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DEDALUS - Acervo - EACH 23000002626 CRIANDO VALOR PÚBLICO GESTÃO ESTRATÉGICA NO GOVERNO Mark H. Moore Tradução de R G. Vilas-Bfias Castro e Paula Vilas-BÔas Castro Rio de Janeiro - Brasil LtWi & íxpmtòo T PARTE l CONSIDERANDO O VALOR PÚRLICO melhores profissionais reflexivos que conheço, Judy Pmke e Elkn Schall, também me deram encorajamento e conselhos. Como indica a longa gestação do livro, pôr essas ideias no papel não foi tarefa fácil. Em dois momentos críticos, recebi exatamente o apoio de que necessitava da parte de Linda Kaboolian e Aida Donald. E em um momento em que pensei que tudo estava perdido, recebi inestimável assistência editorial de meu primo, Curtis Church. Através do longo processo de escrever e reescrever, fui respaldado de maneira admirável pelos meus assistentes, Fio Chen, Kincade Dunn e Janet Fletcher. Esse foi o cadinho em que foram forjadas as ideias apresentadas neste livro. A todas essas pessoas os meus sinceros e profundos agradecimentos. INTRODUÇÃO O meu colega Graham Allison certa vez explicou por que os livros precisam de introduções. "Bem, você escreveu o livro atirando porções de barro contra a parede. A introdução traça um círculo vermelho em volta das porções de barro, para mostrar que você atingiu o alvo!" Então, eis o escopo desta introdução: apresentar o alvo que eu estava tentando acertar . Também apresento os elementos usados para compor a argumentação e os testes que podem ser utilizados para verificar se acertei no alvo. OBJETIVOS O objetivo deste livro é bem específico: expor uma estrutura de raciocínio prático para orientar gerentes de empresas públicas. O livro apresenta uma resposta geral a pergunta sobre como os gerentes públicos devem pensar c fazer para criar valor público, explorando as circunstâncias particulares nas quais se encontrem. Para alcançar esse objetivo, o l ivro expõe vários tipos diferentes de ideias. Primeiro, estabelece uma filosofia de gestão pública - uma ideia do que nós, cidadãos, devemos esperar dos gerentes públicos, as responsabilídades éticas que assumem ao tomar posse de seus cargos e o que constitui a virtude no exercício de suas funções. Em segundo lugar, o livro estabelece estruturas de diagnósticos, para guiar os gerentes na análise dos cenários em que trabalham e na avaliação do potencial para ação efetiva. Em terceiro lugar, o livro identifica tipos especiais de intervenções que os gerentes podem levar a efeito para explorar o potencial dos seus cenários políticos e organizacionais, a fim de criar valor público. A especificidade do meu propósito indica que há mui ta? coisas importantes que este livro não faz. Por exemplo, não explica por que as organizações do setor público se comportam da maneira como o fazem," ou por que os gerentes se comportam da maneira como o fazem. O livro não explica a conduta das organizações, porque focaliza gerentes, não organizações. Não explica por que os gerentes se comportam do modo como o fazem, porque pormenoriza o que devem pensar e fazer. Ern suma, desenvolvo uma teoria normativa (ao invés de positiva) do comportamento administrativo (ao invés de organizacional}. Mas quem são exatamente os gerentes públicos aos quais o livro se dirige.' Infelizmente, a resposta não é óbvia. As constituições americanas dividem a autoridade pública ao invés de concentrá-la. O resultado é que muitos funcionár ios angar iam inf luência efet iva em açòes governamentais e podem, por conseguinte, teivindicar a condição de gerente público. Os altos executivos eleitos - presidentes, governadores e prefei tos , - por exemplo - podem ser considerados gerentes públ icos . São constitucionalmente responsáveis pela execução das leis e pela utilização dos recursos públicos. Por sua vez, os funcionários que os executivos eleitos designam para chefiar as agências de sua alçada - os chamados gerentes, comissários e diretores - podem ser considerados gerentes públicos. Algumas vezes, esses executivos políticos designam equipes políticas para assumir a responsabilidade da gestão de projetos de execução de políticas específicas.' Até o ponto em que realmente executam políticas, essas equipes podem ser consideradas gerentes públicos. Ou gerentes públicos podem ser os servidores públicos de alto nível que apoiam os executivos políticos e as suas equipes. Alguns trabalham em serviços de administração e gerenciamento, planejando, mantendo e executando sistemas financeiros e de pessoal, que orientam o desempenho das organizações públicas. Outros, com conhecimento 50 l INTRODUÇÃO profundo e subs tant ivo de (e longa experiência com) programas operacionais específicos, ocupam posições de gerência em organizações públicas. Como todos esses funcionários se encaixam no domínio da autoridade pública, todos podem ser qualif icados como gerentes públicos. Para além das margens da autoridade direta (mas compreensivelmeme não menos influentes) encontram-se os funcionários que ocupam posições importantes de supervisão. Por exemplo, embora contrariamente às noções convencionais, os parlamentares e as suas equipes em relevantes comissões de supervisão legislativa podem ser considerados importantes gerentes de empresas públicas. Essa proposição a f igura - sc p a r t i c u l a r m e n t e verdadeira quando comissões legislativas procuram microgerenciar operações do setor público por meio da imposição de restrições específicas aos programas operacionais. Uma espécie d i fe ren te de supervisão advém de juizes que normalmente têm autoridade para assegurar que os direitos ind iv idua is sejam protegidos nas acues governamentais. Com efeito, juizes se envolveram na gestão em alguns casos nos quais gerentes públicos violaram direitos individuais em escolas, prisões, hospitais psiquiátricos ou agências de habitação." Mesmo os que lideram grupos de interesses podem ser considerados gerentes ou empreendedores públicos importantes , já que com frequência iniciam ou fazem parar empresas do setor público.' Por fim, alguns gerentes do setor privado tornam-se gerentes do setor público, porque produzem principalmente para o governo. Na verdade, com a consolidação do movimento pelo aumento de privatizações da produção do setor público, mais e mais "gerentes públicos" trabalharão para o j « 1 2 setor privado . Enquanto muitos funcionários podem ser qualificados como gerentes públicos, somente uns poucos são considerados responsáveis pelo seu desempenho no setor público e possuem autoridade direta sobre recursos públicos. Em geral, esses poucos pertencem ao primeiro grupo de funcionários que descrevi - os eleitos ou designados dirigentes de INTRODUÇÃO l 21 agências do Executivo, junto com os altos funcionários civis que os auxiliam. E sobretudo para esses funcionários - cm todos os níveis de governo - que este livro se dirige mais especificamente. Porém, como me interesso pela gestão pública em geral, bem como no desempenho individual de gerentes, quero incluir os outros também - os supervisores e os lobistas. O que esses outros funcionários esperam ou solicitam dos gerentes públicos, e como pensam a respeito dos seus próprios trabalhos e como os executam, produz efeito importante, tanto no contexto em que atuam os gerentes públicos como no seu êxito em implementar os objetivos. Então, ao mesmo tempo em que me dirijo principalmente àqueles que ocupam posições gerenciais no Executivo ou em agências autónomas, falo também para aqueles que ajudam a definir o contexto da ação gerencial. Note que, concentrando a minba atenção no que os gerentes devem pensar e fazer, não pretendo assumir posição sobre se o melhor caminho para o aperfeiçoamento da atuação do setor público é ou não a melhoria do desempenho gerencial. Assumo que muitos fatores além do comportamento gerencial contribuem para o sucesso das empresas públicas. De fato, é plausível para mim queas ações específicas dos gerentes podem até contar muito pouco para a variação dos resultados obtidos. Também considero ponto pacífico que as es t ru turas e os processos institucionais podem determinar o que os gerentes pensam e in f luenc ia r o que podem fazer. Reconheço que o desempenho administrat ivo pode ser considerado uma variável dependente e as estruturas institucionais a variável independente. Em resumo, não me posiciono sobre se o melhor caminho para melhorar o desempenho do setor público é a "reforma institucional" ou a "gestão aperfeiçoada". Dito isso, quero, no entanto, apresentar duas razoes que me levaram a escrever sobre aperfeiçoamento da gestão e não a respeito de reforma institucional. Em primeiro lugar, a minha posição particular na Harvard's Kennedy School of Government, que me proporcionou uma vantagem comparativa no desenvolvimento de ideias sobre melhoria da gestão. Todos 22 l INTRODUÇÃO os anos, a Kennedy School recebe em suas salas de aula centenas de gerentes públicos que estão na ativa. Esses gerentes estão normalmente ansiosos em conhecer as instituições governamentais em geral, mas estão particularmente famintos por ideias sobre como podem melhorar suas atuações no trabalho. Considerando essa ansiedade c disposição, parecia- me desperdício de talento e de energia, bem como descumprimento das minhas obrigações e afastamento do meu dever, não focalizar atenção no desenvolvimento de ideias que lhes seriam mais valiosas. Em segundo lugar, continuo a crer que melhorar o pensamento e a prática gerenciais é uma via importante para melhorar o desempenho de organizações do setor público. Afinal, a grande reforma institucional não elimina os gerentes; simplesmente redefine as suas posições e responsabilidades. O que os gerentes fazem em suas novas posições influenciará, de forma decisiva e frequente, o quão bcm-sucedidas serão as reformas institucionais. Por exemplo, as ideias como descentralização e "qualidade total" muitas vezes dependem crucialmente do desempenho de gerentes de nível operacional que de repente são encarregados de novas responsabilidades. Além do rnais, entre as mais importantes "instituições" que necessitam de reforma estão as nossas ideias correntes, e convencionalmente mantidas, acerca do que os gerentes públicos podc-m e devem fazer em nosso benefício, ' Com efeito, se conseguíssemos mudar apenas essa instituição em particular, acho que descobriríamos que muitas instituições atuais podem funcionar melhor. Por esses motivos, então, devemos continuar a concentrar parte de nossa atenção tanto na melhoria da gestão quanto na reforma institucional. Os conselhos deste livro pretendem ser suficientemente genéricos para que possam ser aplicados em uma larga escala Jc situações gerenciais no setor público, e ao mesmo tempo suficientemente específico' de forma que os gerentes precisem apenas de um pequeno salto das ideias aqui apresentadas para as si tuações concretas e pa r t i cu la res que enfrentam. E o que faz este livro ser sobre gestão em geral, e não sobre INTRODUÇÃO l 23 gerenciamento de um tipo especial de agência ou de execução de um tipo especial de função administrativa, ou ainda sobre o tratamento de um tipo especial de problema administrativo. Este livro não pretende ser culturalmente neutro ou independente de contexto histórico. Com efeito, as suas premissas e explicações se fundamentam como parte do contexto do governo americano no último quarto do século XX. Não sou capaz de dizer agora se o livro tem ou terá implicações no modo pelo qual os gerentes devem raciocinar e atuar em outros países ou em outros épocas. Pelo menos até aqui, sou, sobretudo, um estudante da gestão pública do final do século XX. Procuro ajudar principalmente os que praticam este ofício. FONTES E MÉTODOS A prova decisiva da sobremesa se realiza quando a comemos, e não quero atrasar muito mais a refeição. Porém, um comedor prudente pode querer saber algo a respeito dos ingredientes antes da primeira mordida. Para atender a esse pedido razoável, ofereço a seguir uma lista de ingredientes. O livro se baseia na l i teratura relevante para a compreensão do contexto, das finalidades e das técnicas dos executivos do setor público, incluindo, portanto, a literatura de ciência política, de economia, de teoria organizacional, de gestão pública, de direito administrativo e de gerenciamento de negócios. Provavelmente ninguém (com certeza eu não) pode realmente ter esperança de dominar todas essas literaturas diferentes e extrair delas os pontos fundamentais que oferecem para o desenvolvimento de uma teoria normativa da gestão pública. Porém, fui capaz de esquadrinhá-las e aprender o que tinham de mais importante para contribuir com essa tarefa intelectual. A literatura de ciência política revelou muito a respeito das caracte- rísticas dos meios nos quais os gerentes públicos agora trabalham: o contexto político relativo à criação e à implementação da política pública; a natureza c o comportamento das instituições legislativas;18 como se comporta a imprensa e como o seu comportamento influencia 24 l INTRODUÇÃO a conduta do governo;19 e o que motiva e dá forma ao comportamento . . . . , . 20dos principais executivos eleitos. A literatura económica não apenas continha uma teoria implícita definindo o papel do governo na sociedade, mas também propunha alguns métodos importantes para avaliar atividades governamentais, tanto as propostas como as em curso. Além disso, a li tetatura de economia pensa em como donos e supervisores de operações poderiam i J! organizar incentivos para os gerentes que devem agir em seu nome e como negociações complexas podem ser analisadas e realizadas. A literatura de teoria organizacional proporcionou diferentes imagens de organizações, as quais esclareceram por que essas, nos setores público e privado, se conduzem como o fazem." Essa literatura também ajudou a explicar por que as organizações têm dificuldades em adotar e manter inovações e por que os gerentes encontram obstáculos ao procurar melhorar o seu desempenho. A literatura de administração pública proporcionou uma teoria copiosa e bem desenvolvida a respeito de gestão pública em uma democracia." Contribuiu com uma filosofia de gestão pública estimulada pela meta de assegurar o efetivo controle democrático das organizações do setor público e a obtenção tanto de consistência como de eficácia nas iniciativas do setor público/" A literatura de gestão pública apresentou também ferramentas importantes para o campo da gestão pública e as melhores formas de serem utilizadas para produzir eficiência e efetividade. Mais ainda, essa literatura expôs vários estudos importantes sobre o que os gerentes do setor público realmente fazem, ou como as organizações do setor público criam, ou não, consistência em suas ações, ou se adaptam a situações de mudança frequente. A literatura de direito administrativo estabeleceu uma concepção normativa de como se deve chegar às decisões públicas que implicam em uso de recursos públicos, com o fim de assegurar probidade, e ressaltou a contínua importância de garantir a equidade e o procedimento correto na tomada de decisões, assim como eficiência e efetividade. Essa literatura INTRODUÇÃO l 25 também examinou importantes estudos de casos de agências relacionadas com a adjudicação de casos específicos. Por fim, a literatura de administração no setor privado ofereceu algumas diferenças - às vezes competitivas - em relação ao contexto, à filosofia e às ferramentas de gestão e liderança. Centralizou atenção na dinâmica do mercado, em vez de na estabilidade dos mandatos governamentais,34 em como estimular inovação e mudança em novas missões e incumbências, em vez de como elevar a eficiência em operações antigas e rotineiras,35 e no papel da imaginação e do espírito empreendedor, assim como da com- petência técnicae da noção do dever. Das literaturas mencionadas, a mais próxima da nossa tarefa é, logicamente, a de gestão pública. Essa literatura proporciona um rico achado instrumental e um ponto de partida crucial para qualquer esforço no sentido de orientar os executivos do setor público. Assim, eu a utilizei com muita liberalidade. Ao mesmo tempo, dei enfoque especial a duas questões que, embora não estando no cerne da literatura clássica, estão presentes para os executivos públicos na prática. Primeiro, como devem os gerentes lidar com incumbências políticas irregulares e inconsistentes? Segundo, como podem os gerentes experimentar, inovar e reproduzir experiências de sucesso em organizações públicas ern seus cenários sempre em transformação?37 Para enfrentar essas questões, meus colegas da Kennedy School e eu acrescentamos um novo ingrediente à mistura: as experiências opera- cionais de executivos públicos na prática. Fizemos isso de três maneiras diferentes. Primeiro, escrevemos casos mostrando os problemas enfrentados pelos gerentes, as suas avaliações, as intervenções que escolhem e (até onde pudemos) os resultados destas. Na verdade, ao longo da última década, o Programa de Casos da Kennedy School escreveu e publicou mais de seiscentos casos apresentando problemas e intervenções gerenciais, Segundo, todos os anos encontramos nos programas de ensino da Kennedy School - sobretudo em nossos programas de executivos - 26 l INTRODUÇÃO várias centenas de gerentes em exercício. Como lhes ensinamos por meio de discussões interativas de casos, através dos anos aprendemos como eles os analisam e como os enfrentariam, e também como agiram os protagonistas. Isso quer dizer que, com frequência, aprendemos com eles tanto quanto eles aprendem conosco. Como um conceituado colega explicou: "Eles não são apenas estudantes, são também informações, dados e professores!" Terceiro, convidamos renomados profissionais a se unirem aos professores da Kennedy School, assegurando assim um estreito e ininterrupto contato com aqueles cujas realizações indicam que sabem como inventar e explorar oportunidades para criar valor público. Eles, assim como os estudantes de nossos programas, trouxeram as perspectivas e a sabedoria das "melhores práticas" ainda emergentes para nossa explicação e exame. Escrevendo os casos, e ouvindo-os serem discutidos por nossos estudantes e colegas, viemos a compreendê-los: a melhor forma de analisar a situação retratada pelo caso, quais as possíveis intervenções e suas possibilidades de êxito. Repetindo esse processo para muitos casos diferentes, gradualmente aprendemos como fazer generalizações e abstrações dos casos particulares e como sistematizar as nossas gene- ralizações em modelos intelectuais coerentes. São esses modelos que tento registrar neste livro. Preciso reconhecer a existência de mais um ingrediente: o conjunto especial de fatores que atua na Kennedy School como instituição. Pode- se dizer com acerto que a visão de gestão desenvolvida na Kennedy School reflete a nossa própria tradição intelectual, bem como o contexto externo. Mais especificamente, as nossas ideias sobre gestão são moldadas pela ênfase que a escola dá à utilização de instrumentos analíticos especiais, extraídos da economia, de pesquisas operacionais e estatísticas, para analisar o valor substantivo de políticas públicas propostas ou já implementadas. O que é animador no estudo das políticas públicas (como oposto ao INTRODUÇÃO l 27 da gestão pública) é que ele centraliza a atenção nos objetivos, assim como nos instrumentos do governo. O estudo das políticas públicas também enfatiza novas ideias e inovações no governo em vez das rotinas de manutenção das organizações governamentais. O que permite que alguém participe dessas discussões é o seu domínio das difíceis técnicas analíticas que o capacitam a desafiar a política propondo alternativas que aumentem o valor público de empreendimentos governamentais propostos ou já existentes. Considerando-se essa cultura, não constitui surpresa que a noção de gestão que finalmente desenvolvemos busque entender como se tomam as decisões e se implementam as políticas, em vez de centralizar atenção na manutenção organizacional ou no aperfeiçoamento de sistemas de controle administrativo (que por muito tempo foram o cerne da admi- nistração pública). De fato, por muito tempo a ideia da execução efetiva de políticas públicas específicas (em lugar da bem-sucedida gestão de organizações do sctor público) era tida como assunto principal da administração pública. " Essa concepção de gestão como implementação de políticas definhou aos poucos, uma vez que concentrar atenção na política, e não nas organizações, deixa de fora questões importantes acerca de como as organizações públicas devem ser utilizadas e se desenvolver. Por exemplo, nada foi dito a respeito do problema de como parte dos recursos da organização que não estivesse comprometida com uma nova iniciativa de política deveria ser usada. E essa linha ficou indiferente ao efeito que um novo esforço de implementação política pode ter no desempenho e na posição de uma organização. Portanto, as preocupações que por tanto tempo foram o foco da atenção da área da gestão pública, e que se concentravam na gestão e no desenvolvimento efetivo de organizações do setor público oficiais, tiveram de ser redescobertas e integradas com êxito às preocupações da política pública pelas políticas. A síntese natural dessas duas tradições estaria em conceber as entidades públicas como instrumentos rela- t ivamente flexíveis a serem ut i l izados na consecução de objetivos 28 i INTRODUÇÃO públicos que estão em constante mudança. Os objetivos públicos são consequência tanto das mudanças das aspirações e solicitações políticas como dos instáveis problemas do mundo. Vendo as coisas sob esse prisma, os professores da Kennedy School respondem portanto a dois fa to res : as observações da ciência política sobre os contextos inconsistentes e mutáveis das organizações, e a necessidade óbvia de o governo inovar, uma vez que antes amplia e depois contrai as suas perspectivas. 4 Essa ideia de gestão também se respalda por uma intensa ressonância entre a sua concepção de gestão do setor público e as ideias emergentes a respeito de gestão do setor privado. Assim, pode ter sido culturalmente inevitável que alguém na Kennedy School desenvolvesse uma ideia de "gestão estratégica" no setor publico, que desse muita importância aos resultados, a como responder a cenários e mandatos políticos em mudança e a organizações adaptáveis e flexíveis. E pode ser que tais ideias devam sua consistência ao contexto cul tural e às aspirações organizacionais da Kennedy School, e não ao seu caráter de verdade e à sua utilidade tora do contexto cultural em que se desenvolveram. TESTES Precisamente porque as ideias deste livro emergem de um contexto cultural específico, é importante pensar como podem ser testadas. Em princípio não é difícil inferir o que deve ser o teste: oferecidas aos gerentes como recomendações, as ideias têm de ser testadas na prática pelos gerentes. Essencialmente, espera-se que os gerentes que com- preendem e ut i l izam as ideias mencionadas - para definir as suas funções, diagnosticar as situações e planejar as intervenções - o façam melhor do que os que não usam essas técnicas. No entanto, na prática, é difícil lazer esses testes. Para começar, como definimos o que significa para os gerentes "fazer melhor"? Uma definição de sucesso pode ser o sucesso pessoal dos próprios gerentes: eles são bem-sucedídos, elevam suas reputações pessoais e INTRODUÇÃO crescem na própria carreira. Se um gerente alcançar a reputação de bem- sucedido, essa reputação será uma excelente medida operacional de sucesso gerencial. Entretanto, não podemos garantir que os testes uti l izados para estabelecer reputações indicamcom segurança o verdadeiro desempenho administrativo. Todos nós já vimos gerentes que são habilidosos em fazer brilhar suas reputações muito mais do que em atingir os resultados substantivos que de fato deveriam ser o fundamento dessa reputação. Então, uma segunda definição de sucesso se concentra em os gerentes serem ou não bem-sucedidos na criação de organizações grandes, duráveis e poderosas. ' Essa definição apresenta a vantagem de se focalizar na realização administrativa em vez de na reputação. E parece coerente com a noção comum acerca do que constitui a bem-sucedida l - J •»!*administração no setor privado. Mas uma rápida reflexão (combinada com exemplos conhecidos de criadores de impérios no setor público) indica a inadequação dessa definição quando aplicada a gerentes do setor público. É muito fácil assegurar a sobrevivência de organizações do setor público. O pro- blema, ao contrário, é fazê-las eficientes, reduzir seus custos e torná-las adaptáveis aos cenários políticos em transformação ou às novas tarefas substantivas. É particularmente difícil poder reivindicar os seus recursos quando termina a necessidade que se tem delas. Assim, no setor público, o aumento do poder ou das dimensões de uma organização tanto pode indicar um problema como uma realização. Uma terceira definição de sucesso na gestão pública avalia a eficácia pessoal na obtenção de resultados políticos preferenciais: os gerentes são bem-sucedidos se tem os objetivos políticos de sua preferência adotados e implementados. Essa definição tem a vantagem de premiar o esforço administrativo que, além Já meta de criar ou manter organizações, alcança um propósito substantivo. Mas também aí há falhas. Aspirações particulares que os gerentes desejam são demasiadamente enfatizadas, e de maneira alguma é ponto pacífico que os gerentes públicos devam 3o : INTRODUÇÃO alcançar os seus objetivos políticos preferenciais. De fato, eles estão em suas posições a fim de atuar para a sociedade e não para as suas próprias ideias idiossincráticas sobre de que a sociedade precisa. E óbvio que os gerentes devem assumir posições individuais acerca de relevantes questões políticas. Mas o fato é que o poder e a legitimidade da posição política que adotam depende muito mais do quanto essa posição reflete e acomoda as opiniões de outros em seu contexto político, do que do quanto o gerente prefere essa ou aquela medida. Essa noção de sucesso em que o que é avaliado é a consecução de objetivos políticos próprios deixa aos gerentes muito pouco espaço para aprender o que os outros querem e muita liberdade para que eles dominem o processo com opiniões idiossincráticas a respeito do interesse público. A definição de sucesso que nos sobra identifica o êxito administrativo no setor público com a criação e reorientação dos empreendimentos do setor público, de forma que o valor público aumente tanto no curto como no longo prazo. É a definição que prefiro. Por vezes, isso significa aumentar a eficiência, a efetivídadc ou a j u s t e z a e equidade em determinadas missões já em curso. Em outras ocasiões, significa im- plantar programas que satisfaçam uma aspiração política nova ou que correspondam à existência de uma nova necessidade no cenário de trabalho da organização. Ainda em outras oportunidades, isso significa refazer a missão da organização e ré posiciona-Ia em seu cenário político e de trabalho, de tal maneira que a sua antiga capacidade possa ser usada com mais adequação e efetividade. De vez em quando, isso significa reduzir as exigências que as organizações governamentais fazem junto aos contribuintes e realocando os recursos no momento comprometidos com as organizações para uso alternativo no setor público ou privado. Essa é visivelmente a definição correta de sucesso administrativo: aumentar o valor público produzido por organizações do setor público tanto no curto como no longo prazo. De fato, a ideia de que os gerentes públicos devem criar organizações que produzam valor também encontra eco no critério de sucesso do setor privado. " INTRODUÇÃO : 3i Mas essa definição pode ser operacionaliiada.' Não temos nada semelhante a uma memória de lucros como a do setor privado para avaliar desempenho passado; tampouco podemos usar o valor dos ativos ou mecanismo similar para avaliar o ganho esperado no futuro . Então, embora a definição conceituai de sucesso para gerentes públicos seja evidente, avaliá-lo não o é. Não temos como realizar um teste rigoroso sobre quais práticas gerenciais são melhores do que outras. Para completar, é quase tão difícil definir o que significa "fazer" como o que significa "fazer melhor". Afinal, as ideias aqui aprese ti t a das são destinadas a ajudar os gerentes a pensar no fazet. O verdadeiro fazer, então, tem de ser feito. Muito da efetividade das intervenções gerenciais podem depender tanto de pequenos detalhes da execução como da concepção. Nesse sentido, este livro chega apenas até um ponto do complexo processo de pensar e agir gerenciais. Por firn, não é necessário d i ze r que mudanças no desempenho organizacional raramente podem ser explicadas de forma defini t iva, tomando-se como base intervenções gerenciais específicas. Com frequência, tantos fatores contribuem para o desempenho organi- zacional que não podemos atribuir a intervenções gerenciais específicas qualquer sucesso observado. Com efeito, muitas das ideias sugeridas neste livro focalizam a atenção gerencial na orquestração de forças e pressões que já existem para auxi l iá - la a atingir seus objetivos. Até o ponto em que essa recomendação é aceita e realmente funciona, a diferença entre a influência da ação gerencial, de um lado, e torças externas, de outro, torna-se confusa. Os que se inclinam a achar que a ação gerencial importa muito atribuirão grande perspicácia aos gerentes que se alinham com ou utilizam a seu favor as pressões externas. Os mais célicos com respeito à importância da gestão verão o gerente ser levado por uma onda de pressão externa e alcançar o sucesso sem realmente ter de fazer coisa alguma. Uma vez que é difícil rea l izar um teste rigoroso das ideias aqui apresentadas, sugiro duas maneiras mais simples de experimentar a sua 3? l INTRODUÇÃO plausibilidade e utilidade. Primeiro, as ideias devem ser "fundamentadas", no sentido de que explicitem uma categoria reconhecível de problemas e identifiquem precisamente o que deve ser considerado se queremos resolver o problema do ponto de vista lógico. Esse teste é adequado porque a criação intelectual que está sendo apresentada é uma ideia acerca de como se pode pensar sobre um problema - e não uma proposição empírica a respeito de como uma variável se relaciona com outra. Segundo, as ideias devem ser "úteis", no sentido de que auxiliem os profissionais que realmente enfrentam problemas a prestar atenção ao seu redor, de maneira que sejam alertados para fatos importantes e significativos sobre sua situação presente, que incentive as suas imaginações na busca de soluções para procedimentos e que ofereça alguma orientação rudimentar para diferenciar as ideias melhores das piores. Esse teste é adequado porque está de acordo com a noção de que as ideias devem ser praticadas e devem servir. Até certo ponto submeti as ideias deste livro tanto 3 testes rigorosos como a menos rigorosos. O mais próximo que cheguei do teste rigoroso foi à comparação de gerentes "bem-sucedidos" com "mal-sucedidos" e daí à comparação do que os "bem-sucedidos" parecem pensar e fazer com o que os "mal-sucedidos" parecem pensar e fazer. Apresento tanto gerentes bem-sucedidos como mal-sucedidos, embora a minha teoria leve em conta muito mais casos do que os aqui considerados. As evidências nos mostram com clareza três coisas: (1) a importância crucial de permanecer propositivo; (2) a necessidade de identificar o "gerenciamento político" como uma função capital da gestãono setor público-, (3) a necessidade de refazer as nossas ideias de gerenciamento operacional no sentido de concentrar mais atenção em inovações de vários tipos. Mas, ainda assim, como não fui rigoroso ao extremo nem no desenho da amostra de exemplos nem na coleta de dados, não posso reivindicar o poder que esse grau de rigor poderia proporcionar. Como teste menos rigoroso, recorri como prova ao retrospecto dos gerentes públicos em exercíci que vêm sendo expostos a essas ideias. INTRODUÇÃO l 33 Seus testemunhos têm sido favoráveis e encorajadores. Ainda assim, no final, não creio que tenha provado coisa alguma. O que fiz foi dar nome, para consideração e testes adicionais, a um complexo conjunto de ideias a respeito de como os gerentes públicos devem orientar-se em suas funções, diagnosticando situações e planejando suas intervenções. Os métodos que apresento diferem dos que muitos gerentes púhlicos no momento utilizam e dos modos pelos quais são ensinados e estimulados a raciocinar e a agir. Esta nova abordagem que apresento é plausivelmente melhor adaptada à realidade das situações que os gerentes enfrentam hoje do que as técnicas com as quais contavam no passado. E pode ajudá-los a ser bem-sucedidos em ajudar a sociedade, por meio da preservação de sua atenção, princi- palmenre ern definir e produzir valor público com os recursos que lhes são confiados. Ao menos esta é a minha grande esperança. 34 i INTRODUÇÃO CAPÍTULO l IMAGINAÇÃO GERENC1AL A bibliotecária municipal estava preocupada. Todos os dias, lá pelas três da tarde, dezenas de crianças em idade escolar inundavam os salões de leitura da biblioteca. Pelas cinco horas, as crianças começavam a desaparecer. Às seis, a biblioteca voltava à tranquilidade. Uma verifi- cação informal revelou o que acontecia: a biblioteca estava sendo usada como creche diurna para crianças que ficam sozinhas enquanto os pais não chegam do trabalho. Como a bibliotecária deveria reagir? A BIBLIOTECÁRIA MUNICIPAL E AS CRIANÇAS QUE FICAM SOZINHAS ENQUANTO OS PAIS NÃO CHEGAM DO TRABALHO O seu primeiro impulso foi desencorajar a prática emergente. Atinai, o fluxo perturbava a biblioteca. Os salões de leitura, quietos e espaçosos a maior parte do dia, tornavam-se barulhentos e cheios de gente. Os livros, especialmente os frágeis livros de bolso, eram empilhados desorganizadamente sobre as mesas após uma uti l ização descuidada e depois escorregavam para o chão e se abriam as lombadas. Antes que pudessem sair ao fim do expediente, assistentes cansados enf ren tavam ,1 rearrumação de montanhas de livros nas estantes. O tráfego constante para os banheiros mantinham os serventes ocupados com esforços especiais para mante-los em ordem, limpos e bem equipados. Além de tudo, simplesmente não era trabalho da biblioteca municipal tomar conta daquelas crianças. A tarefa deveria ser feita pelos pais ou talvez por outros atendentes diurnos, certamente não pela biblioteca. Talvez uma carta para o jorna! local, lembrando os cidadãos acerca da utilização correta de uma biblioteca, pusesse as coisas nos devidos lugares. Se isso falhasse, novas regras teriam de ser estabelecidas, restringindo o acesso de crianças à biblioteca. Aí ela teve uma ideia mais empreendedora: talvez as mencionadas crianças servissem para demandar mais fundos do restrito orçamento da cidade para a biblioteca. A bibliotecária poderia argumentar que as novas necessidades, criadas pelas crianças, requeriam recursos adi- cionais. Seria preciso um estafe adicional, para impedir que as crianças perturbassem os outros usuários da biblioteca. Fundos para pagar horas extras seriam necessários para assistentes e serventes limparem a biblioteca ao fim do dia. Talvez até a própria biblioteca tivesse de ser reestruturada para criar salas de leitura para crianças dos cursos primário e secundário básico. Com efeito, agora que pensava nisso, o trabalho de reconstrução poderia ser usado inclusive para justificar nova pintura do interior da biblioteca inteira - um objetivo que a bibliotecária tinha havia muitos anos. Mas tudo isso custa dinheiro e uma revolta estadual contra impostos havia deixado a cidade corn fundos muito limitados. Quando a ideia proibitiva de buscar fundos da comissão de orçamento da cidade veio à tona, a bibliotecária teve uma ideia diferente: talvez um novo programa, para as citadas crianças, pudesse ser financiado pelos pais delas." No entanto, apareceram alguns problemas práticos. Por exemplo, quanto ela deveria cobrar peio serviço.'4 Ela poderia simplesmente registrar os custos associados diretamente com o fornecimento do programa e cobrar um preço que cobrisse esses custos diretos. Mas ela estava insegura quanto aos custos indiretos, como as despesas gerenciais de organização da atividade, a depreciação do prédio e assim por diante. E se incluísse poucos custos indiretos no preço do programa, então o público como um todo estaria, sem saber, subsidiando 36 f Imaginação Gerência! os pais trabalhadores. E se incluísse muitos, a cidade estaria, sem saber, levando vantagem dos pais trabalhadores para ajudar a manter a biblioteca. A bibliotecária também pensou que os cidadãos da cidade e seus representantes poderiam ter opiniões sobre ser ou não apropriado utilizar as instalações da biblioteca para um programa desse tipo e ela não estava segura sobre quais seriam essas opiniões. E se ela criasse um programa com pagamentos por serviços prestados, os moradores da cidade iriam admirar o seu empreendedorismo ou se preocupar com o fato de ela ficar muito independente? Eles achariam que servir a citadas crianças era uma causa de valor ou apenas um pequeno serviço a um grupo restrito e não particularmente merecedor? Era eyidente que ela teria de recorrer à Assembleia Municipal para ser orientada. Considerando as dificuldades de cobrar pelos serviços, a bibliotecária teve ainda outra ideia; talvez o novo serviço pudesse ser "financiado" por meio de esforço voluntário. Talvez os pais das crianças pudessem se organizar para assumir algumas das responsabilidades de supervisão e limpeza após a saída das crianças. Talvez pudessem até ser persuadidos a auxiliar a bibliotecária a fazer as alterações das disposições físicas da biblioteca - para dar conta mais facilmente da nova função e manter uma separação apropriada entre as pessoas mais velhas, que usavam a biblioteca para ler e encontrar-se, e as crianças, que utilizavam a biblio- teca com as mesmas finalidades, porém de maneira mais agitada e barulhenta. O espírito comunitário, evidente nessas atividades, poderia sobrepor-se tanto a preocupações do público sobre a adequação de a biblioteca ser usada para cuidar daquelas crianças como a queixas de recursos públicos serem utilizados para subsidiar interesses relativamente pequenos e não merecedores. Entretanto, a mobilização de uma ação voluntária seria complexa. A bibliotecária não tinha experiência no assunto. Na verdade, todas as medidas que havia considerado até então lhe pareciam difíceis e inusitadas, uma vez que a envolviam em atividade política fora do seu Imaginação Ce ré n ciai âmbito de açào. Fazer uma requisição ao comité orçamentado da cidade ou escrever uma carta ao jornal a respeito do problema eram uma coisa; outra muito diferente era estabelecer um programa de autofinancia- mento e mobilizar um grande grupo de voluntários. E, então, uma última ideia ocorreu-lhe: talvez o problema pudesse ser resolvido encontrando uma solução dentro da própria orga- nização. Um pequeno remanejamento poderia assegurar que haveria um adequado grupo de funcionários para supervisionar as crianças, talvez até para proporcionar programas de desenvol-vimento da le i tura . Talvez algumas coisas pudessem ser reorganizadas na biblioteca, a fim de criar uma sala especial para o programa. Talvez pudessem ser exibidos filmes nessa sala especial de vê: em quando,corno parte do programa extracurr icular . Na realidade, quan to mais a bibliotecária pensava a respeito do assunto, tanto mais parecia que cuidar daquelas crianças na biblioteca podia fazer parte da missão atual da organização. Poderia dar à biblio- tecária e aos bibliotecários assistentes uma oportunidade para estimular a leitura e um amor pelos livros que duraria por toda a vida das crianças. Além disso, parecia à bibliotecária que as reivindicações que as crianças e tis puis faziam à biblioteca eram tão procedentes quanto as fei tas pelas muitas outras pessoas que a usavam de modos diferentes: os estudantes de segundo grau que compareciam à noite para completar projetos de pesquisas e trocar ideias uns com os outros, os idosos que durante o dia vinham ler jornais e revistas e falar com os amigos, e até mesmo os "faça você mesmo" que vinham saber como executar o projeto em que tinham embarcado sem um claro plano de ação. Quando a bibliotecária começou a pensar acerca de como a sua organização poderia responder às novas exigências apresentadas por aqueUs cri tmçaí>, ela também começou a ver a organização sob uma nova l u z . ' O seu treinamento profissional e o de seu estafe haviam lhes preparado para ver a biblioteca como um lugar onde livros são guardados e postos á disposição do público. Para cumprir essa função, tinha sido Imaginação Gf renciaJ desenvolvido um elaborado sistema de inventariar os livros e registrar a sua localização. Também tinha sido criado um sistema igualmente elaborado para monitorar quais livros quais cidadãos haviam pedido emprestado e para impor multas aos que ficavam com os livros por tempo muito longo. Essas eram as principais funções da biblioteca e as tarefas com as quais o estafe se identificava perfeitamente. Com o passar do tempo, porém, as funções da biblioteca pareciam aumentar de acordo com as necessidades dos cidadãos e a capacidade da própria biblioteca. Uma vez que essa dispunha de um sistema de inventariar livros, parecia apropriado utilizá-lo para coleções de discos, CDs e também videoteipes. (E claro que o sistema para emprestar vídeos teve de ser um pouco alterado, com o fim de evitar competição com o comércio local.) As instalações nas quais os livros eram guardados tinham sido aumentadas e se Cornado mais auativas para estimular a leitura na biblioteca como também em casa. Calefação era propor- cionada no inverno e ar-condicionado no verão para conforto dos funcionários e dos que desejavam usar a biblioteca. Salinhas de estudo haviam sido construídas para os estudantes. Fizera-se um quarto de crianças com livros e brinquedos para as que acabaram de aprender a andar. Cada vez mais a biblioteca estava sendo usada para concertos de conjuntos amadores de música de câmara, reuniões de sociedades artísticas c também de clubes do livro. Como resultado, a biblioteca t inha se tornado algo mais do que simplesmente um lugar onde se guardavam livros. Era, agora, um tipo de parque usado por muitos cidadãos com propósitos variados. Quem diria que cuidados corn crianças que ficam sozinhas enquanto os pais não chegam do trabalho const i ruir ia uma valiosa função para a biblioteca se a diretora pudesse pensar em um modo de fazé-lo tão económica, eficaz e razoavelmente e com pouca despesa para outras funções da biblioteca sancionadas pela tradição? Imaginação GtrenciJ GERENTES PÚBLICOS E GESTÃO PÚBLICA A bibliotecária municipal é uma gerente pública. O que lhe atribui essa função é um conjunto de bens públicos que foi confiado à sua gestão. Ela é responsável pela utilização desses bens em benefício da cidade e de seus cidadãos. Naturalmente, uma de suas tarefas como gerente é encontrar o mais proveitoso emprego para esses recursos. O seu maior problema é se seria valioso satisfazer as novas reivindicações junto à sua organização no sentido de cuidar de crianças que ficam sozinhas enquanto os pais não chegam do trabalho, e, em caso positivo, como. Uma Doutrina Importante Nos Estados Unidos, os gerentes públicos têm se regido por uma dout r ina tradicional que explica como devem considerar os seus empregos e neies trabalhar. ll Essa doutrina foi criada para limitar a possibilidade de ação de burocratas dedicados aos seus interesses pessoais ou mal orientados, preocupados somente com seu próprio engrandecimento e que se guiam segundo alguma concepção do interesse público idiossincrática ou mal concebida. A doutrina almeja manter os gerentes do setor público rigorosamente sob controle democrático. Nesse conjunto de procedimentos, os propósitos de um empreen-dimento público, como uma biblioteca, são claramente estabelecidos em estatutos emanados de órgãos legislativos ou em declarações (orrnais de políticas assinadas pelas principais autoridades eleitas. Como resultados conquistados arduamente em debates democráticos, esses mandatos formais legitimam os empreendimentos públicos: afirmam, com autori- dade, que os empreendimentos assim estabelecidos correspondem ao interesse público e podem, por conseguinte, reivindicar recursos sociais. Também dão orientação operacional concreta para gerentes, indicando quais objetivos em particular serão levados adiante pelos empreendimentos públicos e que meios em particular podem ser usados. Juntos, os objetivos e os dispositivos do mandato definem as condições de responsabilização dos gerentes. 40 l Imaginação GercnciaJ Espera-se que, de sua parte, os gerentes públicos sejam agentes fiéis desses mandatos. A sua obrigação é executar os objetivos dos mandatos tão eficiente e efetivamente quanto possível. Presume-se que dis- ponham de conhecimentos técnicos substantivos na sua área de trabalho - que estejam a par dos principais programas operacionais que podem ser utilizados para produzir os resultados desejados e que saibam o que constitui qualidade e efetividade em suas ações. Também se es- pera que sejam administrativamente competentes - que sejam hábeis na criação de estruturas organizacionais e esquemas que possam orientar as organizações a atuar eficiente e efetivamente; que sejam responsáveis pelos recursos financeiros e humanos a eles confiados, de maneira que se possa comprovar que recursos públicos não estão sendo roubados, perdidos ou mal empregados. Essa doutrina produz uma atitude mental característica entre gerentes públicos: a atitude menta l de getentes ou burocratas e não de empresários, líderes ou executivos. A sua orientação é para baixo, visando ao controle seguro de operações organizacionais, ao invés de para fora, visando a alcançar resultados valiosos, ou para cima, visando renegociar mandatos de políticas. Em vê: de encarar o seu trabalho como inicio ou facilitação de mudança, os gerentes tendem a vê-lo preservando uma perspectiva institucional no longo prazo em face de caprichos políticos inconstantes. O seu principal objetivo administrativo é aperfeiçoar atuaçôes organizacionais em papéis tradicionais e não procurar inovações que possam mudar o seu papel ou aumentar-lhe o valor para o contexto político. E essa noção de gestão pública que produz a primeira resposta instintiva da bibliotecária para aquelas crianças: um sonoro e burocrático "não", Realmente, considerado através da perspectiva tradicional, a sua obngação é não satisfazer essa nova demanda, mas sim fazer o oposto: o possível para resistir à nova e insólita utilização abusiva da biblioteca pública. Ademais, muitos membros do seu estafe concordariam com essa conclusão, influenciados pelo treinamento profissional do passado, que Imaginação Gertncial tinha por fim considerar bibliotecas segundo padrões específicos. Também o fariam muitos cidadãos que vêem a biblioteca pelas mesmas lentes tradicionais e logo concluiriam que a biblioteca deveria ficar tran- qiiila e não ser usada como ama-seca por pais negligentes. Um Pequeno Questionamento à Doutrina Dominante Porém, o interessante eimportante a respeito dessa bibliotecária é que ela vai além da reação instintiva. A sua segunda reacão - a utilização do problema daquelas crianças para obter financiamento adicional para a biblioteca - reflete uma comum, se bem que às vezes encoberta, condescendência de gerentes públicos. (Com efeito, é precisamente essa condescendência que faz os contribuintes tão determinados em manter os gerentes sob controle estrito.) Refletindo os ventos de mudança que agora sopram no pensamento administrativo dos setores público e privado, a imaginação gerência! da bibliotecária foi além da sua obrigação formal e além do seu emprecn- dedorísmo burocrático. Ao imaginar o que se poderia fazer, ela extrapola as restrições convencionais do seu trabalho. Em vez de encarar como um problema as novas exigências que estão sendo feitas à biblioteca, a bibliotecária as vê como uma oportunidade. Ela percebe que pode haver um certo valor a ser criado, para ao menos alguns cidadãos da cidade, por meio da permissão, ou mesmo do incentivo, ao uso da biblioteca por aquelas crianças. Começa a pensar em como a criação do aludido vator poderia ser financiada, oficializada e realizada. Nesse contexto, a bibliotecária começa a raciocinar da maneira como a sociedade espera que raciocinem os executivos do setor privado. Ela se concentra na questão de os bens e as competências da biblioteca poderem ou não ser utilizados para criar valor adicional para a cidade. Não pressupõe que os recursos são imutavelmente fixos, ou que a missão está estrita e inflexivelmente consolidada ou que a sua organização c capaz de produzir somente o que agora produz. Ao contrário, ela usa a 42 l Imaginação Gerencial imaginação para pensar como poderá reposicionar e adequar a sua organização às novas exigências das citadas crianças. Resumindo, a bibliotecária está raciocinando como um líder ou empresário. Para muitos, tais pensamentos na mente de gerentes públicos geram problemas e deveriam ser desestimulados, particularmente se, como no caso em foco, o gerente é um funcionário público profissional e não um execut ivo e le i to ou nomeado." Os cidadãos têm uma ideia par t icu larmente negativa das iniciat ivas dos burocratas , porque suspeitam que os íuncionários públicos servem a si mesmos ou procedem de acordo com as próprias ideias idiossincrâsicas a respeito do interesse público." Os cidadãos também são sensíveis ao fato de que a admi- nistração pública separa os burocratas, isolando-os da responsabilidade pública dircta. Como, por meio de eleição, os funcionários públicos elei tos ou nomeados podem ser responsabil izados, os cidadãos geralmente lhes concedem maior liberdade para iniciar novos empre- endimentos públicos. Contudo, os cidadãos consideram negativamente até mesmo as iniciativas dos Íuncionários eleitos ou nomeados, porque o empreendedorismo destes f requentemente parece voltado para a conquista de voros por meio da satisfação de interesses particulares e não para a busca e produção de algo que tenha valor público/ Até o ponto em que são procedentes, essas observações ressaltam um fato social óbvio, mas frequentemente negligenciado: a sociedade tem expectativas muito diferentes para os seus gerentes públicos e os seus gerentes privados. Somos inclinados a considerar a imaginação e a iniciativa entre tis executivos (não eleitos) do setor público como peri- gosas e contrárias ao interesse público, ao passo que percebemos exatamente as mesmas qualidades entre executivos do setor privado como não apenas toleráveis, mas desejáveis para o bem-estar económico da sociedade. Sem dúvida, existem mui tas razões para essas expectativas an- tagónicas. Como os mecanismos políticos que fiscalizam as empresas públicas são certamente mais vulneráveis à influência gerencial e aos Imaginação Gerencial l subterfúgios do que os mecanismos financeiros que fiscalizam as empresas privadas, os gerentes públicos podem ter de ser observados mais de perto do que os gerentes do setor privado. Como as decisões dos gerentes públicos se aplicam a todos os cidadãos, suas iniciativas devem ser supervisionadas muito mais de perto do que as decisões dos gestores do setor privado, cujas decisões se tomam em benefício somente de uns poucos indivíduos específicos (não obrigados). Como os resul- tados de decisões gerenciais são mais subjettvos e (com frequência) aparecem mais lentamente no setor público do que no privado, é mais difícil para o setor público responsabilizar seus gerentes a posteriori por seu desempenho. E assim por diante. Mas essas expectativas diferentes têm uma consequência importante que não vem sendo bem reconhecida ou considerada. Desestímulando raciocínios como os que a bibliotecária está tendo, e as ações que poderiam advir de suas reflexões, a sociedade recusa ao setor público o ingrediente fundamental que o setor privado se vale para permanecer alerta, dinâmico e criador de valor: isto é, a adaptabilidade e eficiência em empregar a imaginação das pessoas chamadas gerentes, com o fim de combinar, de um lado, o que estas percebem como demandas públicas e, de outro, o acesso a recursos e o controle da capacidade operacional para a produção de valor. E bem verdade que a sociedade pode estar se beneficiando da imaginação de gerentes públicos que sofreram muito tempo essas restrições e encontraram meios de contorná-las para proveito da coletividade.' Mas o fato é que a sociedade não mereceu o benefício: não organizou suas relações com os gerentes públicos de forma a exigir, esperar, recompensar ou valorizar tais esforços. Então, é inevitável que a sociedade receba essas contribuições menos do que se poderia, caso se organizasse para esperá-las, exigi-las ou simplesmente permiti-las. 44, . Imaginação Gerência! Gestão Estratégica no Setor Público Há um modo diferente e mais útil de se considerar o papel dos gerentes públicos: mais próximo (porém de maneira alguma idêntico) da imagem que a sociedade tem dos gerentes do setor privado. Sob esse prisma, os gerentes públicos são vistos como exploradores que, com outros, tratam de descobrir, definir e produzir valor público. Em vez de simplesmente inventar os meios para alcançar os objetivos estabelecidos, os gerentes públicos se tornam agentes importantes para auxiliar a descobrir e definir o que seria proveitoso fazer. Em vez de serem responsáveis apenas para garantir continuidade, os gerentes públicos se tornam importantes inovadores, mudando o que faiem, as organizações públicas e a forma como o fazem. Em resumo, nessa visão, os gestores públicos se tomam estrategistas, mais do que técnicos. Se preocupam, para /ora, corn o valor do que estão produzindo, como também para baixo, com a eficácia e com a adequação de seus instrumentos. Utilizam a política na qual a organização está imersa para ajudar a definir valor público e a organizar como as organizações podem operar. Em vez de uma harmonia estável que lhes permitisse aperfeiçoar o trabalho em curso, antecipam um mundo de conflitos políticos e tecnologias mutáveis que lhes exigem reestruturar com frequência as organizações. Em um mundo assim, as conjecturas da bibliotecária sobre como usar a biblioteca para satisfazer as necessidades das crianças seriam consideradas um recurso potencialmente valioso e não como pensamentos perigosos de urn burocrata construtor de castelos. Evidentemente, o motivo principal para preocupação com essa visão alternativa é que ela ameaça precisamente o que a concepção con- servadora visava a evitar - isto é, a dominação do processo político democrático por burocratas voltados para os próprios interesses pessoais ou mal orientados. Porém, a visão tradicional apresenta o problema de não cumprir com o compromisso de proteger o processo político contra influências burocráticas, alcrn da já mencionada supressão de algumas contribuições potencialmente úteis de gerentes públicos.Imaginação Gerencial l 45 -O.ICLI questionamentos tão logo se desenvolveu, segundo os quais uma distinção rigorosa entre política e administração era tanto teórica como praticamente impossível. " Na teoria, a visão ortodoxa desestimulava os burocratas a uti l izar muita imaginação acerca dos legítimos propósitos governamentais c os impedia de assumir qualquer responsabilidade pela sua definição. Na prática, as doutrinas não impediam que os gerentes públicos não eleitos fizessem tanto um como outro- Funcionários públicos com muitos recursos, e com agendas próprias, encontravam habitualmente modo» implícitos de moldar as concepções governamentais de interesse público. Ademais, o caráter não ostensivo da sua influência tornou-se particularmente pernicioso, porque frustrou a confiabiiidade e transformou os envolvidos em corruptos cínicos. Uma abordagem alternativa para controlar a influência dos gerentes públicos seria reconhecer a sua utilidade potencial, como também a sua inevitabilidade, e prover canais formalizados pelos quais ideias gerenciais sobre oportunidades para criar valor público poderiam ser corri.1 tamente apresentadas. Também seria importante ensinar os gerentes públicos como procurar e definir valor público de maneira mais adequada e efetiva do que agora o fazem. Taís esforços ajudariam a sociedade a fazer da necessidade uma vantagem. Permitiriam à sociedade usuf ru i r o benefício da experiência e imaginação dos gerentes públicos sem ter de ceder às suas concepções personalistas de interesse público. E é essa a parte do trabalho que ainda não foi feita. Debilitamos para sempre as doutrinas tradicionais de gestão pública, mas ainda não criamos com o cuidado merecido uma ideia alternativa sobre como os gerentes públicos devem pensar e atuar. UMA ABORDAGEM AITERNATIVA PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Eis o objetivo básico deste livro: elaborar uma concepção sobre como os gerentes públicos, a exemplo da bibliotecária, poderiam ser mais úteis 46 l Imaginação Gcrencial à sociedade buscando e explorando oportunidades para criar valor público. Essa elaboração está de acordo com o juízo de que a sociedade precisa estar sempre em busca de inovações imaginativas (e habilidades técnicas correspondentes) que gerem valor, seja por meio dos executivos públicos como dos gerentes do setor privado. Para desenvolver essa concepção, procedo do seguinte modo. No Capítulo 2, discuto a finalidade do trabalho gerência! no setor público. Defendo a ideia de que os gerentes devem procurar "produzir valor público". Já que se trata de um conceito abstrato, ofereço algumas ideias a propósito de como os gerentes devem considerar o valor público nas empresas que dirigem. Como seria previsível, essa não é uma tarefa simples. Há muitos critérios diferentes para aferir valor público, e nenhum é por si só satisfatório. Por exemplo, tanto a teoria democrática como a sua prática concentram atenção no grau de satisfação que supervisores eleitos têm com relação ao desempenho da organização. Alternativamente, usando as técnicas de avaliação de programas, um gerente pode determinar se, e quão eficazmente, a organização alcançou os seus propósitos subs- tantivos (autorizados politicamente por mandatos, mas definidos analiticamente). Ou, usando as técnicas de análise custo-benefício, poderíamos calcular quanto ganharam os beneficiários individuais do empreendimento com relação ao preço que tiveram de pagar os que o apoiaram. ' Finalmente, valendo-nos de algumas analogias informais com a administração do setor privado, e enquadrando-nos no atual entusiasmo com respeito ao "governo orientado para o usuário" , poderíamos calcular o valor da organização medindo a satisfação dos que interagiram com a entidade na qualidade de clientes ou usuários. De fato, cada um desses padrões pode ajudar os gerentes (e o resto de nós, cidadãos) a determinar o valor de empresas públicas. Mas os padrões diferentes não são necessariamente compatíveis entre si, e cada um desses métodos tem suas próprias deficiências. Apesar das dificuldades, observações importantes podem ser feitas no Imaginação Gerência! sentido de orientar os gerentes públicos. A não menos importante delas é ressaltar que sempre vale a pena fazer perguntas. De fato, questionar continuamente o valor de empresas públicas é uma das providências que pode ajudar os gerentes a se tornarem propositivos e criativos no exercí- cio de suas funções para o nosso benefício coletivo. Uma vez que os gerentes públicos têm de atuar com alguma teoria do valor público, o Capítulo 3 desenvolve um método prático para perceber o valor em circunstâncias específicas. O método adapta o conceito de estratégia corporativa do setor privado às circunstâncias especiais do setor público. Alego que uma concepção útil de valor público pode ser levada em consideração por gerentes públicos se estes integrarem: (1) avaliações substantivas do que seria valioso e efetivo; (2) um diagnóstico de expectativas políticas; e (3) cálculos imparciais do que é operacionalmente possível. Em resumo, percebendo o valor público, os gerentes têm de achar um modo de integrar políticas, conteúdo e gestão. Um tripé estratégico pode ajudar-nos a conceber o argumento básico. A imagem focaliza atenção gerencial em três importantes perguntas a que os gerentes precisam responder para testar se é apropriada sua noção do objetívo organizacional: se este tem valor público, se goza de apoio político e legal, e se é factível administrativa e operacionalmente. O tripé também serve de dispositivo para lembrar os gerentes das funções e tarefas fundamentais que terão de executar para definir e realizar a sua visão- Especificamente, o tripé realça três aspectos diferentes do trabalho: (1) avaliar o valor do objetivo considerado; (2) gerenciar para cima, para a política, com o fim de investir o objetivo de legitimidade e apoio; e (3) gerenciar para baixo, para melhorar a capacidade da organização a fim de alcançar os objetivos almejados. Esses aspectos, por sua vez, são o foco dos capítulos subsequentes deste livro. Os capítulos 4 e 5 analisam a função e as técnicas da gestão pública - a parte da gestão estratégica que trata de gerenciamento ascendente em direção à política. No Capítulo 4, explico por que o gerenciamento político é parte importante do trabalho de um gerente público e como imaginação Gerencial diagnosticar cenários políticos. Os gerentes precisam mobilizar apoio e recursos para as organizações que lideram enquanto angariam o auxílio de outros, além dos seus limites organizacionais, que podem ajudá-los a alcançar os resultados substantivos pelos quais se lhes atr ibui responsabilidade. No Capítulo 5, caracterizo cinco abordagens diferentes às tarefas de gerenciamento político, incluindo advocacia empreendedora,4 gestão de desenvolvimento de políticas públicas, negociação, deliberação e liderança públicas, e marketing do setor público.16 Como a função de gerenciamento político, é a parte do trabalho gerencial mais ameaçadora para os valores democráticos, atribuo atenção especial à questão do que é correto e efetivo. Os capítulos 6 e 7 tratam das partes da gestão estratégica que se ocupam da gestão para baixo, referente à organização. O Capítulo 6 apresenta uma estrutura a ser utilizada na análise dos "produtos" produzidos por organizações do setor público, do processo de produção que a organização está empregando e de como os sistemas adminis- trativos da organização estão dando forma e dirigindo esse processo. Uma vez que o conceito de gestão estratégica pressupõe ambiente político e de trabalho em constante mudança, ressalto as técnicas que os gestores usam para modernizar e estimular a modernização contínua nas organizações. Nessa linha, o Capítulo 7 examina as técnicas que os gerentes usam para introduzir inovações estrategicamente impor- tantes em suas organizações.Finalmente, no Capítulo 8 volto às questões apresentadas no primeiro capítulo: a saber, que tipo de moralidade ou temperamento queremos que os gerentes públicos tenham de forma que eles sejam bem-sucedidos tanto do ponto de vista da eficiência quanto da democracia? Defendo a ideia de que os gerentes públicos devem assumir compromissos éticos e estabelecer padrões psicológicos para serem bem-sucedidos (ou se tornarem mais virtuosos) como gestores públicos, Antes, porém, de tratarmos de técnica e no final de virtude, devemos considerar o assunto crucial do valor público, o tópico do próximo capítulo. Imaginação Gerencial l 49 CAPÍTULO 2 DEFININDO O VALOR PÚBLICO No dia em que foi designado, o diretor da saúde pública dirigiu através da cidade e, por toda a parte, viú-sinais de negligência pública e privada. Latas de lixo estavam agora transbordando por terem sido deixadas muito tempo no meio-fio, caixas enormes e cheias de lixo, que sequer chegaram a ser levadas para o meio-fio, estavam escondidas nos becos, latas vazias estavam rodeadas de lixo derramado durante o esvaziamento e, nas partes mais pobres da cidade, ratos se agitavam entre as latas. Talvez por ter sido designado há pouco tempo, o diretor da saúde pública tinha um sentimento muito forte de responsabilidade pública - ou do seu dever "perante a sociedade". Todos os anos a cidade gastava muito para manter as atividades da sua organização. Nesta, centenas de empregados ganhavam salário e faziam carreira, e dezenas de ca- minhões eram guardados, mantidos e deslocados sob a sua supervisão. O mais importante é que milhões de pessoas contavam com a orga- nização para manter a cidade limpa e saudável. Enquanto dirigia pela cidade, ele observou com contentamento a sua organização trabalhando. Caminhões enormes, pintados em cores que os identificavam, roncavam, seguidos por agentes sanitários que viravam baldes de lixo nas bocas bem abertas dos veículos. Máquinas de limpar rua rodavam ao longo das sarjetas após a passagem dos caminhões de reboque, que removiam carros estacionados ilegalmente. Um varredor de rua apareceu, como por acaso, com uma vassoura e um recipiente de detritos, esvaziando as latas que tinham sido colocadas para acon- dicionar o lixo coletivo. Mesmo assim, ele não conseguiu deixar de pensar no faio de que a sua organização podia fazer mais. Como diretor de saúde recentemente designado, ele queria fazer diferença. Queria que a organização tivesse urn impacto nas condições que via ao seu redor. Queria criar valor para os cidadãos da cidade. Mas como;* A questão parecia par t i cu la rmente urgente, já que o prefeito recentemente eleito pedira-lhe para definir os objetivos de sua gestão no Departamento de Saúde Pública. Como parte daquele plano estra- tégico, o prefeito queria saber se era aconselhável a privarização de algumas ou de todas as ações do departamento. O OBJETIVO DO TRABALHO GERENCIAL O diretor da saúde pública é um gerente público. A pergunta é: trabalhando com quê? Qual o objetivo do trabalho? Sabemos qual o objetivo do trabalho gerencial no setor privado: gerar lucros para os acionistas da empresa." Além disso, conhecemos os modos pelos quais aquela meta pode ser alcançada: produzindo produtos (ou serviços) que podem ser vendidos a clientes por preços que criam receitas acima dos custos de produção. E sabemos como as realizações gerenciais podem ser avaliadas: por meio de medições financeiras de lucros, perdas e alterações nos preços das ações da empresa. Se os gerentes privados podem conceber e fabricar produtos que geram lucros, e se as empresas que eles dirigem o fazem por um período de tempo, podemos dizer que esses gerentes criaram valor. No setor público, o objetivo geral do trabalho gerencial não é tão claro; o que os gerentes precisam fazer para produzir valor c muito mais ambíguo; e como avaliar se o valor foi criado é ainda mais difícil. Mas para desenvolver uma teoria a respeito de como os gerentes devem agir, temos de resolver esses problemas básicos. Sem saber o propósito do trabalho dos gerentes, não podemos determinar se a atuação gerencial é boa ou ruim. Afinal, a gestão públ ica é um empreendimento tanto técnico como normativo. r 54 l CONSIDERANDO O VALOR PÚB1JCO Para começar, proponho uma ideia simples: o objetivo do trabalho gerencial no setor público é criar valor público, assim como o objetivo do trabalho gerencial no setor privado é criar valor privado. Essa ideia simples é frequentemente recebida com indignação - às vezes até com raiva. Uma sociedade liberal como a nossa tende a considerar o governo como "setor improdutivo" e, de acordo com esta noção, o governo não pode criar valor. No melhor dos casos, o governo é um mal necessário: uma espécie de árbitro que estabelece as regras dentro das quais uma sociedade civil e uma economia de mercado podem operar com sucesso, ou então uma instituição que preenche os vazios do capitalismo de mercado livre. Apesar de tais atividades serem eventualmente necessárias, dificilmente podem ser encaradas como atividades que levam à produção de valor. O Governo como Setor Produtor de Valor Mas essa noção nega uma realidade que os gerentes públicos vivem diariamente. Da sua perspectiva, é o governo, atuando por meio dos gerentes, que protege o país contra inimigos estrangeiros, mantém as ruas seguras e limpas, educa as crianças e isola o cidadão de muitos desastres produzidos pelo homem ou pela natureza, desastres que empobreceram as gerações anteriores. Para os gerentes públicos, é óbvio que o governo cria valor para a sociedade. Esse é todo o sentido do seu trabalho. E claro que esse ponto de vista não é inteiramente satisfatório, pois leva em conta somente os benefícios da atividade governamental e não os seus custos. Na verdade, os gerentes públicos não podem produzir os resultados desejados sem utilizar recursos que também teriam valor se usados de outras formas. Para manter as ruas limpas, proteger os carentes das devastações da pobreza, da ignorância e do desemprego, e até para coletar impostos que a sociedade concorda que são devidos, os gerentes públicos precisam ter dinheiro para comprar equipamentos, remunerar funcionários e proporcionar benefícios legais aos clientes. O dinheiro que usam é levantado através do poder coercitivo da tributação. Fica Definindo o Valor Público l 55 perdido para outras utilizações - principalmente o consumo privado. A perda precisa ser examinada em relação aos supostos benefícios das empresas públicas. Além disso, os gerentes públicos com frequência utilizam outro recurso que não o dinheiro para alcançar as suas metas: empregam a autoridade estatal para compelir os indivíduos a contribuírem diretamente para a realização de determinados objetivos públicos.6 Para ajudar na manu- tenção da limpeza das cidades, são aplicadas multas aos que sujam as ruas, beneficiários da previdência social são por vezes obrigados a procurar emprego; e todo cidadão sente o peso da obrigação de pagar impostos para ajudar a sociedade a atingir seus objetivos coletivos. Os recursos requeridos pelos gerentes públicos são concedidos com relutância em uma sociedade que louva o consumo privado mais do que a execução de objetivos coletivos, que valoriza muito a liberdade individual e que vê o empreendedorismo individual como um instru- mento de desenvolvimento social e económico muito mais poderoso do que o esforço governamental. Logo, não basta afirmar que os gerentes públicos criam resultados que têm valor; eles precisam ser capazes de mostrar que os resultados conseguidos valem o preço pago por eles - a restrição à liberdade individual e o consumo privado (que poderia se realizar com o dinheiro pago em imposto, por exemplo). Só então os gerentes podem ter certeza de que valor público foi criado, O Mercado Político: "Nós, os Cidadãos" como um Consumidor ColetivoMas para quem se deve fazer a demonstração? E como alguém pode saber se essa demonstração é convincente? -, - No setor privado, essas perguntas fundamentais são respondidas quando os consumidores usam o seu dinheiro, ganho com dificuldade, na compra de um produto e quando o preço pago excede os custos de fabricação do que é vendido. Com esses fatos pode-se presumir o valor gerado na iniciativa privada. Se os indivíduos não valorizam os produtos ou o serviço o suficiente para pagar por eles, não os comprarão; e se não são comprados, não serão produzidos. No entanto, no setor público o dinheiro utilizado para financiar empreendimentos públicos não é proveniente das escolhas individuais e voluntárias dos consumidores. O dinheiro vem de empresas públicas que o adquiriram por meio do poder coercitivo da tributação, É pre- cisamente esse fato que cria o problema de avaliar as atividades do governo (pelo menos a partir de um determinado ponto de vista). O problema {desse ponto de vista) é que o uso do poder coercitivo do Estado enfraquece a noção de "soberania do consumidor" - o elo crucial entre as avaliações de valor individuais, de um lado, e, do outro, o controle do que será produzido, elo que proporciona justificação normativa para as empresas do setor privado. A coerção anula a oportunidade de os indivíduos expressarem as suas preferências individuais e de assim controlarem o que deve ser produzido. Uma vez que as pessoas não escolhem individualmente comprar ou contribuir para atividades governamentais, não podemos estar certos de que elas desejam o que o governo supre. E se não podemos estar certos de que os indivíduos querem o que o governo produz, então, pelo menos por meio de um reconhecimento simples, não podemos estar certos de que o governo esteja produzindo algum valor. No entanto, essa explicação ignora que os recursos disponíveis para os gerentes do setor público constituem-se por meio de um processo de opção voluntária - a saber, o processo de governo representativo. Na verdade, a opção individual e voluntária não controla o sistema. Mas as instituições e os processos da democracia representativa criam o melhor que podem as condições para que os indivíduos possam voluntariamente reunir-se e decidir o que gostariam de alcançar coletivamente, sem sacrificar os seus desejos individuais. É o único meio que sabemos sobre como criar um "nós" a partir de um conjunto de indivíduos livres. O "nós", por sua vez, pode decidir o que é causa comum, levantar recursos e organizar-se para atingir metas - todas as atividades empregadas na 56 l CONSIDERANDO O VALOR PÚBLICO Definindo o Valor Público l formulação das políticas e na implementação das funções associadas com o governo. De fato, é o reconhecimento explícito do poder político em estabelecer propósitos coletivos normacivamente coercitivos que torna os mandatos parlamentares e políticos fundamentais para as concepções tradicionais de gestão pública. Os mandatos orientam a produção do setor público porque eles são a tradução das aspirações coletivas. Estas, por sua vez, pelo menos se puderem ser executadas de acordo com os termos do mandato, criam o pressuposto do valor público assim como os me- canismos do mercado criam o pressuposto do valor de mercado. Assim sendo, devemos avaliar os esforços dos gerentes do setor público não no mercado económico dos consumidores individuais, mas no mercado político dos cidadãos e das decisões coletivas das instituições da democracia representativa. Demonstrando exatamente o que foi dito anteriormente, o diretor da saúde pública preparou um projeto para apresentar ao prefeito recém- eleíto. Assim, ele tenta informar os representantes públicos sobre o que a organização que ele dirige está fazendo para atender às aspirações públicas. Assim que o seu projeto for apresentado, ele se tornará responsável pela tomada das providências que levarão ao atendimento das metas e resultados que ele propôs. Também se recebe com frequência com ceticismo a afirmação de que os gerentes públicos podem assumir que valor público foi criado se eles tiverem passado pela prova do mercado político, pois, infelizmente, todos nos tornamos conscientes da insensatez e corrupção que podem per tu rba r as deliberações e opções das instituições democráticas representativas. No entanto, os gerentes públicos em exercício não têm escolha, senão confiar (pelo menos até certo grau) no poder normativo das preferências que emergem dos processos representativos. As opções fornecem a justificativa para a ação gerência! no setor público. Como os gerentes públicos gastam recursos públicos nas empresas que chefiam, necessi- 58 i CONSIDERANDO O VALOR PÚBLICO tam, mesmo se têm dúvidas, atuar como se existisse um "nós" coerente e normativamente coercitivo. De outro modo, os seus empreendimentos não teriam nenhum fundamento. DIFERENTES PADRÕES DE RECONHECIMENTO DO VALOR PÚBLICO Reconciliar a tensão entre o desejo de políticas democráticas deter- minando o que vale a pena produzir no setor público e o reconhecimento de que a política na democracia é vulnerável à corrupção tem sido o desafio para os que tentam oferecer uma teoria da gestão pública em uma democracia. Os conceitos utilizados como padrões para definir ohjetivos gerenciais foram mudando ao longo do tempo. Alcançando Objetlvos Mandatários de Fornia Eficiente e Efetiva A concepção predominante na maior parte de nossa história recente tem sido a de que os gerentes públicos devem trabalhar para alcançar as metas e os objetivos definidos pelo legislativo da fornia mais eficiente e efetiva que eles possam. ' Assim, o trabalho do Jiretor dj saúde pública é limpar as ruas tão eficiente e efetivamente quanto possível. E bem fácil concordar com essa concepção. Porém, a reflexão revela uma característica importante desse padrão comum, que é com f r e - quência negligenciada ou considerada fato consumado: a saber, o padrão estabelece a preeminência dos processos políticos - sobretudo legislativos - na determinação do que o setor público deve produzir de forma a gerar valor. Aos que valorizam a política como meio de cr iar uma vontade coletiva, e que vêem a política democrática como a melhor resposta que temos para o problema de reconciliar interesses individuais e coletivos, quitse não surpreende que ao processn político seja permitido determinar o que va le a pena produzir com recursos públicos. ' Nenhum outro procedimento corresponderia aos princípios da democracia. Mas. para aqueles que desconfiam Já integridade ou da utilidade dos n,-fmindooValorP<il>lico l 59 processos políticos, a ideia de que o valor público seja definido politicamente é um pouco difícil de engolir. Eles viram muitos casos de corrupção para confiar nos processos políticos determinando valor publico. No mínimo, esses críticos querem garantias de que o processo político tem princípios e que aceita os limites inerentes da ação gover- n^mental ou que satisfaz padrões mínimos de equidade e competência n,^s deliberações produzidas pelos mandatos.1 Como alternativa, prefeririam meios mais objetivos de assegurar a criação de valor nas empresas do setor público e uma instância que fosse capaz de confrontar os processos políticos com essas informações objetívas. Competência Politicamente Neutra virada do século XX, Woodrow Wilson ofereceu uma solução: ar a política da administração e aperfeiçoar cada atividade em sua ria área. Assim, esperava-se que os gerentes públicos estivessem recebendo dos políticos políticas bem definidas, desenhadas e coerentes. Já que as políticas são resultado de intensas e árduas negociações e Processos políticos, teriam urna espécie de isenção moral proporcionada Pe[a política democrática efetiva. ^ vista dessa realização da política, os gerentes públicos poderiam com segurança voltar a sua atenção para encontrar o meio mais eficiente eeiv de executar os propósitos mandatórios. Para cumprir as respon- des, era assumido que os gerentes públicos tinham conhecimento da substância das áreas em que estavam operando como da arte dg gestão. Assim, sabendo o que poderia ser produzido e como as organizações poderiam produzir o que se queria que elas produzissem, os gerentes públicos vinham ganhando o seu sustento. MO entanto, essa concepção tradicional não considerou o que poderia ocofrer nos casos em que a política não cumprisse a sua parte entregando suas políticas bem definidas e coerentes. Com frequência, os mandatos polfficos vinham carregados de interesses especiais que dificilmente se harmonizavam com o desejo de preservar o intetesse público geral. 6o | CONSIDERANDO O VALOR PÚBLICO Outras vezes, os gerentes recebiam comandos incoerentes: esperava-se que eles produzissem diversos produtos diferentes, inconsistentes uns com os outros e não recebiam instruções quanto a quais metas e objetivos deveriam ter precedência sobre outros em caso de conflito. Ainda outras vezes, alteravam-se as diretrizes políticas de maneira arbitrária e imprevisível, anulando investimentos e debilitando capacidades que tinham sido previamente criados, e que seriam novamente necessários quando o equilíbrio político fosse restaurado em sua posição original. Diante dessa realidade política, mesmo os gerentes públicos wil- sonianos acharam necessário questionar os mandatos políticos expressos politicamente. Assim o fizeram tendo como base de sustentação as suas obrigações morais de defender o interesse público e de preservar a continuidade das empresas públicas importantes. Na sua forma de ver, eles tinham o direito de enfrentar os caprichos desorientados da política graças à sua expertise e à sua técnica. No panteão dos heróis da burocracia, a imagem do funcionário público que desafia os políticos rnal'intencionados para defender o interesse público fica logo ao lado do funcionário responsável e cumpridor de deveres. Uma vez revelada, essa espécie de resistência burocrática aos man- datos políticos não poderia ser mantida em uma democracia como a nossa. Como consequência, muito dessa resistência foi para a clan- destinidade. Baseados nesse falso fundamento de que os políticos eram mal-informados, míopes ou mal-intencionados, tornou-se uma diretriz camuflada, mas legítima, para burocratas de todas as faixas políticas manterem uma posição de guerrilha contra as exigências políticas de mudança. Técnicas Analíticas para Avaliar o Valor Público Mas a política é objeto de desconfiança em nossa cultura política também e logo emergiu uma nova abordagem, criada com um novo tipo de expertise, para disciplinar e racionalizar a política democrática. Definindo o Valor Público l 61 Enquanto a teoria tradicional de administração pública reconhecia a expertíse tanto substantiva quanto administrativa dos profissionais (adquirida por meio da experiência profissional e da educação), a nova formulação defendeu a ideia de que técnicas analíticas especiais, extraídas dos campos da economia estatística e das pesquisas opera- cionais, podiam ser usadas objetivamente para avaliar com antecedência - ou aprender depois do fato - se as empresas públicas tinham valor ou não. As novas técnicas compreendiam a análise de políticas, a avaliação de programas, a análise custo-efetividadc e a análise custo- benefício, Os reformadores esperavam que a utilização dessas técnicas pudesse trazer para as deliberações políticas fatos objetivos sobre os limites de funcionamento das iniciativas propostas e sobre os limites dos benefícios gerais para a sociedade justificados em relação aos custos dos esforços do governo. Há muito a dizer quanto ao fato de essas técnicas terem correspondido ou não às expectativas que se criaram em tomo delas - muito mais do que pode ser dito aqui. A partir da perspectiva de um observador anali- sando o impacto geral dessa abordagem na elaboração das políticas, pode-se dizer, com justiça, que as técnicas não são usadas com frequência e também que elas não são infalíveis as poucas vezes que são utilizadas. ' Ainda assim, essas técnicas foram bem-sucedidas em mudar o discurso político acerca dos programas governamentais. Essa abordagem fez crescer o interesse por argumentos baseados em fatos acerca da extensão com que os programas do governo alcançaram os seus objetivos declarados ou com que serviram ao interesse geral. No entanto, para discutir a utilidade dessas técnicas em ajudar o gerente no seu esforço de definir e mensurar o valor do que ele está executando, três pontos parecem fundamentais. Em primeiro lugar, por motivos que não são completamente óbvias, esses métodos parecem ser mais efetivos para estimar o valor de programas ou políticas particulares do que o valor total dos esforços de uma organização. Suspeito que uma razão está em que, para utilizar as técnicas com sucesso, os gerentes 62 í CONSIDERANDO O VALOR PÚBLICO precisam ter objetivos e meios específicos e determinados de forma estrita para atingir os seus objetivos. As políticas e os programas governamentais são definidos justamente por possuírem objetivos e meios específicos. Ao contrário, é raro que uma organização se defina facilmente como um único programa ou uma única ação política. Com frequência, as organizações incorporam conjuntos de programas e de ações políticas. Os diferentes programas e ações políticas podem ter sido combinados para alcançar um propósito coerente mais amplo, mas a execução daquele propósito mais amplo é frequentemente difícil de avaliar, e ainda mais difícil é que esse propósito seja atribuído a um conjunto de ati- vidades de uma única organização. Também pode ser que seja importante, como já foi mencionado, que as organizações públicas tenham algum tipo de valor fundamental que esteja enraizado na sua habilidade de se adaptar e satisfazer novas tarefas e desafios. Se assim o fazem, uma avaliação do seu desempenho em tarefas e programas correntes não daria conta do seu benefício total para a sociedade, De qualquer modo, o emprego de técnicas para avaliar programas e políticas tem sido muito mais comum do que a sua utilização para estimar o valor produzido pelas organizações públicas. Em segundo lugar, devemos distinguir entre o emprego das técnicas para estimar com antecedência se urna determinada iniciativa governamental será ou não valiosa e o emprego das técnicas depois que um programa tiver sido implementado para determinar se foi bem-sucedído. A análise de políticas normalmente se concentra no primeiro caso e a avaliação de programas no segundo. Essa distinção é particularmente importante quando se utilizam comparações com a administração do setor privado em busca de orientação para gerentes do setor público sobre como poderiam ponderar melhor o valor de suas empresas. Como foi dito anteriormente, o método que o setor privado usa para medir o valor da sua produção parece ser muito mais seguro do que o do setor público. As receitas e lucros obtidos da venda de produtos e Definindo o Valor Público l 63 serviços - os famosos balanços de resultados anuais - geram uma medida exata do sucesso da empresa do setor privado. Entretanto, o que é interessante acerca da lucratividade é que ela mede o que aconteceu no passado. Esse dado é levado muito a sério no setor privado, em parte porque é por meio dele que o gerente pode prestar contas do seu trabalho e ser incentivado a melhorar o seu desempenho, mas também porque ele ajuda a pensar no futuro. De fato, muitas empresas do setor privado foram aconselhadas a reduzir seus esforços de planejamento estratégico em produzir previsões quase exatas do que vai acontecer e, em troca, a forta- lecer suas habilidades em reagir rapidamente às situações que o mercado lhes coloca e que descobrem lendo os seus dados de operações correntes. Assim sendo, a lição do setor privadoparece ser a de que é extrema- mente proveitoso gerar informações acuradas sobre o desempenho em vez de concentrar esforços em adivinhação a respeito do futuro. Se concordarmos com isso, chegaremos à conclusão de que as agências do setor público deveriam concentrar-se mais em avaliação de programas e menos em análise política. No entanto, a minha impressão é que as agências fazem o oposto. Infelizmente, pois a pouca atenção dada à avaliação de programas faz com o setor público deixe de aproveitar a accountability, os incentivos e a capacidade de reação que o setor privado desenvolveu graças à atenção prestada aos seus balanços de resultados. Ern terceiro lugar, precisamos observar que tipo de preferências as empresas públicas são destinadas a satisfazer. Quase sempre as técnicas analíticas são apresentadas como se fossem todas instrumentos úteis feitas para ajudar o governo a verificar se os seus esforços têm valor ou não, Dentre elas, a análise cus to-benefício é geralmente apresentada como a melhor, a mais genérica e a mais confiável para medição de valor. O único problema é que é mais difícil fazê-las de forma completa. Por isso a avaliação de programas e a análise custo-efetividade são apresentadas como primos pobres de segundo grau da análise custo-benefício. Mas ainda penso que há uma importante diferença conceituai entre as técnicas que faz com que a avaliação de programas e a análise custo- 64 l CONSIDERANDO O VALOR PÚBLICO iefetividade sejam abordagens superiores para a maioria dos propósitos r .públicos, tanto do ponto de vista conceituai como do prático. A análise custo-benefício, orientando-se a partir de princípios da economia do bem-estar, pressupõe que as atividades do setor público devem ser avaliadas pelos indivíduos a partir das consequências (positivas ou negativas) para eles como indivíduos. De maneira oposta, as técnicas de avaliação de programas e a análise custo-efetividade tentam medir o valor em termos da eficiência com que o programa ou a política alcança os objetivos particulares estabelecidos pelo próprio governo e não no modo pelo qual os indivíduos avaliam as consequências da política do governo. Neste sentido, a avaliação de programas mede a eficiência com que o programa atinge seus objetivos, e esses objetivos são deduzidos a partir dos estatutos ou das políticas que os determinaram, A análise custo-efetividade rnede o grau do sucesso atingido com um esforço governamental específico que teve um determinado conjunto de objetivos definidos para aquele esforço específico - provavelmente com a ajuda de profissionais que podem ajudar os que elaboram a política do governo a definirem o que constitui um tipo valioso de "efetividade". Em resumo, tanto a avaliação de progtamas quanto a análise custo- efetividade definem valor público em termos de objetivos colctívamc-nte definidos, que emergem de um processo coletivo de tomada de decisões, ao passo que a análise custo-benefício define valor em termos do que os indivíduos desejam, sem referência a qualquer processo coletivo de tomada de decisões. A confiança da análise custo-benefício nas preferências individuais é, claro, o que faz dela uma abordagem superior do ponto de vista conceituai para os economistas do bem-estar. Mas para os que acreditam na capacidade do processo político em estabelecer uma aspiração coletiva de íorma articulada e que acham que isso é a orientação mais apropriada para a atividade públ ica , a avaliação de programas e a análise custo-efetividade são as melhores técnicas, exatamcnte porque não se preocupam com preferências individuais e sim com objetivos estabelecidos colettvamente. Definindo o Valor Público > 65 Ajustando o Foco no Serviço ao Consumidor e na Satisfação do Cliente Recentemente, os gerentes públicos desenvolveram uma nova forma de calcular o valor de suas organizações: eles adotaram meta para o serviço ao consumidor, emprestado do setor privado, e decidiram encontrar o valor de seus esforços na satisfação de seus "consumidores". Essa ideia tem vanta- gens importantes, pois pode estimular os gerentes governamentais a pensar sobre a qualidade das interações que as agências do governo têm com os cidadãos-clientes e a fazer com que essas interações tenham mais qualidade. Qualquer um de nós já se deparou com burocratas rudes e/ou com ações e procedimentos go-vernamentais mal organizados. Porém, essa ideia também tem falhas, pois não está claro, de forma alguma, quem são os consumidores de uma agência governamental. Normalmente assumimos que são os clientes das organizações gover- namentais - os cidadãos que a organização encontra "na ponta" ou "do outro lado das negociações" das suas transações. Até onde o governo presta serviços e proporciona benefícios aos cidadãos, esse modelo parece funcionar bastante bem. Mas o governo não é apenas um prestador de serviços. Muitas vezes está em cena para impor obrigações e não para prestar serviços. Isso vale, por exemplo, para departamentos de polícia, agências de proteção ambiental, comissões contra discriminação e instituições arrecadadoras de impos- tos, entre outros. Essas organizações fazem contato com os clientes individuais não como prestadoras de serviços, mas como representantes do Estado obrigando os clientes a absorver uma perda para benefício da sociedade em geral. Para as organizações que regulam e fiscalizam a execução da lei, pode até ser que tenha valor considerar os cidadãos que elas inspecionam como consumidores e tratar os seus "contatos obrigatórios" tão cui- dadosamente como tratariam "encontros de serviço".31 Mesmo assim, não é razoável supor que essas agências encontrem justificativa na satisfação dos que eles obrigam a contribuir para os objetivos públicos. 66 l CONSIDERANDO O VALOR PÚBLICO É mais provável que a justificativa esteja na vantagem de que a cole- tividade obtém na imposição de obrigações diferenciadas para poucos. Alem do mais, outros, além dos que ficam sujeitos às obrigações, podem estar interessados na justiça ou equidade com as quais as obrigações são impostas, na equidade que desejariam para si próprios se fossem submetidos às obrigações. Essa questão é importante porque chama a atenção para o fato de que as agências prestadoras de serviços são julgadas e avaliadas pelos cidadãos e não só pelos clientes das organizações. Por exemplo, ao avaliar o desempenho do departamento de Previdência ou de bem-estar social, é necessário saber como os clientes se sentem com relação aos serviços que recebem. Mas não podemos confiar nessa avaliação como o único ou o mais importante meio de julgar o valor dos serviços pres- tados. Os cidadãos e os seus representantes desejam estar certos de que permanece baixo o custo total do programa, de que ninguém rouba (mesmo o custo do roubo seja menor do que o preço pago para preveni- lo) e mesmo de que os clientes sofram algum grau de diferenciação {de forma a assegurar a diferença entre os que podem ser independentes e os que precisam apoiar-se no Estado). Em resumo, é importante deixar clara a diferença entre a avaliação que os cidadãos e os seus representantes fazem das atividades do governo e a avaliação que seria feita pelos clientes. O criminoso preso não está em uma situação particularmente boa para julgar o valor das operações do departamento de polícia. E o cliente da Previdência pode não estar também. Os consumidores finais das operações do governo não são ns pessoas atendidas individualmente (os clientes da empresa privada) ou as que foram obrigadas a determinadas ações e sim os cidadãos e seus representantes no governo, que têm ideias mais gerais sobre como um departamento de polícia deve ser organizado ou como um benefício previdenciário deve ser prestado. Eles decidem o que vale a pena produzir 110 setor público, e as suas avaliações são as que interessam no fim das contas para julgar se um programa governamental temvalor ou não. Definindo o Valor Público l 67 No fim, nenhum dos conceitos de "competência politicamente neutra", "análise política" e "avaliação de programas" ou "serviços ao consumidor" pode expulsar a política de seu lugar preeminente para definir o que tem valor para ser produzido no setor público. A política permanece como árbitro final do valor público, assim como as decisões de consumo privado continuam a ser o árbitro final do valor privado. A única coisa que os gerentes públicos podem fazer é achar um modo de melhorar as políticas e de insti tuir uma orientação firme quanto ao que cem valor público. Eis aqui a razão por que o gerenciamento político deve ser parte da nossa concepção do que os gerentes públicos devem fazer. " Para ver como essas considerações genéricas podem influenciar as percepções e avaliações dos gerentes do setor público, vamos voltar ao problema enfrentado pelo diretor da saúde pública no começo do capítulo. Como ele deve pensar sobre qual valor está criando, para quem está criando e como deve ser criado:1 SAÚDE PÚBLICA MUNICIPAL: UM EXEMPLO O diretor da saúde pública tinha nas mãos uma empresa pública. Bens (sob a forrna de dinheiro de impostos, de autoridade pública, de construções ou edifícios, de caminhões e da experiência acumulada da organização) foram-lhe confiados para executar propósitos públicos mais ou menos bem definidos. O que faz dele um gerente público é a responsabilidade pela utilização desses bens publicamente fornecidos. Quando assume o cargo, os bens não são inteiramente fungíveis (à sua disposição); já estão comprometidos com modalidades de operação particulares, determinadas pela tradição da organização, pelos procedimentos operacionais padronizados e pela tecnologia da organização. As operações em curso produzem um conjunto par t icular de con- sequências- Grupos de cidadãos, a mídia, membros do conselho da Assembleia Municipal e o prefeito aglomeranvse em torno da empresa, continuamente oferecendo conselhos sobre como os bens devem ser reutilizados - incluindo a recomendação de que os recursos retornem 68 l CONSIDERANDO O VALOR PÚBLICO aos indivíduos de forma privada ou que sejam gastos para financiar empresas privadas em vê; de burocracias públicas. Seja porque os objetivos são definidos em sua generalidade ao invés de especificidade, seja porque supervisores da empresa discordam a respeito do que deve ser feito, ou seja ainda porque os próprios gerentes são considerados especialistas em definir e resolver os problemas que a sociedade enfrenta, o diretor de saúde pública tem algum arbítrio tanto para propor como para decidir como os bens devem ser empregados. O seu problema, então, é julgar de que maneira em especial os bens que lhe foram confiados serão reutilizados, com o fim de elevar o valor da empresa pela qual ele é (temporariamente) responsável. O Produto da Coleta de Lixo A princípio, a simples inspeção das operações departamentais parece revelar o valor que está sendo produzido: o departamento faz com que as casas da cidade, as ruas e os becos estejam mais limpos do que de outro modo estariam. Mas a observação provoca outra pergunta: por que essa consequência tem valor'! Quando se faz esta pergunta, a análise sai da observação de eventos físicos e entra no campo da afirmação acerca do que os cidadãos realmente valorizam (ou que talvez devessem valorizar). Note que o problema não apareceria se os serviços de coíeta de lixo fossem vendidos no mercado. Nesse caso, o valor que os cidadãos atribuem a ruas limpas se manifestaria por meio da vontade de contratar o serviço. É somente quando o dinheiro dos impostos financia a ati- vidade que o gerente responsável pela utilização desse bem necessita dar uma resposta getal e politicamente aceitável à pergunta de por que o serviço tem valor. O financiamento público da atividade quebra a ligação entre os desejos individuais (expressos por meio da vontade de um indivíduo gastar o seu próprio dinheiro) c o produto que é fornecido. Isso não apenas suscita dúvidas sobre os desejos do cidadão individual pelo serviço (e, por conseguinte, sobre o seu valor), mas também toma necessário Definindo o Valor Público l 69 explicar o valor da empresa em termos que sejam satisfatórios para a comunidade como um todo (não somente para os beneficiários do serviço). A necessidade de dar uma resposta geral e politicamente aceitável - de atuar como se houvesse um consumidor coictivo, com preferenciai bem definidas por condições sociais produzidas por organizações públicas - é o problema intelectual central na definição do valor das atividades governamentais. Embora o dilema seja realmente difícil do ponto de vista teórico, do ponto de vista prático o sistema político o resolve rotineiramente através da autorização dada aos gerentes públicos para gastar recursos públicos. As autorizações são geralmente legitimadas por uma justificativa - ou uma história - a respeito do valor das organizações."' Para ser útil, a história deve recorrer não somente a indivíduos em seu papel de clientes e beneficiários de ruas limpas, mas, além disso, ã comunidade em geral - mais precisamente a indivíduos em seu papel de cidadãos de uma sociedade e a seus representantes nas instituições políticas. E claro, a história não tem de ser repetida ou alardeada diariamente. Uma vez estabelecida, a tradição irá continuá-la. Porém, deve haver uma história para ser lembrada se houver a necessidade de reconsideração ou de uma nova autorização. No caso da coleta de lixo, uma justificativa dá conta de que as cidades limpas são esteticamente mais atraentes do que as sujas. Como os cidadãos preferem as cidades limpas, o valor público é criado fazendo-as mais limpas. Dita assim, tão diretamente, a proposição soa estranha, porque sugere que o governo cobra impostos dos cidadãos para produzir limpeza. Porém, não há nada particularmente convincente quanto ao valor da limpeza. Na verdade, é bem esquisito para uma sociedade liberal insistir no benefício da limpeza e impor impostos a seus cidadãos para executar aquela meta. Então, somos levados a buscar um valor público mais importante - uma justificativa melhor - do que a mera limpeza para que seja estabelecido o valor da empresa. Lima justificativa mais importante afirma que os departamentos sanitários 7° CONSIDERANDO O VALOR PUBLICO protegem a saúde pública- Segundo essa concepção, recolher lixo tem valor principalmente porque produz uma cadeia de acontecimentos que protege os cidadãos das epidemias. Livrar as ruas do lixo orgânico reduz as taxas de incidência de bactérias perigosas (para não falar de ratos, que são esteticamente agressivos e representam riscos para a saúde). Por sua vez, essa rotina reduz a probabilidade de uma epidemia. Note que essa história introduz um novo problema: a saber, a questão empírica de a coleta de lixo, de fato, impedir ou não epidemias. E comum que o valor das organizações do setor público decorra de uma longa e incerta sequência causal que se inicia na intervenção governamental. Se não houver certeza quanto à conexão causal entre o serviço do governo (re- colher lixo) e os resultados sociais desejados (mortalidade e morbidade reduzidas), essa segunda justificativa se torna frágil. Mas frequentemente a importância do objetivo justificará a organização, mesmo em situações nas quais o desempenho seja um tanto incerto. Os dois enquadramentos diferentes para analisar a coleta de lixo - ptoduzir uma amenidade estética ou proteger a saúde públ ica - estabelecem contextos bem diferentes para o público, para avaliar tanto o nível como a distribuição de serviços prestados publicamente. No caso de produzir uma amenidade, a a t iv idade do setor público parece discricionária. Há menos urgência em prestar o serviço e, o que é im- portante, menos preocupação a respeito de sua distribuição. Entretanto, no caso da preservaçãoda saúde pública, o esforço público parece essencial. Pode-se gastar mais para produzir a proteção necessária, porque as expectativas e os padrões são mais elevados. Também haverá mais preocupação acerca da distribuição dos serviços. Será o caso de se argumentar que todo mundo tem o "direito" de ser protegido contra ameaças à saúde. Várias das nossas decisões políticas se desenrolam em torno dessú questão sobre se algo deve ser tratado como uma amenidade que os indivíduos escolhem comprar ou como um direito que deve ser garantido pela sociedade de forma mais ampla. " O debate incorpora unia Definindo o Valor Público discussão sobre qual a extensão com que determinadas condições part iculares na sociedade serão consideradas matéria de interesse público ao invés de privado: ou seja, essa é uma discussão acerca dos limites do setor público. Quando determinadas mercadorias e serviços são considerados direitos e estreitamente relacionados com noções de justiça e equidade, a fronteira do setor público é ampliada para que seja incluída a obrigação de produzir e distr ibuir uma certa quantidade daquelas mercadorias e serviços. Quando determinadas mercadorias e serviços são considerados valiosos pela sociedade, mas não são estreita- mente relacionados com concepções de just iça e equidade, a fronteira do setor público se encolhe. Os Custos da Coleta de Lixo O valor de ruas e vielas limpas é uma questão importante não ape- nas porque não há meios alternativos de organizar o serviço, mas também porque a limpeza acarreta despesas: recursos que poderiam ser utilizados para outros fins são comprometidos com o trabalho de recolher lixo. Se não houvesse custos, seriam suficientes benefícios mínimos para jus- tificar o trabalho. Como há despesas substanciais, o problema crucial é se o valor criado é maior do que os custos de produção. A coleta de lixo incorre essencialmente em dois tipos de custos. O mais óbvio é o custo orçamentário de prestar o serviço. Dinheiro é retirado do consumo privado para financiar esforços públicos ;i fim de manter as ruas limpas. O montante utilizado aparece nos orçamentos e sistemas de contabilidade. Ele varia, dependendo de como se mantém as ruas e de quais métodos em particular são empregados para mante-las limpas. Um segundo custo é menos óbvio: além do dinheiro público, a au- toridade públ ica é ut i l izada. Normalmente associamos o emprego de autoridade governamental apenas às atividadeh de manutenção da lei ou àj agências reguladoras . M;is a coleta de l ixo também envolve autoridade governamental, e no mínimo, ehi é u t i l i z a d a par.i arrecadar os impostos que financiam o serviço. -2 , CONSIDERANDO O VALO R PÚBLICO A autoridade pública também é utilizada de outra forma que devemos mencionar. Sempre que um serviço é prestado pelo poder público, a preocupação privada em comprar ou prestar o serviço tende a se atrofiar. Quando o governo faz a coleta de lixo, os cidadãos se sentirão menos responsáveis. Eles não vão pagar, privadamente, por serviços de coleta de lixo. Podem até parar de varrer as próprias calçadas. Sc os indivíduos pararem de se preocupar com a limpeza da cidade, obviamente as cidades ficarão menos l impas do que se tivessem continuado a se preocupar. Um benefício terá sido produzido - mais tempo ou dinheiro disponível para quem estava gastando um dos dois ou ambos com a coleta de lixo, mas a cidade não ficará tão limpa. No outro extremo, podemos imaginar que se somente os indivíduos, privadamente, forem responsáveis pela limpeza da cidade, o sistema pode entrar em colapso, de tal forma que a cidade pode ficar até mais suja do que antes. Para evitar que isso aconteça, o governo usa a sua autoridade para criar obrigações formais ou informais para os cidadãos colaborarem na limpeza das cidades. Como obrigações informais, o governo poderia financiar programas de serviço público que estabeleçam uma espécie de norma social que privilegie a limpeza responsável. " Por exemplo, o departamento sanitário pode financiar campanhas de publicidade que desestimulem o desleixo com a sujeira ou colocar latas de lixo em todos os pontos da cidade. Esses programas objetivam facili tar o volun- tarismo, de forma a eliminar desculpas para a "irresponsabilidade". Uma forma mais coercitiva (e, portanto, mais cara) de fazer com que os indivíduos se sintam responsáveis pela limpeza da cidade inclui decretos de proibição quanto à sujeira e requerimentos formais para que os cidadãos varram as suas calçadas. Para que esses deveres sejam cumpridos, é preciso que sejam reforçados com multas e punições. Geralmente não pensamos na autoridade pública como algo que pode ser usado em medidas e graus diferenciados, pois tendemos a achar que ou há autoridade investida no serviço ou não há. Mas assim corno o Definindo o Valor Público l "73 dinheiro, a autoridade pública pode ser usada em um empreendimento com maior ou menor intensidade. A "quantidade" de autoridade investida pode ser observada no tamanho do encargo imposto aos cidadãos, na magnitude da punição por desobediência ou até no quão ínvasivas são as medidas utilizadas para impor obediência. Essa quantidade também poderia ser medida pelo grau de elaboração dos procedimentos requeridos para estabelecer ou impor a autoridade: quanto mais elaborados os procedimentos, mais significativa a autori- dade investida. Proibir o ato de sujar, ou solicitar aos cidadãos que mantenham as calçadas limpas, por exemplo, requereria açào legislativa formal ou ação regulatória. Geralmente essas ações requerem extensa deliberação pública. Além do mais, implementar os regulamentos por meio de multas aos cidadãos que não cumprirem as regras normalmente exige açào formal nos tribunais contra os transgressores. O que acontece nesses casos é que os cidadãos são convencidos a abrir mão de parte de sua liberdade considerando o interesse do cumprimento de um objetivo público. Assim sendo, esses procedimentos podem ser considerados dispositivos para uma justa distribuição da autoridade governamental, com o fim de assegurar o seu uso de forma restrita e apenas quando apropriado e tendo valor. Então, para que o setor público seja responsável pela coleta de lixo, dois recursos são utilizados: dinheiro arrecadado por meio de impostos e obrigação moral ou autoridade pública para garantir contribuições privadas à solução de um problema público. Em uma sociedade democrática liberal, ambos os recursos são escassos. Portanto, para valer a pena, os benefícios provenientes da coleta municipal de lixo devem ser suficientemente significativos. Justificativas para Intervenção Pública Como questão de filosofia política, a maioria dos membros de uma sociedade liberal geralmente prefere deixar a organização de empreen- dimentos produtivos para mercados e instituições privadas do que para CONSIDERANDO O VALOR PÚBLICO mandatos públicos e burocracias governamentais. Conseqúentemente, para que um empreendimento público seja considerado vantajoso, ele deve passar por um teste que vai além da mera demonstração de que o valor dos produtos excede o valor dos recursos utilizados para produzir os resultados: ele precisa deixar claro por que o empreendimento deve ser público ao invés de privado. Essa preferência advém de três pilares ideológicos que definem uma ordem das instituições da sociedade liberal: primeiro, o profundo respeito pelo poder dos mercados em assegurar que as atividades produtivas satisfaçam os desejos individuais; segundo, a convicção de que as instituições privadas são mais aptas para criar e explorar a iniciativa individual e são con- seqúentemente mais adaptáveis e eficientes do que as burocracias públicas; e, terceiro, a confiança nas instituições privadas como baluartes Já liberdade contra o poder do governo. Até certo ponto, o diretor da saúde pública pode tratar essas ideias como meras abstraçõesque pouco têm a ver com o dia-a-dia da organização que ele coordena. Ou pode pensar nelas como importantes princípios filosóficos que ele endossa e procura cumprir nas operações da sua organização. Ou, ainda, pode admitir que, mesmo que esses princípios não tenham a menor importância para ele, pode ser que sejam importantes para os cidadãos e representantes que supervisionam a sua organização, e que essas preocupações mereçam atenção. De fato, essa última opção ocorreria naturalmente à medida que essas ideias ganhassem torça concreta no contexto político da cidade, ou à medida que outras cidades começassem a privat izar os seus depar- tamentos sanitários. Então, para satisfazer aqueles interessados em garantir relações institucionais adequadas em unia sociedade liberal, um gerente de empresa pública deve provar a existência de alguma razão especial para que o governo, e a sua autoridade, financie e forneça o serviço. Em geral, duas diferentes justificativas para a intervenção pública são levadas em consideração. Uma diz que existe um problema técnico na organização de um mercado para o fornecimento da mercadoria em Definindo o Valor Público l 7^ questão - por alguma razão, o livre intercâmbio entre produtores e consumidores não resul tará no nível de produção adequado. O governo deve intervir para corrigir a falha do mercado. Uma segunda justificativa é a existência de uma questão crucial de justiça ou equ idade na prestação do serviço - algum direi to ou reivindicação que um indivíduo tem contra a sociedade e que outros concordam que deve ser atendido. O governo deve intervir para assegurar que a reivindicação seja atendida - não apenas para o indivíduo que a faz, mas geralmente também para todos. Note que a primeira jus t i f ica t iva deixa intocada a pr imazia da preferência individual como árbitro do valor social. Idealmente, tanto a quant idade como a distr ibuição de um bem em par t icu lar serão determinadas unicamente por meio das preferências individuais- A segunda justificativa, como contraste, substitui o padrão para o estabelecimento de valor social. Um juízo coletivo é feito sobre o valor /do empreendimento público proposto, São os cidadãos agindo através da política que estabelecem tanto o nível quanto a distribuição da produção e não os consumidores agindo através dos mercados. E a combinação das preferências dos cidadãos por uma condição social agregadora que deve ser satisfeita. Essas diferentes justificativas correspondem mais ou menos aos dois enfoques para o estabelecimento do valor da coleta de lixo: a produção de limpeza e a produção de saúde pública. Em um enfoque, a coleta de lixo pelo setor público proporciona um conforto bem parecido com qualquer outro bem de consumo - um meio urbano limpo. Como justificativa para a intervenção do setor público, pensa-se sobretudo cm termos de problemas técnicos na organização dos mercados. No segundo enfoque, a coleta pública produz algo mais fundamental - a proteção da saúde pública. Aqui se pensa mais em termos de garantir uma condição valiosa socialmente, que distribua de forma justa os benefícios e que inclua algumas regras que auxiliem na satisfação da condição desejada. 76 l CONSIDERANDO O VALOR PÚBLICO Esses dois enfoques diferentes expressam os diferentes scatus que os dois valores - limpeza e saúde - têm na política. A limpeza é um conforto e não uma necessidade; por conseguinte, a sua produção e distribuição podem set facilmente deixadas para os mercados, a não ser que algum problema técnico o impeça. A saúde c reivindicada como "bem fundamental", associada com importantes aspirações coletivas; por conseguinte, a sua produção e distribuição se tornam um foco apropriado para uma sociedade agir através do governo com o fim de garantir justiça. No que diz respeito à produção e à distribuição de um conforto para os que realmente o valorizam, a intervenção do poder público se justifica por três argumentos específicos. Primeiro, a intervenção poderia ser justificada pelas substanciais economias de escala na coleta de lixo. L Isso ocorre porque a tecnologia de coleta de lixo tem apresentado custos decrescentes e/ou porque o valor associado com a coleta de lixo se concentra no fim da escala de melhoria de desempenho quando o cenário municipal se transforma de um pouco sujo cm totalmente limpo ou de bem seguro em completa mente seguro. Para aproveitar essas economias de escala sem deixar os cidadãos vulneráveis à exploração de um monopólio privado, a sociedade tem duas opções: pode criar uma agência reguladora para supervisionar o monopólio natural que surgirá no setor privado ou pode optar por ela mesma prestar o serviço. No caso da coleta de lixo, a sociedade quase sempre decidiu que é melhor que o governo preste o serviço. O segundo argumento é que, embora os cidadãos valorizem ruas limpas, ar despoluído e ausência de insetos nas vielas, essas coisas não têm dono nem preço. ' Como resultado, os cidadãos não têm incentivo para "produzir" essas mercadorias, depositando seu lixo em algum lugar que não as ruas e vielas comuns. Para lidar com esse problema, a sociedade pode decidir que esses espaços públicos são propriedade comum. Uma vez que esses espaços sejam declarados propriedade comum, pode-se, então, criar um mercado que o explore, e os cidadãos podem ser cobrados se forem autorizados a Definindo o Valor Público l -7? ali depositar seu lixo, ou então, usando a autoridade pública, pode-se exigir que os cidadãos mantenham as ruas limpas, tanto por meio de multas quanto por meio de uma estigmatização moral de quem não res- peite as regras de limpeza. " Ou, ainda, a sociedade pode simplesmente decidir prover o serviço ela mesma por meio de operações gover- namentais e tornar desnecessário que cidadãos se ocupem da coleta de lixo. No caso da coleta de lixo, a sociedade com frequência vem utili- zando uma mistura dessas abordagens, com destaque para a prestação do serviço pelo setor público. O terceiro argumento é que geralmente os benefícios estéticos e sanitátios da coleta de lixo estão disponíveis a todos os cidadãos da cidade, o que dificulta que alguns sejam excluídos, mesmo os que se recusam a pagar por esses benefícios. Desse modo, todos os cidadãos têm um incentivo para dissimular os seus verdadeiros interesses em ter as ruas limpas. Se não contribuírem para a limpeza, talvez outra pessoa o faça, e poderão usufruir o benefício sem ter de fazer o trabalho. Ou mesmo se estão dispostos a fazer a sua parte, podem relutar em fazê-lo, com medo de estarem sendo explorados e tidos como tolos pelos seus colegas. Em qualquer dos casos, a cidade acaba mais suja do que o desejam os cidadãos individuais, porque todo mundo se recusa a fazer a parte que lhe caberia. Para evitar esse resultado, a sociedade pode obrigar cada um a fazer as contribuições financeiras e de outra natureza em busca da solução do que é, afinal, um problema comum. Todas essas justificativas para a intervenção do poder público partem da premissa de que as preferências individuais estabelecem ade- quadamente o valor, mas que problemas técnicos na organização dos mercados para o provimento do serviço justificam a intervenção do poder público. Entretanto, como foi dito anteriormente, pode-se pensar na coleta de lixo a partir de uma perspectiva completamente diferente. Em lugar de considerar o problema como sendo o de se organizar eficientemente para satisfazer desejos ind iv idua is por ruas e vielas limpas, pode-se ver a questão como um caso de distribuição regular dos CONSIDERANDO O VALOR PÚBLICO benefícios e encargos que satisfaçam uma necessidade pública que tem sido reconhecida por indivíduos na sociedade como uma aspiração e uma responsabilidade coletivas. Essa linguagem, e o arcabouço analítico que ela invoca, muda muito a nossa ideia de valor público da coleta de lixo. Em vez de ser consi-derado em termos do seu impacto no desejo dos consumidores indi- viduais por limpeza e saúde, o valor parece estabelecer-se exogenamente por um imperativo de saúde pública. Ruas saudáveis são uma neces- sidade pública! Os cidadãos têm direito de serem protegidos! Essas manifestações subst i tuem - e até "enganam" - as preferências individuais em estabelecer o valor do empreendimento. Muitas vezes parece que essas afirmações são estabelecidas exo- genamente. Elas não são parte das esferas tradicionais do mercado ou da política. Um renomado médico da saúde pública planta a ideia alertando para uma epidemia iminente. Ou um defensor dos pobres dramatiza a desigualdade da distribuição atual de serviços de saúde por meio da exposição de fotografias de moradias infestadas de ratos. É como se uma realidade objetiva, ou aspiração moral compartilhada, compelisse todo mundo na sociedade a concordar que a coleta de lixo é uma necessidade pública. De fato, essas afirmações tiram as pessoas do seu modo de ser como consumidores individuais e pedem-lhes para atuar como cidadãos de uma comunidade encarando um problema comum ou obrigada por uma aspiração moral compartilhada. Entretanto, na prática, essas afirmações não têm tanto apelo se ficam isoladas como meras assertivas. Para ter importância na comunidade - o poder de criar, sustentar e orientar o empreendimento público da coleta de lixo - , as ideias precisam passar por um teste político. As reivindi- cações necessitam contar com o consentimento dos cidadãos individuais e obter a automação das instituições representativas. Só então essas afirmações poderão realmente começar a tuncionar como suKstituios da expressão de preferências individuais. Uma vez que o valor da coleta de lixo é afirmado coletivamente, o Definindo oValor Público 79 problema da produção e da d is t r ibuição se torna uma questão de equidade na distribuição de benefícios e na alocação de recursos, em vez de um assunto relacionado com eficiência. Conforme observado acima, a questão da equidade se coloca porque há envolvimento da autoridade pública. Em uma democracia liberal, a autoridade é de propriedade coletiva. Por princípio normativo, a autoridade não deveria ser usada nunca, a não ser que um órgão parlamentar tenha sancionado o seu uso ' e necessariamente em nome do bem de todos os cidadãos. Esses princípios políticos que regem nossas instituições governamentais são tão fundamentais para a compreensão da nossa sociedade quanto a preferência por mercados e pela empresa privada. No que diz respeito à coleta de lixo, esses princípios significam que os que são os verdadeiros donos da autoridade (a saber, os cidadãos e os que os representam) devem ser satisfeitos e assim a autoridade pública deve ser bem utilizada em seu benefício. Utilizar bem a autoridade significa que a empresa opera com equidade e justiça (no sentido de que pessoas situadas em condições semelhantes são tratadas com igualdade de direitos) e que os que sofrem sanções impostas pela autoridade podem reconhecer a justificativa dessas sanções nos seus casos parti-culares. É importante notar que equidade é, por si só, um atributo do empreendimento social - não necessariamente ligada à eficiência nem necessariamente compensada ou substituída pela efetividade. Embora uma transação individual possa ser mais ou menos justa, a equidade é básica e fundamentalmente uma característica das operações coletivas de um empreendimento público. Assim, a equidade é um atributo que tem valor para os cidadãos cm seus papéis de cidadãos endossando um empreendimento público e não em seu papéis de clientes individuais e beneficiários do serviço de forma particular. (Também pode ser uma parte importante para os clientes que são coagidos, em lugar de servidos, tornando-se assim uma parte importante do que determina a disposição destes de concordar em par t ic ipar do empreendimento. Por fim, a equidade pode influenciar a eficiência económica das organizações envolvidas na prestação do serviço.) Desse ponto de vista, o serviço público de coleta de lixo se justifica por uma aspiração social compartilhada por um meio ambiente saudável (e limpo) e pela necessidade de distribuição equitativa dos benefícios e encargos do resultado de um empreendimento governamental. O seu valor é determinado em parte pela satisfação dos indivíduos que agora desfrutam de ruas limpas (com a contrapartida de pagar taxas e aceitar obrigações de auxiliar a ação de recolher lixo), e em parte pela satisfação de cidadãos que perceberam uma necessidade coletiva, estabeleceram uma responsabilidade pública em relação àquela necessidade e a partir daí participaram da construção de uma comunidade (satisfação contra- balançada pelas preocupações de haverem ameaçado um ordenamento das instituições sociais ao terem tornado público algo que poderia continuar privado, talvez com mais utilidade). Essas perspectivas são muitas vezes consideradas isoladas e incon- sistentes. O problema é visto segundo uma perspectiva de produção e prestação ef icientes ou segundo uma ótica de just iça e repar t ição igualitária de encargos e benefícios. No entanto, a minha visão é a de que os gerentes públicos sempre precisam considerar os empreen- dimentos do sctor público a partir de ambas as perspectivas. Não podem desprezar a questão da produção e da prestação eficientes de um serviço. Nem podem ignorar a questão da distribuição igualitária de privilégios c encargos. Uma vez que a autoridade públ ica toi comprometida, a equidade já fa: parte do assunto e a autoridade pública está sempre comprometida quando impostos estão sendo pagos. O Valor do Processo Autorizador O fato de a autoridade pública estar sempre comprometida em empreendimentos do setor público muda a noção sobre quem precisa ficar satisfeito com o desempenho de um empreendimento e sobre quais características consti tuem um desempenho satisfatório. Como a autoridade está envolvida e só pode ser utilizada em nome dos cidadãos e de seus representantes, o seu uso deve ser orientado por acordos 8o l CONSIDERANDO O VALOR PÚBLICO Definindo o Valor Público ' 81 poíííicos e não por transações de mercado. Cidadãos que se preocupam com o que é bom para a sociedade (em lugar de somente o que é bom para eles como clientes) precisam ficar satisfeitos com a orientação do empreendimento público tanto quanto os clientes que são diretamente afetados pelo empreendimento; também devem ficar satisfeitos os que, em instituições representativas, dão autorização para que o em- preendimento siga em frente. Raramente há consenso na discussão política sobre o valor dos empreendimentos públicos. Na maior parte das vezes, o debate se dá sobre se se deve ou não levar a cabo o empreendimento e como. Em um sentido importante, o diálogo político está para os empreendimentos do setor público assim como o mercado para a esfera privada - uma arena onde os consumidores com dinheiro para gastar decidem o que desejam comprar. Há três diferenças, porém: (!) os consumidores estão abrindo mão da sua liberdade, bem como do seu dinheiro ao autorizar o governo a agir em seu nome; (2) estão comprando o produto em benefício da coletividade, de acordo com uma noção política do que é desejável para a sociedade como um todo; e (3) estão comprando empreendimentos inteiros em lugar de produtos do empreendimento. Em resumo, o que os cidadãos (considerados o oposto de clientes) querem é a realização de sua concepção especial de uma coleta de lixo eficiente, equitativa e justa. Essas questões aparentemente abstratas costumam se tornar bem concretas na política de um departamento sanitário. O problema mais comum diz respeito à distribuição correia do serviço disponível através de áreas geográficas, grupos étnicos, classes sociais e membros de partidos políticos.61 A distribuição provoca debate político não apenas porque existem interesses competi t ivos , mas também porque há princípios que são bem diferentes e com igual grau de razoabilidade que podem ser empregados com o fim de decidir como distribuir os serviços. Quando se pensa em distribuição do serviço em termos de eficiência de mercado ou maximização do bem-estar, é tentador orientar a coleta de lixo para áreas em que ela produza o maior benefício, ou seja, onde 8a : CONSIDERANDO O VALOR PÚBLICO os esforços produzirão os maiores ganhos um termos de estética e resultados para a saúde pública por unidade de esforço realizado. ' Uma concepção alternativa seria destinar os serviços públicos a áreas onde já se faz muito privadamente, em parte como um incentivo para manter (ou aumentar) as contribuições privadas, em parte porque os níveis elevados de esforço privado indicam um desejo maior por limpeza e, por conseguinte, um lugar onde com certeza os recursos públicos serão considerados de maior valor. Quando se pensa em distribuir os benefícios do empreendimento em termos de satisfação de necessidades sociais, princípios bem diferentes vêm à tona. Um deles é situar a coleta de lixo nas áreas mais neces- si tadas . ' Esse enfoque cria um padrão mínimu de limpeza para toda a cidade. Uni segundo princípio, muito relacionado com a equidade, é proporcionar a mesma quantidade de esforço público para todas as áreas Já cidade e deixar que as diferenças nos níveis reais Je limpeza sejam um reflexo das d i ferenças da vontade privada e das capacidades particulares em manter áreas limpas. Entretanto, nenhum desses princípios pode ser considerado n critério correio para a destinarão dos serviços, embora cada um tenha o seu defensor. Ao contrário, na prática, o problema da distribuição se resolve por meio de um contínuo processo político e administrativo que mantém esses princípios em competição e os adapta às mudanças nas demandas políticas e às formas de se fazer política pública. Os assuntos relativos à eficiência administrativa e à efctividade do*, programas são normalmente debatidos em termos de efetividade e custos, e não em termos de equidade c justiça. Esses problemas quase nunca aparecem como resultado de relatórios de agências gover- namentais revelando deficiências de desempenho. Normalmente surgem a partir de fontes externas; algumas graves (porém temporárias) falhas de desempenho, como incapacidade de limpar as ruas depois de uma nevasca inesperada, ou uma notícia de jo rna l sobre corrupção, desperdício e ineficiência de uni departamento sanitário, ou o início de Definindo i) Valor Público ' 83 um grande esforço no sentido de elevar a produtividade de uma nova administração, ou o início de um novo projeto por um novo diretor (por exemplo, um programa de extermínio de ratos em terrenos baldios), ou o estímulo à limpeza de bairros por grupos de moradores.66 Tais debates sobre o desempenho serão, em geral, decididos por relatórios, estudos e/ ou pela organização de novas políticas e procedimentos destinados a corrigir o problema. Os debates políticos sobre equidade e eficiência na coleta de lixo têm importância por pelo menos duas razões. Primeiro, renovam a auto- rização da empresa ou empreendimento que assim mantém o fluxo de recursos utilizados para preservar a limpeza das ruas. Segundo, dão oportunidade contínua de a sociedade reconsiderar a questão de os recursos comprometidos com a empresa estarem sendo bem empregados. Assim como as assembleias anuais de acionistas no setor privado, as reuniões irregulares, mas frequentes, do diretor da saúde pública - com os grupos de interesses, a mídia e os representantes do povo eleitos - proporcionam-lhe uma oportunidade de dar informações sobre a empresa e de utilizar a informação para manter antigos - e atrair novos - investimentos. Essa rotina de autorização do prosseguimento dos esforços de coleta de lixo (talvez sob algumas novas condições) pode ter muitas e diferentes vantagens. Pode ser rnais ou menos aberta, mais ou menos equânime, mais ou menos bem-informada acerca de desempenho passado e oportunidades futuras e mais ou menos razoável em suas decisões. Os atributos especiais desse processo autorizador são importantes, pois é esse processo o que relaciona o empreendimento da coleta de lixo com os que a consomem como instituição de uma sociedade bem-ordenada.67 Uma vez que o processo autorizador pode satisfazer ou desapontar os cidadãos desejosos de um serviço sanitário público equânime, eficiente e efetivo, e uma vez que a sua satisfação é parte importante do êxito ou fracasso de um empreendimento público, esse processo político deve ser visto como criador de um tipo de valor. Se o processo autorizador 84 l CONSIDERANDO O VALOR PÚHLICO contínuo é bem gerenciado, e se os cidadãos sentem as suas aspirações comuns satisfeitas por meio de um processo de consulta e revisão, o empreendimento terá mais valor do que se isso não acontecer. E esse aspecto do valor público existe independentemente da diferença entre o valor da limpeza e o custo dos recursos usados para produzi-la. O Valor Fundamental da Instituição Há urna última coisa a se observar quanto à coleta de lixo. Em geral, uma organização - usualmente um departamento municipal de saúde - é encarregada da atividade. Com o tempo, essa organização desenvolve uma importante expertise na coleta de lixo. Possui procedimentos ope- racionais para cumprir a tarefa específica de reunir trabalhadores e equi- pamentos pela cidade inteira e enviá-los para recolher o lixo. Mantém um quadro de funcionários que sabem aonde devem ir e o que fazer para produzir o resultado. Emprega sistemas de contabilidade para mostrar a gerentes e supervisores da empresa quanto custa recolher o lixo e quanto do orçamento da empresa já foi gasto. E emprega gerentes para se assegurar de que todos na organização exercem os papéis para os quais foram designados. Toda essa capacidade operacional representa um investimento que a sociedade faz no departamento municipal de saúde. Muitos diriam que essa experiência acumulada e capacidade opera- cional constituem um importante bem a ser protegido ou pelo menos não abandonado ao acaso. Os que expressam essa ideia vêem na competência das organizações do setor público uma perspectiva ampla e de longo prazo que é útil para equilibrar a perspectiva estreita e de curto prazo dos representantes políticos. Até certo ponto, essa noção tem mérito. Existe valor na experiência acumulada da organização. Substituí-la seria muito caro. E mesmo que muito dos ganhos de produtividade provenientes dessa acumulação de experiência tenham sido apropriados por seus gerentes como uma espécie de folga organizacional de forma a diminuir a incerteza e aumentar sua capacidade de resposta a crises (e por seus trabalhadores Definindo o Valor Público l 85 como uma maneira de sofrer menos pressão no trabalho), ainda assim a organização provavelmente é mais produtiva em suas atividades do que qualquer alternativa.'L O problema é que o respeito pela continuidade Institucional pode tornar-se uma desculpa para resistir às mudanças. Mesmo algo aparen- temente rotineiro como a coleta do lixo não é estático. O mundo muda. Bairros ganham ou perdem moradores. Esforços privados crescem e minguam. Tornam-se disponíveis novas tecnologias de coleta de lixo. Novos problemas (como o lixo tóxico) causam novas exigências ã capa- cidade de organização para selecionar e eliminar o lixo. Novos contratos de trabalho alteram os padrões de lotação de funcionários. Todas essas alterações influenciam as operações básicas de coleta de lixo. Além do mais, as demandas políticas relativas ao departamento sanitário podem mudar. Talvez um escândalo force impor tan tes alterações na distribuição geográfica dos serviços ou no nível de supervisão. Ou o departamento sanitário de uma hora para outra pode ser direcionado para se tornar um empregador e uma via de mobilidade ascendentepara adolescentes de guetos, em vez de simples agência que recolhe lixo. Ou, ainda, o diretor da saúde públ ica pode ver uma oportunidade de empregar a sua força de limpadores de rua como instrumento de incentivei ao desenvolvimento de grupos comunitários que estimulem investimentos em bairros de cidades decadentes. O fato é que o valor da organização não se l imita necessariamente ao valor operacional do t rabalho em questão. Também tem uma espécie de valor fundamenta l , baseado tanto na sua capacidade de adaptar seus métodos específicos a novos aspectos da cólera de lixo como na sua capacidade de produzir novos produtos potencialmente valiosos para a sociedade. Uma organização terá mais valor do que aparenta a partir da observação do seu desempenho rotineiro ã medida que explora oportunidades de executar sua missão com mais eficiência ou mais equidade, que se adapta as mudanças e que aproveita a sua competência especial para criar produtos de valor para os cidadão1;. Na 86 l CONSIDERANDO O VALOR PÚBLICO verdade, a adaptabilidade é o que precisamente determina o valor no longo prazo das empresas do setor privado.1 Talvez o mesmo se aplique às empresas do setor público." PABA UMA NOÇÃO GERÊNCIA! DO VALOR PÚRLICO O que essa discussão sobre o valor público da coleta de lixo pode nos dizer, de um modo geral, a respeito de como os gerentes públicos e todo o resto de nós, cidadãos, que nos valemos deles, devemos analisar o valor das empresas do setor público.' Seis pontos parecem fundamentais. Primeiro, uni axioma: o valor se baseia nos desejos e nas percepções dos indivíduos - não necessariamente em transformações físicas, e não em abstrações chamadas sociedades. Em consequência, os gerentes do setor público precisam satisfazer alguns desejos e trabalhar de acordo com algumas percepções. Segundo, há diferentes tipos de desejos a serem satisfeitos. Alguns são por mercadorias e serviços que podem ser produzidos e distribuídos através de mercados. Esses são o cerne da administração privada e não fazem parte da nossa preocupação. Outros desejos são por produtos de organizações públicas e são o reflexo (mais ou menos imperfeito) dos desejos que os cidadãos expressam por meio de instituições do governo representativo. As aspirações dos cidadãos, expressas através do go- verno representativo, são preocupações centrais dos gerentes públicos. À primeira vista, as aspirações dos cidadãos parecem ser de dois tipos. Um diz respeito a produtos colettvos que são individualmente desejados e consumidos, mas que os mecanismos de mercado não conseguem prover porque não se pode dividir o produto e vendê-lo a consumidores individuais . Um segundo tipo seriam as aspirações políticas que se relacionam corn condições sociais igual i tár ias , como uma distribuição adequada de direitos e responsabilidades entre organizações públicas e privadas, uma distribuição justa de oportunidades económicas ou de Definindo o Valor Público obrigações sociais e um consequente desejo de economizar o dinheiro de impostos investido em organizações do setor público. Na prática, esses dois tipos de desejos reduzem-se a um por uma razão muito importante: em qualquer situação na qual a autoridade pública é invocada, o empreendimento assume características públicas. Toda vê: que a organização compromete a autoridade pública diretamente para obrigar indivíduos a contribuir para o bem público, ou emprega dinheiro arrecadado através do poder coercitivo da taxação para trabalhar por um objetivo que foi autorizado pelos cidadãos e representantes do governo, o valor da empresa precisa ser estimado em relação às expectat ivas dos cidadãos por just iça e equidade, bem como por eficiência e eficácia. Uma vez que a administração esteja produzindo algo com recursos públicos arrecadados através de autoridade estatal, o bem produzido não pode mais ser considerado independentemente das preferências e desejos políticos dos cidadãos. Assim, a capacidade de uma empresa pública em satisfazer essas preferências é urmi parte importante da sua capacidade de criar valor. Terceiro, segue-se que os gerentes das empresas do setor público podem criar valor (no sentido de satisfazer os desejos dos cidadãos e dos clientes) por meio de duas atividades diferentes, direcionadas a dois mercados diferentes. A maneira mais óbvia é uti l izar o dinheiro e a autoridade - confiados a eles - com o fim de gerar produtos de valor para clientes e beneficiários específicos; podem criar parques limpos para uso das famílias; podem providenciar tratamento para viciados em heroína; podem empregar forças militares para fazer com que indivíduos se sintam seguros e confiem no futuro. Podemos chamar isso de criar valor por meio de produção do setor público, mesmo se o que está sendo produzido e valorizado não é sempre um produto material ou um serviço consumido por beneficiários individuais. Os gerentes públicos também podem criar valor estabelecendo e operando uma instituição que satisfaça os desejos dos cidadãos (e de seus representantes) por instituições públicas ordenadas e produtivas. CONSIDERANDO O VALOR PÚBIJCO Os gerentes satisfazem esses desejos quando apontam, por meio de mecanismos de accountability, para cidadãos e representantes o desem- penho passado e futuro da sua organização em busca da autorização contínua. Podemos pensar nessa atividadc mais como um auxílio para a definição do valor público e não como criadora de valor público. Mas ela também cria valor, pois satisfaz os desejos de cidadãos por uma sociedade bem ordenada, na qual existam empresas públicas igualitárias, justas, eficientes c responsáveis. As necessidades de cidadãos, em lugar das de clientes ou beneficiários, estão sendo satisfeitas. Essa dupla natureza da criação de valor do setor público pode parecer estranha. Contudo, existe uma analogia no setor privado. Os gerentes deste último setor precisam satisfazer dois grupos diferentes: necessitam produzir um bem ou serviço que os fregueses comprarão a um preço que paga os custos de produção, e precisam vender aos acionistas e credores a sua capacidade atual de produzir bens de valor. Os gerentes públicos enfrentam situação parecida: precisam produzir algo cujos benefícios ultrapassem os custos de produção, e precisam fa:ê-lo de um modo que assegure aos cidadãos e seus representantes que algo de valor terá sido produzido. Em suma, em ambos os casos, tanto os compradores como os proprietários precisam ficar satisfeitos com o que o gerente faz. Quar to , já que as a t iv idades governamentais sempre u t i l i z a m a autoridade política, varia a importância relativa dessas duas partes di fe ren tes do gerenciamento. Estando envolvida a autor idade, a importância de garantir aos "proprietários" que os seus recursos estão sendo bem empregados u l t r a p a s s a re la t ivamente a sat isfação dos "clientes" ou "beneficiários" do programa. Alem do mais, torna- se importante Jyr ao lado "produtivo" da empresa a lgumas qualidade-; diferentes da sa t i s fação máxima dos beneficiár ios do programa. A produção e a distribuição dos produtos da organização devem ser tão justas quanto eficientes. As operações precisam economizar no emprego da autoridade, assim como na utilização do dinheiro. Quinto, o que os cidadãos e o;, seus representantes (enquanto opostos Definindo n Valor Público l 8<j de clientes e beneficiários do programa) "compram" dos gerentes públicos é uma prestação de contas da empresa pública - uma história contida em uma política. Nesse sentido, a política está para o gerente do setor público assim como uma expectativa está para o empresário privado. Do ponto de vista do gerente, ele recebeu uma autorização para uti l izar recursos por meio de meios específicos. Do ponto de vista do cidadão, a autorização é a compra de uma empresa coletiva que promete criar valor. Trata-se de um acordo políticoe coletivo para resolver urn problema (ou explorar uma oportunidade) de um modo particular. A política é a resposta que uma sociedade liberal democrática tem dado à questão (analiticamente insolúvel) sobre o que se deve produzir para propósitos coletivos com recursos públicos. É claro que sabemos que pode ser traiçoeiro considerar acordos políticos como projeções acuradas da vontade pública ou do intetesse público. A tomada de decisão política é vulnerável a muitos tipos de corrupção - o mais importante dos quais o triunfo de interesses particu- lares sobre os gerais. ' Também é vulnerável a m u i t a s espécies de irractonalidades, inclusive estreiteza de visão, falta de disposição para fazer difíceis negociações com flexibilidade e inabilidade de lidar com risco. Essas conhecidas dificuldades podem afetar, e realmente o fazem, a moralidade acerca da conduta do governo na tomada de decisões políticas aos olhos tanto dos cidadãos como dos gerentes. Entretanto, acordos políticos imperfeitos permitem que os cidadãos e os gerentes os questionem - mas eles não são desconsiderados e não se pode ignorar o seu peso moral. Se os gerentes públicos têm de criar valor no longo prazo, uma parte importante de seu trabalho consiste, então, em fortalecer as políticas transmitidas aos que as autor izam. Especificamente, as políticas que orientam as atividades de uma organização precisam refletir os interesses e as preocupações particulares dos cidadãos e dos seus representantes; a história a respeito do valor a ser produzido necessita ser fundamentada em uma lógica acurada e experiência real; e a experiência operacional da organização precisa estar disponível aos supervisores políticos por 90 l CONSIDERANDO O VAI,OR PÚBLICO meio de sistemas de contabilidade apropriados que meçam o desem- penho e os custos do desempenho da organização. É aqui que faiem as suas maiores contribuições às técnicas analíticas de análise de políticas, de avaliação de programas, de análise custo-efetividade e de análise custo-beneficio. De outra maneira, os pontos fortes do processo político não serão aproveitados, o conhecimento c a experiência dos gerentes operacionais não serão utilizados e as conhecidas fraquezas do processo não serão questionadas. Sexto, o mundo em que trabalha o gerente público vai mudar, as aspi- rações dos cidadãos vão mudar, assim como os métodos de executar antigas tarefas vão mudar. O trabalho da organização pode mudar à medida que podem aparecer novos problemas para os quais a organi- zação pode propor uma solução útil , do tipo que foi colocado para a biblioteca pública resolver o problema das crianças. Então, não é o suficiente que os gerentes simplesmente mantenham a continuidade de suas organizações, ou mesmo que as organizações se tornem mais eficientes nas tareias correntes. Também é importante que a empresa seja flexível a novos objetivos e que sej;i inovadora e criativa. Aqui está o objetivo do trabalho gerencial no setor público. Como os gerentes do setor privado, os do setor público precisam trabalhar muito na tarefa de def in i r empreendimentos de valor público, bem como na criação deste valor. Mais ainda, os gerentes precisam estar preparados para se adaptar e reposicionar as suas organizações em seus ambientes políticos e de trabalho, além de apenas assegurar a sua continuidade. Infelizmente, esse conselho é muito genérico e abstraio, e não é muito útil aos gerentes públicos. Entretanto, ele os orienta em relação ao propósito geral do gerenciamento no setor público e a alguns problemas comuns que precisam ser enfrentados, porém não lhes dá uma direção específica sobre como desenvolver uma definição de valor público suficientemente concreta para encaminhar os ^eus próprios esforços e os de suas organizações; nem lhes esclarece como poderiam utilizar os seus cenários políticos e organizacionais para definir e criar valor público. Definindo o Valor Público . 91 O principal objetivo deste livro daqui em diante é desenvolver técnicas específicas para visualizar o valor público, mobilizando a política, aprendendo com ela e refazendo organizações. No Capítulo 3, apresento alguns executivos reais do setor público, os quais há muito tempo enxergaram e deram resposta a essas necessidades, especialmente por meio de técnicas específicas de "visualizar o valor público" e, assim o fazendo, estabeleceram um padrão para os executivos públicos de hoje, Nos capítulos subsequentes, apresento outros gerentes que podem nos ensinar boas {e más) técnicas de comprometimento do cenário político e de orientação de suas organizações para melhora do desempenho. 92 l CONSIDERANDO O VALOR PÚBLICO CAPÍTULO 3 ESTRATÉGIA ORGANIZACIONAL NO SETOR PÚBLICO Gerentes públicos criam valor público. O problema é que eles não tem como saber com certeza o que é isso. Mesmo se pudessem estar seguros hoje, teriam de duvidar amanhã, porque as aspirações políticas e as necessidades públicas que estimulam as suas açõcs podem mudar.' Apesar da ambiguidade, os gerentes precisam de alguma informação sobre o valor que as suas organizações produzem. Todo dia as opera- ções das suas organizações usam recursos públicos. Todo dia essas operações produzem consequências concretas para a sociedade - intencionalmente ou não. Se os gerentes não podem dar conta do valor desse trabalho, com uma história e com resultados comprovados, a legitimidade do seu empreendimento estará minada e, com isto, a sua capacidade de liderança. E tampouco as suas respomabilidades se limitam às atividades corren- tes. Alguns recursos usados hoje só terão valor amanhã. Investimentos em novos equipamentos, conhecimentos e competências humanas, por exemplo, são necessários em relação à perspectiva de mudança e justificados pela expectativa de que melhorarão o desempenho no futu- ro. Mesmo que nenhum investimento cxplíciio seja feito, as atividades e operações cor ren tes a fe ta rão o desempenho f u t u r o , porque as experiências de hoje dão forma à cultura e as capacidades da organização de amanhã. Então, os gerentes públicos devem ter uma visão de valor público que seja boa hoje e no futuro. Para ver esse problema abstraio em termos concretos, vamos