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A HUMANIDADE E O ESTADO DE NATUREZA CONTEMPORÂNEO Willana Silveira dos Santos Objetivo • O artigo tem por objetivo promover a reflexão sobre a humanidade da sociedade contemporânea, tomando como base vários acontecimentos espantosos ao longo da história da humanidade e fazendo uma correlação com o estado de natureza proposto pelo filósofo inglês Thomas Hobbes. Bellum omnium contra omnes Thomas Hobbes “A vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta. Há um constante temor e perigo de morte violenta.” (RACHELS, 2013, p. 87) • Segundo Hobbes, se dois homens desejarem a mesma coisa, se tornarão inimigos e farão qualquer coisa para destruir o outro e conseguir para si o que deseja. • Os homens não sentem prazer na companhia de outros homens; na verdade eles se suportam, pois estar junto cria um enorme desprazer. • Define então o estado de natureza, como tempo de guerra. A força e a fraude são as virtudes humanas no estado de natureza. Portanto, o homem é egoísta, egocêntrico, inseguro, não reconhece a lei, não tem conceito de justiça e faz o seu próprio governo com a finalidade de suprir suas paixões e desejos. O bom selvagem Jean-Jacques Rousseau “A maioria de nossos males é obra nossa e (...) os teríamos evitado quase todos conservando a maneira de viver simples, uniforme e solitária que nos era prescrita pela natureza" (ROUSSEAU, p. 152). • Para Rousseau, o estado de natureza não caracteriza um período da história humana marcado por perigos a serem removidos pela constituição da sociedade civil. • Rousseau, ao contrário, atribui ao homem características positivas a ponto de ser chamado de “o filósofo do bom selvagem” • Virtual ausência de grupamentos humanos, ou seja, da vida em comunidade – já que era um período marcado pelo isolamento dos indivíduos, quebrando apenas para efeitos de reprodução. • Para Rousseau, o estado de natureza é um cenário bastante favorável à sobrevivência humana, habitado por homens essencialmente bons que acabam sendo empurrados para uma vida em coletividade que os corrompe devido à consequências negativas que consequentemente surgem da convivência social. • A vida em sociedade implica mudanças que pervertem o comportamento humano para adequá-lo ao novo contexto marcado pela desigualdade, pelo egocentrismo, pelas paixões que tendem a se exacerbar e pela competição que frequentemente é a percussora da violência. Mas afinal, como foi que o ser humano se tornou no que é hoje em dia? “Humanidade: 1. O conjunto dos homens; 2. Natureza humana; 3. Gênero humano; 4. Bondade; 5. Benevolência, compaixão; 6. Conjunto de estudos que inclui, em geral, a gramática, a poesia, a literatura e a cultura.” (Dicionário Aurélio) O ser humano tem apresentado tais características, ou, como dizia Aristóteles, esses traços de caráter nas suas ações habituais? • No decorrer da história da humanidade, temos nos deparado com inúmeros acontecimentos apavorantes e, na sua grande maioria, causados pelo ser humano. Diante de tais fatos somos levados a refletir se retornamos ao estado de natureza descrito por Thomas Hobbes. • Por que o conceito de Thomas Hobbes? A humanidade na antropologia contemporânea. “Se estamos continuamente nos fazendo e refazendo, e se a história é esse processo, então temos uma responsabilidade sobre isso. É por isso que eu sempre volto a Marx no seu 18 Brumário [O 18 de Brumário de Luís Bonaparte], com sua famosa frase que diz que os homens fazem a sua história, não em circunstâncias escolhidas por eles próprios, mas nas circunstâncias que lhes foram dadas e transmitidas pelo passado.” (INGOLD, 2014.) • Tim Ingold: a nossa humanidade não é algo dado, mas algo que é continuamente trabalhado – é um processo. Nesse sentido, é possível, dizer que há uma humanidade além do humanismo, ou seja, o ser humano é uma realização, algo que é produzido, feito e trabalhado coletivamente. Conclusão • Estabelecendo-se um paralelo com a filosofia hobbesiana, segundo a qual é indispensável a existência de um contrato entre homens e Estado, a sociedade contemporânea também faz uso de uma espécie de contrato. • A competição ou as causas de discórdias encontradas na natureza humana está associada, ressalta Hobbes, à busca pela riqueza, pela honra e pelo poder. Ou seja, tem em vista alguma forma de ganho, e para tal, os homens se entregam à inimizade e à guerra. Portanto, o caminho percorrido pelo competidor para alcançar seu objetivo é o de matar ou subjugar o seu “adversário”. Encontramo-nos, com certeza, muito próxima a essa definição. • Não é algo conclusivo, pois não é um assunto com materiais escritos no meio acadêmico por se tratar de uma discussão recente, mas apenas um começo de estudo que merece ser aprofundado. • “O Regresso faz uso de elementos do homem x natureza para contar e espelhar uma história que é fundamentalmente sobre um homem vs. homem, ou homem vs. si mesmo. Destrinchando políticas sociais e raciais da época em que os colonizadores invadiam os territórios dos nativos-americanos e lhes roubavam de tudo, O Regresso nos apresenta um mundo em que, não diferente dos outros da filmografia de Inárritu, tirar vantagem própria de uma situação de fraqueza do outro é o que faz do homem o que ele é. Embora se passe largamente num ambiente selvagem, O Regresso nunca é capaz de abandonar a humanidade, talvez para nos dizer que a civilização é uma ilusão, um construto que criamos para disfarçar nossa essencial animalidade. É um filme corajoso, intermitentemente belo, mas integralmente honesto quanto ao seu retrato do mundo e da humanidade, tanto de 1820 quanto os de hoje. As mudanças, de lá para cá, são só de superfície.” Caio Coletti O Regresso (The Revenant, EUA, 2015) Direção: Alejandro González Iñárritu Roteiro: Mark L. Smith, Alejandro González Iñárritu “Coube ao prólogo apresentar a premissa do filme, através de uma encenação teatral em que os animais são expostos no pretérito diegético: “vorazes predadores” contrapostos às “presas fáceis”. Na diegese contemporânea, por outro lado, os animais outrora selvagens e inimigos naturais vão abandonando todos os rótulos para conviverem em uma sociedade harmônica, inclusiva, tolerante, ordeira e pacífica. Ou seja, o roteiro cria um universo diegético com animais antropomorfizados (uma prosopopeia inteligente), civilizados e despidos de discriminações, adotando o que em filosofia política os teóricos humanos (reais) chamam de contrato social – há uma clara premissa contratualista. O estado de natureza é hobbesiano (ruim, vez que havia conflito), mas o pacto é lockeano (de associação, com um soberano que participa e é limitado por ele). Assim, o plot elabora uma grande metáfora cinematográfica para embasar a obra, uma parábola da vida humana em sociedade – os animais agem tal qual a espécie humana.” Diogo Rodrigues Manassés Zootopia (EUA, 2016) Direção: Byron Howard & Rich Moore Roteiro: Jared Bush & Phil Johnston REFERÊNCIAS HOBBES, Thomas. Leviatã. Impressão e acabamento: Gráfica Círculo. Editora Nova Cultural Ltda. 2000. São Paulo. INGOLD, Tim. Estar vivo: ensaios sobre movimento, conhecimento e descrição. Tradução de Fábio Creder. 2015. Petrópolis: Vozes (Coleção Antropologia). MACPHERSON, Crawford Brough. A teoria política do individualismo possessivo, de Hobbes até Locke. Volume 22 da coleção Pensamento Crítico. Editora Paz e Terra. 1979. MAFRA, Clara (inmemorian); BONET, Octavio; VELHO, Otavio; PRADO, Rosane. A antropologia como participante de uma grande conversa para moldar o mundo. Entrevista com Tim Ingold. Sociologia & Antropologia, vol. 4/2. 2014, p. 30-326. RACHELS, James; RACHELS, Stuart. Os elementos da filosofia moral. Tradução e revisão: Delamar José Volpato Dutra. 7ª edição. 2013. Porto Alegre. ROUSSEAU, J. J. Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens. In: Os Pensadores (Rousseau vol.2); tradução: Lourdes Santos Machado. Editora Nova Cultural.1999. São Paulo. http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/07/veiculo-atinge-multidao-em-queima-de- fogos-do-14-de-julho-em-nice.html, acessado em 22 de julho de 2016. http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/06/policia-diz-que-ataque-em-boate-nos-eua- deixou-50-mortos.html, acessado em 22 de julho de 2016. http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/07/policia-atira-em-homem-negro-desarmado- e-rendido-em-miami.html, acessado em 22 de julho de 2016. http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/07/morte-de-dois-negros-por-policiais-provoca- indignacao-nos-eua.html, acessado em 22 de julho de 2016. http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/07/protesto-contra-violencia-policial-deixa-3- agentes-mortos-e-7-feridos-nos-eua.html, acessado em 22 de julho de 2016. http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2016/07/pai-espanca-filho-de-5-anos- porque-ele-demorou-para-ir-comer-e-garoto-morre.html, acessado em 22 de julho de 2016. http://www.oanagrama.com/2016/02/review-o-regresso-nao-cre-na-humanidade.html, acessado em 24 de julho de 2016. http://cinemacomrapadura.com.br/criticas/405298/zootopia-essa-cidade-e-o-bicho-2016- civilizacao-de-animais-sem-preconceitos/, acessado em 25 de julho de 2016.
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