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Reflexões Sobre a Paz - R. Salatini

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Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
Curso: Relações Internacionais
Disciplina: Introdução aos Estudos das Relações Internacionais
Prof. Dr. Rafael Salatini de Almeida
Marília, out. 2016 Isabela Marques Caetano
Resenha: Reflexões Sobre a Paz
SALATINI, Rafael. Reflexões Sobre a Paz. Marília: Oficina Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. (pp 5-13; 33-50)
	O texto tratado é dividido em duas partes: a primeira, a Apresentação; e a segunda, O Tema da Paz Perpétua. A primeira metade é iniciada com a declaração de que desde a idade antiga, o pensamento político presta atenção ao tema da paz. Mesmo nos tempos de glória gregos, a paz já era um tema essencial, e seu estabelecimento entre todos os povos sendo considerado uma necessidade. Essa visão moral de paz tem dois princípios como base: a justiça; e a utilidade. O primeiro princípio é teleológico, pensando na paz como um fim; já o segundo é instrumental, pensando na paz como meio para um outro fim. Essa interpretação da paz aceita uma percepção dualista de bem (paz) e mal (guerra). 
Do ponto de vista da justiça há a preocupação com os tratados, esses que devem ser respeitados. Mas em um sistema internacional anárquico, sem uma entidade superior, o cumprimento dos trados depende exclusivamente da disposição moral reciproca de cada um dos Estados, portanto, de um princípio de justiça natural. O fundamento desse princípio consiste numa visão otimista da natureza humana, em que os homens nasceram para viver harmoniosamente. Se pensarmos nas comunidades políticas como uma projeção desse convívio, essa harmonia deve, então, ser reproduzida em nível internacional.
Já do ponto de vista utilitarista há a descrição das vantagens que podem se originar da paz e as desvantagens que podem se originar da guerra. A paz é um caminho para alcançar outros fins de grande utilidade. Se pensarmos que a natureza humana é guiada pela busca da felicidade, esta não pode ser encontrada na dor ou no sofrimento característicos da guerra. Segundo Cícero, em Dos deveres (44 a.C.) as guerras eclodem para que possamos viver sem injustiças, mas após a vitória, ela deve ser substituída pela paz, convivendo com aqueles que não se comportarem com desumanidade.
Para os romanos, o pensamento não está na distinção entre guerra e paz, mas na identificação da guerra justa, o que na interpretação de Tito Lívio pode-se considerar que “justa é a guerra a quem ela é necessária, e pias são as armas quem só nas armas tem esperança”. O pensamento medieval foca também nessa diferenciação, mas se preocupará também com o tema da paz interna, levando em conta o poder religioso e o poder imperial. Como por exemplo Tomás de Aquino, que entendia que a guerra só poderia ser considerada justa se fosse por ordem do príncipe, se o inimigo apresentasse alguma “culpa”, e se fosse feita com a pretensão de “promover o bem e evitar o mal”. O tema da paz está presente também no pensamento político ocidental moderno por muito tempo. De forma ímpar, Maquiavel desenvolveu uma concepção de valores danífico da paz e, da mesma forma, benéfico da guerra.
Para entender uma concepção de valores benéfica da paz podemos analisar pensadores religiosos, como Erasmo de Roterdã, que escreve que a “preocupação primordial deve ser a de treinar o príncipe nas habilidades relevantes para a administração sábia em tempo de paz, porque com elas se deve lutar ao máximo com o seguinte objetivo: que os dispositivos da guerra nunca venham a ser necessários”, é notável também outro comentário seu que diz que “a guerra é doce para quem não a experimentou”
No século XVII, encontramos tanto obras dedicadas à justificação da guerra, como obras dedicadas a defesa da paz. No primeiro caso, tem-se a maior defesa moderna do conceito de guerra justa; no segundo, o início da defesa jusnaturalista da paz perpétua, tema que ganhou expressividade com os textos de Immanuel Kant. No século XIX, a apologia à guerra ressurge, nas obras de autores historicistas, como Hegel, e positivistas, como Comte. Obras em defesa da paz perpétua também reaparecem por conta de Saint-Simon e A. Thierry, a qual orientará o pensamento internacional de âmago federalista no continente europeu.
A segunda metade do texto traz O Tema da Paz Perpétua, e é iniciado com a apresentação de três correntes do pensamento pacifista moderno. A primeira é a Teoria do Irenismo Cristão, segundo o qual o fundamento da paz deve ser buscado nos ensinamentos cristãos. A segunda é a Teoria da Cidade Pacífica Ideal, segundo a qual uma cidade perfeita não encontraria motivos para atacar outras cidades, mesmo que esteja sempre preparada para a defesa. Thomas More admite que a força que move a maioria dos reis é a ganancia por conquistar outros reinos, e esses esquecem de governar com qualidade aquilo que já possuem. A terceira corrente é Teoria do Federalismo Internacional, segundo o qual a paz somente pode nascer de um acordo internacional de defesa mútua entre as nações.
Percebemos que o tema da paz perpétua caminhou paulatinamente do ponto de vista religioso para um ponto de vista moral, primeiramente que dependia das virtudes do príncipe, e depois alcançando uma concepção política dos governantes dos Estados, até resultar na idealização de uma estrutura internacional permanente baseada em acordos eternos entre os governantes. Essa última ideia foi bastante desenvolvida por teóricos iluministas da paz perpétua, como Kant.
Condorcet, se apoiando nessa última teoria, afirma que as confederações perpétuas são o único meio de manter a independência nas nações, e que os povos devem procurar a segurança e não a potência. As instituições acelerarão os processos de fraternidade entre os Estados, e as guerras entre os povos serão, assim como os assassinatos, consideradas atrocidades. E por falta de uma estrutura coerciva superior, cada Estado representa, para o outro, uma ameaça constante de guerra. Num sistema internacional essencialmente anárquico, apenas a moral poderia guiar cada Estado na sua conduta, mas isso não é o suficiente.
Para Saint-Pierre, as frequentes guerras na Europa podem ser explicadas: (i) pela incapacidade constitucional de fornecer a segurança necessária para a execução de tratados internacionais; e (ii) pela incapacidade do equilíbrio entre as potências para construir uma segurança suficiente para a preservação dos Estados e do comércio. Com essas proposições de Saint-Pierre podemos visualizar outros problemas no sistema internacional: (i) os processos terminariam apenas com a destruição de um dos pretendentes; (ii) os descendentes que herdam as pretensões passadas; (iii) a falta de proteção das regências; (iv) a falta de um poder coercivo que agiria sobre as partes; (v) os processos seriam muito caros; (vi) a necessidade de intervir em processos de terceiros; e (vii) as guerras interromperiam o comércio.
Já um sistema de sociedade haveria diversas vantagens, como: (i) um seguro impedimento contra guerras; (ii) segurança para a manutenção do Estado e do comércio; (iii) além de não ser tão custoso. Mas esse projeto depende apenas da boa vontade dos governantes, e com isso encontramos alguns obstáculos: (i) o grande número de partes necessárias para a consolidação de tal sociedade; (ii) o tamanho e número das pretensões divergentes; (iii) a existência de partes muito mais poderosas que outras; e (iv) o dispositivo que impede aumento de território.
Rousseau nota falhas no projeto de Saint-Pierre, principalmente no que diz respeito ao voluntarismo excessivo, em que era preciso a adesão imediata dos governantes. Segundo Rousseau, Saint-Pierre não pondera a respeito do conflito de interesses dos governantes do Estados. E como alternativa, oferece o emprego da força, a imposição. Depois de Rousseau, o próximo filósofo a abordar a ideia da Paz Perpétua é Bentham, que expõe duas proposições: a de reduzir a força das nações; e emancipar as colônias europeias. Para que se alcance uma maiorsimplicidade de governo e parcimônia nacional, e além disso, a paz. Pensando sempre na promoção do comércio internacional.
O juízo econômico proporcionado pela revolução industrial influenciou Bentham em seu ensaio, em seus pontos propunha também a independência internacional; a liberdade comercial; a livre navegação dos mares; a limitação das tropas dos Estados; o estabelecimento de uma corte judicial internacional; e o fim das relações sigilosas entre os ministérios que tratam dos negócios estrangeiros. Bentham usa do voluntarismo, pois em seus pontos é necessário a vontade dos governantes das potencias para a pacificação, coisa anteriormente criticada por Rousseau.
Kant, por sua vez, entende a paz perpétua segundo uma filosofia histórica progressista, que se inicia no estado de natureza, passa para a sociedade civil, depois para à sociedade civil internacional, e por fim, à sociedade cosmopolita. Os escritos kantianos a respeito da paz perpétua são exemplos de tratados de paz para servir de modelo aos legisladores, são separados em duas sessões: os artigos preliminares e os artigos definitivos.
De acordo com os artigos preliminares: um tratado não é valido se foi feito com a reserva secreta de elementos para uma guerra futura; nenhum Estado poderá ser adquirido por outro; os exércitos permanentes deverão desaparecer; não se deve emitir dividas públicas em relação com os assuntos de política exterior; nenhum Estado de influenciar, com o uso da força, na constituição de terceiros; nenhum Estado em guerra pode inferir hostilidades que impossibilitem a confiança mútua na paz futura. Esses são chamados de preliminares porque representam apenas a predisposição para a paz, são as condições necessárias para a realização da paz perpétua, empecilhos práticos que impeçam a guerra.
De acordo com o s artigos definitivos: cada Estado deverá ser republicano; o direito das gentes deve fundar-se numa federação de Estados livres; e o direito cosmopolita deve satisfazer as condições da hospitalidade universal. Esses artigos, de caráter teleológico, visam eliminar a finalidade da guerra em si. Na segunda edição de “A Paz Perpétua”, Kant propõe também um artigo secreto: em que as máximas dos filósofos devem ser levadas em conta pelos Estados, a fim de clarear possibilidades de paz para os governantes. Os filósofos não deveriam governar, mas orientar livremente os governantes na difícil arte de governar, como Maquiavel tentou fazer com Lorenzo de Medici em “O Príncipe”. É uma promoção do pensamento iluminista vinculado com a paz perpétua.
E quanto os críticos da paz perpétua? Quem seriam e o teriam dito contra um objetivo tão bom? Podemos citar Fichte, Hegel, Marx e Engels. Fichte abandonou a paz perpétua depois de se tornar extremamente nacionalista. Hegel postula a “necessidade da guerra” para conservar a “saúde dos povos”. Marx dizia que “a própria conquista transforma-se de uma condição da guerra futura em uma garantia de paz perpétua”. Já pra Engels, as ideias democráticas de Rousseau desembocariam no regime autocrático de Robespierre e as ideias pacifistas de Kant desembocariam nas guerras napoleônicas, descrendo profundamente da democracia atual, apoiando a ideia de que o capitalismo é contrário à democracia e à paz.

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