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Lógica da Causalidade

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CDD: 122 
 
PRINCÍPIO DE CAUSALIDADE, EXISTÊNCIA DE DEUS E 
EXISTÊNCIA DE COISAS EXTERNAS 
 
ETHEL MENEZES ROCHA 
 
Departamento de Filosofia 
Universidade Federal do Rio de Janeiro 
Largo São Francisco de Paula, 1, 3o. andar 
20051-070 RIO DE JANEIRO, RJ 
ethelmrocha@aol.com 
 
 
Resumo: Meu objetivo nesse artigo é o de reconstruir a primeira prova da existência de Deus e a 
prova do mundo externo como estas são apresentadas por Descartes nas Meditações Metafísicas 
tendo como fim examinar o modelo de causalidade nelas envolvido. Pretendo mostrar que 
embora Descartes, nas duas provas, ao recorrer ao princípio de causalidade, expressamente 
mencione um único e mesmo modelo de causalidade, a saber, o modelo segundo o qual a causa 
transmite sua essência ou parte dela a seu efeito, para se evitar um embaraço para a prova da 
existência do mundo externo, devemos admitir que de fato são dois modelos distintos de 
causalidade (sendo um derivado e dependente do outro) que estão envolvidos nas duas provas. 
 
Abstract: My purpose in this article is to reconstruct the first proof of God's existence and the 
proof of the existence of the external world as they are presented by Descartes in the Meditations 
on First Philosophy aiming to examine the model of causality that is involved by them. I intend to 
show that although on the two proves, as he appeals to the causality principle, Descartes 
manifestly mentions the same model according to which the cause transfers its essence or part of 
it to its effect, in order to avoid an obstacle for the proof of the existence of the material world 
we must admit that there are two different models of causality involved in the two different 
proves. 
 
Palavras chave: princípio de causalidade; prova do mundo externo; prova da existência de Deus; 
qualidades sensíveis; coisas materiais; causalidade formal. 
 
 
Dois dos argumentos centrais no sistema filosófico de Descartes, a prova 
por efeito da existência de Deus e a prova do mundo externo, envolvem de 
modo essencial a aplicação do princípio de causalidade. Nas Meditações 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Ethel Menezes Rocha 8 
Metafísicas 1 Descartes parece sustentar que em ambas as provas, o modelo de 
causalidade recorrido é o mesmo. O objetivo desse texto é problematizar o que 
seria esse mesmo modelo de causalidade instaurado pelo recurso ao princípio 
de causalidade quando da prova da existência de Deus e da prova do mundo 
externo como estas são apresentadas por Descartes nas Meditações Metafísicas. 
Pretendo mostrar que embora Descartes nessas duas provas mencione 
explicitamente um mesmo modelo de causalidade quando recorre ao princípio 
de causalidade, de fato trata-se de dois modelos distintos sendo um modelo 
derivado e dependente do outro. Mostraremos que o modelo de causalidade 
utilizado por Descartes ao aplicar o princípio de causalidade à realidade objetiva 
das idéias na prova da existência de Deus é distinto do que é utilizado na prova 
do mundo externo e, mais ainda, mostraremos que essa diferença nos modelos 
de causalidade utilizados implica que a versão do princípio de causalidade 
utilizada na prova do mundo externo é uma versão mais fraca sendo a versão 
mais forte, a que é utilizada na prova da existência de Deus, uma versão 
derivada desta. O interesse desse exame reside no fato dele permitir que se 
aponte o que talvez seja um embaraço para o sistema cartesiano, a saber, a tese 
de que uma noção derivada é, entretanto, primitiva. 
A versão do princípio de causalidade que sustentamos ser derivada e 
mais forte é aquela segundo a qual toda causa contem ao menos tanta realidade 
formal que seu efeito. E esta versão seria derivada da versão mais fraca segundo 
a qual tudo que é tem uma causa. A razão essencial para mostrar que uma não é 
meramente uma reapresentação, mas sim dependente da outra é que ao 
tentarmos aplicar a versão mais forte a uma das duas provas mencionadas 
acima, a conclusão teria que ser diferente da extraída por Descartes. 
 
1 Sempre que possível, as citações de textos de Descartes seguem a tradução de 
Bento Prado Junior, Descartes Obra Escolhida, São Paulo, Difusão Européia do Livro, 
1973. As citações serão acompanhadas de suas referências nesta edição e na edição 
standard feita por Charles Adam e Paul Tannery (Oeuvres de Descartes, Paris, Léopold Cerf, 
1897 a 1913, 11 volumes), abreviada como AT, seguida do número do volume em 
romanos e do número da página). 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Princípio de Causalidade, Existência de Deus e Existência de Coisas Externas 9
Segundo a versão mais forte e derivada do princípio de causalidade, não só 
tudo que é tem uma origem, mas essa origem é de tal modo que comunica sua 
realidade, ou parte dela, àquilo de que é origem. A intervenção dessa versão do 
princípio de causalidade, de um modo geral, tem como objetivo, a passagem da 
noção de um mero princípio (ou de uma causa eficiente), isto é, aquilo de que 
algo se segue, para a noção de causa (ou causa formal), isto é, aquilo do que algo 
se segue de um modo específico. O modelo de causalidade aqui envolvido é, 
portanto, o de causalidade formal. Que a versão do princípio de causalidade que 
envolve a noção de causa formal é a que Descartes expressamente pretende estar 
recorrendo sempre que aplica o princípio de causalidade à nossas idéias parece 
claro se considerarmos o que ele afirma nos Princípios, I, 18: “é extremamente 
bem conhecido pela luz natural que não só pelo nada nada se faz, nem se produz 
o que é mais perfeito por aquilo que é menos perfeito (enquanto causa eficiente e 
total), mas também que em nós não pode haver idéia, ou imagem, de qualquer 
coisa, da qual não exista algures, seja em nós mesmos, seja fora de nós, algum 
Arquétipo que contenha em sua própria realidade todas as perfeições dela” (AT 
VIIIA, 12)2. As idéias, portanto, exigiriam como causa algo que contenha tanto 
ou mais grau de realidade formal que a sua realidade objetiva. Mais ainda, que, 
segundo Descartes, essa versão é apenas uma reformulação, que nada acrescenta, 
à noção primitiva de que tudo que é tem uma causa também parece ser 
sustentado por Descartes na medida em que afirma, por exemplo, na sua resposta 
às Segundas Objeções: “que nada exista em um efeito, que não tenha existido de forma 
semelhante ou mais excelente na causa é uma primeira noção, ... e ... [a noção] de nada 
nada se faz a compreende em si” (AT VII, 135; grifo nosso). Aparentemente, 
portanto, segundo Descartes, sempre que ele utiliza o princípio de causalidade, o 
que está em jogo é um mesmo modelo de causalidade, a saber, aquele segundo o 
qual não só a causa dá origem a seu efeito, mas, além disso, transfere para este sua 
essência ou parte dela. Se é assim, esse modelo seria eficaz tanto para prova da 
existência de Deus quanto para a prova do mundo externo. Entretanto, como 
 
2 Principia Philosophiae. Para a tradução para o português ver em Revista Analytica, tradução 
coordenada pelo prof. Guido Antônio de Almeida, vol. 2, nº 1, 1997 e vol. 3, nº 2, 1998. 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Ethel Menezes Rocha 10 
veremos, embora esse modelo de causalidade seja apropriado para a conclusão 
tirada por Descartes na prova da existência de Deus, traz um embaraço para a 
conclusão extraída por ele na prova do mundo externo. 
Descartes, ao aplicar o princípio de causalidade à realidade objetiva da 
idéia de Deus, na Terceira Meditação, tira como conseqüência a existência 
necessária de Deus como causa dessa idéia e ao aplicá-lo à realidade objetiva 
das idéias sensíveis na VI Meditação, tiracomo conseqüência a existência das 
coisas corpóreas. Em ambos os casos tanto o conceito de causalidade quanto o 
de a realidade objetiva das idéias são essenciais. Para o caso da prova da 
existência de Deus, Descartes sustenta que dada a realidade objetiva da idéia de 
um ser perfeito com infinitas propriedades infinitas, é necessário que haja uma 
causa cuja realidade formal, isto é, cuja essência, envolva essa infinidade de 
propriedades infinitas. Nenhuma substância finita, dada a sua finitude, pode ter 
uma infinidade de propriedades infinitas e, conseqüentemente, a substância 
finita pensante tampouco pode ser a causa da realidade objetiva dessa idéia de 
infinito. Se é assim, a realidade formal que causa e, por isso mesmo comunica 
sua realidade à realidade objetiva da idéia do ser infinito contém infinitas 
propriedades e essas infinitas propriedades são infinitamente ampliadas o que 
torna essa realidade formal essencialmente infinita. Se é uma causa cuja 
realidade formal é essencialmente infinita, então trata-se da própria substância 
infinita que, por ser infinita, contem todas as propriedades infinitas que contem 
a realidade objetiva de sua idéia. Como vimos, portanto, no caso dessa prova da 
existência de Deus, o recurso ao princípio de causalidade traz consigo o modelo 
de causalidade formal segundo o qual a causa transfere suas propriedades a seu 
efeito. 
No caso da prova da existência das coisas corpóreas, visto suas diversas 
etapas e o que Descartes nela conclui, esse modelo de transferência de 
propriedades da causa para o efeito torna-se problemático. Para que a prova 
tenha sucesso Descartes necessita ou bem de outro modelo de causalidade ou 
bem de uma noção de realidade objetiva distinta da empregada na prova da 
existência de Deus de tal modo que possa afirmar que certas idéias sensíveis 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Princípio de Causalidade, Existência de Deus e Existência de Coisas Externas 11
não têm realidade objetiva e, por isso mesmo, a elas não se aplica o princípio de 
causalidade. 
Se, como afirma Descartes3, a realidade objetiva de qualquer idéia 
contém a possibilidade de existência do que é exibido no intelecto no momento 
do ato de representar e se o que é exibido no intelecto no ato de representar 
são basicamente propriedades atribuídas a coisas então, ao tentarmos aplicar a 
mesma versão do princípio de causalidade, cujo modelo é a transferência de 
realidade da causa para o efeito, à prova da existência das coisas corporais, nos 
deparamos com um embaraço. Nessa prova, Descartes através do recurso a 
essa versão forte do princípio de causalidade parece eliminar como candidatos a 
causa das idéias sensíveis algo que seja menos nobre que seu efeito (que 
simplesmente dê origem a um movimento que seja, portanto, apenas uma causa 
eficiente) e através do recurso a uma inclinação natural e à veracidade divina 
elimina como candidatos à causa das idéias sensíveis qualquer coisa mais nobre 
que o próprio corpo (elimina também, portanto, a possibilidade de que a causa 
seja uma causa eminente). A causa das idéias sensíveis que temos dos corpos 
singulares seria consistiria, nesse sentido, nas próprias coisas singulares e seria, 
portanto, uma causa formal. Apesar disso, Descartes sistematicamente defende 
a tese de que as idéias sensíveis dos corpos e, portanto, as idéias que temos dos 
objetos particulares, envolvem a exibição ao espírito de propriedades que, 
entretanto, não pertencem aos objetos singulares que causam essas idéias. Isto 
é, embora a versão forte do princípio de causalidade utilizada conjugada à 
rejeição de uma causa eminente tenha como conseqüência que a causa das 
idéias sensíveis tenha o mesmo grau de realidade formal que sua realidade 
objetiva, isso não é possível dada a conclusão cartesiana. E se é assim, a menos 
que Descartes possa sustentar que as idéias sensíveis não têm realidade objetiva, 
não se trata do mesmo conceito de causalidade utilizado nas duas provas. 
 
3 Ver respostas às Segundas Objeções, Axioma X onde Descartes afirma: “Na idéia 
ou no conceito de cada coisa, a existência está contida porque nada podemos conceber 
sem que seja sob a forma de uma coisa existente” (AT VII, 166). 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Ethel Menezes Rocha 12 
O que é fundamental na primeira prova por efeito da existência de Deus 
é o apelo à versão forte do princípio de causalidade segundo a qual a realidade 
da substância finita não é suficiente para ser a causa da realidade objetiva da 
idéia de Deus porque se trata de uma substância com menos grau de realidade 
formal do que o grau de realidade objetiva dessa idéia de tal forma que não 
pode comunicar uma realidade infinita à realidade objetiva da idéia de Deus. 
Dois pontos caracterizam essa substância pensante como contendo menos grau 
de realidade formal do que a realidade objetiva da idéia de Deus: 1) a realidade 
objetiva da idéia de infinito exibe propriedades infinitas enquanto que a 
realidade formal da substância finita consiste no conjunto de propriedades 
finitas; e 2) a realidade objetiva da idéia de substância infinita exibe 
propriedades que não estão presentes na substância finita e, portanto, exibe não 
só propriedades infinitas, mas, mais que isso, exibe uma infinidade de 
propriedades. 
Se, como diz Descartes, o conhecimento do infinito é anterior e, 
portanto, logicamente independente, do conhecimento do finito, então embora 
concebamos certas perfeições de Deus pela ampliação das instâncias finitas em 
nós dessas perfeições, é possível que outras perfeições divinas (aquelas que não 
estão em nós ainda que de modo finito) sejam por nós conhecidas, mas de 
outra maneira. Como afirma Descartes: “E não devo imaginar que não concebo 
o infinito por uma verdadeira idéia, mas somente pela negação do finito... pois, 
ao contrário, vejo manifestamente que há mais realidade na substância infinita 
do que na substância finita e, portanto, que, de alguma maneira, tenho em mim 
a noção de infinito anteriormente à do finito...” (AT VII, 46). Admitindo ainda 
como Descartes, a distinção entre conhecer (inteligir) e compreender, parece 
que podemos afirmar que a substância finita conhece que Deus tem infinitas 
propriedades infinitas embora não necessariamente as compreenda. Isso parece 
ser o que Descartes quer dizer quando afirma: “Digo que sei... e não que o 
concebo ou o compreendo, pois se pode saber que Deus é infinito e onipotente 
ainda que nossa alma, sendo finita, não o possa compreender nem conceber... 
pois compreender é abraçar com o pensamento, mas, para saber uma coisa, 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Princípio de Causalidade, Existência de Deus e Existência de Coisas Externas 13
basta tocá-la com o pensamento” (A Mersenne, 27 de maio de 1630; AT I, 152). 
Numa outra passagem, ao elucidar a distinção entre conceber e inteligir 
Descartes torna claro que posso ter uma idéia pura do entendimento da 
substância infinita (posso inteligir a idéia do infinito) embora não possa 
conceber o infinito como tal (ou melhor, só possa conceber o infinito como 
indefinido). Segundo essas distinções, então, compreender significa, através do 
entendimento, abarcar a totalidade das propriedades de um objeto, conceber 
significa através da imaginação ter a idéia de algo por extrapolação de uma idéia 
já conhecida e inteligir significa entender algo apenas pelo entendimento sem, 
no entanto, conhecer todos os seus aspectos. Sendo assim, a substância finita 
pode pelo entendimento conhecer (inteligir) a infinitude de Deus (o 
entendimento atinge o infinito, mas não conhece a totalidade de seus aspectos), 
por ampliação indefinida de suas propriedadesfinitas a substância finita pode 
conceber o infinito, entretanto não pode compreender o infinito visto que não 
pode abarcar pelo pensamento uma infinidade de coisas, dada a sua finitude. 
Isso é o que Descartes parece querer dizer quando afirma na Terceira 
Meditação: “... ainda que eu não possa compreender o infinito, ou mesmo que 
se encontre em Deus uma infinidade de coisas que eu não possa compreender... 
pois é da natureza do infinito que minha natureza, que é finita e limitada, não 
possa compreendê-lo, basta que eu conceba bem isto” (AT VII, 46). Sendo 
assim, podemos afirmar que para Descartes, conhecemos (inteligimos) a 
infinitude de Deus porque tocamos nessa infinitude com o pensamento puro, 
(mesmo no caso de propriedades que não concebemos4), concebemos algumas 
 
4 Para propriedades divinas que não concebemos, mas inteligimos pelo entendimento 
puro, veja-se as respostas de Descartes as Segundas Objeções onde ele afirma que através 
do entendimento temos uma idéia pura da imensidade, simplicidade, ou unidade absoluta 
em Deus... da qual não encontramos em nós ou alhures, nenhum exemplo: “Mas, além 
disso, nosso entendimento nos diz que há em Deus uma imensidade, simplicidade e 
unidade absoluta que abrange e contém todos os seus outros atributos, e da qual não 
encontramos em nós, ou alhures, nenhum exemplo; ... Por essa razão reconhecemos que 
nenhuma das coisas que, por fraqueza de nosso entendimento, atribuímos a Deus como 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Ethel Menezes Rocha 14 
de suas propriedades (por extrapolação a partir de instâncias limitadas dessas 
propriedades em nós) mas não compreendemos a infinitude divina. 
O recurso a essas passagens do texto cartesiano teve como objetivo 
mostrar que ao menos duas coisas determinam o grau de perfeição de uma 
realidade: a categoria de ser a que pertence a realidade (que distingue 
substâncias de modos e de acidentes) e as propriedades que contém (que 
distinguem as substâncias entre elas). Pelas passagens acima citadas fica claro 
que a distinção de grau de perfeição entre a realidade formal da substância 
pensante e a realidade objetiva da substância infinita se deve não ao fato de a 
substância pensante pertencer a uma outra categoria de ser, mas sim à distinção 
em suas propriedades. E essa distinção nas propriedades dessas realidades 
consiste não apenas na finitude e infinitude de certas propriedades, mas 
também na infinitude da totalidade das propriedades atribuídas a uma e não a 
outra. Isto é, Descartes não parece afirmar que o fato de certas propriedades 
serem ilimitadas em Deus é suficiente para torná-lo perfeição absoluta é 
necessário ainda que esse ser finito tenha positivamente a infinitude de todas as 
perfeições e não apenas a infinitude das perfeições existentes na substância 
finita. Isso ao menos parece ser o que Descartes quer dizer quando afirma nos 
Princípios, I, 27: “E estas [as outras coisas] chamaremos indefinidas de 
preferência a infinitas, de um lado, para reservarmos o termo “infinito” 
somente para Deus, pois é só nele que, sob todos os aspectos, não apenas não 
reconhecemos limite algum, mas também entendemos positivamente que não há 
nenhum; de outro lado também, porque não entendemos do mesmo modo 
positivamente, que outras coisas carecem de limites sob algum aspecto, mas 
apenas negativamente admitimos que os limites dessas coisas, se é que elas têm 
alguns, não podem ser descobertos por nós” (AT VIIIA, 15; grifo nosso). Isto 
é, no caso da perfeição absoluta não se tratam apenas de propriedades 
indefinidamente mais amplas que as propriedades finitas; mas também de 
outras propriedades, propriedades distintas das presentes nas substâncias finitas 
 
se por partes e como se fossem distintas, correspondendo ao modo como as percebemos 
em nós, convém a Deus e a nós da mesma forma...” (AT VII, 139). 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Princípio de Causalidade, Existência de Deus e Existência de Coisas Externas 15
visto que entendemos positivamente não haver na substância perfeita limites 
em todo e qualquer respeito. Concluímos esse ponto afirmando que a 
substância finita, considerada como o pensamento, possui nela mesma um grau 
de realidade ou perfeições suficientes para ser a causa de todas as suas idéias (de 
substâncias, de seus modos e acidentes), exceto uma, a idéia de substância 
infinita. Isso se deve ao fato de que embora a substância finita pertença a 
mesma categoria de ser que a substância infinita, ainda lhe faltam propriedades 
ou perfeições5. Se faltam perfeições, só a substância perfeita, com todas as 
perfeições, pode ter o mesmo grau de realidade formal que a realidade objetiva 
da idéia de perfeição que exibe um conjunto infinito de propriedades infinitas 
atribuídas a um ser perfeito e, por isso mesmo, só a substância perfeita pode ser 
pode ser causa dessa realidade objetiva. 
Como vimos, decidir o que pode ser considerado como causa da 
realidade objetiva de uma determinada idéia envolve um certo cálculo que diz 
respeito à quantidade ou grau de realidade objetiva que a idéia possui bem 
como a quantidade ou grau de realidade formal (ou eminente) dos candidatos a 
causa e uma comparação dessas quantidades ou graus de realidade. Deixando 
de lado a discussão sobre o nível de complexidade dessas operações e que tipo 
de conhecimento ela envolve,6 se dada a prova da existência de Deus podemos 
afirmar que a idéia de Deus é a idéia cuja realidade objetiva tem o maior grau de 
realidade em virtude do fato de conter um número infinito de propriedades – 
elas mesma infinitas – atribuídas, portanto, a um ser infinito, então, parece que 
 
5 A substância pensante tem algumas das propriedades da substância divina porém 
de modo imperfeito (por exemplo, seu entendimento finito); além disso tem ao menos 
uma de suas propriedades infinita como a substância infinita que é que lhes torna 
semelhantes (a vontade) e, mais ainda, a substância finita não tem certa propriedades 
que tem a substância infinita (por exemplo, a unidade e simplicidade). 
6 Alguns autores tais como Stanley Tweyman em Deus ex Cartesio argumentam em 
favor da tese de que Descartes, no momento da prova por efeito da existência de Deus 
não teria a matemática legitimada ainda como verdadeira e, por isso mesmo, não 
poderia ainda realizar tais cálculos que segundo ele seriam como ou mais difícil que 
contar os lados de um quadrado ou somar três e dois. 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Ethel Menezes Rocha 16 
podemos afirmar que o grau de realidade (seja uma realidade formal ou 
objetiva) de algo depende de do conjunto de suas propriedades. 
Sabemos que nossas idéias representam ou bem substâncias, ou bem 
atributos ou, ainda, modos. Pensar em algo como substância significa pensar 
que há um certo conjunto de propriedades perceptíveis que qualificam essa 
substância e não uma outra. Sendo assim, sempre que temos uma idéia, ou bem 
pensamos diretamente em uma substância como o sujeito imediato de certas 
propriedades (e para isso exibimos ao espírito essas propriedades que 
individualizam a substância), ou bem pensamos diretamente nas propriedades 
que qualificam uma determinada substância e, portanto, exibimos essas 
propriedades, atribuídas a uma determinada substância, ao espírito. A realidade 
objetiva de uma idéia, portanto, ou bem exibe ao espírito diretamente uma 
substância ou bem exibe diretamente ao espírito propriedades atribuídas a uma 
substância. Entretanto, dado que exibir ao espírito uma substância e não outra 
envolve a exibição do conjuntode propriedades que funcionam como o 
princípio de individuação de uma substância, mesmo exibir diretamente uma 
substância envolve exibir suas propriedades. Como vimos, no caso da idéia de 
Deus, a realidade objetiva é, assim, determinada como infinita na medida em 
que exibe a infinitude de suas propriedades infinitas atribuindo-as a uma 
substância infinita (embora a substância finita não abrace o conjunto destas, 
mas apenas o toque com o entendimento). 
A prova da existência do mundo externo que é apresentada por 
Descartes na VI Meditação tem como um dos pontos essenciais a origem das 
nossas idéias sensíveis dos corpos singulares. A prova se inicia com a premissa 
de que tenho uma faculdade passiva de sentir ou de receber as idéias das coisas 
sensíveis, seguida de outra que afirma que uma faculdade passiva seria inútil a 
menos que houvesse uma outra faculdade, uma faculdade ativa no sujeito ou 
em outra coisa, que produzisse essas idéias. A princípio, então, pode-se afirmar 
que o ponto de partida da prova do mundo externo são as idéias de coisas em 
sua individualidade e, portanto de idéias que envolvem tanto propriedades 
chamadas primárias quanto as chamadas secundárias. Isso se confirma quando 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Princípio de Causalidade, Existência de Deus e Existência de Coisas Externas 17
Descartes, no início da prova do mundo externo afirma, na VI Meditação: 
“acostumei-me a imaginar muitas outras coisas além desta natureza corpórea 
que é o objeto da Geometria, a saber, as cores, os sons, os sabores, a dor e 
outras coisas semelhantes, embora menos distintamente. E na medida em que 
percebo muito melhor tais coisas pelos sentidos,... creio que, para examiná-las 
mais comodamente, vem a propósito examinar ao mesmo tempo o que é sentir, 
e ver se, das idéias que recebo em meu espírito por este modo de pensar que chamo 
sentir, posso tirar alguma prova certa da existência das coisas corpóreas.” (AT 
VII, 74; grifo nosso) Em seguida, Descartes introduz uma terceira premissa que 
diz respeito à involuntariabilidade dessas idéias. Visto que minhas idéias 
sensíveis independem de minha vontade, então essa faculdade ativa pertence a 
uma substância distinta de mim. No passo seguinte, Descartes recorre então 
explicitamente à versão forte do princípio de causalidade que afirma que 
necessariamente existe uma quantidade de realidade formal na causa que é ao 
menos igual à quantidade de realidade objetiva da idéia, e conclui que esta coisa 
fora de mim que produz minhas idéias sensíveis deve ser Deus ou algo mais 
nobre que o corpo, ou as próprias coisas. A presença de uma inclinação natural 
ou instintiva a crer que essa causa das minhas idéias sensíveis são as coisas é 
legitimada pela existência do Deus veraz que não teria me criado de tal forma 
que por natureza eu erre. Se é assim, então, como conclusão final da prova, 
afirma Descartes, as coisas corpóreas existem. 
Como se pode depreender da estrutura da prova, o recurso a versão forte 
do princípio de causalidade tem como objetivo circunscrever os diversos 
candidatos ao papel de causa das idéias sensíveis. Até o momento desse 
recurso, a prova nos permite afirmar apenas que a causa dessas idéias deve ser 
algo diferente de mim. Com a versão do princípio de causalidade que segue o 
modelo de transferência de essência segundo o qual a causa é formal ou 
eminente, Descartes limita a três os possíveis candidatos: Deus, os corpos ou 
algo que, na hierarquia dos seres, seria mais nobre que os corpos e menos 
nobre que Deus. Com a veracidade divina fica eliminada a possibilidade de 
causa eminente: a causa das idéias corpóreas são as coisas corpóreas cujo grau 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Ethel Menezes Rocha 18 
de realidade formal seria, portanto, o mesmo que o da realidade objetiva dessas 
idéias. 
Uma das leituras possíveis da prova do mundo externo indica que para 
Descartes os corpos causam os conteúdos sensíveis em nós enviando-os para 
nossas mentes e fazem isso na medida em que contém em sua realidade formal 
exatamente as mesmas qualidades contidas na realidade objetiva das idéias dos 
corpos singulares. Segundo essa leitura a versão do princípio de causalidade 
utilizada na prova do mundo externo poderia ser a mesma utilizada na prova 
por efeito da existência de Deus, a saber, a que tem como modelo a transmissão 
da essência da causa a seu efeito. Os objetos particulares seriam de tal forma 
que causariam as idéias sensíveis das qualidades secundárias e impeliriam às 
idéias claras e distintas das qualidades primárias da matéria. Disso poderíamos 
concluir a existência de objetos externos (a partir da idéia clara e distinta de 
uma certa matéria extensa em comprimento, largura e profundidade) que teriam 
certas particularidades as quais dariam origem às minhas idéias sensíveis das 
qualidades secundárias. 
Entretanto, certas passagens relevantes das Meditações, dos Princípios e dos 
Comentários sobre um Programa, nos mostram a inviabilidade dessa leitura. Ao 
contrário, o que é fortemente indicado nestes textos é que Descartes não 
conclui que as qualidades específicas e determinadas representadas pelas idéias 
sensíveis estejam instanciadas nos objetos particulares específicos que causam 
essas idéias, mas sim que são as idéias sensíveis da matéria em geral que têm 
como causa uma realidade formal fora da mente. Nesse sentido, as coisas 
externas seriam origem das nossas idéias sensíveis na medida em que 
transmitiriam à nossa mente, através dos sentidos, algo que daria ocasião para a 
formação de idéias sensíveis. O conteúdo representativo das idéias sensíveis, 
portanto, não seria como uma imagem da coisa existente, mas apenas um sinal 
de sua existência, um sinal que nada ou pouco e, por acaso, nos diria sobre a 
natureza particular da coisa representada. Por exemplo, nos Princípios, I, 3, 
Descartes afirma: “Será bastante suficiente se notarmos que as percepções dos 
sentidos não estão relacionadas senão com essa união do corpo humano com a 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Princípio de Causalidade, Existência de Deus e Existência de Coisas Externas 19
mente e que elas, de certo, nos exibem ordinariamente em que os corpos 
externos podem lhe ser favoráveis ou nocivos, mas não nos ensinam, a não ser 
às vezes e por acidente, com que qualidades existem em si mesmos” (AT 
VIIIA, 5). 
Se as idéias sensíveis apenas por acidente podem nos ensinar algo a 
respeito da particularidade de seus objetos então a prova do mundo externo, 
assegura apenas em parte a validade objetiva das idéias dos sentidos, a saber, ela 
garante a existência, a presença de objetos extensos, mas, ao negar validade 
objetiva às idéias sensíveis das propriedades secundárias dos objetos, não se 
compromete com a existência de objetos singulares determinados em sua 
singularidade. De fato, Descartes sistematicamente nega que as idéias que 
temos dos objetos em sua singularidade, isto é, as idéias das qualidades sensíveis 
dos objetos, sejam semelhantes a quaisquer qualidades que possam existir ou 
que existam no mundo físico. Mas se é a variação das sensações com suas 
combinações particulares que em cada percepção sensível indica a diversidade 
dos corpos existentes, isto é, se o princípio de individuação das diversas idéias 
das coisas singulares é o conjunto das propriedades secundárias e primárias que 
são exibidas no intelecto, e se a prova do mundo externo não se compromete 
com uma prova da natureza particular das coisas singulares, então nem todo 
conteúdo exibido nas idéias dos objetos singulares pode ter objetividade. 
Entretanto, essa tese de que a validade objetiva das idéias sensíveis se limita à 
presença ou existência em geral de objetos extensosnão parece ser condizente 
com o ponto de partida da prova – as idéias sensíveis dos corpos particulares – 
conjugado à versão expressamente utilizada do princípio de causalidade e à tese 
do deus veraz. 
Dado o ponto de partida da prova – as idéias sensíveis e, portanto, as 
idéias de objetos em sua singularidade – e dada a versão forte do princípio de 
causalidade conjugada a garantia divina de uma inclinação natural, deveríamos 
admitir que a prova do mundo externo legitima a objetividade de todas as 
nossas representações sensíveis e não apenas daquelas representações gerais e 
abstratas, percebidas clara e distintamente pelo entendimento, cuja razão de 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Ethel Menezes Rocha 20 
duvidar foi o recurso a um Deus enganador. Isto é, dada a versão forte do 
princípio de causalidade e a garantia de um Deus veraz a uma inclinação 
natural, a diversidade das sensações, a princípio, deveria corresponder à 
diversidade dos corpos particulares e, conseqüentemente a conclusão da prova 
deveria dizer respeito não apenas à existência do mundo externo em geral mas à 
existência dos objetos tais como são percebidos em sua singularidade. 
Sendo assim, se a prova do mundo externo conclui a respeito da 
existência em geral de substância extensa, mas decorre da aplicação da versão 
forte do princípio de causalidade às nossas idéias sensíveis, então essa prova 
envolve o seguinte embaraço: por alguma razão, as idéias das qualidades 
sensíveis que nos apresentam a individualidade de cada objeto e, portanto, o 
particularizam, embora façam parte das idéias que são ponto de partida para a 
prova não são objeto da aplicação do princípio de causalidade. Isto é, se 
Descartes nega que as qualidades que percebemos existam nas coisas, então tem 
que negar que algo semelhante a essas idéias cause essas idéias. Mas dada as 
restrições impostas pela versão forte do princípio de causalidade e pelo Deus 
veraz diante de uma inclinação, a causa das idéias sensíveis tem o mesmo grau 
de realidade formal que sua realidade objetiva. Ora, na idéia sensível de um 
objeto estão envolvidas as propriedades primárias e as secundárias. Portanto, a 
princípio, a realidade objetiva das idéias sensíveis é constituída por propriedades 
secundárias e primárias. Mas por alguma razão, ao aplicar o princípio de 
causalidade Descartes o faz apenas às idéias das propriedades primárias. 
Uma alternativa plausível para a solução desse embaraço é recorrer a 
uma distinção entre o que seria um conteúdo representativo exibido por uma 
idéia e sua realidade objetiva. Admitindo-se essa distinção, poder-se-ia dizer que 
a idéia sensível exibe em seu conteúdo propriedades primárias e secundárias 
atribuindo-as a um possível objeto, mas que sua realidade objetiva é constituída 
apenas das qualidades primárias exibidas. Isto é, as idéias sensíveis das 
qualidades secundárias, que individualizam os objetos, seriam representativas 
no sentido em que apresentariam um conteúdo de tal forma confuso e obscuro 
que não constituiriam uma realidade objetiva na medida em que não exibiriam 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Princípio de Causalidade, Existência de Deus e Existência de Coisas Externas 21
algo de real (isto é, possível de existir). Essa alternativa, portanto, supõe que se 
possa identificar a opacidade e confusão das idéias sensíveis à ausência de 
realidade objetiva nelas o que, no entanto, não parece ser o caso no sistema 
cartesiano. 
Se as idéias das qualidades sensíveis constituem o princípio de 
individualização das idéias dos objetos particulares, então a confusão e 
opacidade dessas idéias não diz respeito a não exibição de propriedades ou à 
exibição de propriedades confusas e obscuras. Isto é, se o conteúdo das idéias 
das qualidades secundárias dos objetos é confuso não pode ser em virtude de 
não exibir propriedades ou de exibir propriedades não determinadas. Quando 
represento um determinado objeto, o represento como sendo, por exemplo, de 
uma determinada cor, com um determinado sabor, temperatura, etc... e é por 
que exibo no conteúdo da minha idéia desse objeto essas propriedades que 
posso representar esse objeto como tendo essas propriedades e, portanto, 
como sendo esse objeto e não outro. Isto é, se sempre que representamos 
alguma propriedade essa vem atrelada a uma substância, se nossas 
representações sensíveis mesmo quando confusas e obscuras ainda assim 
permitem a distinção de propriedades e atribuição a um objeto determinado, 
então, por um lado, parece, não podemos identificar opacidade e confusão à 
ausência de realidade objetiva. 
Por outro lado, Descartes, na III Meditação admite que as idéias 
sensíveis das qualidades secundárias constituem fortes candidatos à falsidade 
material visto que atribuem propriedades a objetos que talvez não possam 
possuir essas propriedades. Nessa passagem Descartes afirma, por exemplo: 
“...ignoro se as idéias que eu concebo dessas qualidade [luz, cores, sons, odores, 
sabores, calor, frio e as outras qualidades que caem sob o tato] são, com efeito, 
as idéias de algumas coisas reais ou se não me representam apenas seres ... que 
não podem existir” (AT VII, 43). Um pouco adiante Descartes define a 
falsidade material das idéias da seguinte maneira: “... pode ocorrer que se 
encontre nas idéias uma certa falsidade material, a saber, quando elas 
representam o que nada é como se fosse alguma coisa”. Sendo assim, parece 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Ethel Menezes Rocha 22 
que podemos afirmar que as idéias sensíveis dos objetos em sua singularidade 
seriam candidatas à falsidade material na medida em que exibiriam propriedades 
como sendo de objetos extensos quando não se pode determinar clara e 
distintamente na própria idéia se são modos possíveis dos objetos extensos. 
Resta examinarmos se o fato das idéias sensíveis serem fortes candidatos á 
falsidade material determina que não tenham realidade objetiva. 
Sabemos que somente as idéias confusas e obscuras podem ser idéias 
materialmente falsas. Como afirma Descartes nas suas respostas às Quartas 
Objeções: “a falsidade material tem origem apenas na obscuridade das idéias”. 
Entretanto, sabemos ainda que nem toda idéia confusa e obscura é 
materialmente falsa visto que algumas idéias confusas e obscuras oferecem 
pouca oportunidade para um juízo errado. Por exemplo, as idéias 
voluntariamente forjadas pela imaginação, mesmo quando confusas e obscuras, 
porque são reconhecidamente produtos da imaginação, dificilmente seria 
material para um juízo falso7. Sendo assim, parece que podemos afirmar que 
duas coisas determinam a falsidade material de uma idéia: 1) o grau de clareza e 
distinção das idéias e 2) o não reconhecimento de que são obscuras e confusas. 
Aparentemente, as idéias reconhecidamente claras e distintas8 seriam aquelas 
que constituiriam material verdadeiro para juízos verdadeiros (dada a prova da 
existência de Deus) e as idéias confusas e obscuras que não dependem do meu 
arbítrio, seriam materiais falsos para a constituição de juízos verdadeiros e, 
portanto seriam aquelas materialmente falsas. 
Pode-se afirmar, portanto, que uma idéia materialmente falsa é tal que 
fornece material para erro em dois sentidos: 1) qualquer juízo que a afirma 
como uma verdadeira representação de algo necessariamente será um juízo 
falso. Além disso, 2) uma idéia materialmente falsa leva ao erro na medida em 
 
7 Ver respostas de Descartes às Quartas Objeções, AT VII, 234-235. 
8 Deixo de lado aqui a questão de se Descartes de fato nos dá critérios lógicos (em 
oposição a psicológicos) para o reconhecimento das idéias legitimamente claras e 
distintas. Essetema foi tratado em outro artigo sob o título de “Prudência da vontade e 
erro em Descartes” em Verdade, Conhecimento e Ação – Ensaios em homenagem a Guido 
Antônio de Almeida e Raul F. Landim Filho.) 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Princípio de Causalidade, Existência de Deus e Existência de Coisas Externas 23
que nada na idéia, ela mesma, permite que determinemos que se trata de um 
material que leva ao juízo falso. Nesse sentido, podemos afirmar com segurança 
que não é possível reconhecer a falsidade material de uma idéia se simplesmente 
examinamos a idéia. As idéias materialmente falsas seriam aquelas que por não 
apresentarem nenhum sinal próprio de falso material (do contrário não 
poderiam levar ao erro), seriam tomadas como idéias de algo real que, na 
verdade, não o é. 
Sendo assim, até aqui podemos afirmar que: 1) a falsidade material de 
uma idéia consiste no fato de inadvertidamente exibir em seu conteúdo uma 
substância com propriedades que não lhe pertencem; 2) uma idéia sensível 
exibe propriedades como cores, sabores, etc., e, como em toda idéia, essas 
propriedades aparecem como atreladas a substâncias; 3) o erro das idéias 
sensíveis quando são materialmente falsas consiste em exibir em seu conteúdo 
algo (uma qualidade sensível) como se fosse uma qualidade real (possível) da 
matéria quando de fato é uma qualidade da mente; 4) nada na idéia ela mesma 
me fornece meios para detectar esse erro. Tanto as idéias sensíveis confusas e 
obscuras que são materialmente falsas, quanto as idéias claras e distintas, quanto 
as idéias confusas e obscuras que não fornecem material para um juízo falso (as 
idéias fictícias, por exemplo) exibem um conteúdo (atributos ou modos de 
substâncias) que, tomado nele mesmo, nos aparece como possível. Todas essas 
idéias, tomadas independentemente da existência atual de seus objetos e, por 
isso mesmo, tomadas nelas mesmas, representam coisas possíveis com 
determinadas características. Isto é, até aqui podemos afirmar que tanto as 
idéias claras e distintas, quanto as fictícias e as materialmente falsas exibem um 
conteúdo. Sabemos que o conteúdo exibido por uma idéia são as propriedades 
exibidas e essas atribuídas a uma determinada categoria de substância. Sabemos 
ainda que as idéias sensíveis que são materialmente falsas contêm o erro 
categorial de inadvertidamente atribuir as propriedades que exibe a uma categoria 
de ser que não tem essas propriedades. 
Como vimos, para sustentarmos que o princípio de causalidade não se 
aplica às idéias sensíveis dos objetos em sua singularidade devemos sustentar 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Ethel Menezes Rocha 24 
que as idéias sensíveis das qualidades secundárias não exibem uma realidade 
objetiva em seu conteúdo representativo. Até aqui temos que a falsidade 
material das idéias sensíveis dos objetos em sua singularidade envolve a 
exibição de propriedades atribuídas a substâncias que não têm essas 
propriedades. Se é assim, a princípio parece que poderíamos identificar a 
falsidade material de uma idéia à ausência de realidade objetiva exibida em seu 
conteúdo: uma idéia não teria realidade objetiva quando ela exibe algo que não 
pode existir no mundo atual e as idéias sensíveis que são materialmente falsa 
seria um exemplo dessas na medida em que exibiriam objetos que não existem 
(objetos com propriedades secundárias). 
A noção de realidade objetiva no sistema cartesiano está intrinsecamente 
relacionada a sua teoria da modalidade: quanto maior grau de realidade objetiva 
tem uma idéia, maior a possibilidade de sua existência. Mas se é assim, em que 
sentido ainda pode-se afirmar que as idéias sensíveis dos objetos singulares em 
sua particularidade não têm realidade objetiva? Para que as idéias sensíveis que 
podem ser materialmente falsas possam ser identificadas àquelas que não têm 
realidade objetiva seria preciso sustentar que seu conteúdo não exibe algo real 
(isto é, possível de existir). Mas no que consistiria essa impossibilidade relativa 
ao conteúdo das idéias sensíveis dos corpos em sua particularidade? 
Afirmar que o conteúdo das idéias sensíveis das qualidades secundárias 
não tem realidade objetiva parece problemático por duas razões: 1) trata-se de 
um conteúdo que me aparece como logicamente possível e, não só isso, mas 2) 
trata-se de um conteúdo que não parece ser intrinsecamente falso na medida 
em que ao menos indica a presença e variação de coisas externas. Isto é, não 
parece plausível afirmar que aquilo que essas idéias exibem em seu conteúdo 
implica uma impossibilidade lógica visto que posso pensar esse conteúdo como 
possível. Não nos aparece como logicamente impossível que as qualidades 
secundárias que percebo sejam qualidades de coisas materiais do contrário não 
haveria possibilidade de julgarmos verdadeiro esse conteúdo e, 
conseqüentemente, não haveria possibilidade de erro. Assim, se posso julgá-la 
corretamente como sendo uma idéia (materialmente) falsa ou julgá-la 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Princípio de Causalidade, Existência de Deus e Existência de Coisas Externas 25
erradamente como uma idéia verdadeira então é porque a idéia sensível das 
qualidades secundárias é logicamente possível. Se posso pensar esse conteúdo 
como possível, então posso tomar o conteúdo exibido ao meu espírito pela 
idéia sensível como sua realidade objetiva. Posso me enganar quanto a realidade 
objetiva de minhas idéias sensíveis porque posso pensar (e de fato penso) que o 
que é exibido no conteúdo das minhas idéias sensíveis é possível de existir no 
mundo quando, segundo a ciência cartesiana, não é. Mas isso não é o mesmo 
que afirmar que essas idéias não têm realidade objetiva. Se posso pensar 
erroneamente que esse conteúdo é possível é porque ele é logicamente possível 
e só não é possível segundo as leis da ciência cartesiana do mundo físico. As 
idéias sensíveis, portanto, envolvem a possibilidade de um erro (quando as julgo 
verdadeiras) mas posso não errar quanto a elas (se as julgo falsas). Mas se é 
assim, aquilo que elas exibem é verdadeiro ou falso, o que implica na sua 
possibilidade lógica. Não podemos afirmar que Descartes admite que é a 
impossibilidade de existência no mundo atual daquilo que é exibido pelo 
conteúdo das idéias que determina a ausência de realidade objetiva das idéias se 
não quisermos atribuir a Descartes a tese embaraçosa de que só as idéias com 
validade objetiva nesse mundo têm realidade objetiva. Essa tese seria absurda 
visto que, por exemplo, as idéias fictícias necessariamente não têm validade 
objetiva já que são impossíveis segundo as leis naturais e, no entanto, têm 
realidade objetiva. 
Sendo assim, temos que admitir que as idéias sensíveis exibem um 
conteúdo possível. Além disso, as idéias sensíveis não são intrinsecamente 
falsas na medida em que indicam uma variação nas coisas que de algum modo é 
relevante para a união corpo e alma mover-se em direção ao prazer e/ou em 
direção oposta a dor. Embora Descartes, por um lado, insistentemente afirme 
que não há nas coisas materiais nada semelhante às qualidades secundárias que 
percebemos nelas, por outro lado, também afirma que as variações nas nossas 
percepções sensíveis indicam variações dos objetos singulares percebidos. 
Como expressão da união corpo e alma as idéias sensíveis (as sensações) 
exibem ao meu intelecto informações sobre os estados do meu corpo e, através 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Ethel Menezes Rocha 26 
dessas variações, exibem informações sobre a existência de coisas externas 
variadas na medida em que são relevantes para a minha subsistência ou 
destruição. Se é assim, temos mais uma razão para admitir que, aindaque 
confusas e obscuras, essas idéias preservam uma realidade objetiva. Que as 
sensações contem realidade objetiva e, por isso mesmo, exigem uma causa 
parece claro quando atentamos para o que Descartes afirma na Terceira 
Meditação: “a idéia de calor, ou a idéia da pedra, não pode estar em mim se não 
tiver sido aí colocada por alguma causa que contenha em si ao menos tanta 
realidade quanto aquela que concebo no calor ou na pedra” (AT VII, 43). 
Parece, portanto, que podemos afirmar que há uma diferença precisa 
entre o que seria um conteúdo representativo impossível do ponto de vista da 
ciência cartesiana, um conteúdo logicamente impossível e um conteúdo 
representativo confuso e obscuro. Um conteúdo impossível do ponto de vista 
da ciência cartesiana pode ser confuso e obscuro, mas não é necessariamente 
logicamente impossível. E um conteúdo logicamente impossível nem é confuso 
e obscuro, mas sim inconcebível. O fato de ser um conteúdo confuso e 
obscuro não determina que não haja realidade objetiva. Só um conteúdo 
inconcebível não tem realidade objetiva. Um conteúdo logicamente impossível 
nem mesmo se configura como um conteúdo representativo propriamente dito. 
Trata-se do que seria uma idéia contraditória e, portanto impensável. Um 
conteúdo confuso e obscuro, por sua vez, se constitui como conteúdo 
representativo. Assim, por um lado, as idéias sensíveis exibem algo e, portanto, 
representam algo sobre cuja natureza podemos facilmente nos enganar: 
podemos julgar que são propriedades de coisas materiais quando são modos da 
mente. E o que seriam idéias contraditórias, por outro lado, são tais que nada é 
exibido ao espírito visto que seu objeto é inconcebível. Na verdade, o objeto 
dessa idéia nem pode ser representado nem pode existir. Por exemplo, não é 
inconcebível que haja algo semelhante à minha sensação de quente no fogo, 
embora seja uma concepção errada do ponto de vista da ciência cartesiana, mas 
é logicamente inconcebível uma montanha sem um vale ou um quadrado 
redondo, etc. 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Princípio de Causalidade, Existência de Deus e Existência de Coisas Externas 27
As idéias sensíveis que podem ser materialmente falsas, portanto, 
embora confusas e obscuras, possuem realidade objetiva ainda que tenham 
menos realidade objetiva do que as idéias claras e distintas. Entretanto, embora 
haja uma variação no grau de realidade objetiva das idéias, esta variação 
depende não de um erro exibido na idéia, mas sim da categoria de ser da coisa 
representada. As idéias de substância têm maior grau de realidade objetiva que 
as de atributo ou as de modos visto que na hierarquia da ontologia cartesiana os 
modos têm menos realidade formal que os atributos e esses menos que as 
substâncias. Ao menos isso é o que parece ser o que Descartes quer dizer 
quando, nas respostas as Segundas Objeções, Axioma VI, afirma: “Há diversos 
graus de realidade...: a substância tem mais realidade do que o acidente ou o 
modo, e a substância infinita mais do que a finita. Eis por que também há mais 
realidade objetiva na idéia de substância do que na de acidente, e mais na idéia 
de substância infinita do que na de substância finita” (AT VII, 165-166). Ora, as 
idéias sensíveis exibem em seu conteúdo o que seriam modos de uma 
substância, visto que quando concebemos modos ou atributos imediatamente 
os atrelamos a uma substância, já que, segundo Descartes nas suas respostas às 
Quartas Objeções “não temos um conhecimento imediato de substâncias... nós 
as conhecemos através da percepção de certas formas ou atributos que devem 
ser inerentes em algo, se existem. E é isso a que são inerentes que chamamos 
substâncias” (AT VII, 222). Entretanto, no caso das idéias sensíveis, mesmo 
quando atrelamos as propriedades secundárias aos corpos materiais e, portanto 
à substância extensa, ao mesmo tempo as atrelamos à substância pensante na 
medida em que essas idéias nos aparecem como nossas sensações (portanto, 
modos da mente) de algo no mundo (portanto, modos do corpo). Se é assim, o 
conteúdo das idéias sensíveis exibe uma substância indeterminada já que, por 
assim dizer, incompleta na medida em que aquilo a que as propriedades são 
atribuídas envolve duas substâncias que se complementam. A completude e 
determinação dos atributos são características das substâncias, como diz 
Descartes nesse mesmo trecho das respostas às Quartas Objeções: “por uma 
coisa completa eu simplesmente quero dizer uma substância dotada das formas 
ou atributos que me permitem reconhecê-la como substância”. Sendo assim, se 
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Ethel Menezes Rocha 28 
a substância exibida pelas idéias sensíveis que podem ser materialmente falsas é 
indeterminada então, essas idéias são tais que o conteúdo por elas exibido ao 
espírito consiste no que seria menos nobre na ontologia cartesiana já que nesse 
conteúdo seriam exibidos modos de uma substância incompleta. Ora, se na 
ontologia cartesiana o que tem mais grau de realidade é a substância e se esta se 
caracteriza por sua completude e independência com relação às outras, então 
aquilo que seriam modos de uma substância incompleta só pode ser aquilo que 
tem menos grau de realidade. E se o grau de realidade objetiva de uma idéia 
depende da categoria do ser representado, então as idéias sensíveis que exibem 
uma substância incompleta têm o menor grau de realidade objetiva. E é isso o 
que torna o grau de realidade objetiva dessas idéias menor e não o fato de 
inadvertidamente exibirem um erro categorial (atribuindo propriedades a categoria 
errada de ser). 
Visto, portanto, que a realidade objetiva de uma idéia está 
intrinsecamente relacionada com a possibilidade lógica de seu conteúdo 
corresponder a algo que independa da mente (em oposição à possibilidade 
segundo uma certa ciência), então temos que admitir que se uma idéia tem conteúdo 
representativo tem uma realidade objetiva. Além disso, visto que o grau de 
realidade objetiva das idéias depende da categoria do ser que seu conteúdo 
exibe, então as sensações são as que têm menor grau de realidade objetiva na 
medida em que exibem modos do que seria a substância menos nobre visto que 
indeterminada. E visto que quanto mais realidade objetiva mais clara e distinta 
uma idéia é, então a confusão e opacidade das sensações que, como vimos, não 
depende de uma contradição lógica se deve ao fato de exibir modos de 
substância menos nobre o que, entretanto, não as exime de ter uma causa. 
É exatamente porque as sensações têm uma causa, mas exibem obscura e 
confusamente uma substância menos nobre que, na III Meditação, Descartes 
admite a possibilidade de que o próprio eu possa ser sua causa. Isso parece ser 
o que ele quer dizer quando afirma nessa meditação: “[as idéias do calor e do 
frio] já que me revelam tão pouca realidade... não vejo razão pela qual não 
possam ser produzidas por mim mesmo e eu não possa ser o seu autor” (AT 
VII, 44). Isto é, visto que sou substância, embora finita, a princípio posso ser a 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Princípio de Causalidade, Existência de Deus e Existência de Coisas Externas 29
causa de qualquer realidade que tenha o mesmo ou menos grau de perfeição 
que eu. Essa solução, entretanto, para a causa das idéias sensíveis não poderá 
ser confirmada na VI Meditação vistas as restrições postas na prova do mundo 
externo. Ao recorrer explicitamente ao princípio de causalidade em sua versão 
forte, que envolve, portanto o modelo de causalidade formal, e conjugá-lo à 
tese de um Deus veraz garantindo assim a legitimidade de uma inclinação 
natural, Descartes terá, então, que concluir que não posso ser eu o autor das 
minhas idéias sensíveis. O recurso a essa versão do princípiode causalidade 
restringe a causa das idéias sensíveis a realidades formais com tanto ou mais 
grau de realidade que a realidade objetiva das idéias das coisas sensíveis, a saber, 
ou eu, ou as próprias coisas sensíveis, ou Deus. E o recurso a um Deus veraz 
que garante a legitimidade de uma inclinação natural, limita ainda mais essa 
causa: só as próprias coisas sensíveis podem ser a causa das idéias sensíveis. 
Mas, se mantivermos em mente essa versão do princípio de causalidade 
explicitamente mencionada por Descartes na prova da VI Meditação, 
deveríamos concluir que a causa das idéias sensíveis das coisas são as próprias 
coisas tais como são exibidas ao espírito pela realidade objetiva de suas idéias. 
Isto é, as coisas sensíveis, que são causas das idéias sensíveis, dado o modelo de 
causalidade formal que é o que a princípio Descartes sempre utiliza, teriam 
tantas e as mesmas propriedades que aparecem na realidade objetiva de suas 
idéias. Descartes concluiria, portanto, não só que existem coisas extensas mas 
também que elas são variadas de uma determinada maneira, da mesma maneira 
como a singularidade de casa coisa é exibida nas idéias sensíveis. Mas não é essa 
conclusão cartesiana. Como vimos, a conclusão da prova do mundo externo na 
VI Meditação é a da presença de um mundo externo em geral e não a da existência 
determinada das coisas singulares. Mas se é assim então trata-se de rever a versão do 
princípio de causalidade utilizada na prova tornando-o um princípio que exija 
apenas uma causa eficiente e não formal. A inclinação natural a julgar que a 
causa das idéias sensíveis não sou eu mas sim as próprias coisas sensíveis estaria 
ainda assim garantida por um Deus Veraz mas essa causa não necessitaria ter a 
mesma essência (propriedades) que seu efeito (ou uma essência mais nobre). 
Mas agora, para que ambas as provas, a da existência de Deus e a da existência 
Cad. Hist. Fil. Ci., Campinas, Série 3, v. 10, n. 1, p. 7-30, jan.-jun., 2000. 
Ethel Menezes Rocha 30 
do mundo externo sejam legítimas caberia mostrar que ambas as versões 
embora irredutíveis e a princípio uma derivada da outra, são, entretanto, noções 
primitivas. 
 
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	CDD: 122
	Universidade Federal do Rio de Janeiro
	REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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