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A arquitetura Campestre na obra de Ramos de Azevedo A Arquitetura Rural Campineira – A Fazenda São Vicente Programa de Pós-Graduação em Urbanismo CEATEC Maria Rita Silveira de Paula Amoroso Arquitetura Campestre na Obra de Ramos de Azevedo. A arquitetura Rural Campineira: A Fazenda São Vicente em Campinas CAMPINAS 2009 Maria Rita Silveira de Paula Amoroso Arquitetura Campestre na Obra de Ramos de Azevedo. A arquitetura Rural Campineira: A Fazenda São Vicente em Campinas Dissertação apresentada como exigência para a obtenção do Título de Mestre em Urbanismo, ao Programa de Pós-Graduação na área de Arquitetura e Urbanismo do Centro de Ciências Exatas, Ambientais e de Tecnologias da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Orientadora: Profª. Drª. Ivone Salgado Ficha Catalográfica Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e Informação - SBI - PUC-Campinas t728.92 Amoroso, Maria Rita Silveira de Paula. A524a Arquitetura campestre na obra de Ramos de Azevedo. A arquitetura rural campineira: a Fazenda São Vicente em Campinas / Maria Rita Silveira de Paula Amoroso.- Campinas: PUC-Campinas, 2009. 261p. Orientadora: Ivone Salgado. Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Centro de Ciências Exatas, Ambientais e de Tecnologias, Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Inclui bibliografia. 1. Construções rurais – Arquitetura. 2. Construções rurais – Arquitetura – Campinas (SP) 3. Arquitetura – História. 4. Fazenda São Vicente – Campinas (SP) 5. Fazendas de café – Arquitetura. I. Salgado, Ivone. II. Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Centro de Ciências Exatas, Ambientais e de Tecnologias. Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. III. Título. 22.ed.CDD – t728.92 Aos meus amados pais Antonio e Iolanda que sempre me incentivaram nesse amor pelo estudo e pela pesquisa. E ao meu amado companheiro de jornada neste planeta, Luiz Claudio, que sempre está a meu lado com seu amor. Agradecimentos À minha grande amiga e orientadora Ivone Salgado, que desde o primeiro dia me motivou e me ensinou a persistir com dedicação, empenho e muito trabalho dentro deste tema tão envolvente, me conduzindo com paciência e tranqüilidade por todos os caminhos da pesquisa. E também pela oportunidade e o privilégio de trilhar a seu lado em cada congresso que participamos, em cada artigo que escrevemos juntas, sempre me motivando a participar de todos os eventos, ir além do esperado para atingir a meta proposta. Ivone, gostaria que fosse possível que todos pudessem compartilhar a mesma experiência que tive ao seu lado com as trocas de todas as experiências e vivências. Ensinar é uma arte que só pode ser realizada por grandes mestres. Eu apenas posso dizer muito obrigada por ter você ao meu lado não só como mestra, mas como amiga. - A meus agradecimentos aos mestres e doutores abaixo, pela generosidade nas discussões sobre os grandes temas trabalhados durante o curso: Prof. Dr. Wilson “Caracol” Ribeiro dos Santos Junior Prof. Dr. Denio Munia Benfatti Profª. Dra. Doraci Alves Lopes Profª. Dra. Maria Cristina da Silva Schicchi Profª. Dra. Raquel Rolnik Profª. Dra. Laura Machado de Mello Bueno Prof. Dr. Manoel Lemes da Silva Neto Profª. Dra. Maria Cristina da Silva Leme Prof. Dr. Jean Louis Cohen - À CAPES, pela bolsa de mestrado concedida, a qual foi de extrema importância para a execução deste Mestrado. - À banca examinadora, Dra. Marisa V. T. Carpintéro, Dra. Andréa B. Loewen, Dr. Eudes Campos, e aos suplentes Dr. Wilson Ribeiro dos Santos Jr e Dra. Silvana Rubino, pela disponibilidade e dedicação que prestaram ao examinarem este trabalho, cujas sugestões foram muito enriquecedoras para a versão final desta dissertação. - À grande amiga Giovana Mastromauro, que me acompanhou em todos os momentos deste Mestrado, além de congressos, equipes de trabalhos do curso e nos muitos cafés com os irresistíveis bolos de chocolate. - À amiga e futura arquiteta Beatriz Torres. - À grande e velha amiga Dionete Santin, que continua ao longo destes anos – desde o nosso curso de Ecologia na Unicamp – participando de meu percurso profissional em vários projetos, como o Projeto do Jardim Botânico da UNICAMP, realizado com nosso querido e saudoso amigo prof. Dr. Hermógenes de Freitas Leitão Filho; o Projeto do Jardim Botânico de Paulínia; e o Projeto de Restauro Histórico e Ambiental da Fazenda São Vicente (meu objeto de estudo). - Meu agradecimento a Marjorie Helena Salim Rossignatti, bibliotecária da PUC Campinas (Campus I), pelo auxílio na revisão. - A todos os funcionários de Bibliotecas consultadas e que tiveram um enorme carinho para auxiliar nas pesquisas. - Ao Eng° Agrônomo Dr. Durval R. Fernandes, pela grande ajuda nas pesquisas sobre o café. - Ao Sr. Moracy Brandão Hofling e Ligia Camargo Andrade, minha querida amiga. - Ao querido Prof. Dr. Carlos Lemos, pelas dicas e sugestões sobre a busca dos documentos referentes à produção rural de Ramos de Azevedo. - E um agradecimento especial à pessoa mais importante da minha vida: meu marido Eng° Luiz Claudio Amoroso, que participou como engenheiro em todas as obras, assim como nas pesquisas técnicas que envolveram a restauração da Fazenda São Vicente. Quero também destacar que graças à sua compreensão, dedicação e carinho, conseguiu superar a minha ausência nos muitos momentos em que foi necessária a minha presença em congressos ou pesquisas, bem como na solidão necessária do momento de redigir este trabalho. - À Minha saudosa Nina, que partiu quando finalizei este trabalho e que esteve ao meu lado durante todo este período, assim como continuou fazendo sua companheira Blondie (minhas labradoras). - A todos aqueles que estiveram ao meu lado neste período e me ajudaram de alguma forma com este trabalho: meu muito obrigado! a DEUS, por toda a proteção divina que recebo. Resumo AMOROSO, Maria Rita S. Paula. Arquitetura Campestre na Obra de Ramos de Azevedo. A Arquitetura Rural Campineira: A Fazenda São Vicente em Campinas. 2009. 261f. Dissertação (Mestrado em Urbanismo) - Programa de Pós–Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 2009. O engenheiro-arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo produziu uma obra essencialmente urbana que recebeu nos últimos anos uma significativa atenção por parte dos historiadores da arquitetura. Todavia, a produção técnica deste profissional também possuiu uma dimensão rural, como é o caso da sede do antigo complexo cafeeiro da Fazenda São Vicente, em Campinas-SP,a qual passou por uma restauração concluída no ano de 2007, e que é objeto de estudo da presente dissertação. Objetiva-se colocar em evidência as relações entre o que seria uma arquitetura urbana e uma arquitetura rural, destacando como os saberes técnicos são apropriados por agentes sociais no contexto de uma cultura burguesa no auge do ciclo econômico do café no estado de São Paulo. Termos de indexação: arquitetura eclética – arquitetura rural – café. Resumé L´ingéniuer-architecte Francisco de Paula Ramos de Azevedo a produit une oeuvre urbaine qui a reçu ces dernnières années l´atention des historiens de l´architecture. Cependant, dans la production técnique de ce professionnel nous trouvons aussi des maisons de campagne, comme c´est le cas da la maison principale de la Fazenda São Vicente à Campinas, État de São Paulo. Cette maison a subi une restauration qui a été achevée en 2007 et qui est l´objet de cette communication. Notre objectif est celui de metre en evidence les rapports entre une architecture urbaine et une architecture rural dans l´ouvrage de cet architecte. Mots-clés: architecture éclectique – architecture rural – café. “À medida que fui envelhecendo e acumulando recordações, passei a me sensibilizar mais e mais com o desaparecimento de pessoas e referências urbanas. Para mim, eram especialmente perturbadoras as inexplicáveis demolições de prédios. Eu sentia como se, de alguma forma, eles tivessem alma. Agora, estou certo de que essas estruturas marcadas por risos e manchadas por lágrimas são mais do que edifícios inertes. É impossível pensar que, ao fazerem parte da vida, não tenham absorvido as radiações provenientes da interação humana. E eu me pergunto sobre o que resta depois que um prédio é demolido.” Will Eisner• • Texto citado pela Profª. Drª. Marisa Carpintéro no dia do Exame de Defesa desta dissertação. Lista de Ilustrações Figura 1 - Fazenda São Vicente em Campinas-SP durante o restauro............. 1 Figura 2 - Fazenda São Vicente em Campinas-SP depois do restauro.............2 Figura 3 - Fazenda Governo (Paraíba do Sul-RJ)........................................... 12 Figura 4 - Fazenda Pau D ‘Alho (São José do Barreiro-SP)............................ 13 Figura 5 - Fazenda Secretário (Vassouras-RJ)................................................ 14 Figura 6 - Fazenda Santa Justa (Rio das Flores-RJ)....................................... 15 Figura 7 - Fazenda Resgate (Bananal-SP)...................................................... 16 Figura 8 - Desenho planta inferior: casa do Padre Inácio. Plantas arquivo do IPHAN.............................................................................................................. 22 Figura 9 - Casa urbana de senhor de engenho Major Luciano Teixeira Nogueira em Campinas-SP. Taipa de pilão externamente e Taipa de mão internamente.....................................................................................................23 Figura 10 - Planta do 1° andar do sobrado urbano, obedecendo ao esquema zona de estar na frente, seguida da zona de repouso, da sala de jantar e, finalmente, da zona de serviços, nos fundos. Levantamento de Adelaide M. W. D. Esposito. Ao lado, sobrado que pertenceu ao Comendador Barros, onde morou D. Maria Paes de Barros: ficava pouco afastado do centro e dispunha de amplo quintal. ................................................................................................... 24 Figura 11 - Centro de Estudos do Museu, conhecido como “Casa do Barão”, inaugurado em 2005......................................................................................... 25 Figura 12 - Reconstituição digital da casa de Rafael Tobias de Barros, 2° Barão de Piracicaba, executada a partir de antiga documentação iconográfica....................................................................................................... 26 Figura 13 - Reconstituição digital das plantas (do primeiro e segundo andar) do palacete do 2º Barão de Piracicaba.................................................................. 27 Figura 14 - Interior da residência do 2° Barão de Piracicaba, segundo declarações anônimas grafada no verso da foto, que também apresenta a data de 1876 (data da foto ou da construção?). E diz ela também: “detalhe mobília francesa Garraux”............................................................................................. 28 Figura 15 - Aspecto interno do palacete do 2º Barão de Piracicaba (Rafael Tobias de Barros, neto de Bento Paes de Barro, irmão de Genebra de Barros, que foi casada com o Brigadeiro Luiz Antonio e que são os pais do Barão de Limeira VICENTE DE SOUSA QUEIROS, proprietário da fazenda São Vicente em Campinas-SP) com a presença do genro Washington Luís e sua esposa, Sofia, filha do proprietário................................................................................. 28 Figura 16 - Residência - Barbosa de Oliveira. PROJETO Ramos de Azevedo............................................................................................................ 30 Figura 17 - Sede da Chácara das Palmeiras que pertenceu ao Dr. Frederico Borghoff, e depois ao casal D. Angelica e Francisco Aguiar Barros. Acrescentou-se o primeiro andar à casa colonial primitiva. Arquivo de Paulo Barros de Ulhoa Cintra..................................................................................... 31 Figura 18 - Palacete Campos Elísios, antigo Palacete Chaves.........................33 Figura 19 - Palacete de D. Maria Angélica de Barros (1891-3) (inspirado no Palácio de Charlottenburg, na Alemanha), hoje desaparecido. Situava-se na Avenida Angélica com Alameda Barros. Arquivo de Paulo de Barros de Ulhoa Cintra................................................................................................................ 34 Figura 20 - Palacete de D. Maria Angélica de Barros (1891-3) (inspirado no Palácio de Charlottenburg, na Alemanha), hoje desaparecido. Situava-se na Avenida Angélica com Alameda Barros. Arquivo de Paulo de Barros de Ulhoa Cintra................................................................................................................ 35 Figura 21 - Chácara do Carvalho. Desenho da fachada datada 1892 assinado por Luis Pucci e Giulio Micheli, Arquivo Histórico Municipal “Washington Luís” DPH/SMC/PMSP............................................................................................. 36 Figura 22 - Foto abaixo mostra a fachada da Chácara do Carvalho, na Alameda Eduardo Prado. Foto Guilherme galensly, utilizada como cartão de “boas festas” pelo genro do proprietário em 1904.......................................................36 Figura 23 - Fazenda Fazendinha, do Brigadeiro Luiz Antonio de Sousa e Queirós............................................................................................................. 40 Figura 24 - Fazenda Fazendinha, residência assobradada.............................. 40 Figura 25 - Engenho Mato Dentro.................................................................... 42 Figura 26 - Engenho Quilombo......................................................................... 43 Figura 27 - Fazenda Fazendinha.......................................................................49 Figura 28 - Desenho original de Ramos de Azevedo, por ele autografado, onde se notaa fuga ao neoclássico frio e o desejo do bucolismo iniciado entre as construções de classe média no último quartel do século XIX. Esse projeto foi certamente copiado do álbum de Cesar Daly................................................. 51 Figura 29 - Vista da área central da cidade de Gand, hoje mostrando sua Torre sineira (Belfort) e catedral................................................................................. 53 Figura 30 - Vista da Avenida Brigadeiro Luís Antônio. À direita, residência da Baronesa da Limeira, na esquina da Rua Riachuelo e duas casas de aluguel pertencentes à mesma senhora. Foto de autoria de Guilherme Gaensly, 1900.................................................................................................................. 77 Figura 31 - Casa de Antonio Paes de Barros................................................... 78 Figura 32 - Sala de jantar de Antonio Paes de Barros..................................... 79 Figura 33 - Reconstituição digital da reforma da fachada da casa da Baronesa de Limeira, projetada no Banco União em 1890............................................... 80 Figura 34 - Vista da Avenida Brigadeiro Luís Antônio. À direita, residência da Baronesa da Limeira, na esquina da Rua Riachuelo e duas casas de aluguel pertencentes à mesma senhora. Foto de autoria de Guilherme Gaensly, 1900...................................................................................................................81 Figura 35 - Planta da área do Bosque dos Jequitibás em Campinas-SP......... 85 Figura 36 - Instituto Vacinogênico, em 1894.................................................... 87 Figura 37 - Prédio central do Instituto Vacinogênico de São Paulo, em 1894.................................................................................................................. 88 Figura 38 - Asilo do Juqueri ............................................................................. 88 Figura 39 - Asilo do Juqueri. Galeria de ligação entre os pavilhões............... 89 Figura 40 - Lateral da Fazenda Palmital........................................................... 91 Figura 41 - Sede da Fazenda São Vicente, onde se pode notar sua implantação numa leve colina ao lado das Palmeiras Imperiais............................................92 Figura 42 - Sede da Fazenda São Vicente. Fachada lateral com sua movimentação de telhados .............................................................................. 95 Figura 43 - Sede da Fazenda Palmital, onde se pode notar o trabalho de suas fachadas proporcionado pela movimentação dos telhados e a varanda principal............................................................................................................. 95 Figura 44 - Vista da área onde existia a colônia da Fazenda São Vicente, o muro de pedra delimitava o alicerce das casas da colônia situadas entre os dois lados capela.............................................................................................. 97 Figura 45 - Planta da sede da Fazenda Palmital, Ibaté-SP. Acréscimos à caneta feito pela autora.................................................................................. 101 Figura 46 - Estudo da planta dividida do projeto de Ramos de Azevedo. Acréscimos à caneta feito pela autora........................................................... 102 Figura 47 - Planta da sede da Fazenda São Vicente, Campinas-SP............ 104 Figura 48 - Planta do porão da sede da Fazenda São Vicente, Campinas-SP ........................................................................................................................ 104 Figura 49 - Elevação Oeste da sede da Fazenda São Vicente, Campinas- SP................................................................................................................... 105 Figura 50 - Elevação Norte da sede da Fazenda São Vicente, Campinas- SP................................................................................................................... 105 ... Figura 51 - Elevação Sul da sede da Fazenda São Vicente, Campinas- SP................................................................................................................... 106 Figura 52 - Elevação Leste da sede da Fazenda São Vicente, Campinas- SP................................................................................................................... 106 Figura 53 - Detalhe lateral do lambrequim e do forro no beiral da Fazenda Palmital ...........................................................................................................107 Figura 54 - Detalhe da empena da ala lateral com destaque para as bossagens de argamassa, e o lambrequim de madeira. Fazenda São Vicente............... 108 Figura 55 - Detalhe da empena da ala de serviços, aos fundos, com destaque para as bossagens de argamassa, e o lambrequim de madeira. Fazenda Palmital ...........................................................................................................109 Figura 56 - Detalhe alpendre e das ferragens da Fazenda São Vicente e da Fazenda Palmital ...........................................................................................110 Figura 57 - Vista frontal Fazenda Palmital. Janelas com vidro interno e venezianas externamente............................................................................... 111 Figura 58 - Vista frontal Fazenda São Vicente. Janelas com vidro interno e venezianas externamente................................................................................112 Figura 59 - Detalhe da maçaneta da porta da Fazenda Palmital................... 113 Figura 60 - Detalhe da maçaneta da porta da Fazenda São Vicente............. 113 Figura 61 - Corredor da sede da Fazenda São Vicente (Campinas-SP). Neste corredor existe a clarabóia em seu forro........................................................ 114 Figura 62 - Corredor da sede da Fazenda São Vicente (Campinas-SP) visto do forro através da clarabóia, onde se observa a pintura decorativa do corredor........................................................................................................... 115 Figura 63 - Detalhe do sótão da Fazenda São Vicente (verificar a passarela criada no restauro para manutenção) ........................................................... 116 Figura 64 - Detalhe do Porão da Fazenda São Vicente (verificar a espessura do baldrame e das paredes: piso e parede foram revestidos com ladrilho hidráulico a uma altura de 0,70cm para dar maior proteção nas áreas utilizadas para serviço atualmente) ........................................................................................ 118 Figura 65 - Ladrilho Hidráulico (observar as várias cores e formas encontradas no desenho deste ladrilho, situado no alpendre da Fazenda São Vicente)........................................................................................................... 119 Figura 66 - Forro inclinado do alpendre depois do restauro (observar também as colunas em ferro fundido) ......................................................................... 119 Figura 67 - Laje em abobadilha (observar os trilhos e os tijolos nos entremeios...................................................................................................... 120 Figura 68 - Porão da sede .......................................................................... 121 Figura 69 - Assoalhos que compõem os pisos dos cômodos, na parte superior, eram todos de peroba rosa............................................................................122 Figura 70 - Janelas possuíam caixilhos de Pinho de Riga com vidros importados..................................................................................................... 122 Figura 71 - Gradil de proteção do alpendre ....................................................123 Figura 72 - Gradil de proteção do alpendre com suas colunas adornadas foram trabalhados em ferro fundido e madeira no seu corrimão, além de receberem decoração em ferro na sua parte superior...................................................... 123 Figura 73 - Sala de jantar, onde se deixou à mostra toda a riqueza das faixas e do seu uso de cores........................................................................................ 126 Figura 74 - Faixa decorativa restaurada da sala de jantar da casa sede da Fazenda São Vicente em Campinas-SP.........................................................128 Figura 75 - Observar o canto da sala na foto: um pigmento rosa atribuído à cal deu a todas as paredes desta sala uma cor rosada, sobre a qual foram pintadas as faixas decorativas........................................................................ 129 Figura 76 - Faixa decorativa restaurada compondo a pintura mural do escritório da casa sede da Fazenda São Vicente (Campinas-SP), com recurso ao repertório Art Nouveaux e utilização da técnica de estampilha ..................... 130 Figura 77 - Faixa decorativa restaurada da sala de visitas com motivo floral de planta de brejo da sede da Fazenda São Vicente, Campinas-SP...................131 Figura 78 - Detalhe da decoração pictórica da Fazenda São Vicente: corredor com Palma de Santa Rita............................................................................... 132 Figura 79 - Decoração pictórica da Fazenda São Vicente no quarto rosa, utilizando a técnica de estampilha................................................................. 134 Figura 80 - Decoração pictórica da Fazenda São Vicente no quarto lilás...................................................................................................................135 Figura 81 - Detalhe da decoração pictórica da Fazenda São Vicente no quarto lilás ................................................................................................................. 135 Figura 82 - Sala de visitas da Fazenda São Vicente...................................... 136 Figura 83 - Remanescente do único exemplar de Pau D´Alho dentro da Fazenda São Vicente..................................................................................... .137 Figura 84 - Vista aérea da Fazenda São Vicente e sua localização na Região Metropolitana de Campinas............................................................................ 139 Figura 85 - Vista aérea da Fazenda São Vicente, mostrando sua mata ao lado direito do marcador..........................................................................................140 Figura 86 - Macrozona 2: Área de Controle Ambiental....................................141 Figura 87 - Mapa da vegetação remanescente.............................................. 142 Figura 88 - Óleo de Georg Grimm retratando a Fazenda Cataguá, mostrando o morro à direita com a maneira utilizada para o plantio do café...................... 148 Figura 89 - Pintura decorativa da sala de jantar do pintor Vilaronga, Fazenda Resgate. Aqui vemos as linhas do plantio do café..........................................149 Figura 90 - Cafezal da Fazenda São Lourenço. Técnica modernamente empregada no plantio de café, utilizando curvas de nível, que asseguram a longevidade da planta e a produtividade........................................................ 149 Figura 91 - Mapa dos latifúndios pertencentes ao Brigadeiro Luiz Antonio.....167 Figura 92 - Mapa dos latifúndios pertencentes ao Brigadeiro Luiz Antonio que passaram para seus descendentes................................................................ 172 Figura 93 - Estação Anhumas. Data da construção: 1875............................. 178 Figura 94 - Estação Pedro Américo construída em 1926, do lado oposto e em substituição à antiga estação Getty construída em 1875............................... 179 Figura 95 - Estação Tanquinho construída em 1875, com foto ao lado da mesma estação em 1926................................................................................ 179 Figura 96 - Foto superior com a Estação Desembargador Furtado construída em 1875, e a foto inferior da mesma estação reconstruída em 1926............. 180 Figura 97 - Estação Carlos Gomes na foto superior construída em 1875, e na foto inferior com sua construção de 1929...................................................... 181 Figura 98 - Estação Jaguariúna – antiga Jaguary – construída em 1875, e ao lado a estação reconstruída de 1945.............................................................. 182 Figura 99 - Mapa estradas de ferro: Carta das Estradas de Ferro da Província de São Paulo, publicada originalmente no Indicador de São Paulo para 1878 (reproduzido no Livro Lembranças do Trem de Ferro, de Pietro Maria Bardi).............................................................................................................. 184 Figura 100 - Tijolo fabricado na própria olaria da Fazenda São Vicente em Campinas-SP.................................................................................................. 185 Figura 101 - Máquina combinada MACHINA SÃO PAULO existente na Fazenda São Vicente em Campinas-SP, totalmente restaurada................... 188 Figura 102 - Máquina combinada MACHINA SÃO PAULO existente na Fazenda Salto Grande em Araraquara-SP......................................................188 Figura 103 - Despolpador Duplo Lidgerwood..................................................191 Figura 104 - Descascador Arens................................................................... 191 Figura 105 - Máquina combinada para Beneficiar café.................................. 192 Figura 106 - Machina Combinada Lidgerwood.............................................. 193 Figura 107 - Uma fazenda no Estado de São Paulo mostrando a secagem do café nos terreiros............................................................................................ 195 Figura 108 - Lavagem do café (observar o tanque de lavagem do café com sua distribuição por canaletas).............................................................................. 197 Figura 109 - Tanque de lavagem do café em primeiro plano e Funil de lavagem do café mais ao fundo antes do restauro. Fazenda São Vicente................... 198 Figura110 - Funil de lavagem do café e Terreiros de café ao fundo antes do restauro. Fazenda São Vicente.......................................................................198 Figura 111 - Tanque de lavagem do café, Funil e Terreiros de café em restauro. Fazenda São Vicente......................................................................................199 Figura 112 - Funil de lavagem do café e Terreiros de café em processo de restauro, Fazenda São Vicente (observar que o funil é totalmente feito em madeira maciça................................................................................................199 Figura 113 - Pisos dos terreiros da Fazenda São Vicente............................. 200 Figura 114 - Início dos trabalhos de inspeção das canaletas antes de restaurar os terreiros. Foi necessário colocar um corante não-tóxico para verificar como acontecia a descida correta da água juntamente com ocafé dentro destas canaletas......................................................................................................... 201 Figura 115 - Início dos trabalhos de inspeção das canaletas antes de restaurar os terreiros, com a utilização de corante não-tóxico para verificação do percurso do café e sua distribuição nos terreiros........................................... 202 Figura 116 - Trilho da vagonete que levava o café até a tulha antes do restauro. Este trilho tinha sido arrancado do caminho inicial e estava torto e sem fixação em algumas partes ........................................................................................ 203 Figura 117 - Trilhos DECAUVILLE da Fazenda São Vicente em restauro; fixação do trilho no tijolo com parafuso........................................................... 204 Figura 118 - Trilhos DECAUVILLE da Fazenda São Vicente restaurados, onde se pode vê-los totalmente fixados, alinhados e com os guarda corpos de madeira em suas laterais................................................................................ 204 Figura 119 - Trilho DECAUVILLE da Fazenda São Vicente restaurado, onde se pode ler o seu nome gravado e como eram realizadas as fixações de seus parafusos....................................................................................................... 205 Figura 120 - Restauro do piso dos terreiros com a remoção de suas lajotas de barro, que foram retiradas manualmente uma a uma, selecionadas, tratadas e recolocadas novamente.................................................................................. 206 Figura 121 - Restauro do piso dos terreiros, onde se pode ver as lajotas de barro já removidas e também o início de seu assentamento..........................207 Figura 122 - Fase final do restauro, onde se nota o trabalho artesanal de observação e avaliação de cada rejunte para iniciar e finalizar com a limpeza.............................................................................................................207 Figura 123 - Porta da tulha restaurada........................................................... 209 Figura 124 - Interior da tulha depois do restaurado (observar o piso em pranchões de madeira)....................................................................................210 Figura 125 - Interior da tulha depois do restaurado (observar o telhado visto internamente e o caminho da vagonete em madeira).................................... 211 Figura 126 - Plantas e elevação da tulha, casa de máquinas e serraria da Fazenda São Vicente, Campinas-SP............................................................. 212 Figura 127 - Remoção de todas as telhas do telhado durante o restauro, onde foram lavadas, impermeabilizadas, furadas e amarradas uma a uma com fio de cobre para não escorregarem com o vento................................................... 213 Figura 128 - Remoção das telhas durante o restauro (observar que, ao lado esquerdo da foto, já se apresenta restaurado). A colocação do plástico foi para proteger da chuva o maquinário de beneficiamento do café, mas não permaneceu depois da restauração ............................................................. 214 Figura 129 - O café era transportado para a casa de máquinas por um sistema que utilizava rosca sem fim............................................................................ 215 Figura 130 - Machina São Paulo, nº 2890. A máquina combinada fabricada em Limeira, pertencente à Fazenda São Vicente, antes do restauro (notar as correias soltas embaixo da máquina)..............................................................216 Figura 131 - Machina São Paulo, nº 2890. A máquina combinada fabricada em Limeira pertencente à Fazenda São Vicente, restaurada............................... 217 Figura 132 - Lateral da Machina São Paulo, nº 2890, pertencente à Fazenda São Vicente, depois do restauro......................................................................217 Figura 133 - Parte da Machina São Paulo, nº 2890, pertencente à Fazenda São Vicente, onde se observa a peneira e as correias restauradas.......................218 Figura 134 - Motor que movimentava toda a casa de máquina e a Serraria. Motor inglês antes do restauro, Fazenda São Vicente....................................219 Figura 135 - Motor. Pelo fato de não ser possível o restauro do primeiro motor utilizado na Fazenda São Vicente, em azul, como aparece na foto, este foi substituído por outro motor novo que está localizado no interior da caixa preta, abaixo dele. Esta caixa foi feita toda com tela preta para evidenciar o novo motor em contraste com o primeiro, e também para não gerar dúvidas quanto ao restauro do maquinário............................................................................. 220 Figura 136 - Porão antes do restauro, onde se nota a umidade de suas paredes e do piso. Fazenda São Vicente.....................................................................221 Figura 137 - Porão depois do restauro com paredes de tijolos impermeabilizadas, iluminação, madeiras restauradas, e onde se pode ver também as estruturas de ferro que passaram a suportar o vigamento, o qual estava cedendo pela grande umidade provocada em suas paredes. Fazenda São Vicente..................................................................................................... 222 Figura 138 - Porão antes do restauro, Fazenda São Vicente (observar as polias e a peneira antes do restauro, além dos tijolos, pisos e madeiramento comprometidos pela umidade e pelo cupim de solo)...................................... 223 Figura 139 - Porão depois do restauro na Fazenda São Vicente (observar as polias e peneira, depois do restauro, apoiadas no pilar de tijolos agora restaurado, além de suas correias recolocadas e as madeiras tratadas)...... 224 Figura 140 - Porão depois do restauro na Fazenda São Vicente (observar as polias depois do restauro e a guia de madeira que as prende)...................... 224 Figura 141 - Chave-Faca localizada na casa de máquinas da Fazenda São Vicente. Esta chave era responsável pela ligação das máquinas para beneficiamento do café e também pela serraria; atualmente, ela ficou apenas como depoimento histórico, pois foi substituída por uma ligação moderna com abotoeira de partida rápida, que permite o acionamento de todo o maquinário e da serraria, e que se encontra visível ao público numa caixa de aço............ 225 Figura 142 - Vista do prédio onde se encontra a tulha e casa de máquina da Fazenda São Vicente, totalmente restauradas (observar a beleza e a riqueza dos assentamentos dos tijolos, suas portas e janelas em arco pleno, com portas em escuros com vitrais coloridos dentro dos arcos e os esteios de madeira bruta. Nesta foto se observa também todo o piso do terreiro restaurado)...................................................................................................... 226 Figura 143 – Serraria, vista pelos fundos........................................................227 Figura 144 - Vista lateral da Serraria ............................................................. 227 Figura 145 - Serraria da Fazenda São Vicente (observar as toras de madeira que foram cortadas e deixadas sobre o carrinho no trilho. Elas foram deixadas neste mesmo lugar desde a última vez que houve corte de madeiras nesta fazenda. A grade preta, observada na foto, foi colocada por motivo de segurança para os visitantes ..........................................................................228 Figura 146 - Serraria da Fazenda São Vicente. Telhado com reforço metálicopara as tesouras e vigas (observar no detalhe, no alto à direita, a espessura da madeira que suportava a serra).......................................................................228 Figura 147 - Serraria da Fazenda São Vicente, depois do restauro (observar a grande serra posicionada na vertical ao centro da estrutura de madeira que a suporta)....................................................................................................... 229 Figura 148 - Detalhe da Serraria.................................................................... 230 Figura 149 - Serraria da Fazenda São Vicente (observar as vigas de madeira que sustentavam o piso de assoalho onde foi notado, durante o restauro, que já estavam totalmente comprometidas pelo cupim; elas foram todas restauradas e um piso de vidro foi colocado para a sua observação)................................... 230 Figura 150 - Piso de vidro para observação das madeiras ............................231 Figura 151 - Porão da Serraria da Fazenda São Vicente (observar pilar de madeira que sustentava o piso da serraria: ele estava com sua base apodrecida devido à grande quantidade de água existente dentro do porão e, durante o restauro, essa água foi completamente drenada e efetivada a sua recuperação)................................................................................................... 231 Figura 152 - Porão da Serraria da Fazenda São Vicente (observar reforço para o pilar de madeira com viga de concreto armado: este trabalho foi necessário, pois ele já não apresentava mais condições de suportar o peso e estava totalmente comprometido)...............................................................................232 Figura 153 - Porão da Serraria da Fazenda São Vicente (observar os pilares de madeira restaurados)..................................................................................... 232 Figura 154 - A Serraria da Fazenda São Vicente, onde se observa o piso de vidro sobre o assoalho e seu processo de restauro finalizado........................233 Figura 155 - Primeira casa da Fazenda São Vicente......................................237 Figura 156 - Mapa de Campinas, 1900...........................................................245 Figura 157 - Mapa de 1929. Demarcações das Sesmarias e latifúndios do Brigadeiro Luis Antonio de Sousa Queiros (pela autora).................................248 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................... 1 CAPÍTULO 1 - Uma nova arquitetura residencial para a elite cafeeira: o estilo campestre na obra de Ramos de Azevedo.......................................... 8 1.1 A arquitetura das fazendas do Vale do Paraíba ......................................... 8 1.2 A arquitetura dos Barões do café em São Paulo........................................17 1.3 A arquitetura rural Campineira................................................................... 37 1.4 Ramos de Azevedo e a elite cafeeira de São Paulo.................................. 49 1.4.1 A formação do arquiteto-engenheiro Ramos de Azevedo............... 49 1.4.2 A atuação de Ramos de Azevedo em Campinas............................ 57 1.4.3 Ramos de Azevedo como “arquiteto oficial” da cidade de São Paulo..................................................................................................................61 1.4.4 Ramos de Azevedo e o ensino da arquitetura.................................70 1.4.5 Ramos de Azevedo e a família Paes de Barros..............................75 1.5 A arquitetura da sede da Fazenda São Vicente ....................................... 81 - A implantação..........................................................................................90 - O projeto..................................................................................................93 - Os aspectos construtivos.......................................................................110 - As pinturas murais.................................................................................124 - Implantação da Fazenda São Vicente: contexto ambiental...................137 CAPÍTULO 2 - O complexo cafeeiro da Fazenda São Vicente: o espaço da produção de uma fazenda de café em São Paulo...................................... 144 2.1 Os ciclos da economia do café: do Vale do Paraíba ao Oeste Paulista...144 2.2 A produção do café na região de Campinas: a mão de obra e a mecanização do processo produtivo...............................................................152 2.3 A origem do latifúndio da Fazenda São Vicente.......................................162 2.4 O complexo industrial da Fazenda São Vicente: patrimônio e restauro...173 2.4.1 Teoria e prática do restauro..........................................................173 2.4.2 A transformação da Fazenda São Vicente em patrimônio histórico da cidade de Campinas...................................................................................177 2.4.3 A formação do complexo industrial da Fazenda São Vicente......184 2.4.4 O patrimônio industrial da Fazenda São Vicente ........................ 194 - Terreiros..............................................................................................195 - Piso dos Terreiros...............................................................................205 - Tulha...................................................................................................208 - Casa de máquinas..............................................................................213 - Porão .................................................................................................219 - Serraria................................................................ ..............................226 CONCLUSÃO..................................................................................................235 ANEXOS..........................................................................................................244 -ANEXO 1: Mapa de Campinas 1900..............................................................245 - ANEXO 2: Genealogia...................................................................................246 - ANEXO 3: Mapa de 1929..............................................................................248 - ANEXO 4: Relação dos Latifúndios do Brigadeiro Luis Antonio de Sousa Queirós............................................................................................................249 -ANEXO 5: Relação de participações em Seminários e Congressos 2007- 2008.................................................................................................................250 REFERÊNCIAS.............................................................................................. 253 1 INTRODUÇÃO Todo processo de pesquisa e seus frutos (uma monografia, dissertação ou tese) envolve leituras e discussões acadêmicas; mas antes de tudo isso, qualquer estudo teórico começa com alguma experiência cotidiana que nos desperta para aspectos da realidade que merecem reflexão e estudo. Desta forma, antes de iniciar a apresentação de dados ou a discussão – propriamente dita – a que se propõe este trabalho, convém fazer um breve relato sobre quais foram os fatores mais relevantes que me levaram a escolher esse tema para minha dissertação de Mestrado. Tudo começou quando iniciei minha participação notrabalho de restauro da Fazenda São Vicente, situada na cidade de Campinas, no estado de São Paulo, trabalho este que começou em janeiro de 2003 e se prolongou até janeiro de 2007. Figura 1 – Fazenda São Vicente em Campinas-SP, durante o restauro. Fonte: Amoroso M.R. (2006) 2 Figura 2 – Fazenda São Vicente em Campinas-SP, depois do restauro. Fonte: Amoroso M.R. (2007) Foi neste período que comecei a analisar não apenas a história e a arquitetura dos seus edifícios, como também a pesquisar mais a fundo a genealogia de seus proprietários, a fim de fazer um levantamento documental com justificativas mais sólidas, e traçar objetivos de atuação mais rigorosos para a pesquisa que se iniciava frente aos trabalhos que ali seriam realizados. Ao analisar, então, um pouco da genealogia e algumas entrevistas realizadas com os proprietários, qual não foi minha surpresa quando descobri que esta fazenda ainda permanecia (e permanece, atualmente) nas mãos da mesma família que a fundou, em meados do século XIX: os Paes de Barros – Souza Queirós. Outro importante fato, ocorrido no início do trabalho de restauro e que me deu mais confiança para prosseguir nas pesquisas, foi o processo de tombamento, iniciado pelo Condepacc1, de vários edifícios desta mesma 1 CONDEPACC -Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas. 3 fazenda, em especial de sua sede, citada no projeto como atribuída ao engenheiro-arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo. Embora o professor Carlos Lemos chame atenção para a existência de projetos de Ramos de Azevedo voltados para uma arquitetura campestre, ainda está por se fazer um estudo sobre o tema, e é esta a investigação que pretendo apresentar nesta dissertação. Lemos, em entrevistas, afirmou que Ramos de Azevedo fazia inúmeras fazendas para os Barões do Café e elas eram realizadas pelos seus engenheiros que estavam alocados ou nas usinas elétricas ou nas ferrovias que ele estava implantando. Porém, não se encontra ainda um estudo bibliográfico sobre a maioria destes projetos e construções. O fato de Ramos de Azevedo ter sido mencionado como autor do projeto da sede da fazenda não foi novidade para mim, pois esse fato já era de meu conhecimento, devido às inúmeras conversas (como já mencionado acima) com a família proprietária da fazenda. Porém, os atuais proprietários possuidores de inúmeros documentos desta fazenda não possuem o projeto assinado por Ramos de Azevedo propriamente. Isto se deve, talvez, devido ao período em que a fazenda ficou fechada para término do inventário e passou por um longo período de abandono, no qual alguns documentos e outros bens se perderam; ou também por este arquiteto, como mencionado pelo professor Carlos Lemos2, não ter o hábito de assinar esse tipo de projeto rural. Sabemos perfeitamente que a obrigatoriedade da assinatura nos projetos começou a partir de 1920. Depois de finalizado o inventário, e constatada a perda de documentos, não se alterou a crença da família de que o projeto da sede fosse de autoria de Ramos de Azevedo, já que haviam outras fontes de informação, como, por exemplo, a documentação que lhes informava que a primeira proprietária da fazenda, a Baronesa de Limeira (casada com o filho do Brigadeiro Luiz Antonio, Vicente de Sousa Queiros, o Barão de Limeira) já tinha com Ramos de Azevedo outros projetos na capital da Província, na mesma época da fundação da Fazenda São Vicente, assim como em diversas propriedades rurais da família. Isso motivou, inclusive, seus atuais proprietários 2 Entrevista realizada na FAU-MARANHÃO em outubro de 2007. 4 a iniciar o projeto de restauro antes mesmo de o CONDEPACC entrar com o pedido de tombamento. Assim, iniciei minha dissertação de Mestrado com uma pesquisa sobre a arquitetura rural, com estudo de caso da Fazenda São Vicente atribuída a Ramos de Azevedo, considerando o fato de que ele trabalhava para essa elite cafeeira tanto na cidade quanto na área rural. Pois será dentro deste quadro que iremos verificar, por parte desta elite, a busca de maior conforto e opulência também nas propriedades rurais, nos mesmos moldes dos palacetes urbanos. A vontade de empreender, através desta dissertação, um registro de estudo de mais uma obra do grande profissional que foi Ramos de Azevedo (trazendo ao público uma discussão não apenas acadêmica, mas importante para a sociedade em geral) acompanhou todo o processo de pesquisa. O fato de não existirem muitos estudos até o momento sobre a produção de uma arquitetura rural por Ramos de Azevedo me motivou a pesquisar uma obra pertencente a esse período. Acredito também que essa reflexão possa, de alguma forma, contribuir para a sociedade campineira contemporânea e para a construção da historiografia paulista. A proposta da pesquisa foi, então, a de realizar uma investigação no campo do urbanismo, tendo como objeto de estudo uma fazenda da cidade de Campinas, no estado de São Paulo, construída no período áureo da economia do café. Pretendeu-se investigar, a partir deste estudo de caso, questões relativas à construção, na área rural, em propriedades da aristocracia cafeeira, especificamente aquelas relacionadas ao engenheiro-arquiteto Ramos de Azevedo. O diálogo da história com outros campos do saber revelou, até o momento, que Ramos de Azevedo produziu uma obra essencialmente urbana. Todavia, esta produção técnica também possuiu uma dimensão rural; e são estas relações entre o que seria uma arquitetura urbana e uma arquitetura rural que queremos colocar em evidência, destacando como os agentes sociais se apropriam deste saber técnico em um contexto de uma cultura burguesa, no auge do ciclo econômico do café, no estado de São Paulo. 5 Assim, essa pesquisa se volta para a formação e mobilização dos saberes que fundamentam e orientam o pensamento no campo da arquitetura e do urbanismo, com destaque para as intervenções no meio rural. Objetiva-se entender o papel desse corpo de conhecimentos especializados nos discursos e nas ações dos agentes sociais que produziram esta arquitetura, sobretudo nas áreas rurais. A formação e implantação das grandes fazendas de café, no final do século XIX, revelam a sintonia com a cultura burguesa do período, através da atuação de profissionais qualificados no campo da engenharia e da arquitetura, e ligados à emergente burguesia e à aristocracia cafeeira. Este trabalho se propôs a investigar como as atuações desses especialistas chegaram ao meio rural e quais foram as soluções por eles propostas, subsidiadas por teorias e técnicas. Interessou-me acompanhar o desenvolvimento e a mudança nos projetos e partidos arquitetônicos adotados, bem como suas adaptações do meio urbano para o rural, as quais tinham como objetivo tornar a vida no campo tão intensa, charmosa e agradável, para a aristocracia cafeeira, quanto à vida urbana. O projeto visou à realização de um estudo de caso da Fazenda São Vicente, em Campinas, como um exemplar da arquitetura campestre na obra de Ramos de Azevedo. Este estudo possibilitou a organização e análise de uma documentação iconográfica e histórica, de todo o processo de restauro da Fazenda São Vicente, que ocorreu entre os anos de 2002 e 2007, e no qual atuei como arquiteta restauradora – motivo que norteou sua escolha como objeto de pesquisa. Além disso, este estudo de caso objetivou, também, investigar questões relativas ao higienismo no meio rural, já que os habitantes que lá se encontravam eram os mesmos que pautavam as suas ações urbanas nos conceitos de salubridade. Nesse sentido, a pesquisa inclui a análise doprocesso de alteração significativa no modo de viver da casa de fazenda e em seu programa arquitetônico, que determinou uma mudança singular nos hábitos existentes desde a colônia. Enfim, pretendeu-se identificar se a construção de uma fazenda cafeeira rural coloca ou não os mesmos desafios da produção de uma residência 6 urbana. É sabido que ambas exigem preocupações em relação à implantação, construção, acessos, saneamento, iluminação, água, comida, trabalho e lucro. Tudo isso, além de um novo saber técnico que o século XIX trouxe com a industrialização: novos materiais e técnicas inovadoras na área de engenharia. Todavia, o “pensar” a fazenda como uma pequena vila no meio rural traz especificidades, tais como os elementos voltados para funções específicas do trabalho e cotidiano de uma propriedade rural: casa do administrador, sede, maquinários de café, casas de colonos ou vilas operárias, capela, armazém, silos. A pesquisa partiu de uma documentação primária já encontrada previamente, que se constituiu no registro do processo de restauro da Fazenda São Vicente, em Campinas. Estas informações estão em plantas, desenhos, fotos e fichamentos que mostram o estudo da tipologia, do partido arquitetônico, dos materiais e técnicas construtivas. Foi realizado um levantamento e uma análise documental e bibliográfica dos estudos acadêmicos sobre a obra de Ramos de Azevedo, bem como sobre o tema da arquitetura campestre em geral – principalmente através de livros, periódicos, dissertações e teses, além de trabalhos e documentos editados ao longo do período em foco. Estes foram considerados documentação secundária e de referência. É importante citar também que esta proposta está inserida numa linha de pesquisa da Pós-Graduação do CEATEC-PUCCAMP, denominada História do Pensamento Urbanístico, e vinculada, especificamente, à pesquisa coordenada pela Profª. Dra. Ivone Salgado, “Saberes da medicina e da engenharia: o higienismo na configuração urbana da São Paulo Imperial”. Esta pesquisa, por sua vez, faz parte do projeto temático coordenado pela Profª. Dra. Maria Stella Martins Bresciani, do IFCH-UNICAMP, intitulado: “Saberes Eruditos e Técnicos na Configuração e Reconfiguração do Espaço Urbano – 7 Estado de São Paulo, Século XIX e XX”, que agrega ainda as seguintes instituições: FAAC-UNESP e Scuola Studi Avanzati-Venezia.3 Outro questão bastante relevante, para o atual estudo, é o fato de estar a fazenda inserida exatamente em áreas limítrofes entre o rural e o urbano do município de Campinas, especialmente num momento de grandes mudanças que estão sendo realizadas pelo “Plano Diretor de Campinas”, visando transformar esta parte da cidade em áreas destinadas a grandes condomínios horizontais, a saber, a “Macrozona 2”. Ao escolher como tema de estudo a Fazenda São Vicente, pretendi chamar a atenção também para o seu patrimônio industrial, não apenas arquitetônico e histórico, mas também ambiental, pois a fazenda se encontra numa condição muito fragilizada devido à valorização imobiliária da região pela inserção, nestes locais antes denominados rurais, de grandes condomínios residenciais. Na área de fazenda se encontra também uma mata centenária, no bairro rural denominado Carlos Gomes, também objeto de tombamento. Seus 70 hectares de vegetação nativa, remanescente de Mata Atlântica, têm sido objeto de estudos que visam justificar seu tombamento pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico e Cultural de Campinas (CONDEPACC). 3 Este projeto justifica-se na constatação da distância entre o pensamento urbanístico e suas realizações. Distância também apreensível no contraste entre teorias e ações que visam tornar a cidade funcional e agradável aos seus habitantes. No caso da cidade de São Paulo, ao mesmo tempo em que se mostra digna de seu status de capital econômica do país (centro da vasta região metropolitana que estende seu poderio aos centros urbanos do estado e ultrapassa o próprio país), apresenta antigos e persistentes problemas que, há pelo menos dois séculos, vêm se repondo de modos diferentes, somados aos novos desafios enfrentados com ações de pouca eficiência. A intenção não é indicar uma solução para essas questões, mas perseguir os meandros do saber erudito proposto por técnicos e autoridades públicas, na crença de serem capazes de dar respostas adequadas aos desafios colocados por uma cidade. Foram esses especialistas em questões urbanas os que atribuíram à cidade sua configuração moderna, a partir de dispositivos legais subsidiados por teorias e técnicas arquitetônicas em estreita sintonia com o que se apresentava de mais avançado no conhecimento especializado internacional. Nossa preocupação, nesta pesquisa, se volta para a formação da disciplina curricular que pensa sobre a cidade e intervém nela, supondo o diálogo entre vários saberes e especialistas de diversos países. 8 CAPÍTULO 1 Uma nova arquitetura residencial para a elite cafeeira: o estilo campestre na obra de Ramos de Azevedo 1.1. A arquitetura das fazendas do Vale do Paraíba O caminho do café desde o Vale do Paraíba até sua entrada em São Paulo foi marcado por grandes mudanças, importantes do ponto de vista da implantação da própria fazenda de café até chegar ao próprio plantio. Quanto mais avançamos pelos caminhos onde foi introduzido este café em direção a São Paulo, mais fortemente podemos observar um melhoramento e um aprimoramento das técnicas, como, por exemplo, da utilização das curvas de nível, protegendo o solo da devastação feito pelos primeiros plantios, os quais foram responsáveis pelas grandes erosões das terras do Vale do Paraíba. A chegada da ferrovia foi o marco de todo esse desenvolvimento, pois passou a viabilizar o transporte mais rápido, seguro e barato para os portos, principalmente o Porto de Santos (que se tornou o maior exportador de café do Império), não dependendo mais das tropas de muares e das péssimas estradas – pode-se dizer caminhos e picadas – por onde era transportado o café. É possível encontrar ferrovias passando dentro das principais fazendas produtoras e das cidades que foram sendo criadas em seu percurso. A ferrovia não apenas transportava o café, mas também uma enorme gama de produtos importados. Os trens passaram a levar sertão adentro, principalmente para as áreas rurais, materiais importados tanto para a construção civil como para a decoração. Além, é claro, do “artigo” mais importante que eram os profissionais habilitados para se responsabilizarem pela execução de vastos projetos, então só vistos na corte e no estrangeiro. Dentre eles, profissionais como o Engenheiro Francisco de Paula Ramos de Azevedo, bem como outros artistas 9 Italianos, espanhóis, franceses, que participaram desta modernização – uma nova maneira de viver – introduzindo novos conceitos, como, por exemplo, o higienismo na maneira de morar. Há uma grande influência proporcionada por fortes e importantes famílias paulistas que vamos encontrar neste percurso (como os Paes de Barros e Sousa Queiros, além de outras que ajudaram a fazer esta história), através de suas grandes viagens à Europa, que implicam o contato com uma civilização com gosto mais apurado e estilos de vida desconhecidos (e, em certo sentido, esquecidos) pelos colonizadores e pioneiros destas vastas extensões de terras brasileiras. Esta influência foi encontrada e traduzida pelo grande arquiteto deste período, Ramos de Azevedo, tanto na área urbana como na área rural, e é possível ver isto acontecer em Campinas, na Fazenda São Vicente. A arquitetura do período colonial no Brasil surge com a terra, a taipa, o adobe, a cobertura de palha e a cerâmica primitiva. Nas casasmineiras, a partir do século XVIII, predominam as estruturas livres que trabalham sobre o terreno inclinado com montantes de madeira, pedras ou tijolos. As construções possuem grandes beirais para protegerem suas paredes do calor e da chuva. Os materiais desconhecidos, a influência das construções indígenas, os improvisos necessários para a adaptação às técnicas que se apresentavam, tudo isso contribuiu para dar mais liberdade e também alterar as soluções tradicionais das construções das províncias de origem ibérica dos povos que colonizaram o Brasil. As construções rurais, segundo Miranda e Czaikowiski (2004, p. 33): [...] são sempre de autores desconhecidos embora muitas vezes nos fizesse observar trabalhos mais apurados nas colunas, beiras encachorrados de recorte apuradíssimo denunciando a presença de caprichosos artistas. 10 Para melhor compreendermos a manifestação da arquitetura campestre na região de Campinas no período de auge do ciclo do café, torna-se importante reconstituirmos brevemente o caminho percorrido pela arquitetura rural do ciclo cafeeiro do Vale do Paraíba. Foi no ano de 1808, com a transferência da corte para do Rio de Janeiro, que ocorreu a ruptura com o passado. Grandes e notáveis artistas chegam ao Rio de Janeiro, como Lebreton (em 1816) ou Grandjean de Montgny, fundador do curso de Belas Artes, transformando a arquitetura do Rio de Janeiro em neoclássica: Será essa arquitetura neoclássica que iria influenciar profundamente as sedes das fazendas do vale do Paraíba cujos proprietários já os vivenciando e formados na Europa as aceita com grande facilidade aqui. Ao serem projetadas por profissionais que exigem dos mestres semelhança com os palácios e palacetes do Rio de Janeiro. (ALCIDES; CZAJKAWSKI, 1984, p. 34). Esta foi à razão do caráter urbano das casas de fazenda no ciclo do café no Vale do Paraíba. A influência neoclássica, vinda com os arquitetos que acompanharam o Príncipe Regente ao Rio de Janeiro, foi utilizada nas construções urbanas que depois foram transportadas para as fazendas, demonstrando assim um refinamento na arte de construir. A princípio, tentou-se trabalhar com a introdução de algumas mudanças como: escadarias, colunas, frontões de pedras, mas atrelado ainda a uma edificação que seguia os esquemas coloniais. Foram nas fazendas que as restrições apareceram mais fortes, devido à ausência de profissionais especializados, pois dependiam então da mão-de-obra escrava, grosseira e pouco requintada, fazendo com que os recursos neoclássicos ficassem mais restritos às fachadas. [...] obedeciam elas, na verdade, aos patrões urbanos. Idêntico acabamento externo, com ênfase nos portões de entrada, de um 11 estilo neoclássico, seguiu-se, no curso dos Oitocentos, para o Ecletismo. (MERCADANTE, 1984, p. 22). O gosto eclético foi sentido na ênfase que se deu aos elementos de ferros importados da Europa, e nos elementos decorativos da madeira recortada – como os lambrequins, que foram muito utilizados na arquitetura, quando o chalé substituíra o que restou do neoclássico. Foi em meados dos Oitocentos que as fazendas cafeeiras fluminenses passaram a apresentar seus palacetes elegantes, graças aos proprietários já enriquecidos pela lavoura. O solar destacava-se. Enorme, atarracado, com alpendre no centro da fachada, ladeado de janelas e com escadarias de acesso na varanda ampla, reuniam-se a tarde a família e os hospedes para observar o crepúsculo e o espetáculo do dia que findava. (MERCADANTE, 1984, p. 22). A decoração do solar passou a mostrar o grande salão de visitas, decorado com luxo como os da corte. Não faltaram pinturas em papéis decorativos com motivos variados, que iam de pilastras e colunas até paisagens do Rio de Janeiro e Paris, sempre sugerindo uma ambientação neoclássica, com muitos espelhos, cristais venezianos, baixelas de prata e de ouro, tapeçarias orientais e francesas, e pelos móveis de jacarandá lavrados em gosto inglês. Jardins bem traçados e cuidados, assim como inúmeras outras edificações, orbitavam entorno do solar para atender todas as necessidades, como dependências hospitalares, com pequena farmácia, maternidade e creche. Eram realizadas muitas festas, entre banquetes e bailes, que festejavam desde batizados a casamentos, cerimônias onde cada uma destas fazendas recebia para hospedagem, durante dias, seus vizinhos, parentes e amigos. Tudo acompanhado, ainda, por pajens, que ofereciam charutos Havana e café aos hospedes. 12 “Quando havia baile tudo era iluminado com velas de libra em lustres de cristal lapidado e candelabros de prata, os salões recebiam flores e recebia os pares para a valsa vienense, a polca, a mazurca ou a varsoviana” (MERCADANTE, 184, p. 25). Segundo análise arquitetônica de Joaquim Cardos – em artigo publicado na Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 1943 – a arquitetura das casas-grandes do Vale do Paraíba pode ser classificada em algumas categorias (CARDOSO apud MIRANDA; CZAIKOWSKI, p. 38): 1º tipo – Herdado dos engenhos do século XVIII. São casas com alpendres, capelas e puxados acoplados ao volume principal. Possuíam uma estrutura com esteios de madeira sobre baldrame de pedra e as paredes de taipa de sebe com telhado de quatro águas espalhado sobre os anexos em abas que prolongam o telhado principal, dando às fachadas laterais um perfil característico. Figura 3 – Fazenda Governo (Paraíba do Sul-RJ). Fonte: Cruz (2004, p. 90) 13 2º tipo – Volume compactado, cobertura feita por grande telhado de quatro águas que segue pelo alpendre de ponta a ponta na fachada principal, e caracteriza-se pela massa sólida do embasamento, um porão quase sem abertura. Figura 4 – Fazenda Pau D’ Alho (São José do Barreiro-SP). Fonte: Cruz (2004, p.130) 3º tipo – O casarão, com muitas portas e janelas. Ele não é exclusivo do meio rural; ao contrário, foi sempre utilizado também no meio urbano, quando se destinava à construção para os barões do café. Além de trabalhado tanto no meio urbano quanto no rural, foi um tipo encontrado tanto no civil como no religioso, recebendo grande influência neoclássica. Foram esses casarões que mostraram uma boa composição arquitetônica, como o acerto nas proporções e na relação dos cheios e vazios, bem como a eventual ornamentação. Possui fachadas longas com muitas janelas, sendo estas primordiais na evolução estética desses sobrados. 14 Figura 5 – Fazenda Secretário (Vassouras-RJ). Fonte: Cruz (2004, p. 131) 15 4º tipo – Casa de um pavimento com um sobrado ao centro da fachada, ocupando uma área menor que a do térreo. Figura 6 – Fazenda Santa Justa (Rio das Flores-RJ). Fonte: Cruz (2004, p.100) 5º tipo – o casarão de um só pavimento, ou pavimento sobre porão alto. Sua principal característica foi a horizontalidade, com a existência, ao centro da fachada principal, de uma escadaria formada por um ou dois lances, levando ao patamar geralmente coberto por um pequeno copiar. Em algumas casas, essa cobertura assumia as dimensões de um pórtico ou varanda, muitas vezes apoiado sobre colunas de ferro. A casa sobre porão alto ou “habitável” parece ser de origem mais antiga. São deste gênero, no século XVIII, numerosas quintas portuguesas e alguns solares brasileiros, como a casa do Conde dos Arcos, em Salvador. Na transposição desta tipologia para a fazenda, apesar de sofrer as implicações de praxe, mantém a relação hierárquica entre o térreo e o piano nobile, o que diferencia este tipo do sobrado, onde os dois pavimentos têm a mesma alturae geralmente são habitáveis, mostrando a evolução da casa rural.4 4 São exemplos do primeiro tipo a Fazenda Alliança, (Barra do Pírai-RJ), a Fazenda Governo (Paraíba do Sul,-RJ) e a Fazenda São Luiz da Boa Sorte (Vassouras-RJ). Um exemplo clássico do segundo tipo é a Fazenda Pau D’Alho(São José do Barreiro-SP). Podem ser destacados como exemplos do terceiro tipo a Fazenda Barra do Peixe (Além Paraíba-MG), a Fazenda 16 Figura 7 – Fazenda Resgate (Bananal-SP). Fonte: Cruz (2004, p. 82) Já o gosto pela casa térrea sobre o porão baixo se originou nas chácaras suburbanas, que se popularizam durante o século XIX, e daí se espalhou tanto para o campo, quanto para as cidades. Recreio (Bemposta-RJ), a Fazenda Bonsucesso (Cantagalo-RJ), a Fazenda Monte Alegre (Paty do Alferes,Vassouras-RJ), a Fazenda São Felipe (Belmiro Braga-MG) – com as pestanas em frontão triangular que disfarçam a simplicidade da construção –, a Fazenda Paraíso (Rio das Flores-RJ) – com as cercaduras enfeitadas das janelas que lhes dão identidade –, a Fazenda Pau Grande (Avelar, Vassouras-RJ) – dois corpos ligados pela nave do coro de uma capela colocada no centro da composição, possuindo nesta fachada a divisão assinalada pelas pilastras e os telhados independentes de cada corpo –, a Fazenda Secretário (Vassouras-RJ) – de acabamento impecável, e o emprego de dois frontões na fachada principal sugere a sua divisão em três corpos. Foram também evidenciadas as variantes na tipologia do casarão encontrados nas fazendas Vargem Grande (Areias-SP) e Areias (Cantagalo-RJ), sobrados compactados e verticais, bem mais urbanos. Ainda mais no estilo urbano foi o exemplar encontrado na Fazenda Santa Genoveva (Rio das Flores-RJ), em virtude de suas fachadas, onde se apresentam todas as características das grandes residências de arquitetura erudita do Rio de Janeiro da mesma época. Como exemplos do quarto tipo, temos: a Fazenda Santa Justa (Rio das Flores-RJ), a Fazenda Rio Novo (Paraíba do Sul-RJ) e a Fazenda São Policarpo (Rio das Flores-RJ). Podem ser tomados como exemplo do quinto tipo a Fazenda São Fernando (Vassouras-RJ), a Fazenda Resgate (Bananal-SP) e a Fazenda São Lourenço (Três Rios-RJ); e também o tipo Chalé Fazenda Santo Antonio (Rio das Flores-RJ) e Fazenda Alpes (Barra do Piraí-RJ). 17 1.2. A arquitetura dos Barões do café em São Paulo Ao ciclo econômico do café no oeste paulista corresponde uma arquitetura particular que, se por um lado encontra referências nos elementos da arquitetura das fazendas de café do Vale do Paraíba no ciclo econômico precedente, por outro, apresenta elementos da evolução da arquitetura paulista do ciclo do açúcar. As transformações no padrão da moradia da elite cafeeira revelam as mudanças sociais e econômicas de São Paulo. O aumento da exportação do café na Província de São Paulo, impulsionado, inclusive, pelo desenvolvimento industrial, proporcionou aos fazendeiros da região poder econômico e prestígio social. De acordo com Fernando Pires, a elite desta província recebia o título de “capitalistas e proprietários”, conforme podemos perceber no Almanaque de 1857 que indicava o endereço destes fazendeiros e suas titulações. Além de “capitalistas e proprietários”, boa parte dos produtores de café também recebiam títulos de nobreza no século XIX: Francisco Antonio de Souza Queiroz, Rua do Ouvidor (atual José Bonifácio), que futuramente receberia o título de Barão Souza Queiroz; [...] Rafael Tobias de Aguiar, Rua do Açu; Vicente de Souza Queiroz, futuro Barão de Limeira, Rua da Santa Casa (atual Rua da Glória). [...] Antonio de Queiroz Telles, o futuro Conde de Parnaíba, que morava em Jundiaí, e Joaquim Egydio de Souza Aranha, futuro Marquês de Três Rios, ainda residindo em Campinas. (PIRES, 2006, p. 31) (grifo nosso). Segundo Pupo (1980, p. 47), o primeiro Imperador do Brasil criou em oito anos de reinado, aproximadamente, 46 barões, 44 viscondes, 6 condes, 26 18 marqueses e 2 duques. Já o segundo reinado criou um total de 900 barões, 187 viscondes, 40 condes, 22 marqueses e 1 duque. Importante, ainda, é observar um aumento no número de produtores de café que passam a residir na capital paulista. Em meados do século XIX, 18,18% de todos os nobres que cultivavam café em toda a província estabeleceram residência na capital. [...] Luiz Antonio de Souza Barros habitava um sobrado não muito perto do centro tradicional [...] A partir da década de 1860, o caminho da Luz começou a receber residências mais sofisticadas” (PIRES, 2006, p. 33). De acordo com Pires, Taunay, em 1943, também consegue fazer uma ótima identificação entre os títulos de nobreza e a lavoura cafeeira em sua História do café no Brasil. (PIRES, 2006, p. 39) Esta nova maneira de viver também foi afetada após 1850, quando se deu a decisão sobre a extinção do tráfico negreiro e o incremento da cafeicultura, pois diminuiu o numero de escravos na cidade – sendo que muitos alforriados foram servir a lavoura cafeeira, enquanto outros ficaram a serviço dos grandes proprietários na cidade. Eles eram utilizados para serviços pessoais nas residências, como podemos observar neste período do século XIX onde as casas das classes mais abastadas mantinham uma média de sete a quatorze escravos, no sobrado, e de vinte a quarenta na fazenda. Os fazendeiros que se destacaram ficaram conhecidos como “barões do café”. Em 1873, havia vinte e cinco com a titulação de produtores; cinco anos mais tarde, em 1878, esse número sobe para trinta e seis, dos quais, na capital de São Paulo, residiam apenas cinco: o Barão de Souza Queiroz - Francisco Antonio de Souza Queiroz, o Barão de Três Rios, futuramente marquês - Joaquim Egydio de Souza Aranha, e as Baronesas de Itapetininga, de Limeira 19 e de Tietê, todas já viúvas. Nos últimos anos do Império a capital conheceu maior número de titulares: [...] o Conde de Itu (Antonio de Aguiar Barros), depois marquês; o II Barão de Piracicaba (Raphael Tobias de Barros); o Barão de Tatuhy (Francisco Xavier Paes de Barros) e a Baronesa de Limeira (Francisca de Paula Souza Queiroz). A partir da década de 1890, o número de titulares reduziu drasticamente, não apenas em virtude da mudança de regime [...] (PIRES, 2006, p. 41). Estes fazendeiros produtores de café também estreitavam seus laços com a sociedade urbana através da participação ativa em entidades filantrópicas e religiosas. Era comum pertencerem a uma ou mais irmandade religiosa. O Barão de Tietê era ministro da Ordem Terceira de São Francisco, assim como o comendador Luiz Antonio de Souza Barros era vice-ministro desta; e o Barão de Iguape, provedor da Santa Casa de Misericórdia. Aos poucos, podemos notar, inclusive pela própria genealogia das famílias que fazem parte deste objeto de estudo, que se formavam aglomerados familiares, mais do que de fazendeiros. É o caso dos Paes de Barros e dos Sousa Queiroz. Essa elite cafeeira, quando passa a morar e a ter seus palacetes na capital da província, juntamente com o fato de começarem a viajar mais para a Europa, adquire um gosto mais apurado. O que os torna mais exigentes, tanto com suas maneiras de se portar em sociedade, quanto com sua maneira de morar, evidenciando seu refinamento e cultura adquiridos com essa nova riqueza, que lhes possibilitou um acesso cada vez mais fácil a um novo mundo que se apresentou a ela de maneira tão fascinante. [...] a sofisticação começou primeiro pelo acessório:
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