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Dermeval Saviani e a pedagogia histórico-crítica: implicações para A EDUCAÇÃO BRASILEIRA Denise de Oliveira Alves1 Miliane Nogueira Magalhães Benício2 Introdução Dermeval Saviani insere-se na linha de frente de educadores para os quais a educação é também uma forma de ação político-social. Seu pensamento ilumina nossas reflexões educacionais e favorece o discernimento da dimensão de um verdadeiro projeto educacional, capaz de transformar a lógica de organização de nossas escolas. Para entender o ideário de uma escola democrática e de qualidade para todos é preciso uma nova concepção de homem, sociedade, educação, conhecimento; concepção que pode ser apreendida dos postulados de sua pedagogia histórico-crítica, mais especificamente quando mostra aos educadores a viabilidade de superar a crítica reprodutora da situação vigente e construir uma educação voltada aos interesses da maioria da sociedade brasileira, explorada pela classe dominante. Concorreram para a elaboração da pedagogia histórico-crítica, dentre outros fatores, o contexto de embate ideológico entre ideias liberais do capitalismo e ideias progressistas do socialismo, bem como a americanização do mundo e as discussões teóricas tanto na educação como na sociologia e na filosofia, marcadas por clima de profundo pessimismo e aprisionamento da educação e da escola como instrumentos capazes de contribuir para uma 1 Doutoranda em Educação pela Universidade de Brasília - UnB. Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Atualmente é pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicologia e Educação - GRUPPE e professora no curso de Pedagogia do Centro Universitário do Planalto Central - UNIPLAN. 2 Mestre e doutoranda em Educação pela Universidade de Brasília. Professora no curso de Pedagogia na mesma universidade. Pesquisadora do Projeto Pontes (entre a pesquisa acadêmica de Sociolinguística educacional e a formação de professores) que investiga o processo de familiarização de professores em formação com os estudos de sociolinguística de viés educacional, de modo a promover o empoderamento desses profissionais. efetiva democratização dos bens culturais produzidos pela humanidade. Tais condições concretas, historicamente construídas e, ao mesmo tempo, impostas aos homens e mulheres das décadas de 1960 a 1980, entre eles nosso pensador Saviani, configuram-se num terreno fértil para o nascedouro de uma aguda crítica dirigida às teorias pedagógicas crítico-reprodutivistas que tiveram o seu auge nas décadas de 1970 e 1980. As teorias crítico-reprodutivistas, embora reconheçam os condicionantes sociais da educação, entendem que a sua função é reproduzir a sociedade em que ela se insere, o que acabou contribuindo para criar um clima de desesperança entre os educadores que se sentiram reféns de um fazer sempre a favor do status quo. Porém tiveram a sua positividade no momento em que, a partir da Problematização de seus fundamentos, começou a ser sistematizada uma nova proposta político-pedagógica, a pedagogia histórico-crítica, que reposicionou a educação no processo de transformação e reinvenção da sociedade. A pedagogia histórico-crítica tem sua base epistemo-filosófica no materialismo histórico e, portanto, busca captar o movimento objetivo do processo histórico e compreende a questão educacional com base no desenvolvimento histórico objetivo. Desse modo, quando o homem transforma o mundo é por este transformado, naturalizando processos, hábitos, atitudes, habilidades, símbolos, valores, ideias, conceitos que vão engendrando práticas de criação e reinvenção desse próprio mundo. Logo, a escola pode se reinventar de modo a tomar-se um lugar para todos e não um bem reservado a alguns. O contributo da teoria de Saviani para melhorar a educação em nosso país pode ser mais bem compreendido, na atualidade histórica, quando se procura equacionar o problema da exclusão social e educacional no contexto da implementação de políticas que assegurem a promoção e proteção do direito à educação. Podemos dizer que estamos a viver uma fase inédita no cenário educacional brasileiro e mundial quando se busca desenvolver, de forma nunca vista antes, um processo de inclusão social e educacional pautado no acolhimento e na relação respeitosa para com as diferenças e a diversidade humana. Vários autores, ao referirem-se a uma educação para todos, traduzem a dimensão de um projeto visionário, definidor de uma profunda transformação na lógica que fundamenta e organiza o trabalho pedagógico. Eizirick (2005) utiliza a guerra como metáfora para defender a ideia de ser a inclusão um processo complexo, difícil e doloroso e demandar a “gestação 230 | Desafios Contemporâneos: Qualidade Social e Conteúdo de uma mentalidade inclusiva”; em Mantoan (2007) encontramos a ideia do andar no fio da navalha para expressar o embate, a resistência, a ruptura epistemológica inerente à proposição de uma escola que assegure acesso, participação, aprendizagem e fluxo escolar para todos os estudantes; ainda, Forest e Lusthaus (1987), pesquisadores canadenses, utilizam o caleidoscópio como metáfora para a inclusão: “O caleidoscópio precisa de todos os pedaços que o compõem. Quando se retiram pedaços dele, o desenho se toma menos complexo, menos rico. As crianças se desenvolvem, aprendem e evoluem melhor em um ambiente rico e variado” (FOREST e LUSTHAUS 1987, p. 6). É, pois, no mote da inclusão que o pensamento de Saviani se vê reeditado e sua profunda e rigorosa reflexão a respeito da função social da escola adquire essencialidade epistemológica. A maior riqueza heurística de seus postulados é resumida por ele em entrevista concedida as autoras desse texto3, ao afirmar: A Pedagogia histórico-crítica é claramente uma teoria contra-hegemônica. Penso que ela desempenha, em relação à educação, papel análogo à teoria elaborada por Marx. Assim como Marx esperava que sua teoria da sociedade pudesse servir como uma arma nas mãos do proletariado em sua luta para instaurar outra forma social, também espero que a pedagogia histórico- crítica sirva como uma arma nas mãos dos trabalhadores para instaurar relações educativas que correspondam às suas necessidades e aspirações. (SAVIANI, 2011a, p.3). Saviani põe em cheque o papel da escola nos moldes em que se encontra e desenvolve uma crítica rigorosa em relação à lógica que está subjacente a organização do trabalho pedagógico. Seu horizonte é a superação da divisão da sociedade em classes e a consequente “reconciliação da humanidade consigo mesma”, pois à escola cabe garantir também aos trabalhadores e aos filhos destes o acesso e o domínio do saber sistematizado, uma vez que “ (...) o acesso à cultura erudita possibilita a apropriação de novas formas por meio das quais se podem expressar os próprios conteúdos do saber popular”. (SAVIANI, 2011b, p. 20) É por pleitear lugar legítimo também para a cultura dos filhos da marginalidade, que o desafio de pensar e fazer uma educação de qualidade para todos tem ocupado a vida desse pensador contemporâneo, cujas ideias- Denise de Oliveira Alves, Miliane Nogueira Magalhães Benício | 231 3 Entrevista não publicada, concedida via email à Denise de Oliveira Alves e Miliane Nogueira Benício, alunas do Doutorado em Educação da UnB - 02 de novembro de 2011. chave discutimos neste artigo. Espera-se avançar na compreensão de seu pensamento para o enfrentamento dos velhos e sempre atuais desafios que envolvem a multifacetada e contraditória realidade educacional brasileira. É interessante registrar que o pensamento de Dermeval Saviani é apresentado, neste artigo, tomando como referência duas entrevistas concedidas por ele a alunas do curso de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Brasília, o que justifica a ausência de citações de outrasfontes para grande parte das ideias aqui desenvolvidas. Uma das entrevistas, foi realizada pelas autoras (primeira quinzena de novembro de 2011), por meio eletrônico. A outra foi concedida por ele a duas colegas de doutorado no Fórum Internacional de Políticas Públicas de Educação na América Latina, realizado em novembro de 20104. Para facilitar a compreensão do leitor, todas as citações literais das palavras de nosso entrevistado são colocadas em itálico, tanto no corpo do texto como nas citações recuadas. 2 alguns referentes biográficos para melhor entender o “ponto de vista” Todo ponto de vista é a vista de um ponto. (...) A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o lugar social de quem olha. Vale dizer: como alguém vive, com quem convive, que experiências tem, que desejos o alimenta, como assume os dramas da vida e da morte e que esperanças o animam. (BOFF, 1997, p. 9) “Todo ponto de vista é a vista de um ponto” é um fragmento do livro A Águia e a Galinha, que, ao desejo do autor, o teólogo e filósofo Leonardo Boff, é para ser lido e compreendido como uma “metáfora da condição humana”. De fato, ele pode ser assim entendido! Mostra-nos duas dimensões da existência humana que, em diferentes momentos da vida, estão imbricadas, em embate permanente, evidenciando nossos conflitos, fragilidades, contradições e, fundamentalmente, os espaços de resistência possíveis para que, mesmo em meio a condições materiais adversas, possamos nos construir em oposição a valores hegemônicos que, como numa parede de fumaça, ofuscam nosso olhar e por vezes parecem nos roubar o desejo de sonhar e a crença de que a mudança é possível. 232 | Desafios Contemporâneos: Qualidade Social e Conteúdo 4 Expressamos nosso agradecimento ao professor Dermeval Saviani que, em meio a uma agenda intensa de trabalho, foi sensível a nossa solicitação e mesmo considerando ter-nos respondido “telegraficamente” prestou-nos uma grande contribuição. Também agradecemos às colegas Simone Gontijo e Elisângela Dias que gentilmente nos forneceram a entrevista por elas realizada e ao professor Célio da Cunha, que incentivou-nos e orientou na elaboração do roteiro da entrevista. Assim, ao procurarmos entender o pensamento de Dermeval Saviani e suas implicações para a educação no Brasil, procuramos fazê-lo a partir de um posicionamento deste no mundo concreto, historicamente feito e, como não poderia deixar de ser, idiossincraticamente lido pelas autoras. Para conhecer um pensador, entender suas ideias sem praticar reducionismos tão comuns no meio acadêmico, é fundamental ouvirmos a sua história de vida, olhar o seu “álbum de infância”, os retratos de sua família, saber sobre as condições das estradas por onde passou, sobre as intempéries e calmarias. Isso porque nossas ideias, crenças e produções materiais e simbólicas são forjadas na feitura histórica de cada um, na sua relação com o outro e com o mundo, como defendem os materialistas históricos, com cujas ideias nos identificamos. Para Severino (1994), o traço fundamental da obra de Saviani é o seu caráter de “solidária militância” e o seu “pensar generoso”, melhor compreendido por quem, como ele, teve o privilégio de conviver de perto com a pessoa de Saviani, conhecer o caminho por ele trilhado na vida anterior à acadêmica, repleto de limitações relacionadas à pobreza e que deixou marcas profundas em seu pensamento. Talvez se possa afirmar que por esses caminhos íngremes estejam plantadas as raízes de seu pensamento, a elaboração de uma teoria pedagógica crítica, transformadora, comprometida, em especial com os filhos da classe trabalhadora e, sobretudo, sensata, capaz de reconhecer, em virtude da coerência teórica, o que de bom os diferentes homens e mulheres, de diferentes épocas, construíram5. Sua leitura marxista otimista do homem e do seu fazer, seu olhar criterioso, mas justo e respeitoso em relação ao ser humano, com o poder de transformar-se a si próprio e ao mundo, carrega os elementos estruturantes de sua proposta pedagógica esperançosa e exequível, capaz de levar a escola a romper com as próprias amarras e transcendê-las para se refazer e se colocar a serviço de todos, reconhecendo, desse modo, o seu caráter contraditório. O entrelaçamento do passado com o presente, da obra do pensador com a sua história de vida fica muito claro em vários momentos nas formulações conceituais de Saviani. Ao afirmar, por exemplo, que “(...) com tempo e ambiente de estudo é possível a qualquer criança aprender, ainda que sem Denise de Oliveira Alves, Miliane Nogueira Magalhães Benício | 233 5 Saviani não nega os conhecimentos acumulados pelas diferentes correntes teóricas pedagógicas, da tradicional confessional às crítico-reprodutivistas; ao contrário, busca dominá-los e internalizá- los, superando os seus limites, incorporando-as para então transcendê-las. (SAVIANI, 2011b e 2010). orientação alguma além daquela dispensada coletivamente no horário das aulas” (GONTIJO & DIAS, 2010), Saviani invoca a experiência vivida por ele no seminário, onde a disciplina era rígida e, para cada três horas de aula, correspondiam cinco horas de estudos. Nessa condição, embora os alunos fossem recrutados nos mais diferentes lugares e tivessem pouca ou nenhuma escolaridade prévia, conseguiam aprender, sendo praticamente inexistentes a repetência e a evasão. O autor recupera essa sua experiência para confrontar práticas como as desenvolvidas nos Centros Integrados de Educação Pública (Cieps) e nos Centros de Atenção Integral à criança (Caics), que, segundo ele, almejam combater a evasão e repetência, com escolas de tempo integral, mas utilizam esse tempo para assistência social e recreação, descuidando-se do tempo necessário ao trabalho pedagógico. Para Saviani, sem tempo e ambiente de estudo as crianças não podem aprender e se essa obviedade fosse incorporada pelas escolas de tempo integral aliada a uma adequada orientação pedagógica, problemas como evasão e repetência deixariam de existir. Em entrevista concedida a Gontijo e Gomes, Saviani diz considerar que sua infância de menino pobre o identifica com os filhos da maioria da população que habita este país. Nosso emérito pensador, o “maquininha”, como era chamado por seus colegas de peladas de rua pela rapidez com que se desvencilhava das guaxumas, driblando e conduzindo a bola até o gol do adversário, nasceu em 25 de dezembro de 1943, em uma fazenda situada em Santo Antonio da Posse, no interior do Estado de São Paulo, vindo a ser registrado em 03 de fevereiro de 1944. Seu pai jamais frequentou os bancos escolares, embora tenha conseguido se alfabetizar, com a ajuda de seu avô e se tomar, mais tarde, o “alfabetizador” de sua esposa (mãe de Saviani) e de muitas outras pessoas que desejavam aprender a ler e escrever, as quais ele reunia, após sua jornada de trabalho na roça, e transmitia-lhes o que sabia como conta o próprio Saviani na sua autobiografia (FACULDADE DE EDUCAÇÃO DA UNICAMP, 2011). Em suas lembranças da infância, Saviani traz a memória de doenças e do desespero de sua mãe diante da ameaça da mortalidade infantil, pois ela perdeu a primeira filha e também aquele que seria o quinto. Lembra-se da situação de penúria em que saía, com sua família, a margem da estrada de ferro catando serralho para compor a alimentação familiar. As limitações da vida na roça, que dificultavam a sobrevivência da família, obrigaram seus pais a se transferirem, em 1948, com a família, para a capital São Paulo, onde seu pai empregou-se de foguista de caldeira na indústria 234 I Desafios Contemporâneos: Qualidade Social e Conteúdo e seus irmãos se tomaram operários nas fábricas. Nesse período, o menino e o jovem Saviani assistiu o engajamento do pai e dos irmãos nos movimentos sindicais, embaladospelas ideias socialistas de igualdade para todos, que mais tarde orientarão o pensamento militante e generoso desse pensador como disse Severino (1994). Saviani fez o “curso primário” no período de 1951 a 1954, em uma escola que era um galpão de madeira na periferia de São Paulo. Em 1955 iniciou o curso de admissão no “Ginásio”, equivalente ao 5o, ao 6o. 8o. e 9o. anos do ensino fundamental, em uma paróquia em São Paulo, mas no mesmo ano seguiu com o vigário daquela paróquia para Cuiabá - Mato Grosso, onde realizou o curso ginasial, revelando-se um aluno aplicado e dedicado, sendo classificado, a cada mês em primeiro lugar. A experiência de Mato Grosso revestiu-se de um sentido contraditório para Saviani. Por um lado a violência da ruptura bruta com tudo o que lhe era familiar, por outro, a riqueza de novas vivências, costumes, lugares, linguagens e até etnias que essa experiência propiciou. Após ter ficado três anos e três meses sem rever seus pais e irmãos, ele conseguiu uma licença de doze dias para visitá-los. Quando ia do aeroporto para a casa em São Paulo, olhava as paisagens, as ruas, os prédios e se perguntava sem encontrar respostas: estou chegando em casa ou estou saindo? É aqui ou é lá o meu lugar? Essa sensação de desenraizamento se agravou quando Saviani chegou a casa e percebeu que nada mais lhe era familiar, tudo estava muito diferente a ponto de ter a sensação de que, se tivesse encontrado com um de seus irmãos na rua, não o teria reconhecido. Certamente que nosso pensador não passou imune a tantos atravessamentos de sentidos e sobre as marcas indeléveis deixadas por essas vivências como ele diz: A violência da ruptura foi sentida como se eu tivesse sido arrancado, com apenas onze anos de idade de meu habitat, projetado nas nuvens e depositado em um lugar totalmente desconhecido. As dores da separação eu as sentia fisicamente e desejava ou acreditava estar doente, imaginando que assim poderiam me mandar de volta para casa. (GONTIJO & DIAS, 2010). Em um exercício de reflexividade Saviani avalia que talvez tenha a ver com essa experiência algumas características suas, como a auto-suficiência e a indiferença pelos lugares: tanto faz estar aqui ou estar lá, me adapto a qualquer lugar sem me ligar efetivamente a nenhum. Tal sentimento pode Denise de Oliveira Alves, Miliane Nogueira Magalhães Benício | 235 ser tomado para ilustrar a dimensão em que a apropriação desta ou daquela cultura impacta na identidade e sentimento de pertença do sujeito. Na pedagogia histórico-crítica, a importância do ensino da cultura letrada aparece como fio condutor, “razão de ser da escola”. Em entrevista, Saviani retoma reflexões de sua obra Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações e deixa clara a preocupação com a preservação da cultura popular: Como registrei no livro Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações, “o acesso à cultura erudita possibilita a apropriação de novas formas por meio das quais se podem expressar os próprios conteúdos do saber popular”, E acrescento: “Cabe, pois, não perder de vista o caráter derivado da cultura erudita em relação à cultura popular, cuja primazia não é destronada”. Mostro, em seguida, que “a restrição do acesso à cultura erudita conferirá àqueles que dela se apropriam uma situação de privilégio, uma vez que o aspecto popular não lhes è estranho Concluo, então: “A recíproca, porém, não é verdadeira: os membros da população marginalizados da cultura letrada tenderão a encará-la como uma potência estranha que os desarma e domina. (SAVIANI, 201 la, p. 5). Nessa mesma direção Kleiman (2001, p. 224), ao refletir sobre o processo de aculturação pela escrita, esclarece que a apropriação desta implica diretamente na construção da identidade, pois “envolve uma mudança e uma reorganização de práticas e sistemas de conhecimentos, valores e crenças do aluno, que não podem ser ignorados”, logo implica na condição do sujeito e o lugar que ocupa no seu grupo e/ou comunidade. Assim foi com o menino Saviani, poderia ter dito Kleiman se tivesse conhecido a sua história e as dores e sentimentos contraditórios que o assolaram ao ser afastado de sua família e também ao regressar após três anos à casa dos pais. Vejamos, então, como o aprofundamento na cultura letrada e as experiências vividas pelo jovem docente e acadêmico Saviani vão delineando caminhos sem volta. 2.1 Trajetória acadêmica, áreas de pesquisa e produção Acompanhar a trajetória acadêmica de Saviani, para Vidal (2011) “(...) é, de certo modo, acompanhar a própria constituição do campo da história da educação no Brasil nas últimas quatro décadas” (p. 17). Isso por que seu nome figura entre os pensadores de maior importância para o pensamento pedagógico brasileiro na contemporaneidade. 236 | Desafios Contemporâneos: Qualidade Social e Conteúdo Saviani iniciou sua carreira acadêmica como docente universitário, em 1966, aos vinte e três anos de idade, imediatamente ao concluir sua formação em Filosofia, vindo a assumir a cadeira de Filosofia da Educação, inicialmente como monitor, e em 1967 iniciando oficialmente sua atividade docente, simultaneamente no curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e no ensino médio, ministrando a disciplina de Filosofia, em ambos os casos. Como docente desenvolveu o hábito de escrever ele próprio o material para os seus alunos, mesmo porque na época não havia grande produção bibliográfica sobre filosofia da educação brasileira ou mesmo sobre a história da educação brasileira, áreas para as quais contribuiu significativamente, como informa Vidal (idem). Em 1968 inscreveu-se para o doutorado. Nessa ocasião, sua primeira ideia era desenvolver um trabalho sobre os fundamentos para um sistema de educação no Brasil, mas ao começar sua investigação constatou que o Brasil não tinha um sistema de educação, o que fez com que redimensionasse seu trabalho. Ao invés de investigar a organização do sistema nacional de educação no Brasil, passou a pesquisar se existia, ou não, um sistema nacional de educação no Brasil e em 1971, aos vinte e oito anos de idade, doutorou-se em Filosofia da Educação pela PUC/SP. O interesse na discussão sobre política e legislação educacional acompanhou o pesquisador durante toda a sua trajetória acadêmica, tendo produzido vários trabalhos defendendo a necessidade de desenvolver um sistema nacional de educação no Brasil6, vindo inclusive a intervir na elaboração da segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei 9394/96, o que culminou, em 1997 com a publicação da obra: A nova lei da educação: trajetória, limites e perspectivas. Ainda para Vidal, “Saviani esteve à proa de movimentos que permitiram configurar a comunidade dos historiadores brasileiros da educação e rearticular interesses de pesquisa na arena educacional” (p. 17). Isso pode ser evidenciado, segundo a autora, particularmente em três momentos: nos anos 1970, quando integrou equipes e liderou processos de criação de Programas de Pós-Graduação em Educação em instituições de prestígio7; em meados da Denise de Oliveira Alves, Miliane Nogueira Magalhães Benício \ 237 6 Devido a seu envolvimento com o tema Dermeval Saviani foi convidado a participar, em março de 2010, da Conferência Nacional de Educação, cujo tema central era “a construção de um sistema nacional de educação”. Para a conferência o professor organizou e apresentou um texto que trouxe como título: Sistema Nacional de Educação articulado ao Plano Nacional de Educação, disponível no endereço: <http://www.scielo.br/>. Acesso em 10 novembro 2011. 7 Entre essas instituições estavam: PUC de São Paulo - Metodista de Piracicaba - Federal de São Paulo e Estadual de Campinas. Era exatamente o momento em que começavam a surgir os Programas de Pós-Graduação em Educação.década de 1980, partilhando de preocupações que começavam a atravessar a investigação em história da educação, quando manifestou vivo interesse pelo levantamento e catalogação de fontes documentais e propôs a organização de um grupo de pesquisa em âmbito nacional e, na segunda metade da década de 1990, quando se engajou intensamente no movimento que deu origem a Sociedade Brasileira de História da Educação - SBHE, ocupando o lugar de seu primeiro presidente. Fato curioso é que a sistematização e o delineamento da pedagogia histórico-crítica começa a ganhar corpo quando Saviani estabelece vínculo com instituições educacionais fora do Brasil, especialmente depois do seu estágio de pesquisa em Paris (1977), em Roma (1978), de um intercâmbio acadêmico na Alemanha (1979) e de sua atuação como orientador de doutorado na PUC-SP. Foi a partir de 1979 que as formulações teóricas de Saviani começaram a apontar para uma diferenciação entre as concepções crítico- reprodutivistas e as concepções dialéticas, até então vistas como sinônimas. Parece que o visitar “lá fora”, permitiu-lhe aproximar-se de distintos modos de ver as mesmas questões, fato que pode lhe ter provocado a refletir mais profunda e criticamente sobre a problemática educacional brasileira e ter- lhe feito avançar na proposição de uma teoria alternativa às teorias crítico- reprodutivistas. Assim, foi a partir de 1977, em virtude da insuficiência das teorias crítico-reprodutivistas em dar conta do caráter contraditório da educação, o que provocou uma estagnação na prática pedagógica, que Saviani propôs os fundamentos epistemo-filosóficos de uma teoria que possibilita a articulação da escola com os anseios populares de transformar a realidade: a pedagogia histórico-crítica. 3 A pedagogia histórico-crítica: contexto econômico e político e fundamentos filosóficos Se, por um lado, o século XX e o início do XXI são marcados por profundos avanços científicos e tecnológicos, por outro, na mesma proporção, são marcados por grandes massacres e disputas, sendo o século XX considerado por muitos como o “Século Sangrento”, para usarmos a terminologia do historiador Eric Hobsbawm. Foi nesse século que tivemos a segunda guerra mundial, o conflito que causou mais vítimas em toda a história. Esse foi o contexto em que Saviani nasceu, cresceu, constituiu-se como sujeito, educador, teórico da educação e 238 | Desafios Contemporâneos: Qualidade Social e Conteúdo desenvolveu sua sensibilidade e identificação com os filhos da classe menos favorecida. Desde muito cedo ele optou por uma posição radical contra o sistema socioeconômico capitalista, que coloca milhões na marginalidade, situação que se expande com o grande impulso da globalização. A depressão econômica de 1929, segundo analistas e estudiosos, (FURTADO, 1980; GALBRAITH, 2010; HOBSBAWM, 1995; LOMBARDI, J; SANFELICE, J; & SAVIANI, D, 2002) comprometeu a onda pacifista do Pós-Primeira Guerra que havia estimulado a indústria e a economia. Nesse contexto de crise e decadência do sistema de produção vigente, cresce o ecletismo de ideias, onde o socialismo ganha força e aparece como alternativa, sendo praticado em diversas nações, enquanto em outras, sistemas autoritários, como o fascismo e o nazismo, ascendem ao poder. No Brasil temos, então, a experiência do Estado Novo, sob o comando de Getúlio Vargas, que perdurou de 1937 a 1945. Nesse cenário de disputas, marcadas principalmente por ideias liberais-capitalistas e ideias socialistas, explode a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), que vai desencadear na divisão do mundo em dois grandes blocos: de um lado os Estados Unidos e de outro a URSS, no que ficou conhecido como “Guerra Fria”. Assim, “(...) o mundo se organizou sobre novas bases, destituindo a Europa da posição de eixo do poder mundial e elegendo Washington e Moscou como novos centros, o que reativou o confronto entre capitalismo e socialismo”. (VICENTINO, 1997, p. 391). É, em meio à disputa entre essas duas vertentes ideológicas e o reflexo das mesmas na vida cotidiana que se forma o jovem seminarista Saviani, que assiste a militância do pai e dos irmãos nos movimentos sindicais e participa ativamente dos movimentos estudantis, dedicando-se, com afinco, ao estudo das ideias progressistas, embora estivesse no contexto do seminário. Após a Segunda Guerra Mundial se consolida a polarização do mundo, configurando, pois, a “era de ouro do capitalismo” e a americanização da sociedade, com a inculcação definitiva da ética da competição e do consumismo que vão moldar as relações sociais, desde então. Amplia-se, pois, a lógica da competitividade em detrimento da cooperação, uma vez que foram mal sucedidas as tentativas de organização das nações pela lógica da cooperação, advogada pelo socialismo. É justamente contra essa lógica excludente, de falsa democracia e igualdade, que a pedagogia histórico- crítica de Saviani insurge: Denise de Oliveira Alves, Miliane Nogueira Magalhães Benício | 239 De fato, a sociedade capitalista, centrada nos mecanismos de mercado, se baseia na concorrência e tende, consequentemente, a exacerbar a competição. Em decorrência, a política educacional, sendo acionada pelo Estado que tem por principal função assegurar a manutenção dessa ordem social, é determinada de forma mais ou menos clara, direta ou indiretamente, pelas exigências de competitividade. (...) Poderíamos, pois, falar que existe disseminada na sociedade uma espécie de “ética da competitividade”. (...) se queremos que a educação pública se paute por uma ética da solidariedade, portanto, contraposta à orientação dominante, devemos nos posicionar numa perspectiva contra-hegemônica, isto é, de resistência e de crítica à ordem capitalista buscando pressionar o Estado para orientar a política educacional na direção da superação dessa ordem social. (SAVIANI, 2011a, p. 5). Saviani, ao desejar uma educação pública pautada por uma ética da solidariedade, justifica e demarca o valor da sua teoria, como um posicionar- se numa perspectiva contra-hegemônica, de resistência e de crítica à ordem capitalista, oferecendo aos educadores ferramentas intelectuais e proposições práticas capazes de orientar um fazer na direção da superação dessa ordem. Contesta, dessa maneira, as teorias pedagógicas que marcaram a história da educação brasileira e oferece uma resposta às teorias histórico-críticas fatalistas. Mas de que modo a lógica capitalista de produção contribuiu para a fadiga e contestação de uma cultura pedagógica secular na educação brasileira? No terreno pedagógico convivemos por mais de quatro séculos (1500 a 1920) com uma educação organizada a partir dos legados da pedagogia tradicional confessional e/ou leiga, liberal clássica, para utilizarmos a cronologia e as terminologias de Saviani (2010), legado este que só passou a ser questionado a partir da década de 1920, com o manifesto dos pioneiros nos anos trinta e o impulso da pedagogia nova. A partir daí, o ecletismo que tanto marcou os séculos XX e XXI alcança também a educação. A pedagogia nova desloca o foco, no âmbito educacional, do professor e do conhecimento/conteúdos para os métodos e o aluno e, dessa forma, confronta a pedagogia tradicional que privilegia o conteúdo, e, consequentemente, o ensino e o papel do professor. São duas perspectivas filosóficas que, segundo Saviani (idem) provocaram um intenso debate que perdurou ao longo de quase quarenta anos (1920 a 1969), do qual a pedagogia nova sai vitoriosa alcançando a hegemonia da classe dominante. O movimento da escola nova tende a classificar, segundo Saviani (1987), o método tradicional como “pré-científico e dogmático”, articulando 240 I Desafios Contemporâneos: Qualidade Social e Conteúdo o ensino como “processo” de desenvolvimento da ciência enquanto para o métodotradicional ele estaria articulado com o “produto” da ciência. Assim, o ensino, na escola nova seria considerado como “processo de pesquisa” e os assuntos de que trata seriam “problemas”, assuntos desconhecidos tanto pelos estudantes quanto por seus professores. A caracterização clarifica a distinção do ensino tradicional, já que, nesse, “(...) se impunha a tarefa de transmitir os conhecimentos obtidos (pela ciência) e, portanto, já compendiados, sistematizados e incorporados ao acervo cultural da humanidade”, (idem, p. 30). Essa argumentação é contraposta por Saviani que, coerente com o seu ideário de democratização do ensino, defende o método tradicional, em sua especificidade de transmissão e difusão do conhecimento: [...] para se conduzir uma multidão de homens a pensar coerentemente, é necessário difundir criticamente verdades já descobertas, é necessário, em suma, elevar as camadas populares do nível do senso comum à consciência filosófica. Isso significa, continua Saviani, “(...) passar do senso comum à consciência filosófica significa passar de uma concepção fragmentária, incoerente, desarticulada, implícita, degradada, mecânica, passiva e simplista e uma concepção unitária, coerente, articulada, explícita, original, intencional, ativa e cultivada, (id, ibd, p. 35). Ao expressar essa sua concepção, que vem a ser o mote de sua pedagogia histórico-crítica Saviani não diferencia a educação básica do ensino superior. Para ele, também o ensino enquanto transmissão de conhecimentos é constituinte da função primordial nessa etapa de ensino, “(...) caso se queira decididamente colocar a universidade a serviço do desenvolvimento nacional e regional”, (1987, p. 34). Saviani reclama que, para o desenvolvimento nacional, seria necessário uma rigorosa revisão curricular da universidade de modo a formar não apenas o pesquisador militante, mas também o pesquisador com um bom domínio do conhecimento acumulado, na mesma medida com domínio das questões metodológicas relacionadas ao fazer científico, com foco na realidade concreta brasileira. Ainda no aprofundamento dessa discussão Saviani traça um paralelo interessante e elucidador de sua ênfase na transmissão de conhecimentos mesmo no ensino superior: Na forma reificada da relação da universidade e educação, a universidade manter-se-á alheia à educação popular; (...) já na sua forma humanizada, a educação ocupará lugar central no âmbito da universidade. A formulação da pergunta: como é produzida a educação?, se constituiria num vasto programa de tarefas que a universidade passaria a cumprir com toda a Denise de Oliveira Alves, Miliane Nogueira Magalhães Benício | 241 seriedade, começando a desvendar o modo concreto pelo qual a educação se vincula à sociedade, (idem, p. 39). Outras perspectivas que podem ser registradas nesse contexto são a penetração e a consolidação da pedagogia tecnicista na educação, desde a educação básica ao ensino superior a partir da década de 1970. Essa teoria pedagógica, segundo Saviani (2010) advoga o princípio da neutralidade científica e busca tomar o processo educativo objetivo e operacional, a exemplo do funcionamento do sistema fabril. Nessas condições, a orientação tecnicista no trabalho pedagógico se coaduna com as práticas tradicionais predominantes nas escolas bem como com a influência da escola nova, acabando por “(...) contribuir para aumentar o caos no campo educativo, gerando tal nível de descontinuidade, de heterogeneidade e de fragmentação que praticamente inviabiliza o trabalho pedagógico”, (SAVIANI, 2010, p. 383- 384). Foi, pois, nesse cenário caracterizado por uma profunda descrença na possibilidade de se fazer uma revolução social pela revolução cultural, que as teorias crítico-reprodutivistas de Boudelot e Establet, a escola dualista de Bordieu e Passeron (Educação como violência simbólica) e de Althusser (Escola como Aparelho Ideológico do Estado) ganham corpo, representando uma possibilidade de confrontar o autoritarismo da pedagogia tecnicista e seu objetivo precípuo de manter a ordem social vigente, adequando a educação às exigências da sociedade industrial e tecnológica. Ao dizer de Saviani, essas teorias Crítico-reprodutivistas “(...) alimentam reflexões e análises daqueles que em nosso país se colocavam na oposição à pedagogia oficial e à política educacional dominante” (2011b. p.58). Contudo, a elas escapava o caráter contraditório próprio dos processos históricos e, portanto, lhes faltava elementos para a formulação de uma proposta de intervenção prática. Foi no livro Ação cultural para a liberdade, de Paulo Freire, que Saviani pôde enfim encontrar elementos de uma dialética do concreto, pois Freire explicita a luta de classes como Baudelot e Establet, Bourdieu e Passeron, e Althusser, mas põe em destaque a revolução, a ação cultural como um trabalho que precede a mudança da estrutura social, inspirado na experiência marxista maoísta. (SAVIANI, 2010). Esta era a ideia que faltava para que essa dialética do concreto fosse empregada na análise do contexto 242 | Desafios Contemporâneos: Qualidade Social e Conteúdo educacional, tomando possível lançar luzes sobre o caráter contraditório, essência do ato educativo, tão bem apontado por Saviani na sua teoria histórico-crítica. É nesse sentido que, ao buscar captar o movimento objetivo do processo histórico e levar às últimas consequências o conceito de contradição do materialismo histórico, Saviani preencheu uma lacuna no pensamento pedagógico brasileiro, possibilitando se pensar propostas práticas exequíveis. 4 Reflexões finais: implicações teórico-práticas que advêm da adoção do pensamento de Saviani Ancorada no materialismo histórico de Marx, aos moldes maoista, a pedagogia histórico-crítica de Saviani entende o homem como um ser ativo, capaz de conhecer, produzir sua própria realidade e intervir na situação para aceitar, rejeitar ou transformá-la. Ao transformar a natureza, criando o mundo humano, o mundo da cultura, o mundo social, o homem produz a sua própria existência por meio do trabalho, ação adequada a uma intencionalidade. Essa compreensão do homem nos remete à finalidade da educação, entendida aqui como uma forma de trabalho, já que por meio dela o homem transforma a natureza e a si mesmo; um trabalho não material, mas um processo de trabalho em si próprio. Assim, cabe à educação, na perspectiva da pedagogia histórico-crítica, promover o homem, tomá-lo capaz de conhecer os elementos de sua situação para intervir nela transformando-a no sentido de uma ampliação da liberdade, da comunicação e da colaboração entre os homens. É nesse sentido que a proposta da pedagogia histórico-crítica delineia quatro objetivos gerais para a educação: educar para a subsistência; educar para a libertação; educar para a comunicação e educar para a transformação. (SAVIANI, 2009). Esses objetivos, a nosso ver, constituem o maior legado das ideias de Saviani, uma vez que dão visibilidade à dimensão de contra-hegemonia inerente ao seu pensamento. Deles podemos extrair fundamentos filosóficos e epistemológicos de grande fecundidade enquanto indutores de uma nova educação, assentada em princípios democráticos e superadora das desigualdades sociais. Poderíamos dizer, sem sombra de dúvida, que a pedagogia histórico- crítica constitui um arsenal analítico que alimenta a formulação de políticas, o trabalho pedagógico e os novos e renovados estudos que encontram, em seu Denise de Oliveira Alves , Miliane Nogueira Magalhães Benício | 243 pensamento, não só a denúncia das formas disfarçadas de discriminação, mas as diretrizes orientadoras de um novo projeto de escola e de sociedade. O pensamento de Saviani tem sua relevância histórica renovada na atualidade, em cada passo que dá na direção do direito de todos a umaeducação de qualidade e promotora da superação da desigualdade social. Mas os espaços de construção continuam abertos, a depender da capacidade de mobilização de cada educador, de sua habilidade de construção, reconstrução e transgressão, uma espécie de travessia epistemológica contra toda a sorte de formalismos que acabam por legitimar dogmatismos que impedem a busca do novo, da imaginação, da criatividade e mantém a escola e seus professores, via de regra, como meros reprodutores da realidade social ou expectadores passivos da mesma. Que as reflexões e inquietações aqui socializadas possam instigar mais e mais educadores a refletirem sobre a relevância epistemológica e o caráter emancipatório subjacente ao pensamento de Saviani. Referências BOFF, L. A águia e a galinha: a metáfora da condição humana. 40. ed. 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