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Estudo Bíblico: Literatura Apocalíptica

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Estudo Bíblico 
Gênero Apocalíptico
Material Teórico
Responsável pelo Conteúdo:
Prof. Dr. Anderson Oliveira Lima 
Revisão Textual:
Prof.ª Me. Sandra Regina Fonseca Moreira
Literatura Apocalíptica: O Mito dos Vigilantes
• Introdução;
• O Mito dos Vigilantes;
• As Mulheres e os Anjos;
• Uma Origem para os Demônios;
• Últimas Observações.
• Aprender a aplicar os conhecimentos adquiridos nas análises de textos de gênero apocalíptico;
• Conhecer o Mito dos Vigilantes e sua importância como literatura apócrifa que infl uen-
ciou o pensamento bíblico;
• Entender o conceito de “mito” aplicado ao texto e as implicações da narrativa ao imaginá-
rio religioso posterior;
• Atentar, de maneira panorâmica, para a infl uência do imaginário apocalíptico nos evan-
gelhos canônicos.
OBJETIVOS DE APRENDIZADO
Literatura Apocalíptica:
O Mito dos Vigilantes
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem 
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua 
formação acadêmica e atuação profissional, siga 
algumas recomendações básicas: 
Assim:
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte 
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e 
horário fixos como seu “momento do estudo”;
Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma 
alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;
No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos 
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua 
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;
Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o 
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de 
aprendizagem.
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte 
Mantenha o foco! 
Evite se distrair com 
as redes sociais.
Mantenha o foco! 
Evite se distrair com 
as redes sociais.
Determine um 
horário fixo 
para estudar.
Aproveite as 
indicações 
de Material 
Complementar.
Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma 
Não se esqueça 
de se alimentar 
e de se manter 
hidratado.
Aproveite as 
Conserve seu 
material e local de 
estudos sempre 
organizados.
Procure manter 
contato com seus 
colegas e tutores 
para trocar ideias! 
Isso amplia a 
aprendizagem.
Seja original! 
Nunca plagie 
trabalhos.
UNIDADE Literatura Apocalíptica: O Mito dos Vigilantes
Contextualização
Já sabemos que o objetivo desta disciplina é estudar o gênero apocalíptico. 
Trata-se, portanto, uma disciplina dedicada aos estudos literários, uma matéria que 
tem o propósito de compartilhar conhecimentos específicos sobre os textos apoca-
lípticos, tendo em vista, obviamente, a compreensão que terão os teólogos por nós 
formados, das porções apocalípticas de suas Bíblias.
Era previsível que dedicaríamos boa parte de nossos estudos à análise dos ele-
mentos que caracterizam o gênero apocalipse, mas, tendo passado rapidamente 
por essa parte de nossos estudos nas unidades anteriores, entendemos que o olhar 
dos leitores agora se volta para a aplicação do conhecimento adquirido à leitura do 
Apocalipse de João. Será que informações recebidas sobre o gênero apocalipse 
nos ajudarão a compreender aquela misteriosa literatura neotestamentária? Será 
que conhecer algumas das características gerais do gênero e entender razoavelmen-
te as causas de suas origens bastam para superar o hermetismo daquele que é o 
mais velado dos livros bíblicos? Veremos.
Por hora, seguiremos aperfeiçoando nossa compreensão sobre o gênero apo-
calíptico através de alguns estudos mais analíticos. Isto é, a partir de agora, nos 
dedicaremos à leitura de passagens selecionadas de alguns livros que, segundo o 
consenso acadêmico, são textos apocalípticos. O procedimento metodológico é 
o da abordagem literária, tomando exemplos tanto dos livros bíblicos quanto de 
textos apócrifos sem fazer distinções religiosas, sem assumir juízos de valor pre-
viamente estabelecidos.
O que esperamos é que você, leitor, compreenda as limitações inerentes a este 
projeto e saiba, ao menos, o caminho que poderá seguir caso queira saber mais. 
Nestas páginas, não será possível abordar todos os textos, não teremos tempo para 
ler os livros completos, mas a escolha de fragmentos dispersos em diferentes livros 
servirá quantitativamente para exemplificar o conteúdo de nossa prévia exposição 
sobre as características gerais do gênero apocalipse, e supomos que você terminará 
o curso mais apto para a leitura e para a compreensão dos Apocalipses.
Figura 1 – Fra Angelico, Last Judgment (1431)
Fonte: Wikimedia Commons
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Introdução
Introduziremos esta unidade fazendo mais um resumo do conteúdo estudado 
anteriormente. Queremos fornecer um quadro geral das características distintivas 
do gênero apocalipse, um resumo que poderá ser usado para consultas, que servirá 
como instrumento didático e como auxílio às análises futuras.
Pedimos que você comece lendo e estudando de maneira atenta os pontos abai-
xo, dedicando maior atenção àqueles que porventura não foram perfeitamente assi-
milados pela leitura das unidades anteriores. Procure observar, também, as palavras 
ou expressões destacadas em itálico, as quais poderão, em breve, servir como 
gatilhos para a sua memória:
• Apocalipses são documentos de revelação mediadas; narram experiências 
sobrenaturais em que um visionário é guiado por um mediador à descoberta 
daquilo que se quer revelar.
• O imaginário apocalíptico costuma revelar um mundo invisível e dualista, 
em que as forças do bem e do mal enfrentam-se. Esse embate é determinante 
para o destino da humanidade e, evoluindo, ocasiona sérias consequências 
para todo o universo.
• Pessimistas com relação à realidade empírica, os apocalípticos esperam ca-
tástrofes, anunciam guerras, mortes, abalos cósmicos, tempos de incompa-
ráveis tribulações.
• Esses tempos difíceis só terminam quando ocorre uma intervenção divina de-
finitiva, o que se anuncia como um juízo escatológico. Por tudo isso, a es-
perança dos apocalipses se transfere para o que há depois do fim do mundo, 
depois da destruição do mundo.
• Enfim, o sonhado tempo de paz e felicidade esperada pelos apocalípticos se 
materializa na utopia de um novo mundo, novo paraíso, o qual deixa de ser, 
geralmente, terreno como no Gênesis. Apocalipses falam mesmo de nova 
criação, de um lugar de habitação eterna para os justos ressuscitados.
• De maneira geral, nos apocalipses, as descobertas dos espaços transcendentes 
se dão de maneira gradual. Os viajantes conhecem aos poucos os níveis (cada 
vez mais elevados) dos ambientes celestes.
• Os apocalipses são produções literárias, obras que já nascem em forma escrita, 
o que as diferencia da profecia tradicional que, como vimos, era em grande 
parte dependente da oralidade.
• Os autores dos apocalipses frequentemente recorrem à pseudonímia, isto é, 
omitem sua identidade e escrevem em nome de personagens célebres.
• Na maioria dos apocalipses, os visionários passam por experiências fantásticas 
que os afetam fisicamente. É comum que, após seu retorno, o visionário en-
fraqueça, adoeça, ou até retorne de sua viagem celestial com alguma sequela.
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UNIDADE Literatura Apocalíptica: O Mito dos Vigilantes
Agora, teste seus conhecimentos. Repetiremos as palavras-chave que foram des-
tacadas no resumo acima; leia-as e procure descrever, com suas palavras, o que é 
um apocalipse:
• Revelação mediada;
• Mundo invisível e dualista;
• Pessimismo apocalíptico;
• Juízo escatológico;
• Nova criação;
• Revelação gradual;
• Produção escrita;
• Pseudonímia;
• Sequelas do visionário.
Supomos que você estápronto(a) para seguir. Respire fundo e role o texto com 
entusiasmo, com boas expectativas, com curiosidade... Você vai conhecer, final-
mente, o Mito dos Vigilantes.
Figura 2 – Paraíso
Fonte: Getty Images
O Mito dos Vigilantes
O Mito dos Vigilantes não é, necessariamente, um livro. Na verdade, ele é um 
livro que está contido noutro livro. Como ocorre em boa parte dos livros bíblicos, 
o Mito dos Vigilantes está contido nos primeiros capítulos de um livro que reúne 
conteúdos apocalípticos chamado 1Enoque. Como em muitos livros bíblicos, é pos-
sível encontrar certas incoerências e incoesões na sequência narrativa de 1Enoque, 
resultados de um trabalho redacional que juntou diferentes tradições, diferentes 
camadas textuais num único livro.
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O que importa na leitura de 1Enoque e, mais especificamente, no Mito dos 
Vigilantes, é que, além de ser um texto apocalíptico com excelente material para 
nossos estudos sobre o gênero apocalipse, ele foi muito popular e deixou marcas 
indeléveis no cristianismo dos primeiros séculos. Isto é, 1Enoque provavelmente 
foi lido pelos autores e leitores do Novo Testamento e os influenciou muito, direta 
ou indiretamente:
O Mito dos Vigilantes, apesar de desconhecido do público acadêmico 
brasileiro em geral, constitui uma das narrativas fundantes do ocidente. 
Isso é dito sem nenhum exagero, uma vez que esta narrativa influencia 
muito a forma como o judaísmo e o cristianismo compreendem a origem 
do mal e do demoníaco no mundo, a fundação da cultura e o papel que 
nela tem os seres divinos e os humanos, especialmente representados 
pelas mulheres. (NOGUEIRA, 2006, p. 145-146)
1Enoque é, como você já deve ter notado, um texto que faz uso de pseudonímia. 
Em algum momento entre os séculos III e II a.C., alguém reuniu textos de caráter 
apocalíptico em torno da identidade fictícia de Enoque, um personagem que, como 
sabemos, foi tomado por Deus, segundo o narrador do Gênesis (NOGUEIRA, 
2008, p. 23-24). Acredita-se que as seções mais antigas de 1Enoque tenham sido 
escritas antes da revolta macabeia, mas, a despeito das imprecisões relacionadas à 
datação dos escritos, uma afirmação mais segura é a de que nenhuma porção do 
livro seja anterior ao período helenístico (COLLINS, 2010, p. 76).
Do ponto de vista narrativo, Enoque é um personagem de pequena importância 
para o enredo do Gênesis. O nome de Enoque aparece em apenas alguns versícu-
los, mas a ideia a respeito de seu desaparecimento é tão misteriosa que, mesmo em 
meio a uma daquelas genealogias cansativas, chama a atenção e excita a imagina-
ção dos leitores da Bíblia desde os primórdios. Gênesis 5.24, diz: “Enoque andou 
com Deus; e não apareceu mais, porque Deus o tomou”. Em poucas palavras, o 
narrador parece exaltar o comportamento de Enoque dizendo, de maneira metafó-
rica, que ele “andou com Deus”, e explica seu sumiço de maneira radical: “Deus o 
tomou”. Esses foram os dois ingredientes poderosos que fizeram esse personagem 
secundário saltar das páginas para ganhar vida na imaginação dos leitores.
Como os autores de apocalipses costumavam fazer uso da pseudonímia, é claro 
que se lembraram de Enoque; esse era o nome certo para encabeçar um livro de 
revelações sobre as coisas celestiais. Quem, melhor que Enoque, poderia voltar aos 
homens para descrever os cenários celestes? Por conta disso, no capítulo 12 de 
1Enoque, lemos:
Enoque havia desaparecido, e nenhum dos filhos dos homens sabia onde 
ele se encontrava, onde se ocultava e o que era feito dele. O que ocorrera 
é que ele havia estado junto dos Guardiões e transcorreu os seus dias na 
companhia dos Santos.
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UNIDADE Literatura Apocalíptica: O Mito dos Vigilantes
1Enoque é, retomando, uma coletânea de textos apocalípticos, dentre os quais 
está o Mito dos Vigilantes. Em seu primeiro versículo, o narrador (Enoque) anuncia, 
em estilo bem apocalíptico, os motivos de sua obra:
Os anjos proporcionaram-me a visão d’Ele, e deles é que eu aprendi tudo; 
por meio deles também me foi dado compreender as coisas que pude 
ver, mas não em relação à geração presente, mas sim em relação a uma 
geração futura. (1En 1.1)
Aqui começa nossa aplicação dos elementos característicos do gênero apocalip-
se na análise: Observe que 1Enoque pretende ser um texto de revelação; um anún-
cio de um visionário, um testemunho das coisas que Enoque viu fora do mundo. 
Dentre as coisas que ele viu, está o próprio Deus (a visão d’Ele) e coisas que dizem 
respeito a uma geração futura. Note-se, também, que a revelação de Enoque foi 
mediada; ele fala da ajuda que recebeu dos anjos, os quais lhe proporcionaram a 
visão, o conteúdo e sua compreensão.
Figura 3
Fonte: Getty Images
As Mulheres e os Anjos
A intertextualidade entre 1Enoque e o Gênesis, que já motivara a escolha de 
Enoque como personagem (autor-implícito), se intensifica a partir do capítulo 6, 
quando começamos, de fato, a leitura do Mito dos Vigilantes. O primeiro versículo 
diz o seguinte:
Quando outrora aumentou o número dos filhos dos homens, nasceram-
-lhes filhas bonitas e amoráveis. Os anjos, filhos do céu, ao verem-nas, 
desejaram-nas e disseram entre si: “Vamos tomar mulheres dentre as 
filhas dos homens e gerar filhos!”. (1En 6.1)
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A narrativa afirma que os anjos desceram, escolheram mulheres, tomaram-nas e 
passaram a profanar-se com elas, gerando filhos. Como se não bastasse, o texto diz 
ainda que os anjos que desceram à terra “ensinavam-lhes [às mulheres] bruxarias, 
exorcismos e feitiços, e familiarizavam-nas com ervas e raízes” (1En 7.1): “conhe-
cíeis um segredo que não convinha passar, e na vossa imprudência o transmitistes 
às mulheres. Através da revelação desse segredo, homens e mulheres praticam 
muitas desgraças sobre a terra” (1En 16.2).
Note-se que, por se tratar de uma história que teria ocorrido no passado, nas 
origens, essa história assume a forma de um mito das origens que tenta explicar 
as razões dos bem conhecidos males do mundo.
Já que estamos tratando de um texto apocalíptico que é comumente tratado como um mito, 
julgamos pertinente incluir aqui algumas linhas de Mircea Eliade, autor que tentou definir o 
mito com muitas palavras, das quais selecionamos as seguintes:
[...] o mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no 
tempo primordial, o tempo fabuloso do “princípio”. Em outros termos, o mito 
narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou 
a existir [...] Em suma, os mitos descrevem as diversas, e algumas vezes dramá-
ticas, irrupções do sagrado (ou do “sobrenatural”) no Mundo. É essa irrupção 
do sagrado que realmente fundamenta o Mundo e o converte no que é hoje. 
(ELIADE, 2016, p. 11)
Ex
pl
or
Todas as formas de feitiçarias conhecidas e condenadas pela cultura dos anti-
gos israelitas seriam, na ótica do narrador de 1Enoque, o resultado de uma relação 
pecaminosa. Eram saberes mágicos legítimos, mas próprios dos seres celestiais; 
saberes cujo domínio não deveria, sob hipótese alguma, ter chegado ao conheci-
mento dos homens. Uma consequência negativa desse mito é que ele coloca as mu-
lheres numa posição desconfortável: elas são retratadas como perigosas, sedutoras, 
mediadoras entre os homens e os anjos caídos, transmissoras das mais variadas e 
condenáveis formas de bruxaria.
O Mito dos Vigilantes abre caminho para uma conhecida trajetória de preconceitos que 
faria do judeu-cristianismo um propagador de uma mentalidade misógina (TERRA, 2008).
É bem provável, inclusive, que a influência do Mito dos Vigilantes seja a causa de um estra-
nho versículo de 1Coríntios 11.10: “Por isso, deve a mulher ter sobre a cabeça uma autorida-
de, por causa dos anjos”. Sobre esse tema, o da possível relação entre o imaginário religioso 
de Paulo e o Mito dos Vigiantes na construção dogmática de 1Coríntios 11.10, leia o artigo de 
Anderson Dias de Araújo (ARAÚJO, 2008).
Ex
pl
or
Além de os anjos terem descido à terra atraídos pela beleza feminina e de terem 
transmitido à espécie humanauma série de conhecimentos proibidos, as mulhe-
res passaram a gerar os filhos desses anjos, seres híbridos que na narrativa são 
chamados de “gigantes”. Mas o mundo não estava preparado para sustentar essas 
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UNIDADE Literatura Apocalíptica: O Mito dos Vigilantes
aberrações. Os gigantes, sempre famintos, esgotaram as provisões humanas; de-
pois, começaram a comer todas as espécies de animais e a devorar os próprios 
homens. Noutro ponto da narrativa, lemos que os tais gigantes não eram apenas 
serem grandes e famintos, mas também maus:
Os gigantes, porém, que foram gerados do espírito e da carne, serão 
chamados na terra de espíritos maus [...] Os espíritos dos gigantes são 
cheios de maldade, cometem atos de violência, destroem, agridem, bri-
gam, promovem a devastação sobre a terra e instauram por toda parte a 
confusão. (1En 15.5-6)
O que vemos é que a narrativa instaura um cenário caótico. Como mito, ela 
praticamente oferece uma versão alternativa ao mito bíblico que explica a queda no 
Gênesis, e nos coloca diante de outra história que pretende explicar a origem de to-
dos os males. Mas, obviamente, é necessário ir adiante e descobrir como as coisas 
se resolveram, que atitudes foram tomadas para restaurar minimamente a ordem.
Uma Origem para os Demônios
Quando o enredo começa a fazer o caminho de volta em direção à ordem ini-
cial, os anjos que haviam permanecido fiéis, testemunhando os acontecimentos e o 
desespero dos homens na terra, relataram a Deus os terríveis eventos perpetrados 
pelos anjos pecadores, dizendo:
Eles procuraram as filhas dos homens sobre a terra, deitaram-se com elas 
e tornaram-se impuros; familiarizaram-nas com toda sorte de pecados. 
As mulheres pariram gigantes e, em consequência, toda a terra encheu-
-se de sangue e de calamidades. (1En 9.5)
Deus começa a atuar, primeiro, através de seus anjos. Ele manda Uriel avisar o 
filho de Lamech, com a finalidade de poupá-lo da aniquilação. Essa é a lacuna dei-
xada para que o leitor encaixe, no meio do Mito dos Vigilantes, a lenda do dilúvio. 
Depois, Deus fala a Raphael e a Miguel, e ordena que prendam Azazel e Semjaza 
(líderes dos anjos pecadores) até o dia do grande juízo. E a Gabriel, Deus ordena 
que incite a guerra entre os gigantes para que eles se destruam mutuamente.
O caráter apocalíptico do livro se mostra mais explicitamente quando lemos 
a partir do capítulo 12. Enoque assume a narração e passa a relatar suas expe-
riências, suas visões, seu papel como mediador entre os seres caídos e os céus... 
Ele, tal qual um profeta, é enviado a anunciar o juízo divino sobre os guardiões (ou 
vigilantes) que haviam pecado (1En 12.2). Tomados de medo, os guardiões caídos 
pedem que o próprio Enoque interceda por eles. Escreveram um pedido de perdão 
para que Enoque lesse diante de Deus e intercedesse por eles.
Enoque foi a um lugar especial e, de lá, leu a súplica dos guardiões em voz alta 
(para que Deus ouvisse); depois adormeceu e passou a ter visões, as quais relatou 
aos anjos caídos quando acordou (1En 13). Essas visões são narradas a partir do 
capítulo 14, uma seção em que os elementos típicos do gênero apocalipse saltam 
aos olhos.
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Em sua visão, Enoque é tomado por fenômenos naturais (nuvens, névoa, vento, 
raios) que o conduzem ao céu. E ele passa a narrar sua visão:
Eu entrei por ele, até defrontar-me com um muro, todo feito de cristal e 
circundado de línguas de fogo. Isso começou a inspirar-me grande medo. 
Todavia, eu entrei pelas línguas de fogo adentro e aproximei-me de uma 
grande casa, toda construída de cristal [...] E eu entrei naquela casa, que 
era quente como o fogo e fria como a neve; dentro dela não existia aco-
modação alguma; fiquei prostrado de medo e tomado pelo tremor [...] 
Havia lá uma outra casa, maior ainda do que a primeira [...] Em todos os 
seus aspectos ela revelava brilho, fausto e grandeza, de tal sorte que eu 
não saberia como descrever-vos sua magnificência e tamanho [...] Olhei, 
e vi dentro dela um trono muito alto [...] A grande majestade assentava-se 
sobre ele; suas vestes eram mais brilhantes do que o sol e mais brancas 
do que a neve [...] Então o Senhor por sua própria boca dirigiu-se a mim 
e disse: “Aproxima-te, Enoque! Escuta a minha palavra!”. Então um dos 
Santos chegou até onde eu estava e despertou-me do meu torpor; fez-me 
levantar e conduziu-me até o vestíbulo; eu, porém, deixei pender minha 
cabeça. (1En 14.6-15)
É possível dizer que temos o relato de uma viagem celestial involuntária, na qual 
um eleito faz uma jornada de revelação progressiva e parece ter seus sentidos altera-
dos pela grandiosidade da experiência. Na visão, ele testemunha coisas que, depois 
de seu retorno, não é capaz de descrever em linguagem humana, pelo que apela às 
metáforas, aos símbolos, aos objetos e elementos que, em seu tempo, eram próprios 
dos círculos mais nobres. Em vários momentos, nos lembramos do modo de narrar 
do Apocalipse de João, nos sentimos familiarizados com as sentenças breves, com 
as expressões características dos visionários apocalípticos como “olhei, e vi...”, além 
de já esperarmos sua tentativa de criar para o leitor um cenário espetacular que em-
prega a luz como símbolo de pureza, sinal da presença e da glória divinas.
 Figura 4 – Luca Giordano, The Fall of the Rebel Angels (1666)
Fonte: www.wga.hu
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UNIDADE Literatura Apocalíptica: O Mito dos Vigilantes
Enoque foi conduzido aos céus (em sua visão) para ouvir de Deus que os anjos 
rebeldes não seriam atendidos em sua petição, não obteriam perdão. O Senhor 
manda-lhes um recado: “Sois vós que devíeis interceder pelos homens, nãos os 
homens por vós!” (1En 15.1). Segundo Deus, ao descerem para tomar mulheres 
dentre os humanos e gerar filhos com elas, “vos igualastes àqueles que são mortais 
e transitórios” (1En 15.3).
O mais relevante desse pronunciamento divino é o que ele diz sobre o destino 
dos gigantes, filhos dos anjos rebeldes, e das mulheres humanas: 
A partir dos dias da matança, do extermínio e da morte dos gigantes, 
quando os espíritos abandonarem seu corpo carnal sem sofrerem julga-
mento e condenação, eles continuarão a agir daquela maneira perversa, 
até o dia do grande Juízo Final [...] (1En 16.1)
Os anjos caídos, causadores dos grandes males do mundo, seriam aprisionados 
até o dia do julgamento. Seus filhos, por outro lado, seriam mortos, mas seus espí-
ritos seguiriam existindo e agindo maleficamente entre os homens. Assim, temos 
um nascimento mitológico para os demônios, seres malignos que, como sabemos, 
passaram a dominar o imaginário religioso dos judeus antigos, as páginas do Novo 
Testamento e também a história do cristianismo (TERRA, 2010, p. 45).
Últimas Observações
Um ponto a relembrar, antes de encerrarmos nossa rápida passagem pelo Mito 
dos Vigilantes, é que, diferente do que víamos nos textos proféticos, agora os ho-
mens já não exercem um papel tão determinante no destino dos acontecimentos. 
O texto apocalíptico não se baseia em exortações, não se volta aos pedidos de ar-
rependimento, não trata dos males como resultados dos erros humanos. Aqui, nos 
dias em que a profecia deu lugar à apocalíptica, o passado e o futuro dos homens 
parecem determinados por forças maiores, externas, por embates entre seres so-
brenaturais. Isso é o que observa Paulo Nogueira a respeito do Mito dos Vigilantes:
Os seres humanos são peças – na melhor das hipóteses, vítimas – no jogo 
dos seres angélicos. Aqui temos uma alteração fundamental em relação 
à profecia clássica. O papel dos seres humanos nas decisões é reduzido 
drasticamente, pois a presença dos interlocutores celestes lhes rouba im-
portância. (NOGUEIRA, 2008, p. 28)
A importância desse nosso contato com 1Enoque (dissemos desde o início) se 
deve à hipótese amplamente aceita de que este livro foi muito famoso nos séculos 
que antecederam a escrita do Novo Testamento, circulou por diversos grupos reli-
giosos e influenciou a todos, fazendo com que muitos de seus elementos passassem 
a fazerparte da cultura judaica em geral.
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É essencial, para nossos interesses, o fato de esse livro ter influenciado, direta ou 
indiretamente, grande parte do material que hoje compõe o Novo Testamento, den-
tre eles, claro, o livro que chamamos de Apocalipse. Mas 1Enoque caiu em desuso 
nalgum momento e ficou esquecido, o que parece ter ocorrido depois que alguns 
grupos religiosos alcançaram certo poder institucional, definiram seus respectivos 
cânones, deixando de fora livros populares como 1Enoque e até reprimindo seu 
uso (NOGUEIRA, 2008, p. 23-24).
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UNIDADE Literatura Apocalíptica: O Mito dos Vigilantes
Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:
 Livros
Apócrifos e Pseudoepígrafos da Bíblia
Apócrifos e Pseudoepígrafos da Bíblia, obra que foi organizada por Eduardo de 
Proença e que foi publicada pela Fonte Editorial em 2010.
Os Anjos que Caíram do Céu: O livro de Enoque e o demoníaco no mundo judaico-cristão 
Os anjos que caíram do céu: o livro de Enoque e o demoníaco no mundo judaico-
cristão (TERRA, 2014).
 Leitura
A Literatura Apocalíptica e a Ideia de Ordem e de Fim
José Augusto M. Ramos, A literatura apocalíptica e a ideia de ordem e de fim 
(RAMOS, 2002). Assim que possível, baixe o artigo e leia mais esse texto dissertativo 
sobre o gênero apocalíptico.
https://bit.ly/2E1Zb4B
 Os Espíritos Imundos nos Sinóticos e o Mito dos Vigilantes 
Leitura de Os espíritos imundos nos sinóticos e o Mito dos Vigilantes (TERRA, 2010).
https://bit.ly/2JromB0
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Referências
ARAÚJO. Anderson Dias de. Anjos vigilantes e mulheres desveladas: uma relação 
possível em 1 Coríntios 11,10? São Bernardo do Campo: Orácula, v. 4, n. 8,
p. 142-181, 2008.
COLLINS, John J. A imaginação apocalítica: uma introdução à literatura apocalíp-
tica judaica. São Paulo: Paulus, 2010.
ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 2016.
NOGUEIRA, Paulo. O Mito dos Vigilantes: apocalípticos em crise com a cultura 
helenista. Religião e Cultura, v. 10, p. 145-155, 2006.
________. O que é apocalipse (Coleção primeiros passos, 333). São Paulo: Brasil-
iense, 2008.
PROENÇA, Eduardo (org.). Apócrifos e pseudo-epígrafos da Bíblia. São Paulo: 
Fonte Editorial, 2010.
RAMOS, José Augusto M. A literatura apocalíptica e a ideia de início e de fim. Mil-
lenarium (Revista Portuguesa de Ciência das Religiões), Ano I, n. 1, p. 43-53, 2002.
TERRA, Kenner R. C. A construção da mulher perigosa...: A leitura do Mito dos 
Vigilantes nas tradições judaicas e cristãs. São Bernardo do Campo: Orácula, v. 4, 
n. 8, p. 182-200, 2008.
________. Os anjos que caíram do céu: o livro de Enoque e o demoníaco no mun-
do judaico-cristão. São Paulo: Fonte Editorial, 2014.
________. Os espíritos imundos nos sinóticos e o Mito dos Vigilantes. São Bernardo 
do Campo: Orácula, v. 6, n. 11, p. 40-61, 2010.
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