotransferase. Também chamado de TGO Fosfatase alcalina ɣ-GT: ɣ-glutamiltranspeptidase Bilirrubinas: dosadas quanto a sua excreção; únicos marcadores de prova de função hepática, ou seja, que dão ideia de função propriamente dita; os outros quatro dão ideia de lesão, que tipo de agressão que o fígado está fazendo. ALT/AST (TGP/TGO): são enzimas que catalisam a transferência de grupos α-amino da alanina e do ácido aspártico para o grupo α-ceto do ácido cetoglutárico. São importantes na clínica porque estão aumentadas no sangue quando há destruição de células ricas dessas enzimas ou em casos de aumento da permeabilidade da membrana celular dessas delas. Toda vez que eu me deparar com um exame que traz aumento dessas enzimas, eu tenho que pensar que meu organismo está destruindo alguma célula que é rica nelas; as principais são os hepatócitos (por isso são exames sensíveis para dano hepatocelular), células do músculo cardíaco e do músculo esquelético, células do rim, células do cérebro, do pâncreas, dos pulmões, os leucócitos e os eritrócitos. Existe uma situação em que precisamos tomar cuidado: paciente fez exercício físico e depois coletou o sangue; ele vai apresentar aumento de TGO e TGP normal, ou seja, não é dano hepático! A TGP é uma enzima mais sensível/específica do fígado e aumenta pouco com a destruição de outras células. Ambas as enzimas têm valores variáveis de laboratórios – o normal, geralmente, é de 30-40 U/L. Usa-se mais o termo “x vezes acima do normal”, para não se basear em valores que variam. Causas hepáticas de aumento dessas enzimas: álcool (etilismo), medicação, hepatite viral B e C, doença hepática gordurosa não alcóolica (esteatose hepática - DHGNA), hemocromatose (doença genética em que se perde o controle na absorção de ferro, absorvendo demais e depositando esse excesso no fígado), hepatite autoimune, doença de 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 145 Wilson (acúmulo de cobre por alteração genética na sua excreção – há doença neuropsiquiátrica e hepática associadas) e deficiência de α-1 antitripsina (o fígado produz essa enzima no seu complexo de Golgi, mas a produz defeituosamente de modo que ela não consegue sair do RER, fazendo doença hepática pelo seu excesso no fígado). Causas não-hepáticas: doença celíaca, exercício extenuante, distúrbios musculares hereditários ou adquiridos. Em relação a essas alterações enzimáticas, algumas doenças chamam atenção por sua marca própria: Hepatites agudas: cursam com um grande aumento dessas enzimas – na casa dos milhares, acima 10-50x do normal; Hepatites crônicas: cursam com um aumento pequeno; 0,5-1 x maior que o normal; Hepatotoxicidade: pode acontecer por alguns tipos de chás, por uso de suplemento alimentar e por medicamentos, em que se pode ter um aumento grande ou pequeno, associado a outros sintomas; Doença autoimune: desde apresentações de doença aguda autoimune com grande aumento enzimático até situações crônicas com discreto aumento; DHGNA: é o paciente com esteatose hepática, obeso, dislipidêmico; tem alteração pequena de 2-3x de aumento do normal; Hepatopatia alcóolica: a doença alcóolica do fígado faz alteração discreta de aminotransferase – 2-3 x a mais. Aumenta-se mais AST do que ALT – esses pacientes, por desnutrição ocasionada pelo álcool, produzem menos enzima, mas menos ALT em relação à AST. Isso, entretanto, não é patognomônico de álcool – cirrose hepática e paciente desnutrido podem fazer esse quadro de variação também. No caso da doença biliar, pensar em uma obstrução aguda e, assim, sempre pensar em colestase como diagnóstico diferencial, uma situação em que há aumento de FA e ɣ-GT. A grande questão está no fato de que na obstrução aguda não há esse aumento da FA e ɣ- GT. VARIAÇÃO NA CONCENTRAÇÃO SÉRICA DE TRANSAMINASES GRANDES AUMENTOS DISCRETOS AUMENTOS Toxicidade Hepatotoxicidade Isquemia hepática por hipotensão grave Hepatopatia alcóolica Hepatite viral aguda (A e B) Hepatites virais crônicas Doença autoimune Hepatite autoimune Doença biliar (obstrução aguda) DHGNA Chás Hemocromatose Doença de Wilson Deficiência de α-1-antitripsina 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 146 Enzimas colestáticas:Fosfatase alcalina: enzima que catalisa hidrolise de ésteres fosfato orgânicos. A importância clínica é que ela está elevada quando se tem obstrução biliar, que pode ser de ductos grandes ou pequenos (dentro do fígado) – qualquer problema que eu tenha no transporte de bilirrubina até sua saída ao intestino, se manifesta por colestase. Essa enzima está presente no fígado, nos ossos, na placenta e nos rins. Outros casos que aumentam sua concentração incluem gestantes no 3º trimestre e indivíduos do grupo sanguíneo O ou B (podem ter aumento da FA após ingesta de gorduras por influxo da enzima de origem intestinal). Seus valores variam com a idade – adolescentes e idosos têm um nível normal de 50% maior que outras faixas etárias. Quando ela está alterada, ela é do fígado ou não? Posso descobrir ao pedir para o laboratório determinar isoenzimas (exame muito caro; eletroforese) ou, então, pedir dosagem de outra enzima de colestase, que é a ɣ-GT (mais feito); se as duas vierem altas, a FA aumentada é do fígado e se vier só FA alta, é do osso. Seu aumento sérico relacionado ao fígado indica colestases, ou seja, lesão de ductos biliares frequente em mulheres > 60 anos, tais como CBP (cirrose biliar primária - doença das vias biliares imunológica, semelhante à hepatite autoimune), obstrução parcial de ductos biliares, CSP (colangite esclerosante primária – pensar em doença de Crohn associada), ductopenia, colestase induzida por droga ou doenças infiltrativas, como sarcoidose, doenças granulomatosas e metástases. Tudo que ocupa lugar dentro do fígado pode fazer colestase e aumentar a FA. O paciente com problema colestático apresenta muito prurido corporal, distribuído. Investigação: se essa enzima estiver aumentada, eu devo me perguntar se é óssea ou hepática – para isso, peço dosagem de ɣ-GT: (1) se veio diminuída, é de origem óssea e (2) se veio aumentada, é colestase! Nesse caso de colestase eu preciso, por primeiro, saber onde está a obstrução, então eu peço um ultrassom de abdome, a fim de procurar por dilatação das vias biliares (indica que algum lugar obstruiu e propiciou essa dilatação) ou não. No caso de não dilatação imaginar causas que atuam dentro do fígado e que não cursam com esse fenômeno de dilatação de vias biliares. Se houver a dilatação, eu preciso saber o que está obstruindo e, então, vou passar a usar técnicas de colangiografia, que pode ser de dois tipos: (1) por ressonância magnética: esse exame consegue ver as vias biliares e identificar o que exatamente faz a dilatação, ou (2) por colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE): em que se tem um endoscópio com visão lateral, que chega ao duodeno e permite a visualização da papila duodenal, onde eu injeto contraste na via biliar e observo seu fluxo. Se não houver dilatação, tenho que pesquisar outras causas, como drogas, medicamentos e cirrose biliar primária 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 147 (principalmente em mulheres; dosar anticorpo anti-mitocondrial para investigação, que é positivo na doença e, se vier negativo, pedir biópsia de fígado para ver alterações). Se eu tenho elevação de FA < 50% e todos os outros exames normais, junto de um paciente assintomático, eu posso apenas observar esse paciente. ɣ-glutamiltranspeptidase: ɣ-GT. É um sensível indicador da presença ou ausência de doença hepática. Todas as alterações do fígado alteram sua concentração, entretanto, começar a investigação da lesão por essa enzima é um problema porque abre um leque enorme de ddx. Assim, basicamente, sua utilidade é ver se a FA é de origem óssea ou hepática. Essa enzima está presente na membrana celular do rim, pâncreas, fígado, baço, coração, cérebro e vesícula seminal. Outras doenças elevam sua concentração sérica também, como doença pancreática, IAM, insuficiência renal, DPOC, diabetes e alcoolismo. Um ponto causal importante é o uso de medicações como fenitoína e barbitúricos – esses anticonvulsivantes podem alterar a enzima porque induzem alteração na sua produção. É usada corriqueiramente para ver qual paciente está bebendo, uma vez que o álcool altera a sua produção. Entretanto, é um exame que não tem especificidade boa; muita gente ingere álcool e não altera sua concentração, assim como muita gente tem ɣ-GT alterada e não bebe. A doença hepática gordurosa não alcóolica é o que mais faz alteração da ɣ-GT!, mas esse aumento reflete menos de 50% dos casos. Se eu tenho um paciente com essa enzima alterada, VCM alto e relação TGO >> TGP, vou pensar em alcoolismo. A utilidade desse exame é confirmar se a elevação de FA é do osso ou do fígado e ajudar no dx de doença hepática alcóolica. Eletroforese de proteínas: Albumina sérica: faz pico grande no gráfico – sua importância para o hepatologista é que os pacientes com insuficiência hepática têm diminuição nos seus valores séricos α-1-globulina: segunda onda do gráfico – 90% da sua dosagem correspondem à α-1 antitripsina; se está diminuída, pensar direto em alterações nessa enzima α-2 e ɣ-globulina: associadas a anticorpos; na doença do fígado a sua importância está nas doenças autoimunes, sendo que está aumentada a ɣ-globulina na hepatite autoimune. β-globulina 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 148 Métodos de imagem: Ultrassonografia: permite verificar esteatose, cirrose, hipertensão portal, ascite, hepatocarcinoma, dilatação de vias biliares e metástase. Nas doenças crônicas eu sempre preciso pedir um ultrassom; se vem alterado, pedir os próximos exames: o Tomografia computadorizada; o Ressonância magnética; o Colangiografia endoscópica; o Colangiorressonância (se a ressonância magnética mostrar algo alterado, indica se fazer esse exame). Biópsia hepática: é indicada para alterações de exames não muito bem compreendidas e claras e para dúvidas do dx. Pode ser (1) percutânea: é a mais usada – punciona-se o fígado dentre os espaços intercostais e (2) transjugular: indicada para paciente que não pode fazer punção hepática, que tem problema de coagulação ou ascite. A biópsia é uma ferramenta essencial, mas está sujeita a erros de amostragem, variação de análise dentre os patologistas, morbidade associada (paciente pode ter dor, sangramento e ir a óbito na biópsia); assim, com tudo isso, tem-se uma acurácia de 85-95%. Devido a isso, nos últimos 20 anos tenta-se desenvolver métodos de avaliação não invasivos. A principal informação que a biopsia traz é o grau de fibrose do órgão; é cirrótico ou não é? Por exemplo: paciente com hepatite C – a primeira pergunta que eu devo fazer é qual o grau de fibrose desse paciente? Esse grau é que orienta o tratamento; se for mais avançado, tratar; se não tem fibrose ou é muito leve, vou acompanhar. Assim, eu biopsio apenas para ver grau de fibrose, mas se eu tiver outro método que permita essa análise sem ser punção, eu não vou puncionar. Métodos não invasivos para avaliação de fibrose hepática: são métodos bioquímicos com fórmulas matemáticas que dão parâmetros de fibrose hepática. o APRI* = AST/LSN X 100/PLAQUETAS (109/L) o FIB-4* = IDADE X AST/PLAQUETA X ALT1/2 o FIBROTEST: envolve logaritmos e exames mais complexos – é uma fórmula comercial, tem marca registrada, então para usar em um paciente, preciso pagar. Outra opção é ver as propriedades físicas do fígado pelo exame de elastografia: analisa o grau de elasticidade do fígado, sendo que no cirrótico (com fibrose) o órgão encontra-se duro, não é elástico e o normal é ser mole. A técnica mais comum de elastografia é o AS MAIS USADAS 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 149fibroscan e o ARFI – medem a velocidade de propagação da onda mecânica emitida pelo aparelho – se vai devagar, o fígado é mole, ou seja, está em seu aspecto normal; já se a propagação vai de maneira mais rápida, o fígado é duro, podendo se pensar em cirrose e diferentes graus de fibrose. Hoje em dia se faz APRI e FIB-4 no paciente que pode pagar. Isso evita biopsia hepática desnecessária, pois é um método não invasivo. Outros exames: Hemograma: plaquetas baixas devido à hipertensão portal Coagulograma: com alterações de TAP, principalmente dos FATORES II, VII E X – sinal de insuficiência hepática se estiver funcionando menos. O TAP de um laboratório é diferente de outro – depende do kit que foi usado; para resolver esse problema, usa-se a fórmula abaixo, em que o valor normal é 1 e ISI é a constante variável do laboratório. EDA: para visualização de varizes de esôfago. Exames sorológicos: de hepatite viral e de autoanticorpos para investigação de doenças autoimunes. Outros exames bioquímicos: ferritina, ceruloplasmina, perfil lipídico, glicemia e insulina. ICTERÍCIA É um sinal clínico evidenciado pela coloração amarelada de mucosas, esclerótica, pele e líquidos orgânicos. Decorre da impregnação de bilirrubina nesses locais e geralmente é visível PRINCIPAIS EXAMES NAS DIVERSAS HEPATOPATIAS Hepatite A AntiVHA total e IgM Hepatite B HBsAg, AntiHBs, AntiHBc total e IgM, HBeAg e antiHbe Hepatite C AntiHCV NAFDL Glicemia, perfil lipídico Hepatopatia alcóolica AST/ALT > 2 Hepatite autoimune FAN, AML, antiLKM1, ɣ-globulina Cirrose biliar primária AMA Colangite esclerosante primária Sem marcador sorológico específico Doença de Wilson Ceruloplasmina Hemocromatose Ferritina, IS, mutação do gene HFE Deficiência de α-1-antitripsina Dosagem enzimática 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 150 quando seu nível sérico está acima de 2-3 mg/dL (o normal é de 1,2 mg/dL). Alguns pacientes reclamam primeiro de colúria (urina escura) antes do olho amarelado. Idosos e negros são mais difíceis de diagnosticar, portanto indica se olhar alterações de cor na palma da mão e embaixo da língua. Pouca icterícia, ou seja, níveis alterados, mas não tanto, dá dúvida, enquanto que acima de 5 mg/dL já não é mais duvidoso. Onde e como a bilirrubina é feita? Ela é feita no sistema reticuloendotelial – vem da destruição do grupo heme que compõe as hemácias; esse heme vai ser transformado em biliverdina e bilirrubina. Essa bilirrubina é a indireta (ou não conjugada) e tem uma característica de ser lipossolúvel; assim, para andar no plasma, precisa estar ligada à albumina. Ela chega ao fígado, é captada pelo hepatócito e dentro dele é transformada em bilirrubina direta (ou conjugada) para poder ser excretada pela bile – nessa transformação ela se torna hidrossolúvel. Assim, diz- se que a bile só tem bilirrubina direta. Para conjugar a bilirrubina no fígado, é preciso ter a enzima UDP- GT (glucoronil transferase) – se eu tenho problema nas etapas acima das que envolvem essa enzima, há aumento de bilirrubina indireta. A classificação das icterícias pode ser (1) de acordo com a fração de bilirrubina alterada: indireta e direta e (2) de acordo com o local acometido: pré-hepática, hepática e pós-hepática. O normal da BT é até 1,2 mg/dL sendo 0,2 mg/dL de direta e 1 mg/dL de indireta. Devemos primeiro olhar BT (bilirrubina total) – se estiver normal, não preciso olhar a direta e a indireta, mesmo que estejam altas. Se eu olhar a total e estiver aumentada, eu vou procurar pela que está mais aumentada – geralmente sobem as duas, mas olhar qual predomina. Bilirrubina indireta Pode estar aumentada por: (1) aumento da sua produção: situação em que o fígado não dá conta de metabolizar toda ela e o paciente fica ictérico com aumento de BI (bilirrubina indireta). Acontece nas seguintes situações: o Hemólises: fornece mais grupo heme para fazer BI. Pensar em anemia hemolítica hereditária, como falciforme, esferocitose, talassemia, e anemia hemolítica adquirida, por hemotransfusão, infecções, drogas, toxinas e autoimunidade. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 151 o Eritropoiese inefetiva: por deficiência de B12; a hemácia fica tão grande que não consegue sair da medula óssea, sendo destruída ali mesmo. o Hemotransfusão maciça: faz hemólise pós-transfusão. o Reabsorção de grandes hematomas. Outra coisa que pode acontecer é uma (2) diminuição da captação da BI: por uso de rifampicina; pode haver (3) diminuição na conjugação: pensar em problema na UDP-GT: (a) síndrome de *Gilbert: deficiência muita pequena da UDP-GT, com sua função normal no dia-a-dia, mas que diminui de vez em quando, propiciando que a pessoa fique ictérica nesses momentos e com bilirrubina indireta aumentada para 5-10 mg/dL. Não é uma doença!, ou seja, não precisa de controle nem acompanhamento, sendo uma situação normal em 4-10% das pessoas. É o paciente que de vez em quando fica amarelado. O dx é feito, geralmente, no adulto jovem. O principal achado é uma icterícia recorrente, principalmente em situações de febre, infecções, exercícios extenuantes, estresse, jejum e uso de álcool. O dx é simples e clínico – só pela BI aumentada, sem anemia e sem alteração de enzimas hepáticas. O único problema para esse paciente é o risco à exposição de irinotecan – o paciente com essa síndrome não pode usar esse remédio se tiver câncer de cólon, (b) síndrome de *Crigler-Najjar I: quando a criança nasce com deficiência total de UDP-GT por problema genético; ela não conjuga bilirrubina, portanto é uma situação incompatível com a vida, mas de incidência muito rara, (c) síndrome de *Crigler-Najjar II: defeito genético também, mas a criança nasce com atividade pequena de UDP-GT (< 10%), sendo compatível com a vida. Entretanto, essa criança tem forte icterícia, com BI próximo de 20 mg/dL. Geralmente essa icterícia diminui com a administração de fenobarbital, pois esse medicamento aumenta a atividade da enzima; (d) icterícia fisiológica do recém-nascido e (e) inibidores da protease: anti-retrovirais. Por último, pode ser ocasionada por (4) cirrose também. Bilirrubina direta Existem duas alterações hereditárias que levam ao seu aumento: (1) síndrome Dubin Johnson e (2) síndrome de Rotor. São raríssimas. Ambas envolvem um problema na excreção da bilirrubina conjugada de dentro do hepatócito para fora dele – a proteína da membrana do hepatócito não consegue trabalhar direito para jogar essa bilirrubina para fora do hepatócito. São como uma síndrome de Gilbert, mas envolvendo a bilirrubina direta. Síndrome Dubin Johnson: condição genética associada ao gene MRP2, responsável pelo transporte de ânions orgânicos. É benigna e autossômica recessiva. Faz icterícia intermitente, com aumento da bilirrubina em cerca de 2-5 mg/dL com maior aumento da BD e o paciente se queixa de um desconforto abdominal vago. O dx é feito na infância e adolescência. O fígado à macroscopia se mostra mais escuro e a histologia mostra pigmentos marrons intracelulares, perto dos canalículos biliares. Não há dano à função hepática, o paciente tem bom prognóstico e o tratamento é feito com orientação dietética e fenobarbital. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 152 Síndrome de Rotor: é uma icterícia intermitente e benigna associada a uma condição autossômica recessiva. A bilirrubina fica entre 2-5 mg/dL com maior aumento da BD. A clínica é somente icterícia, o fígado macroscópico é normal e na histologia se observam discretas alterações mitocondriais. O tratamento é orientação. Os danos adquiridosque fazem aumento da bilirrubina direta são: (3) dano hepatocitário, (4) colestase intra-hepática e (5) obstrução dos ductos biliares. Essas condições também estão relacionadas à alteração na excreção canalicular da bilirrubina. O importante da bilirrubina direta aumentada está relacionado às doenças hepáticas! Tais como hepatites virais e autoimunes, uso de álcool e drogas, distúrbios metabólicos, ou seja, qualquer doença do fígado! Além dos danos crônicos, colestases por (a) doenças infiltrativas: amiloidose, tumor e doenças granulomatosas (Tb, brucelose, sífilis, sarcoidose e linfoma), por (b) alteração dos ductos intra-hepáticos (coledocolitíase, colangites inflamatórias e infecciosas, neoplasias e compressão extrínseca das vias), (c) sepse, (d) nutrição parenteral total e (e) colestase benigna. Então, quando se fala em aumento de bilirrubina direta, devemos pensar mais em doenças que atingem propriamente o fígado. *Cirrose: fígado cheio de cicatriz. Esse fígado vai fazer insuficiência hepática. Cirrose é o termo anátomo-patológico da condição clínica, que é a insuficiência hepática. O paciente cirrótico com insuficiência hepática grave pode alterar bilirrubina indireta também porque não dá conta de capturar toda a bilirrubina indireta que chega, não consegue abriga-la no hepatócito quando ela chega ao fígado. Então o cirrótico grave vai ter aumento de BI e BD, ou seja, de BT. Diagnóstico de icterícia: história clínica, exame físico, mas principalmente o exame laboratorial para saber se o que está alterado é sua bilirrubina conjugada ou a não conjugada. Se for não conjugada, analisar se tem hemólise associada. Se for a conjugada, eu preciso saber o padrão das enzimas hepáticas do paciente – vou olhar ALT/AST (aumentadas indicam doenças hepatocelulares), FA e ɣ-GT (se ambas estiverem aumentadas, pensar em doença colestática). Além disso, posso solicitar exames de imagem, sorologia e biópsia para diagnóstico auxiliar. Na historia e no exame físico preciso procurar por doenças como (1) hepatite viral: sinais como anorexia, astenia e mialgia, (2) hepatite autoimune: artralgia e rash cutâneo, (3) colestase: pruridos generalizados, (4) síndrome de Budd-Chiari: rápida retenção líquida por disfunção das veias hepáticas, que não conseguem drenar direito o fígado, (5) uso de medicações, etanol e processos de hemotransfusão, (6) história familiar semelhante, (7) colangite aguda: febre e dor abdominal, (8) neoplasia: emagrecimento, principalmente, (9) sinais de hipertensão portal, (10) estado nutricional, (11) presença de xantomas (chama atenção para colestase), massas palpáveis e cicatrizes de 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 153 cirurgias abdominais e (12) estigmas periféricos de hepatopatia: aranhas vasculares, unha esbranquiçada, perda de pilificação, ascite, esplenomegalia. Então, eu preciso analisar o predomínio entre forma conjugada e não conjugada - se for não conjugada, procurar hemólise e investigar causas a partir da idade do paciente; se for conjugada, pesquisar se é problema hepatocelular (AST/ALT aumentadas) ou colestático (FA a ɣ- GT aumentadas). Se for hepatocelular, investigar melhor com exames de laboratório e até mesmo biopsia. Se for colestático, investigar dilatação de vias biliares por exames laboratoriais, biopsia e colangiografia. Colestase x icterícia: icterícia é um sintoma dentro da colestase, enquanto que a colestase é uma alteração no fluxo biliar; eu posso ter paciente colestático sem icterícia, assim como minha icterícia pode ser sem colestase, ou seja, apenas por dano hepatocelular. Então, a icterícia é uma característica clínica dentro da colestase e não é a única; outras características envolvem pruridos (produção de substâncias produtoras de prurido, não se sabe exatamente quais são), dislipidemia e xantoma por acumulo de lipídeos, anel de Kayser-Fleischer (não é patognomônico da doença de Wilson – indica apenas acúmulo de cobre), esteatorreia, cegueira noturna, emagrecimento, osteomalácia e sangramentos por deficiência de vitaminas A, D, E, K e cálcio. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 154 AULA 11 DOENÇA HEPÁTICA GORDUROSA NÃO ALCÓOLICA É um depósito de gordura no fígado sem consumir bebida alcóolica. O consumo adequado de bebida alcóolica, para não haver esteatose alcóolica, é de 20 g para mulheres e 30 g para homens, considerando que 330 mL de cerveja tenham 10 g de álcool. Acima disso, a tendência a se tornar uma esteatose alcóolica aumenta progressivamente. Quanto é necessário haver de acúmulo gorduroso para dizer que meu fígado tem esteatose? É preciso ter um depósito acima de 5% de TAG nos hepatócitos. A definição da doença, ou seja, do termo DHGNA, está relacionada a duas entidades: (1) esteatose hepática: engloba o puro e simples depósito de gordura no órgão, sendo que esse acúmulo precisa ser >5%, ou seja, mais de 5% dos hepatócitos devem ter depósito de TAG. Na microscopia dessa situação a gente vê um hepatócito cheio de “bolinhas brancas”, que são compostas de gordura; e (2) esteato-hepatite não alcóolica: conhecida pelo termo NASH. Em 1 tem-se apenas o depósito de gordura e em 2 tem-se esse depósito associado à inflamação. Em 2, ainda, além do TAG acumulado no hepatócito, tem-se um hepatócito todo balonizado e dentro dele depósitos de proteínas, que são chamados de corpúsculos de Mallory; ao redor da célula se observa um infiltrado celular, geralmente linfocitário ou neutrocitário, podendo ser chamado de infiltrado linfoneutrocítico. São esses critérios que diferenciam uma condição da outra e a importância dessa diferenciação está no fato de que existe uma evolução da NASH para quadros de cirrose e carcinoma hepatocelular. Cerca de 15-20% das NASH evoluem para cirrose, fato que predispõe ao hepatocarcinoma. Além disso, o paciente pode evoluir diretamente para hepatocarcinoma, sem passar pelo estágio de cirrose antes. Ter esteatose é depositar gordura (TAG) dentro do fígado, podendo ser esse depósito de dois tipos: (1) esteatose hepática e (2) NASH, sendo que em 1 eu só tenho depósito de gordura no citoplasma e em 2 eu tenho inflamação das células, caracterizada por corpúsculos de Mallory, principalmente e cuja evolução é para cirrose e/ou hepatocarcinoma. Cerca de 30% da população total é acometida por fígado gorduroso; essa condição é maior em determinados subtipos de pacientes, sendo que em obesos essa prevalência pode chegar a 95- 100%. Assim, alguns subtipos de pacientes têm chance maior de ter esteatose, sendo eles: Obesos (com gordura de padrão centrípeta) Hipertensos Dislipidêmicos 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 155 Diabéticos: todos os pacientes que preenchem os critérios de síndrome metabólica são sinais de alerta para esteatose hepática. Fatores associados à doença, que podem causa-la: Os critérios de síndrome metabólica estão muito associados à presença dessa condição. Alterações hormonais também podem estar associadas, então devemos cuidar com pacientes que tenham: o Hipotireoidismo o Hipogonadismo o Hipopanpituitarismo Estudos têm demonstrado que a desregulação hormonal leva a alterações hepáticas, propiciando o acúmulo de gordura. Atualmente se identifica uma relação direta entre doenças como hepatite C crônica, uma doença que pode estar associada ou até mesmo ser causa de esteatose hepática. Dentro da hepatite C, existem os três subtipos e dentre eles, o genótipo 3 é o que mais se relaciona à presença da esteatose. Nesses pacientes a abordagem é diferente; alémde atuar sobre os fatores de risco de síndrome metabólica, objetiva-se o tto da hepatite C também para melhorar esse depósito de gordura dentro do órgão. Um grande problema que leva ao desenvolvimento de esteatose hepática é o consumo de medicamentos de forma não controlada ou exacerbada. Quimioterápicos como tamoxifeno e alguns medicamentos, principalmente ac. valproico e imunossupressores, também podem fazer o paciente desenvolver a doença. Alguns autores relacionam essas formas de esteatose como um novo grupo de doença, chamado de DILI (drug induced liver injure) ou TASH (esteato-hepatite tóxica). Isso não está plenamente determinado, entretanto; são ideias novas. Algumas doenças genéticas também podem causar esteatose hepática, mas são extremamente raras. Sempre para eu ter DHGNA eu preciso que o paciente não esteja consumindo bebida alcóolica – se ele estiver, as mesmas alterações serão encontradas na histologia, mas é prejudicial no meu diagnóstico e tratamento, pois são condições provenientes de causas diferentes. Outro fator de risco relacionado ao desenvolvimento da doença está associado a gênero e idade; sabe-se que quanto mais idoso o paciente for, maior é o risco de desenvolver esteatose hepática. Sua incidência aumenta progressivamente com a idade. Além disso, homens tendem a ter mais esteatose que as mulheres. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 156 Por que a esteatose acontece? Parece que o fígado sofre algumas agressões iniciais definidas como first hits, que são seguidas pelas second hits, para alterar ainda mais o órgão. O grande desencadeador de tudo é a própria resistência insulínica – a partir do momento em que ela ocorre (e eu não preciso que o paciente seja obeso para isso), desencadeiam-se dois mecanismos: (1) lipólise: ação direta sobre a gordura periférica, no sentido de degrada-la progressivamente, gerando no organismo uma sobrecarga de ácidos graxos e (2) lipogênese intra-hepática: indução dentro do fígado à produção de mais ácidos graxos, o que aumenta ainda mais a sobrecarga de ácidos graxos dentro do órgão. O principal evento da esteatose é o fígado ser bombardeado por gordura, seja ela vinda da periferia ou fabricada dentro do próprio órgão (ácido graxo de novo). Seria esperado que esse fígado conseguisse liberar essa gordura, ou seja, degradar esse ácido graxo e libera-lo, principalmente, no formato de LDL; entretanto, não é isso que acontece. Dentro do fígado da pessoa com tendência à esteatose desenvolve-se um estresse oxidativo tão grande que desencadeia problemas na oxidação mitocondrial, o que leva à formação de peróxidos de nitrogênio e fabricação de substâncias que não conseguem ser liberadas; assim, a maquinaria mitocondrial passa a não executar bem sua função e o hepatócito passa a ter seu processo metabólico alterado. Esse fígado não consegue metabolizar, nem liberar de maneira adequada a gordura recebida e aos poucos ela vai se depositando na célula, que é o que caracteriza a esteatose. Essa doença é uma lipogênese e lipólise exacerbados, que prejudicam os processos de β- oxidação, a eliminação de gordura pela célula e, com isso, permite que haja acúmulo dessa gordura em seu interior. Alguns estudos trazem que uma flora intestinal alterada também influencia nesse processo, pois permitiria duas situações: (1) essa flora poderia gerar mais etanol e acetaldeído a partir da ingesta e o acetaldeído absorvido vai direto para o fígado fazer lesão, simulando uma ingesta de bebida alcóolica e (2) essa flora poderia levar a uma alteração da permeabilidade intestinal, caracterizada por uma descarga de lipopolissacarídeos na veia porta, que ajudam no processo de inflamação intra-hepática. Assim, a fisiopatologia completa da doença ainda não é muito bem explicada. O problema dessa doença não é tanto a esteatose em si, mas a sua evolução para carcinoma e cirrose hepática. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 157 Forma clínica. A grande dificuldade é que a doença não tem sintoma nenhum. A maioria dos pacientes busca a consulta médica apenas com resultado de exames – fez exame para investigar outra doença qualquer, por check up, e se identificou um fígado gorduroso nesse resultado. O paciente tende a dizer que tem sintomas ou desconfortos em hipocôndrio direito, mas eles não se justificam pelo depósito de gordura no órgão. Assim, esteatose hepática não dá sintoma nenhum!, desde que não esteja evoluindo para cirrotização plena. Essa ausência de sintomas inclusive, em algumas vezes, faz com que o médico menospreze a condição. Diagnóstico da doença no paciente. Eu preciso avaliar a evolução da doença. O diagnóstico é variado. Exames laboratoriais: ajudam na identificação dos fatores relacionados à síndrome metabólica. o Glicemia de jejum o HDL o TAG o Provas tireoidianas: TSH e T4 livre o Ferritina: pode haver seu aumento, sem necessariamente ter depósito de ferro sobre o fígado – entende-se que o fígado produz um hormônio que ajuda na regulação da absorção de ferro, chamado de hepsidina, como se fosse o hormônio que vai até o enterócito e sinaliza para absorver mais ferro ou parar de absorver conforme a disponibilidade dessa substância no organismo. Na esteatose há desregulação na hepsidina, tendendo a uma maior absorção de ferro e aumento da hepsidina. Se eu quiser ter certeza da sobrecarga de ferro, eu preciso do índice de ferritina, que normalmente vem normal nesse paciente com esteatose. o Exames genéticos: não são feitos. Exames bioquímicos hepáticos puros: o Avaliação da função hepática. Todos tendem a ser normais no paciente com esteatose, desde que não esteja em cirrose ainda. TAP Albumina sérica Albumina total o Exames de inflamação. TGO/TGP: quando se fala que a doença pode englobar esteatose pura e esteato-hepatite, imagina-se que na segunda situação, que tem processo inflamatório, haveria TGO/TGP aumentadas, mas o que acontece é que elas podem estar altas ou normais. Assim, TGO/TGP não servem para nada, não ajudam em nada. FA: tende a ficar normal. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 158 ɣ-GT: é a que mais se altera, ou seja, a principal causa de alteração da ɣ-GT é a esteatose hepática, mas infelizmente não indica se o paciente está doente ou não – não consegue indicar o grau de evolução da doença, só me diz que tem algo errado com o fígado, seja de anatomia ou metabolismo do órgão – ela alterada não muda a conduta terapêutica em relação à intensidade; ou seja, o manejo é o mesmo para alguém que tem alteração de 100 e 200, por exemplo. Exames de imagem: o Ultrassom de abdome: é o primeiro a ser solicitado. O grande problema desse exame é que só detecta acúmulos de gordura no fígado a partir de 30% de massa hepatocitária afetada; isso permite muito subdiagnóstico. Ele ajuda quando vem positivo! A sua vantagem é que é um exame barato, está disponível em qualquer serviço de atendimento médico, qualquer convênio cobre, é não invasivo e indolor. Métodos de comparação do fígado normal e com esteatose: permitem a avaliação da presença de gordura no fígado. A partir dos resultados é possível graduar em leve (grau I), moderado (grau II) ou severo (grau III). Essa graduação nos permite compreender melhor a severidade da doença – o tratamento permite regressão para graus menos graves, assim como a doença pode evoluir para graus mais graves. Comparação do parênquima do fígado com o do rim, pois são órgãos que precisam ter texturas semelhantes a esponjas; Atenuação dos feixessonoros – quando passa o US, o feixe não consegue ir até o final e a borda hepática fica toda borrada no exame do paciente com esteatose; Dificuldade de visualização dos vasos hepáticos. o TC: o problema é que é radiação, tem fatores confusos (nem sempre é esteatose o que se identifica no exame), então não seria o melhor exame a fazer. o Ressonância hepática: melhor que o US; consegue identificar esteatose a partir de 10% de acúmulo intra-hepático. Apesar de ser um exame não invasivo, tem custo muito maior e há dificuldade técnica de tê-lo disponível em diversos lugares (é mais restrito). Também detecta quanto há de depósito de ferro dentro do fígado, o que é útil para o paciente com ferritina muito alta e com hemocromatose (antes só se identificava isso por biópsia). o Elastografia hepática: desenvolvido para avaliação de fibrose a partir da análise de quão duro o fígado está. Entretanto, também é um exame pouco disponível, mesmo nos grandes centros. Com o aparelho transdutor mede-se o grau de dificuldade que onda sonora tem ao passar pelo fígado; assim, quanto mais duro for o fígado, mais rápido a onda passa e o contrário é válido. Isso serve mais para 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 159 pacientes com fatores de risco à fibrose, principalmente os que têm esteato- hepatite. Diagnóstico histológico: seria o padrão ouro! É o único exame capaz de detectar a presença de NASH – nenhum outro exame consegue detecta-la, os outros exames detectam só a esteatose. O problema é que é um exame invasivo, doloroso. É percutâneo, então não preciso fazer cirurgia no paciente para pegar parte do seu fígado. A punção é feita no espaço intercostal, na linha axilar média, com agulha guiada por ultrassom ou às cegas. A agulha tem de 15-20 cm e o furo que fica na pele é de 2-3 mm. Em geral o fragmento retirado é de 1 mm x 2 cm; o bom para a biópsia é um fragmento de fígado com 10 espaços-porta. Na biópsia eu consigo ver quanto de gordura está no hepatócito e fechar os critérios de NASH. Scores altos indicam necessidade de biópsia para melhor avaliação. As biópsias hepáticas devem ser feitas em pacientes que têm: o Critérios de síndrome metabólica bem estabelecidos e com sinais que sugerissem doença em progressão, baseado no SCORE NAFLD; dependendo do numero do paciente nesse score, a chance de ter fibrose severa (F-III e F-IV (cirrose)) é alta e indica-se a biópsia. o Paciente com hepatite C e esteatose o Paciente com hepatite autoimune e esteatose o Paciente em quimioterapia e com esteatose Os exames não relacionados ao fígado ajudam muito mais que os exames relacionados ao fígado. Manejo e tratamento: o fator mais importante do tto é o manejo dos fatores associados. O primeiro passo é orientar o paciente que ele precisa ter uma dieta adequada (tanto qualitativa quanto quantitativamente) associada a mudanças no estilo de vida (prática regular de atividade física – pelo menos 150 minutos na semana, ou 3x na semana durante 50 minutos). É importante objetivar perda de peso nesse paciente; beneficia a regressão da esteatose – a partir de 7% de perda da massa corporal já se tem diminuição da inflamação do fígado, até 5% percebe-se melhora da evolução e acima de 10% há melhora, inclusive regressão. Tratar essa doença não é tomar remédio, mas mudar o jeito que se leva a vida, o que é muito difícil de acontecer. O mais importante é focar na dieta + atividade física. Tratamento medicamentoso: útil para esteato-hepatite, mas não para esteatose hepática. A metformina não tem atuação alguma sobre o processo hepático em si, serve apenas para tratar o diabetes do paciente, sua intolerância à glicose, mas não é contraindicada para paciente que tem esteatose hepática. Não é recomendando, então, metformina como tratamento de esteatose. Hipoglicemiantes orais podem ser Biópsia indicada para saber se a esteatose é secundária ou própria do fígado 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 160 usados nos pacientes que têm NASH e não são diabéticos – neles, o uso da pioglitazona tem efeito auxiliar na melhora do NASH em não diabéticos, mas o grande problema é que não se sabe se pode ser usado em diabéticos ou não. Entretanto, não há nenhuma contraindicação de usa-lo em diabéticos. O remédio que tem melhores resultados no NASH é a vitamina E – primeira escolha –, um antioxidante testado em pacientes com NASH não diabéticos (não estender a indicação para NASH em diabéticos). O grande problema desses dois remédios (pioglitazona e vitamina E) são os efeitos colaterais: pioglitazona aumenta chance de ganho de peso e de ICC; a vitamina E, sua dose usada (800 U 1x ao dia durante, no máximo, 2 anos) é mais alta e estudos demonstraram que isso poderia aumentar a chance de AVC hemorrágico e câncer de próstata (mas o risco é baixo, nos cabe fazer um rastreio adequado). Ômegas e estatinas podem ser usados associados para tratar a dislipidemia do paciente – não tratam a esteatose em si, mas ao tratar os fatores de risco, conseguimos melhora-la. A cirurgia de obesidade mórbida não é indicada para esteatose e esteato-hepatite! Não é tratamento! Você pode indicar essa cirurgia baseada nos sintomas de obesidade do paciente, nunca para tratar sua esteatose – inclusive, a cirurgia pode trazer piora do grau dessa doença. Se o paciente tem esteatose, ele pode fazer essa cirurgia, não é contraindicada, mas não é para o tratamento da esteatose, apenas dos fatores de risco da sua evolução. Prognóstico. Esses pacientes morrem de evento cardiovascular. A gravidade da doença é essa. Outra forma de morte é quando ocorre a evolução para cirrose e hepatocarcinoma. Cirrose criptogênica, ou seja, sem causa, acomete muito pacientes por NASH. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 161 Caso clínico VIII ID: homem de 20 anos, estudante, natural e procedente de Curitiba. QP: hepatite HMA: há 4 dias iniciou com astenia, anorexia, náuseas e febre de até 38,4ºC. Há 24 horas notou icterícia de escleras, urina escurecida, fezes claras e dor abdominal em andar superior, contínua, sem relação com a alimentação. HMP: teve gonorreia aos 18 anos, mas está tratada. HMF: sp CHV: o Tabagista de 10 cigarros/dia desde os 14 anos. o Etilista de finais de semana (1 a 2 litros de cachaça por final de semana). o Usuário eventual de drogas ilícitas (cocaína por via inalatória). o Tatuagens em membros e tronco (primeira aos 14 anos). RS: sp Ao exame físico: PA: 120/80 mmHg FC: 90 bpm Temp axilar: 37,8ºC Peso: 65 Kg Altura 1,70 m Paciente corado, hidratado, ictérico ++/IV em pele e mucosas e eupneico Exame da cabeça com icterícia de escleras e mucosas Exame do tórax e membros sem alterações (apenas tatuagens). Exame do abdome: plano, RHA+, flácido, doloroso à palpação de hipocôndrio direito, fígado a 4 cm do rebordo costal direito e timpanismo normal. 1- Qual o diagnóstico provável e quais os agentes etiológicos implicados nessa doença? Hepatite viral aguda. Os vírus das hepatites humanas representam um grupo de patógenos dotados da capacidade de causar necrose em hepatócitos e inflamação no fígado. Na maioria das vezes, tais casos são devidos à participação dos vírus A, B, C, D, E, definidos como hepatotrópicos. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 162 o Vírus A: seu período de incubação se situa entre 14 e 50 dias. A viremia não ultrapassa 7 dias, daí porque a transmissão parenteral é rara. Não evolui para hepatite crônica, emborararíssimos casos com essa evolução tenham sido descritos. Revela-se diretamente citopático, transmitido pela rota oral- fecal, replicando no intestino, indo ao fígado, valendo-se do sistema venoso portal, onde replica, atingindo por essa via o intestino, sendo então eliminado pelas fezes. o Vírus B: variações do genoma geram as mutações que podem ocorrer nas regiões do core, pré-core, pré-S, ou no gene da polimerase ou no X, as quais podem induzir à hepatite fulminante, reduzir a resposta ao interferon, facilitar a perpetuação da doença ou a sua recorrência após transplante hepático. Inicia sua ação deletéria sobre o fígado ao se ligar às membranas dos hepatócitos replicando via transcrição e produção de RNA pregenômico, gerando nucleocapsídio, polimerase e partículas ccc (closed circular) DNA em nível nuclear após envelopamento de proteínas; suas expressões dependem de elementos cis e trans promotores de pré-S1, pré- S2 e X, reguladas pela metilação de ilhas CpG identificada em fígados humanos dos portadores desse agente. Nestes, a lesão hepatocelular induzida se relaciona com linfócitos T citotóxicos, ao reconhecer antígenos específicos em associação com antígenos HLA classe I, causando apoptose de hepatócitos infectados. É transmitido pelo sangue, por via sexual, por agulhas contaminadas e verticalmente da mãe para o filho, com período de incubação entre 14 e 90 dias. o Vírus C: A quantidade de partículas C no sangue circulante é muito menor do que a observada na infecção pelo vírus B. Atualmente, o vírus C é o maior responsável pelas hepatites pós-transfusionais. Assim, o contágio pode ser feito por sangue transfundido, por agulhas contaminadas e, significativamente menos do que na hepatite B, e quase negligenciável, por contato sexual, ou de forma vertical. Curiosamente, entretanto, no maior número de casos de hepatite crônica por vírus C o contágio não é identificado, constituindo a chamada infecção esporádica. O vírus C é considerado um vírus oncogênico, associando-se à instalação do carcinoma hepatocelular. o Vírus D: pode replicar de maneira autônoma, mas, em geral, necessita, para tal, da presença do B, de quem usa, para exercer tal função, o excesso da proteína proveniente do AgHBs, levando a que cursem com dupla infecção. Assume distribuição característica em indivíduos residentes em países do Mediterrâneo, Oriente e da região Amazônica, tais como Colômbia, Venezuela e Brasil, com a coinfecção sendo responsável pelo advento de hepatite aguda. o Vírus E: transmissão pessoa-pessoa é a regra; no entanto, reservatórios animais, como suínos, têm sido identificados (o que poderia significar que a hepatite por vírus E seria uma zoonose). Apresenta um período de incubação de 2 a 9 semanas, em média de 40 dias. A infecção por este agente no Brasil não parece ser comum. 2- Como investigar? 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 163 Os marcadores virais constituem chave importante para o diagnóstico das hepatites, razão pela qual devem ser bem conhecidos. O anti-VHA IgM é um indicador de hepatite aguda por vírus A. Aparece precocemente e persiste por 3 a 6 meses. O anti-VHA IgG é marcador de infecção passada, prestando-se mais para inquéritos epidemiológicos. O antígeno de superfície do vírus B (AgHBs) corresponde à proteína do envelope do vírus B. Indica infecção aguda ou crônica. Quando desaparece do soro, significa clareamento viral. O anti-HBc, ou AcHBc (anticorpo anticore do vírus B), é uma proteína que circunda o DNA do vírus B. Por sua vez, é cercada pelo AgHBs na partícula viral completa, ou partícula de Dane. Há três formas: a IgG, a IgM e a total. A positividade da total indica contato presente ou passado com o vírus B. A IgM indica infecção aguda, ou reativação do vírus na dependência de imunossupressão. Pode positivar-se também no curso de hepatite crônica, significando uma reagudização. O anti-HBc IgG representa infecção passada, ou, quando associada ao AgHBs, sinaliza o estado de portador crônico. O antígeno “c”, AgHBc, não é secretado no soro. Classicamente, em qualquer dos tipos de hepatite aguda viral, ocorre elevação de níveis séricos de aminotransferases, sempre acima de 500 a 1.000 UI/l, com valores maiores de alanina- aminotransferase (ALT). Acentuam-se também as concentrações plasmáticas de gamaglutamiltransferase e, sobretudo, de fosfatase alcalina, principalmente nas formas colestáticas. Hiperbilirrubinemia, quando presente, ocorre sempre à custa da fração direta, em geral não ultrapassando 20 mg/dl. São normais a atividade e tempo de protrombina, mesmo naqueles mais acentuadamente ictéricos. Agravamento da icterícia e alargamento do tempo de protrombina significam sempre necrose hepática mais extensa, que pode acompanhar-se de hipoglicemia e baixa síntese do fator V. 3- Quais complicações possíveis a curto e longo prazo? Aceita-se que a magnitude da lesão celular, nas hepatites agudas, dependa da carga viral e da capacidade de multiplicação do agente viral. Por sua vez, tem importância a resposta despertada pelo hospedeiro, classificada como: (1) não específica, dependente da participação de interferon, complemento e linfócito NK; (2) de células killer, como neutrófilos e macrófagos, as quais requerem anticorpos para sua atuação; (3) especificidade exercida pelos linfócitos T citotóxicos (CTC). Esses mecanismos atuam visando a eliminar o agente viral, precipitando a lise 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 164 celular. Quando essas respostas se revelam eficientes e precoces, propiciam a cura sorológica e restituição total do parênquima, não facilitando a instalação de estado de portador ou de hepatite crônica. Além desses efeitos, o vírus pode lesar a célula do hospedeiro ao interferir diretamente com o seu maquinismo, ou exercer toxicidade a partir de seus produtos. A hepatite aguda viral é uma doença difusa necroinflamatória do fígado, que, em geral, evolui com menos de 6 meses de duração. Pode ser histologicamente não distinguível da hepatite crônica, o que torna o tempo de doença um critério diferenciador muito importante, além do que as maiores modificações são lobulares e não de espaços portais. Caracteriza-se por comprometimento panlobular, acentuada celularidade e pleomorfismo de hepatócitos e necroses focais. Degeneração e eosinofilia ou corpos apoptóticos e balonizados dos hepatócitos levam à necrose lítica. 4- Como orientar o tratamento? Medidas preventivas: são fundamentais, nas hepatites virais A e E, de transmissão oral-fecal, a melhora das condições de higiene e saúde, sobretudo de saneamento básico, e de conservação e manipulação de alimentos, e o monitoramento dos pacientes já infectados. Especificamente nos casos das hepatites B, C e D, é indispensável melhorar a qualidade das hemotransfusões, privilegiar doadores voluntários e negativos para aqueles agentes virais. Existem vacinas contra os vírus das hepatites A e B. Medidas de suporte: são comuns a todos os tipos de hepatites virais. Baseiam-se exclusivamente no repouso nas fases sintomáticas da doença, sobretudo no período em que os doentes evoluem ictéricos. Recomenda-se suspensão de medicações hepatotóxicas e de ingesta alcoólica, além de uma dieta nutritiva, mas respeitando a tolerância do paciente. Internação hospitalar encontra-se indicada quando ocorrem distúrbios hidreletrolíticos em con- sequência de vômitos incoercíveis, ou hipoprotrombinemia (40 a 50%), e nos casos que evoluem para a forma fulminante, traduzida pelo aparecimento de encefalopatia dentrode 8 se- manas do início da icterícia. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 165 Tratamento medicamentoso (interferon alfa): cerca de 5% dos pacientes com hepatite aguda viral B evoluem por mais de 12 semanas com sinais clínicos, laboratoriais e sorológicos que traduzem persistência da doença e replicação viral. Certamente, são os que tendem para a hepatite crônica. Visando a encurtar a evolução daqueles doentes com esse curso protraído da doença, alguns têm sido tratados com interferon α nas doses de 3 ou 10 MU, 3 vezes/semana, durante 3 meses, o que permitiu a recuperação e interrupção do processo em todos os casos assim manuseados. Mais recentemente, procurou-se avaliar a eficácia da interferona peguilado α 2b (1,5 μg/kg/semana), administrado por 24 semanas a pacientes alemãs. Os resultados obtidos foram similares àqueles com interferon padrão, com índices de resposta virológica ultrapassando 90%. Tutorial (19/10): Eu não posso falar que o paciente está com hepatomegalia sem fazer hepatometria por percussão. Apesar disso, seu fígado a 4 cm do RCD eu posso pensar que ele está aumentado, mas também pode ser apenas um fígado rebaixado, por doença no diafragma, pulmão, abscesso... As icterícias podem ser: hereditárias, pré-hepáticas (hemólise), hepáticas (doença do fígado) e pós-hepáticas (doença de vias biliares ou obstrutiva, também chamadas de colestáticas). De acordo com o quadro do paciente, os sintomas indicam mais doença hepática, ou seja, uma icterícia que acontece por problema no fígado diretamente; ou doença colestática (pela presença de colúria e acolia). O paciente começa com pródromo e evolui em sequencia para acolia, icterícia e colúria – isso é típico de hepatite aguda viral. Poderia ser outra hepatite aguda também, assim como uma hepatite medicamentosa, alcóolica e isquêmica. O paciente pode ter, ainda, colangite, a inflamação das vias biliares (cursa com náusea, febre, colúria e icterícia). Outro diagnóstico provável é leptospirose, EBV, CMV, febre amarela, malária (vírus que não são hepatotrópicos). As mais pertinentes ao caso são: hepatite aguda viral, leptospirose e hepatite alcóolica. Agentes etiológicos causadores de hepatite mais frequentes: vírus A, B, C, D, E. G e Tt também existem, mas são extremamente raros. Vírus A: transmitido por via fecal-oral. Período de incubação de 2 até 5 semanas. Vírus B: transmitido por relação sexual, via parenteral e vertical (de mãe para filho). Período de incubação de 8 semanas, aproximadamente. Vírus C: transmitido por via parenteral (mais de 90% dos casos), sexual e vertical. Período de incubação de mais ou menos 12-8 semanas, muito parecido com o HIV. 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 166 Vírus D: delta, é um vírus defectivo, depende do vírus da hepatite B – ele “pega” a capa do HBV para sobreviver. Para ter hepatite D, a pessoa tem que ter a hepatite B. Duas formas de contaminação: (1) co-infecção: paciente pega simultaneamente hepatite B e D, com risco muito grande de fazer hepatite fulminante e (2) superinfecção: paciente já tinha hepatite B e depois pega a D (delta). Prevalente na Amazônia. Contaminação sexual, parenteral e vertical. Vírus E: contaminação igual à da hepatite A, mas não é comum no Brasil – paciente foi viajar para regiões como África, Ásia e Argentina, contraiu o vírus e retornou ao Brasil. Incubação de 2-3 semanas. Só tem importante quando acomete gestantes no 3º trimestre da gravidez (aumenta a morbimortalidade e a chance de fazer hepatite fulminante). Forma clínica da doença hepática viral: (1) forma clássica ou ictérica: pródromo de astenia, anorexia, febre, náuseas, icterícia, colúria, acolia, dor abdominal; (2) assintomática: grande parte dos casos; (3) oligossintomática: ou atípica; com sintomas inespecíficos, apenas náuseas e febre, confundido com virose. Nesse caso o paciente pode ter apenas pródromos, quadro parecido com IVAS ou GECA (principalmente na hepatite A). O paciente vai ter sintomas de IVAS ou GECA porque o vírus A é da mesma classe dos rinovírus e enterovírus – se nós temos esse vírus da mesma família, acaba acontecendo que os sintomas podem sobrepor. Na forma oligossintomática não há icterícia; e (4) fulminante: diminuição do nível de consciência (encefalopatia hepática), podendo chegar ao coma. Além disso, esses pacientes têm piora da função hepática – icterícia vai aumentando, piorando e episódios hemorrágicos (por alteração dos fatores de coagulação). Por que o paciente faz essas variadas formas de manifestações clínicas? Depende do sistema imune de cada individuo, da carga viral e da agressividade do vírus. Ao longo dos sinusoides que fluem para a veia centro lobular, estão os hepatócitos (no lobo hepático) – eles estão dispostos em uma única lâmina ao longo dos sinusoides para que haja troca metabólica facilitada. Nós temos também, no espaço de Disse (entre o hepatócito e o sinusoide), a célula de Kupffer (fagocitose e produção de citocinas) e as células estreladas (células de Ito – produtoras de colágeno, mais importantes na hepatite crônica e na cirrose). Quando temos uma hepatite viral, o vírus hepatotrópico vai infectar o hepatócito e nisso, as células de Kupffer detectam essa invasão, liberam citocinas inflamatórias e ocorre uma migração de células de defesa para o local (leucócitos e linfócitos). Os linfócitos pensam “tem algo estranho dentro do hepatócito” e, daí, nosso sistema imune destrói o hepatócito. Se nossa imunidade for normal, haverá destruição apenas dos hepatócitos infectados (necrose) e a região fica substituída por células inflamatórias. Assim, as hepatites agudas virais são um processo necro-inflamatório. Essa necrose, se for em quantidade razoável, deixa o paciente um pouco ictérico, mas não traz grandes problemas. Se o paciente tem imunidade alterada, principalmente se a imunidade for excessiva, o seu sistema de defesa vai destruir todos os hepatócitos, fazendo uma necrose maciça, resultando em hepatite fulminante – assim, quem faz esse tipo de hepatite é o indivíduo com sistema imune 4º PERÍODO TAYNARA LOPES GASTROENTEROLOGIA 167 exacerbado; o paciente perde toda a função hepática, precisando de transplante. O paciente assintomático/oligossintomático tem um sistema imune meio indolente, não tão ativo, levando a uma lesão mais arrastada/crônica ou vai matando o vírus aos poucos. Não é o vírus que faz a lesão e a inflamação, mas sim nosso sistema imunológico! Quais complicações podem acontecer no paciente que faz hepatite aguda? (1) Imediatas: acontecem na fase aguda da doença: hepatite fulminante, glomerulonefrite, artrite, plaquetopenia, síndrome hemolítica urêmica; (2) a longo prazo: hepatite A e E se curam a partir da fase aguda; hepatite B e C são as mais importantes – a hepatite C tem grande chance de cronificar, (os pacientes com essa doença têm 70-80% de chance de cronificar) e a hepatite B tem 5-10% de chance de cronificar. A cronificação é para cirrose ou hepatocarcinoma. Investigação: antes da sorologia pede-se exame de prova de função hepática: AST/ALT, ɣ- GT, FA, TAP, albumina, bilirrubina. AST é uma enzima mitocondrial, podendo aumentar em qualquer lise celular. ALT está em concentração maior no hepatócito, em seu citoplasma. AS aminotransferases na hepatite aguda ficam aumentadas 10x acima do valor de referência ou > 500. Na hepatite por vírus há maior aumento da ALT – o vírus é hepatotrópico, afeta o fígado e como a ALT é mais específica do fígado, ela tem que estar aumentada. Hepatite por álcool aumenta mais AST que ALT. ɣ-GT vai estar aumentada. FA nem sempre vai estar aumentada – pode