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Os obeliscos e suas escrituras

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Os obeliscos e suas escrituras 
 
 
 
 Márcia Raquel de Brito Saraiva1 
 
 
Quando falamos em civilização egípcia, o habitual é que façamos referências às 
suas grandes construções, seu passado glorioso, seus reis e rituais. As pirâmides de Queóps, 
Quéfren e Miquerinos, seus templos em Karnak, Luxor, Abidos, entre tantas outras 
construções faraônicas, não raramente são chamadas a constituir um cenário que focalize 
atributos como duração, solidez e beleza. 
Mas, no cotidiano do Povo da Esfinge2, assim denominado por Margaret Marchiori 
Bakos, preceptora da Egiptomania no Brasil, em seu livro de mesmo título, também se faz 
presente outro atributo, outra prática, de significado tão ou mais importante que as demais: 
a escrita, ou melhor, os hieróglifos. 
A pesquisa sobre a qual discorre o texto, tem origem em um projeto de cunho 
nacional, Egiptomania no Brasil – Séculos XIX e XX, fomentado pelo CNPq e coordenado 
pela orientadora desta trabalho, Margaret Bakos. 
Segundo esta autora, em recente trabalho publicado no exterior, de título 
Egyptianizing motifs in Architecture and Art in Brazil3, a admiração e respeito por todos os 
símbolos, monumentos, e pela cultura da civilização egípcia é mantida, muitas vezes 
 
1Mestranda PPGHPUCRS Bolsista CNPq. 
 
2 BAKOS, Margaret M.; BARRIOS, Adriana M. O Povo da Esfinge. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 
1999. 
3 BAKOS, Margaret M. Egyptianizing motifs in Architecture and Art in Brazil. In: HUMBERT, Jean-Marcel; 
PRICE, Clifford. Imhotep Today. London: UCL Press, 2003. p. 231. 
manifestada pela freqüente de utilização das imagens de obeliscos para fins 
comemorativos. Diz a especialista, que um importante fato para o desenvolvimento da 
Egiptomania no Ocidente foi o de Augusto, imperador romano, ter transladado obeliscos 
egípcios para Roma a fim de demonstrar seu poder aos súditos.4 
Explica ainda que, no Brasil os introdutores do gosto e apreço pelos estudos e 
objetos do Egito Antigo iniciaram com os monarcas D. Pedro I e D. Pedro II, os quais nos 
deixaram um rico acervo de peças egípcias, adquiridas pelo próprio D. Pedro II, em 18245. 
Consideramos a Egiptomania, conforme explica Jean Marcel Humbert, uma vasta 
reutilização dos motivos do Antigo Egito para a criação de objetos e de narrativas 
contemporâneas, em uma época desejosa de objetos antigos autênticos.6 
A pesquisa objetiva analisar a (re)utilização de um tipo de monumento - o obelisco - 
como suporte da memória7 de fatos/personagens no Brasil, mais especificamente no Rio 
Grande do Sul. Para esta análise, faz-se necessário um levantamento da existência de 
obeliscos (número), e os motivos de sua construção, ou seja, o fim para o qual foi 
construído (data, construtor, homenageado). Em nossa pesquisa buscamos saber se existe 
um motivo para a reutilização dos obeliscos, hoje, que não esteja simplesmente relacionado 
com a homenagem apontada pela inscrição, e a partir disto, realizar uma interpretação de 
seu significado. Pode o obelisco conter um significado não explicito nas placas que o 
identificam? Ou ele foi apreendido de seu significado primordial e, hoje, cumpre uma 
função estritamente vinculada ao que está assegurado nos escritos de sua base? 
 
4 _________________ (org). Egiptomania no Brasil. São Paulo: Paris Editoria, 2004. p. 10. 
5 Ibidem p. 12. 
6 HUMBERT, Jean-Marcel. Imhotep Today: Egyptianizing architecture. London: UCL Press, 2003. 
7 A idéia de obelisco como primeiro suporte da memória escrita foi usada por Jacques Le Goff no livro 
História e Memória, p. 431. 
Acreditamos que a partir dos estudos do contexto da execução dos monumentos, do 
conhecimento daqueles que o escolheram, das idéias que permeiam esta escolha, e, por fim, 
daqueles que receberam esse monumento, bem como a repercussão que causou em cada 
época, será possível uma discussão firme, consistente e que servirá de aporte empírico na 
elucidação de questionamentos por nós apontados. 
O obelisco é um elemento originário da antiguidade egípcia. Eram blocos 
monolíticos, com o sentido de cunho mitológico; a representação do primeiro raio de sol 
que desceu pela terra, fazendo a ligação entre o mundo celeste e o mundo dos homens.8 
Mas, conforme Jacques Le Goff, ele também foi o primeiro suporte da escrita, 
juntamente com as estelas (LE GOFF, 1989: 431). 
Os antigos egípcios inventaram a escrita hieroglífica que, segundo Bakos, com sua 
mistura de signos fonéticos e de imagens, é considerada a mais bela entre todas as grafias 
conhecidas.9 O ato de escrever, para os antigos egípcios, significava muito mais que 
registrar um nome, coisa ou pessoa: significava criá-los. A habilidade de escrever era 
atribuída aos ensinamentos do deus Thot. Os escribas, aqueles que praticavam a escrita, 
eram considerados possuidores de atributos divinos. (BAKOS, 2001: 102). 
Na mesma obra, a autora explica o mito do nascimento de Thot, filho de Seth, deus 
do deserto, e Hórus, divindade solar suprema. O foco do conflito do mito eram os irmãos 
Osíris e Seth, que disputavam um lugar mais importante no panteão egípcio. Isis, mãe de 
Hórus, indignada com o fato de Seth ter tentado seduzir seu filho, derrama o sêmen do 
mesmo nas alfaces que Seth cultivava. Ao comer as hortaliças, Seth engravida e concebe 
Thot. 
 
8 BAKOS, op. cit. p. 73. 
9 _______. Fatos e mitos do antigo Egito. 2ª ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001. p. 101. 
O relato acima atenta para a importância quanto ao entendimento da natureza de 
Thot e do poder da escrita. Thot teria sido gerado em um deus invejoso e vingativo, mas 
também seria filho do deus sol, o mais importante de todos. A partir daí, entendia-se porque 
a escrita, invenção extraordinária, diz a autora, podia ser usada tanto para o bem quanto 
para o mal de seus criadores10. 
A partir disto, consideramos a importância do obelisco na Antiguidade Egípcia: o 
objeto – imagem - foi o primeiro suporte da escrita mágica, aquela que perpetuava algo ou 
alguém e que servia pra o bem e para o mal. Apagar os escritos de um obelisco era apagar 
eternamente a memória daquele que o construiu. A integridade de uma pessoa dependia de 
sua perpetuação através da escrita. O apagamento de sua memória inviabilizava a 
imortalidade dos falecidos.11 
Originalmente, um obelisco tinha a escrita (hieróglifo) esculpida em sua própria 
pedra. A leitura deveria ser feita na vertical. Um exemplo disto é o obelisco que se encontra 
em Paris. J. B. Apollinaire Lebas foi quem dirigiu a operação da retirada do obelisco de 
Luxor, que saiu de Tebas pelo Nilo, em direção a Alexandria, em 1832. Depois de 
atravessar o Mediterrâneo e entrar em Toulon, subiu o Sena e chegou à capital francesa em 
1833. E no ano de 1836 ele foi colocado na Praça da Concórdia, no cruzamento entre os 
dois principais eixos da cidade de Paris12. 
No obelisco, a escrita deveria contar a vida e as glórias do governante responsável 
por sua construção. Deste modo, a escrita tornava-o imortal, pois para sempre seu nome 
estaria naquela pedra. 
 
10 BAKOS, 2001. Op. Cit. p. 103. 
11 Idem. P. 105. 
12 Os obeliscos no mundo. EgitoMania. O Fascinante Mundo do Antigo Egito. São Paulo, v. 2, n° 16, p. 318, 
2001. 
O imaginário social pode ser compreendido quando partimos da leitura de Baczko. 
Para ele, o imaginário social, sendo um sistema simbólico produzido pela coletividade, 
observa-se que, conforme os objetivos a que essa sociedade se impõe, será visualizada uma 
nova formade relacionamento entre os agentes e instituições sociais. O imaginário social é 
a elaboração da identidade de uma sociedade e ele é uma das forças que regula a 
coletividade. Sendo o imaginário uma ferramenta do controle da vida coletiva, este será 
também, um dos controladores do exercício da autoridade e poder.13 
Fazemos o seguinte questionamento: como entender o obelisco, originário do Egito 
Antigo, designado para ser um suporte para a escrita, que era considerada mágica e que 
“criava”, fazendo, na atualidade homenagens a heróis de guerra, revoluções, entre outros 
motivos? Que imaginário se criou para além das palavras em agradecimento ao 
homenageado ou ao fato ocorrido? 
Roger Chartier14, em Práticas de Leitura, tem um capítulo escrito por Luis Marin, 
sob o título Ler um quadro: Uma carta de Poussin em 1639, onde lemos o seguinte: “ler é 
reconhecer uma estrutura de significância: que tal forma, tal figura, tal traço, seja um signo, 
que representa qualquer coisa sem que saibamos necessariamente qual seja essa coisa 
representada”. Continuando a leitura, temos: “Ler é também, e enfim, decifrar, interpretar, 
visar e talvez adivinhar o sentido de um discurso”. (CHARTIER, 1996). 
 
13 O poder e a autoridade sofrem modificações de acordo com a época em que estes estão sendo observados, 
pois o imaginário de uma sociedade, como diz Baczko, modifica-se conforme as relações entre as instituições 
e os agentes sociais. Por exemplo, a simbologia do poder da Família Real no Brasil, na figura do imperador, 
segundo Lilia Moritz Schwarcz (MORITZ, 2001) diz que o seu manto, ou, o do soberano, representará o céu 
do Brasil, e a “murça”, do imperador será feita de penas de tucano, “em homenagem aos caciques dessa 
terra”. O cetro do Imperador Rei, feito em ouro maciço media 1 metro e 76 centímetros, representava o 
prolongamento do braço do rei, a administração da justiça terrena.Note que o cetro também era usado pelo 
faraó, como representação do seu poder. 
14 MARIN, Louis. Ler um quadro. Uma carta de Poussin em 1639. IN: CHARTIER, Roger. Práticas de 
Leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. 
É nesse contexto que procuramos elucidar nossa questão. Se existe um discurso, um 
sentido, ou um imaginário que vá além do escrito no monumento, é esta nossa tentativa: 
compreende-lo. 
Regis Debray15, em Vida y muerte de la Imagem: Historia de la mirada em 
occidente, escreve a seguinte frase: “Comutador do céu e da terra, intermediário entre o 
homem e seus deuses, a imagem cumpre uma função de relação. Põe em contato términos 
opostos. Ao assegurar uma transmissão (de sentido, de graça ou de energia), serve de 
enlace”. (DEBRAY, 1992). No mesmo texto, o autor explica: 
 
Durante milênios, as imagens fizeram os homens entrar em um sistema de 
correspondências simbólicas, ordem cósmica e ordem social, muito antes que a 
escrita linear viesse pentear as sensações e as cabeças. Assim, os mitogramas e 
pictogramas do paleolítico, quando ninguém sabia ler e escrever. Assim os 
egípcios e os gregos, depois da invenção da escrita. Os vitrais, os baixo-relevos e a 
estatuária transmitiram o cristianismo a comunidades iletradas. Estes não teriam 
necessidade de um código de leitura iconológica para captar os significados 
secundários, os valores simbólicos da genuflexão, da crucificação ou da trindade. 
Estas imagens e os rituais aos quais estão associadas, afetaram as representações 
subjetivas de seus espectadores e, em conseqüência, contribuíram para formar 
manter ou transformar sua situação no mundo, pois transmitir um ismo não é 
somente popularizar valores, é também modelar comportamentos, instaurar um 
estilo de existência.(DEBRAY, 1992: 47). 
 
 
Porém, é Margaret Bakos, preceptora no estudo da reutilização de elementos do 
antigo Egito no Brasil, que nos dá a explicação e o referencial para essa prática, tornando-
se, assim, o principal marco teórico para qualquer estudo que se relacione com o assunto. 
Bakos afirma: 
 
 “De fato, o gosto pela re/utilização de elementos da cultura 
egípcia antiga, no Brasil, chegou até nós vindo da África às Américas, ao 
sabor das etnias, de credos e de valores mundanos muito diferenciados. 
Tais práticas se constituem, além de exemplares únicos, em fragmentos 
 
15 DEBRAY, Régis. El nascimiento por la muerte. IN: Vida y muerte de la imagen. Barcelona: Paidos, 1992. 
preciosos de um fenômeno de transculturação de longa duração, que vem 
atravessando espaços oceânicos e continentais em um movimento 
contínuo e intermitente: a apropriação, por outras culturas, de elementos 
do antigo Egito. Elas demonstram que a civilização ocidental foi 
construída tomando algumas peças de empréstimo ao oriente, ainda que o 
mosaico resultante fosse sempre diferente, essencialmente ele era o 
mesmo”. 
“(...) É que essa última (a Egiptomania) não condiciona a apropriação de 
elementos do Antigo Egito, ao conhecimento específico e erudito de seu 
significado original, à época de sua criação, mas à sensibilidade daqueles 
que a utilizam, seja para expressão artística, seja para a venda de algum 
produto”.16 
 
 
Assim, apoiados nesta leitura, pensamos que o obelisco transmite, na sua 
reutilização por uma grande duração através da história, um sentido compreendido para 
além daquilo que escreve apenas. Ele encerra o caráter de preservação da memória, de 
poder sobre a existência, de perpetuação. Pois sabemos que a escrita hieroglífica 
desapareceu após a invasão dos gregos, e também, a sua existência mágica. A escrita hoje é 
utilizada não mais para criar, mas para registrar; porém o suporte continua, nos casos que 
estudamos, o obelisco. Assim como sua utilização, as inscrições que o designam também 
foram alteradas em seu modo de apresentação. Hoje, o obelisco é acompanhado, em sua 
maioria, por placas de materiais como o bronze, o ferro, onde a inscrição é, então, 
registrada. Dificilmente encontramos obeliscos que apresentem a mesma em sua própria 
pedra. 
Este é, também, um problema que merece atenção. O desaparecimento das placas, 
pelo valor do material de que são constituídas, ou, simplesmente, por ato de vandalismo, 
faz com que o monumento perca a referência. Notemos que, assim como no Egito da época 
dos faraós, onde apagar o hieróglifo significava apagar a existência do morto, hoje, aos 
 
16 BAKOS, Margaret Marchiori. O Egito Antigo: na fronteira entre ciência e imaginação. IN: NOBRE, C., 
CERQUEIRA, F; POZZER, K. (ed.).Fronteiras & Etnicidade no mundo antigo. 13 Reunião Anual da 
Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos. Pelotas, 2003: Canoas: ULBRA, 2005. 271-281. 
retirar-se a placa de referência, do mesmo modo apaga-se a memória do homenageado. É o 
caso do obelisco encontrado na praia de Imbé. 
Em História e Memória, Riegel vai ao encontro do pensamento de Le Goff,17 
quando este diz que o documento é o resultado de uma montagem, consciente ou não, da 
história, da época, da sociedade que o produziu, mas também o é das épocas sucessivas, 
durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou sendo 
manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica e o testemunho que 
ele traz deve ser analisado para desmistificar-lhe o significado aparente. O documento é um 
monumento, resultado do esforço da sociedade que o escolheu para mostrar, futuramente, 
voluntária ou involuntariamente, determinada imagem escolhida de si própria. 
No significado original da palavra, monumento significa qualquer artefato erigido 
para uma comunidade de indivíduos, a fim de comemorar ou relembrar às futuras gerações 
eventos, sacrifícios, práticas ou crenças,diz Choay, formada em Filosofia e Historiadora 
das Teorias e das formas urbanas e arquitetônicas na Universidade de Paris em seu texto 
The Invention of Historic Monument18. A especificidade do monumento, entretanto, é a 
função direta pela qual ele age na memória. Tem, portanto, a função de manter ou 
preservar, também, a identidade étnica, religiosa, nacional, tribal ou familiar de um grupo. 
Debray diz que uma imagem é um signo que apresenta a particularidade que pode e 
deve ser interpretada, mas não pode ser lida. De toda a imagem, diz ainda, se pode e se 
deve falar, mas a imagem por si própria não pode19. Dentro desta proposta é que sabemos 
existir uma interpretação na ressignificação dada aos monumentos que estudamos. Suas 
 
17 LE GOFF, Jacques. Historia e Memória. Campinas: Unicamp, 1989. 
18 CHOAY, Françoise. Introduction: Monument and Historic Monument. In: The Invention of Historic 
Monument. Traduçao de Lauren M. O’Connell. Cambridge: University Press, 2001. 
19 DEBRAY. Op. Cit. p. 51. 
homenagens, as datas, os construtores, enfim, tudo que ali está inscrito tem uma razão de 
ter escolhido ali estar. É muito pertinente a leitura de Manuel Guimarães e Hilda Machado, 
em História e Imagem20. Salienta que cada texto tem suas próprias regras de composição e 
deciframento, e alerta-nos para os riscos do reducionismo implícito numa leitura das 
imagens a partir das regras da escrita. Da mesma forma que o texto escrito não é 
reprodução da linguagem oral, a imagem e a sua leitura não se resolvem pelo texto escrito. 
Segundo Fekri A. Hassan, em seu texto de título Imperialist Appropriations of 
Egiptian Obelisks21, ao “canibalizar” outras civilizações, observa-se uma apropriação 
arqueológica dos monumentos e documentos na busca de legitimar o poder dos grandes 
impérios. Então esses monumentos passam a ser utilizados como se tivessem sido criados 
pela própria civilização dominante. Para este autor, os obeliscos são tratados e investidos de 
funções ideológicas conforme o período histórico desde o cristianismo até o nacionalismo. 
Entretanto, apesar da ideologia imperialista, o obelisco continua sendo um símbolo de 
dominância e hegemonia cultural, e permanece como um ícone do poder imperial. 
Em um levantamento realizado no Rio Grande do Sul, nos chamou a atenção a 
existência de vários destes monumentos erigidos em homenagem à Revolução Farroupilha, 
através da valorização do acontecimento em si ou da lembrança de seus heróis. Temos a 
presença desta construção fazendo homenagens aos farrapos nas cidades de Porto Alegre, 
Garibaldi, Viamão, Pelotas, Piratini, Novo Hamburgo e Dom Pedrito. 
Portanto, tendo um monumento a função de preservar uma memória a partir da 
recordação de um acontecimento, e sendo o obelisco o primeiro suporte para a memória, 
 
20 GUIMARÃES, Manuel Luis de L.S., MACHADO, Hilda. Introdução. IN: História e Imagem. Rio de 
janeiro: UFRJ, 1998. p. 15. 
21 HASSAN, Fekri A. ImperialistAppropriations of Egiptian Obelisks. In: JEFFREYS, David. Edited by. 
Views of Ancient Egypt since Napoleon Bonaparte: imperialism, colonialism and modern appropriations. 
London: University College London, 2003. 
podemos entender a utilização deste monumento nos casos apresentados como um 
perpetuador de uma identidade gaúcha representativa de ideais de igualdade, liberdade e 
busca de uma forma de poder não totalitária, como foi o movimento dos Farrapos: “um 
movimento liberal que pretendia a liberdade garantida pelas leis, a federação com 
autonomia da província e do município e o controle do poder do Estado pelos 
representantes do povo.22 
 Isto serviu às idéias dos primeiros republicanos como estratégia de contrapor 
historicamente os princípios monárquicos do Império Brasileiro. Se assim compreendido, o 
obelisco de Pelotas efetiva a interpretação. 
No ano de 1884, surge, na cidade de Pelotas, o primeiro monumento republicano 
erigido no Brasil, ainda no período imperial. Foi construído pelo Partido Republicano de 
Pelotas em homenagem ao conterrâneo Domingos José de Almeida, por ter participado do 
governo Farroupilha. Além desta homenagem, datada de 1884, há uma inscrição relativa ao 
Centenário da Pacificação Farroupilha, comemorado em 1945. Em relevo, destacam-se o 
escudo da República Rio-Grandense, o emblema da fraternidade e o Barrote Frígio23. 
O Barrete Frígio representa os ideais de liberdade republicanos (bastante utilizado 
na representação da Revolução Francesa) e o emblema da Fraternidade, os ideais de 
igualdade. 
O caso do obelisco da cidade de Nova Milano é um caso que exemplifica os 
questionamentos levantados no trabalho. 
 
22 FLORES, Moacyr. A Revolução Farroupilha. 4a. ed. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. Pág. 34. 
23 http://www.iphan.gov.br, registrado no Livro Histórico V1, Flh 072, Insc 313. Data: 1955. 
Nesta cidade, situada na região da serra gaúcha, em 1925, foi erguido um obelisco 
cuja placa era comemorativa ao Cinqüentenário da Imigração Italiana no Rio Grande do 
Sul. Sua inscrição: 
“ Ai pioneri della civiltá latina 1875-1925 “. 
O Jornal A Federação de 26/11/1925, na sessão “Várias”, comunica a presença do 
embaixador da Itália, barão Montagna no estado. E apresenta, ao enumerar as diversas 
atividades pela passagem do centenário da colônia italiana no RS, a seguinte informação: 
“Terça: 8 de dezembro – partida para Caxias, do embaixador da Itália, o qual 
presidirá à cerimônia inaugural da Columna Comemorativa do Cincoentenário e de uma 
lápide em Nova Milano”24. 
Cleodes Maria Ribeiro ao referir-se a tal monumento25, destaca-o como uma obra de 
valor intrínseco e educativa, já que faz recordar um evento memorável. Indo além, agrega a 
ele um valor emblemático: o de se símbolo da resistência contra o confisco da memória 
coletiva. 
O contexto que envolve o fato é importante para a compreensão do relato do 
mesmo. 
As celebrações da Festa da Uva eram realizadas anualmente de 1931 a 1934, 
conforme Ribeiro. Por questões econômicas, houve um intervalo de três anos, e em 1937 
teve sua última edição. De 1938 até 1950 a festa não foi realizada. A interrupção, segundo a 
autora, se deu pelo movimento de ordem política que envolveu o Brasil de 30 até o final da 
II GM. Houve restrições por parte do governo nacionalista para com as manifestações das 
 
24 Jornal A Federação. 26/11/1925. Acervo do Arquivo Hypólito. 
25 RIBEIRO, Cleodes Maria Piazza Julio. Festa & Identidade: como se fez a festa da uva. Caxias do Sul: 
EDUCAS, 2002. p. 141. 
comunidades de origem estrangeira, e em relação aos italianos, conforme aponta a autora, 
foram observados como propensos expansionistas do fascismo. 
O episódio que interessa é o da retirada da placa do monumento, conforme uma 
testemunha, descrita no livro de Ribeiro: 
 
[...] durante a Segunda Guerra Mundial, lá por volta de 1941, 1942, 
chegou um militar e uns soldados e lá, na praça de Nova Milano, com um pé-de-
cabra, arrancaram a placa do monumento e levaram embora. Na manhã seguinte 
apareceu no mesmo lugar um pedaço de tábua, com a mesma inscrição, em tinta 
azul. A placa estava amarrada no obelisco com um fio de arame de cada lado. E lá 
ficou. Anos depois ficamos sabendo que o tal que arrancou a placa levou ela para 
a Metalúrgica Gazola, em Caxias, e mandou derreter e fazer cinzeiro. Aquele que 
recebeu a placa viu do que se tratava. Não falou nada. Endireitou e guardou ela 
bem guardada. Fez os cinzeiros e mandou entregar pro tenente. Na festa dos 75 
anos (da imigração), com as autoridades de Caxias, muita gente, todo o povo deNova Milano, a placa voltou pro seu lugar [...].26 
 
 
 
Percebe-se, no caso acima, que a placa do obelisco faz muito mais do que registrar o 
fato. Ele perpetua uma memória. E sua existência permite que aquilo que faz menção fique 
eternizado para relembrar, no futuro, importância e reconhecimento. Muito mais que um 
simples monumento, portanto, ele identifica os seus homenageados, ele é a identidade, a 
referência dos italianos naquele momento. 
Lembremos que a Itália possui um número bastante significativo de obeliscos que 
foram retirados do Egito e para lá transportados. Em Roma, são conhecidos os obeliscos da 
Piazza Del Popolo, originalmente erguido por Ramsés II; Piazza S. Giovanni, construído 
por Tuthmosis III, em Karnak; obelisco de Montecitorio, pertenceu a Psammetichos II e o 
obelisco da Piazza Navona, original de Assuã. Existe, ainda, um obelisco no Foro italiano, 
 
26 PIAZZA, Aleixo, 1983; entrevista que integra o Acervo do projeto Ecirs – IMEHC/ Universidade de Caxias 
do Sul. IN: RIBEIRO, 2002. op. Cit. p.142. 
mandado construir pelo próprio Benito Mussilini, a fim de exaltar a ele próprio e 
imortalizando seu império fascista27. 
Assim, concluímos, ao fim deste artigo, que o obelisco sofreu algumas 
modificações de seu sentido original de construção. Durante sua existência, ao longo de 
mais de 3000 anos, ele não mais reverencia ao deus Sol, nem suporta em seu corpo físico as 
escritas mágicas egípcias. Mas preserva, sim, o sentido de imortalidade da memória. O que 
nos faz acreditar em seu significado universal de “poder”. O obelisco preserva o poder de 
perpetuar a memória coletiva de um determinado grupo, através e juntamente com a escrita. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
27 HASSAN, 2003. Passim. 
 
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
 
 
BACZKO, Bronislaw. Imaginação Social. EINAUDI Nº 5. Anthrodos - Homem, 1986. 
BAKOS, Margaret Marchiori. Egiptomania no Brasil: séculos XIX e XX. Projeto de 
PesquisaPorto Alegre, 2001. 
________. Egiptomania: O Egito no Brasil. São Paulo: Paris Editorial, 2004. 
________.Egyptianizing motifs in Architecture and Art in Brazil. In: HUMBERT, Jean-
Marcel; PRICE, Clifford. Imhotep Today. London: UCL Press, 2003. 
________.Fatos e mitos do antigo Egito. 2ª ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001. 
________.Porto Alegre e seus eternos intendentes. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996. 
________. O Povo da Esfinge. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1999. 
________. O Egito Antigo: na fronteira entre ciência e imaginação. IN: NOBRE, C., 
CERQUEIRA, F; POZZER, K. (ed.).Fronteiras & Etnicidade no mundo antigo. 13 Reunião 
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