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20 Mudança e desenvolvimento cc::::::: - .. ' durante a idade adulta e a velhice JESÚS PALACIOS Já vai longe o tempo em que as descri- ções limitavam o desenvolvimento psicológi- co às mudanças e às transformações evolutivas que acontecem na infância e na adolescência. Longe também está a identificação de infân- cia e adolescência como uma subida, a idade adulta como um platô e a velhice como uma descida (evolução-estabilidade-declínio). Con- forme foi mostrado no Capítulo 1, a década de 1970 marcou o princípio do fim dessas descrições e dessa identificação. A partir des- se momento, a psicologia evolutiva é o estu- do de todo o ciclo vital, e isso, como também foi indicado no Capítulo 1, significou para a disciplina não só uma ampliação nas idades de estudo, mas também, e sobretudo, uma ampliação dos conceitos, dos modelos, da lin- guagem e da metodologia. O certo é que a infância continua sendo o período da vida humana sobre o qual mais se acumulou co- nhecimento na pesquisa psicológica, mas tam- bém é verdade que é cada vez maior o corpo de informação de que dispomos em relação ao desenvolvimento após a adolescência. Os próximos três capítulos abordam de forma detalhada os processos de desenvolvi- mento psicológico no campo da inteligência (Capítulo 21), da personalidade (Capítulo 22) e da socialização (Capítulo 23). Cabe a nós, neste capítulo, introduzir alguns conceitos e idéias-chave para um melhor conhecimento do significado evolutivo do desenvolvimento pos- terior à adolescência, como também para faci- litar a compreensão dos conteúdos que são expostos nos três capítulos seguintes. Para isso, em primeiro lugar, vamos analisar o tipo de desenvolvimento que mencionamos ao falar da idade adulta e da velhice mediante uma análi- se que apresenta diferentes abordagens do con- ceito de idade, que é chave para entender es- sas etapas da vida humana. Em segundo lugar, vamos nos referir a vários fatos biológicos que adquirem uma particular relevância na idade adulta e na velhice. Depois, vamos nos centrar em algumas das propostas teóricas gerais que foram feitas a respeito dessas etapas da vida humana, concluindo com várias reflexões so- bre a mudança e a continuidade após a ado- lescência, reflexões que serão ilustradas com alguns comentários sobre o desenvolvimento intelectual, pessoal e social nessas idades. As- pectos que serão analisados com mais detalhes nos capítulos seguintes. IDADE E INFLUÊNCIAS NO DESENVOLVIMENTO Quando em psicologia evolutiva se diz que a idade é uma variável vazia, está se des- tacando um fato sobre o qual existe um acor- do generalizado: a idade, por si mesma, não explica nada, e a passagem do tempo, por si só, não fornece elementos que possam nos aju- dar a compreender os processos de desenvol- vimento psicológico. Conforme foi indicado no Capítulo 1, a idade tem, sem dúvida alguma, um valor descritivo, porque costuma estar as- sociada a uma série de circunstâncias e mu- danças que realmente possuem uma capacida- de explicativa; mas as relações entre idade e conduta são de natureza correlacional, não do • 372· COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS. tipo causal: no processo de desenvolvimento psicológico existem determinadas mudanças que são mais características de umas idades do que de outras, mas isso não significa que seja a idade a que produz, por si mesma, as mudanças. Conforme dissemos, a idade tem um in- contestável valor descritivo e referencial. As- sim, por exemplo, a respeito das etapas de de- senvolvimento que estamos analisando, é co- mum fazer uma fragmentação da idade adulta e da velhice em agrupamentos de idades que nos permitem falar de idade adulta inicial (ti- picamente, dos 25 aos 40 anos), idade adulta média (tipicamente, dos 40 aos 65 anos), ida- de adulta tardia ou velhice precoce (tipicamen- te, dos 65 aos 75 anos) e de velhice tardia (após os 75 anos). No entanto, o valor dessa frag- mentação é muito relativo, e outros agrupa- mentos de idades, com outros limites cronoló- gicos e outras denominações, também são pos- síveis. Mas, longe de poder resolver a proble- mática idade-desenvolvimento comas reflexões anteriores, por mais corretas que possam ser, vale a pena nos aprofundarmos um pouco nos diferentes significados do conceito de idade, porque irá nos permitir situar melhor o signifi- cado das etapas de desenvolvimento posterio- res à adolescência e àjuventude. Para isso, uti- lizaremos a diferenciação proposta por Birren e Renner (1977) entre os diferentes significa- dos da idade: • Idade cronológica: refere-se ao núme- ro de anos que transcorreram desde o nascimento de uma pessoa. É mui- to provável que este seja o indica- dor menos útil de todos os que ana- lisaremos a seguir, talvez com a ex- ceção dos primeiros segmentos do desenvolvimento (vida pré-natal e primeira infância), porque nesses ca- -soshá uma forte associação entre a idade cronológica e os processos que nos permitem fazer previsões mais exatas (mas, lembrem-se de que não é a idade per se a que permite, por exemplo, aprender a andar aos 12 meses, entre outras coisas, porque se fosse assim todos as crianças come- çariam a andar nessa idade; o que permite aprender a andar tem a ver com a maturação, a estimulação e a motivação). • Idade biológica: é uma estimativa do lugar em que uma pessoa se encon- tra em relação ao seu potencial de vida. Esse conceito se relaciona com a saúde biológica e não tanto com a idade cronológica: podemos ter duas pessoas de 70 anos com uma idade biológica muito diferente se uma de- las apresenta uma integridade física muito aceitável e a outra tem sérios transtornos da saúde. • Idade psicológica: está relacionada com a capacidade de adaptação de uma pessoa, isto é, com suas possibi- lidades para enfrentar as demandas do ambiente; de novo, duas pessoas com a mesma idade cronológica po- dem apresentar idades psicológicas muito diferentes se uma é capaz de utilizar seus recursos psicológicos (in- teligência, motivação, emoção, com- petitividade social, etc.) de maneira que responde adequadamente aos desafios da vida cotidiana, enquanto a outra mostra dificuldades em algu- ma ou várias dessas áreas (problemas de memória, falta de motivação, iso- lamento social, etc.). • Idade funcional: integra os conceitos de idade biológica e idade psicológica e se refere à capacidade de autono- mia e independência; assim, por exem- plo, para viver sozinha em sua casa, uma pessoa deve ter um certo nível de saúde biológicaque lhe permita sair e entrar, ir de um lugar a outro, etc., e também um determinado nível de competência psicológicapara lembrar, planejar, organizar-se, etc. • Idade social: está relacionada com os papéis e as expectativas sociais asso- ciadas a determinadas idades. Um exemplo disso é que aos 30 anos a so- ciedade espera que uma pessoa esteja trabalhando, que antes dos 40 tenha tido um filho, que aos 65 consiga a aposentadoria e que, alguns anosmais tarde, tenha netos. Aidade social tem importância, entre outros fatores, por- que as experiências que ocorrem fora das margens habituais - particular- mente quando se distanciam muito delas - costumam ser uma fonte de estresse e de dificuldades, como acon- tece quando uma jovem é mãe aos 16 anos ou quando uma pessoa se apo- senta com 50 anos. No entanto, asmu- danças nos costumes e expectativas a que estamos assistindo no ocidente nos últimos anos exigem que sejamosmui- tos flexíveis no momento de estabele- cer os limites da idade social, embora talvez não até o extremo que alguns chegam quando dizem que a idade social passou a ser irrelevante. Além das distinções anteriores, devemos acrescentar uma diferenciação da relação que há entre a idade e as influências que moldam o desenvolvimento, distinção que foi aponta- ",,-----------_ ••••• 0 .", . ; , ; " / "/ , / ,/ , / ' .•. ~ou.. Influências normativas relacionadas com a história DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.1 373 da rapidamente no Capítulo 1 e que agora é a hora de analisar com mais profundidade. É a distinção proposta por Baltes, Reese e Lipsitt (1980) entre influências normativas relaciona- das com a idade, influências normativas rela- cionadas com a história e influências não-nor- mativas. Adistinção corresponde ao gráfico da Figura 20.1 As influências normativas relacionadas com a idade estão ligadas a fatores que afetam o desenvolvimento psicológico com um vínculo muito forte com a idade, permitindo que, ao conhecer a idade de uma pessoa, tenhamos condições de fazer previsões razoavelmente certas sobre alguns de seus processos evoluti- vos. Por exemplo, pelo fato de sabermos que um bebê tem entre seis e nove meses, pode- mos prever que ele está em plena formação dos sistemas de apego e de cautela diante de estra- nhos (tema já abordado no Capítulo 5). Pelo fato de sabermos que uma criança tem entre seis e oito anos, podemos prever que ela é ca- paz de raciocinar logicamente e que tem um determinado controle emocional, como tam- ........... -, Influências não-normativas I I I I I I I I .• ' Infância Adolescência VelhiceIdade adulta FIGURA 20.1 Influências normativas, associadas com a idade e a história, e influências não-normativas. Fonte: Baltes et aI., 1980. Influências normativas relacionadas com a idade 374 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS. bém supor que as relações com outras crian- ças da mesma idade têm muita importância (conforme foi analisado nos respectivos capí- tulos). À medida que nos distanciamos da in- fância, esse tipo de influências vai diminuindo em magnitude, porque a maturação associada à idade vai impondo menos e permitindo mais. Assim, outras fontes de influências vão trans- formar-se em predominantes, especialmente a partir da adolescência. Conforme se observa na Figura 20.1, a curva que representa de maneira gráfica esse tipo de influências tem um certo movimento de recuperação no final da vida, o que se rela- ciona com a influência que exercem as mudan- ças biológicas do último trecho da vida sobre os aspectos psicológicos (menos reflexos, mais lentidão em determinados processamentos, etc.). Esse tema será abordado no próximo ca- pítulo. No entanto, vale a pena notar que, na velhice, a magnitude da influência desse tipo de fatores é muito mais fraca do que foi na infância. Podemos ilustrar o que acabamos de afirmar com dois exemplos bem simples: sa- ber que um bebê tem entre seis e nove meses nos permite fazer previsões evolutivas muito mais certas em relação ao apego do que saber que um senhor tem entre 75 e 80 anos, e saber que uma menina tem nove anos nos permite fazer previsões evolutivas mais certeiras de suas capacidades de memória do que em relação a uma senhora que tem 70 anos. Apesar disso, devemos reconhecer que, em termos evoluti- vos, não é muito exagerado supor que o siste- ma de apego do senhor que tem entre 75 e 80 anos e a memória da senhora de 70 anos te- nham passado por algumas alterações em re- lação ao que havia sido característico em am- bos na etapa da idade adulta. As influências normativas relacionadas com a história afetam todas as pessoas que vi- vem em uma determinada época e sociedade, mas não àqueles que tenham vivido ou venham a viver em outra época e outra sociedade. Es- sas influências apresentam um perfil inverso aos das relacionadas com a idade, tal como po- demos observar na Figura 20.1, na qual as in- fluências normativas relacionadas com a ida- de apresentam um perfil de fraca influência, as relacionadas com a história apresentam-no forte e vice-versa, Quando a lógica biológica da maturação ou do envelhecimento impõe sua lei, as diferenças vinculadas com o ambiente em que se vive podem ser muito menos nota- das, como acontece com a maturação do cére- bro que permite à criança aprender a caminhar sozinha em idades semelhantes entre crianças criadas em sociedades com práticas de criação muito diferentes. Outro exemplo é o que acon- tece com as dificuldades que têm os conteúdos da memória de curto prazo para ascender à me- mória de longo prazo quando há transtornos neurológicos relacionados com o envelhecimen- to (muito embora, tal como temos sustentado, a magnitude da influência de ambos os fatos seja muito diferente). No entanto, durante a maior parte da nossa existência, desde o final da infância até a chegada - se é que ocorre - de determinados transtornos funcionais no cérebro perto do fim da vida, as influências normativas relacionadas com a história exercem uma in- fluência muito importante. O conceito de geração é o mais estreita- mente associado a essas influências normati- vas relacionadas com a história. No Capítulo 1 este conceito foi analisado com detalhe. Na Espanha, por exemplo, há uma geração que viveu a Guerra Civil (1936-1939) e suas con- seqüências, enquanto outras gerações não pas- saram por isso. Também não é a mesma coisa ter nascido em 1918 e pertencer a um dos ban- dos que lutaram na guerra do que ter nascido em 1930 e ter vivido essa experiência como criança. Não é a mesma coisa ter se formado na universidade na década de 1970, quando acontecida a expansão econômica e havia mui- tas possibilidades de conseguir emprego, do que se formar na primeira parte da década de 1990, quando havia recessão e o mercado de trabalho era muito reduzido. Não é igual, nos dias de hoje, ser uma pessoa idosa do que tê-lo sido em outra época em que não existiam mui- tos tratamentos médicos para atenuar algumas de suas dificuldades sensoriais. As pesquisas realizadas por Elder (1998), que foram resu- midas no Capítulo 1, são uma excelente ilus- tração dos fatos que estam os comentando. Po- demos encontrar um exemplo da influência dos fatores geracionais na população espanhola no estudo do Centro de Investigações Sociológi- cas sobre as atitudes e condutas afetivas dos espanhóis (CIS, 1995). Diante da pergunta se um relacionamento amoroso deve perdurar a vida toda, houve poucas diferenças nas respos- tas de homens e mulheres. Entretanto, a dife- rença foimuito significativa entre as gerações: responderam afirmativamente 86% das pes- soas entre 55 e 66 anos; 74% entre 45 e 54 anos; 64% entre 35 e 44 anos e 57% entre os que tinham menos de 35 anos. O fato de diminuir, na velhice, a curva de influências normativas relacionadas com a his- tória está relacionado com o aumento da cur- va das influências normativas vinculadas à ida- de: quando a lógica biológica impõe as regras, as influências de gerações se enfraquecem. Isso se toma muito evidente quando se trata de in- fluências biológicas para as quais não há res- postas terapêuticas, como, por exemplo, no mal de Alzheimer, para o qual até hoje não temos um tratamento eficiente. Por isso, duas pessoas afetadas gravemente por tal doença serão mui- to parecidas, independentemente da geração a que pertençam. Por último, as influências não-normativas se referem às experiências de caráter idiossin- crásico ou quase-idiossincrásico. Em todo caso, são experiências não-normativas, isto é, expe- riências pelas quais se sabe que não passam todos aqueles que pertencem a uma determi- nada geração ou que têm uma determinada ida- de. Se um adolescente tiver um acidente de moto que deixa seqüelas das quais necessitará de vários anos para se recuperar, é um fato não- normativo. Se uma mulher adolescente émãe, é um fato nâo-normativo; se um adulto ganhar um prêmio alto em um jogo de azar, tem uma experiência nâo-normativa; ficar viúvo aos 40 anos de idade é um acontecimento não- normativo. Na verdade, o que faz com que um fato seja não-normativo é, por um lado, a con- dição de afetar um ou mais indivíduos, mas não a todos e, por outro lado, que esse fato sejaimpossível de ser previsto em um momen- to determinado. É exatamente o contrário do que acontece com as influências normativas, que são previsíveis em termos biológicos e de geração. A curva que representa as influências não-normativas na Figura 20.1 não deixa de aumentar com o passar do tempo, porque se DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.1 375 .supõe que os acontecimentos de que estamos falando vão sendo acrescentados uns aos ou- tros, acumulando uma história pessoal cada vez mais diferenciada. Um bom exemplo de influências não- normativas é o dos chamados "encontros ca- suais" de pessoas desconhecidas (Bandura, 1982), que se transformam em importantes do ponto de vista evolutivo quando têm re- percussões relevantes para a pessoa. A pro- fessora que influencia decisivamente na to- mada de decisões vocacionais dos alunos; um desconhecido que nos é apresentado, e por meio dele conseguimos um trabalho; o encon- tro casual com uma pessoa, mediante apre- sentação feita por um amigo, que se transfor- mará em nosso(a) namorado(a); todos esses são encontros casuais, que não se podem pre- ver, nâo-normativos, que exercem uma influ- ência relevante em nossas vidas. No estudo realizado pelo CISantes citado, 21% dos adul- tos entrevistados afirmou ter conhecido seu (sua) companheiro (a) de forma totalmente casual, e 19% o fez mediante apresentação por familiares ou amigos, o que também pos- sui um importante fator de acaso. Se olharmos novamente a Figura 20.1, po- deremos tirar a conclusão de que o desenvol- vimento a partir da adolescência está muito pouco determinado pela idade cronológica e muito mais pela idade psicológica e pela idade social. Se falarmos de idade biológica, pode- mos afirmar que enquanto o organismo manti- ver níveis de funcionamento que permitam uma correta adaptação, a sua influência não será decisiva na maior parte dos casos; ela se con- verterá em relevante quando a idade compro- meter a adaptação, aí incidirá causalmente na idade funcional. Idade adulta e velhice são etapas da vida que estão abertas a mudanças, sensíveis às di- versas fontes de influência das quais estivemos falando. Muitas das mudanças são totalmente evolutivas, pois se apresentam em uma deter- minada seqüência e possuem uma certa orga- nização que se relaciona com o conjunto de características que a pessoa tem em cada mo- mento da vida. Na idade adulta e na velhice, há, efetivamente, perdas e declínios, tal como sustentavam os velhos estereótipos, mas tam- 376 COLL, MARCHESI, PALACIOS & COLS. bém há ganhos, aquisições, conquistas, acrés- cimos e reorganizações que contrariam essas velhas crenças. Portanto, são etapas tão evolu- tivas quanto podem ser a infância ou adoles- cência, muito embora tenham características bem peculiares. MUDANÇAS BIOLÓGICAS NA IDADE ADULTA E NA VELHICE Muito embora não seja a proposta deste trabalho se aprofundar, minuciosamente, nas mudanças físicas que acontecem quando ter- mina o processo de maturação biológica e as pessoas se convertem em adultos do ponto de vista maturativo, consideramos muito impor- tante que uma análise do significado evolutivo da idade adulta e da velhice não fique sem al- gumas referências vinculadas com as mudan- ças físicas, especialmente para distinguir entre os diversos processos envolvidos no envelheci- mento e para mencionar algumas das mudan- ças físicas de relevância do ponto de vista do funcionamento psicológico. Envelhecimento primário e secundário o corpo humano atinge sua maturidade entre os 25 e os 30 anos, etapa que se conside- ra caracterizada pelos maiores índices de vita- lidade e saúde. Uma vez determinado esse fato, é difícil dizer quando começa o envelhecimen- to biológico, entre outras coisas porque não é um processo unitário que aconteça de modo simultâneo em todo o organismo, mas ao con- trário, é um processo muito assincronicamente distribuído entre as diferentes funções biológi- cas e os diferentes órgãos corporais. Mesmo dentro de um mesmo órgão, como o cérebro, distintas partes seguem padrões muito diferen- tes de envelhecimento. Além disso, é um pro- cesso que permite grandes diferenças entre umas pessoas e outras como, por exemplo, na idade média de 40 anos há muitas pessoas que necessitam usar óculos para compensar as per- das de capacidade visual, mas há outras que podem prescindir desse tipo de ajuda durante a vida toda. Na verdade, podemos afirmar que apesar da existência do processo de envelheci- mento, nosso corpo e os diversos órgãos são potencialmente capazes de manter um correto funcionamento biológico até idades muito avançadas, permitindo a adaptação às deman- das do ambiente. Não há um consenso total sobre o que é, realmente, o processo de envelhecimento e quais são as causas que o provocam. Entretan- to, existe um amplo consenso na hora de dis- tinguir entre o envelhecimento primário e o secundário. O envelhecimento primário consiste em processos de deterioração biológica, genetica- mente programados, que acontecem inclusive nas pessoas que têm muita saúde e que não passaram por doenças graves na vida. Fica cla- ro que parte do processo de envelhecimento está programada pelo nosso sistema biológi- co, isto é, é inevitável sob quaisquer circuns- tâncias individuais e ambientais. Ascélulas do nosso organismo estão, por exemplo, progra- madas para envelhecer. Isso está demonstrado no fato de que não podem se dividir infinita- mente para produzir novas células, porque a capacidade de regeneração é limitada. Outros índices do que acabamos de afirmar são: com o tempo, diminui a capacidade para enfrentar os problemas que resultam da deterioração das cadeias de DNA;as células são afetadas, de ma- neira crescente, pelos radicais livres produzi- dos como conseqüência do metabolismo e da resposta às influências ambientais como a ali- mentação, os raios solares e a poluição atmos- férica, desencadeando uma série de reações químicas que provocam danos moleculares ir- remediáveis, que se acumulam com a idade. O sistema imunológico humano também está pro- gramado para envelhecer. Com o tempo, dimi- nui a capacidade para se defender das infec- ções e aumentam os transtornos auto-imunes, o que acontece quando o sistema imunológico ataca células sadias do próprio corpo, muito provavelmente por errar na sua identificação e achar que são patológicas. O nosso sistema endócrino, que controla tantas funções corpo- rais, também envelhece. Quando começa opro- cesso de deterioração dele e dos centros cere- brais que o controlam (hipotálamo e pituitária) tanto o funcionamento biológico quanto a saú- de se ressentem do desgaste e ficam ameaça- dos. Em resumo, o corpo humano está feito e programado para morrer; muito provavelmen- te, como conseqüência dos fatores antes men- cionados, o organismo humano tem um poten- cial de vida muito importante, mas limitado no tempo: estima-se que o potencial máximo está entre os 110 e os 120 anos. Não nos dife- renciamos dos outros animais mamíferos que também possuem um potencial de vida, mas na maioria das espécies é muito menor do que nos humanos. O envelhecimento primário é, pois, inevitável, universal e, até onde sabemos, • também irreversível. O envelhecimento secundário, por sua vez, refere-se a processos de deterioração que au- mentam com a idade e se relacionam com fa- tores que podem ser controlados, como, por exemplo, a alimentação, a atividade física, os hábitos de vida (incluído o tabagismo) e as in- fluências ambientais. É evidente que há pes- soas que podem viver sem passar por todos ou alguns dos efeitos desse tipo de envelhecimen- to. Então, podemos afirmar que pode ser pre- venido, é evitável e não-universal. Ficar expos- to aos raios solares sem nenhum tipo de prote- ção, por exemplo, provoca o envelhecimento das células da pele e é um fator de risco de câncer dermatológico.Maus hábitos.alimenta- res, ausência de exercícios físicos regulares,. consumo de tabaco e excesso de álcool, con- dutas de risco sexual, contaminação ambiental (incluída a poluição acústica), todos esses são fatores relacionados estreitamente com o en- velhecimento secundário. Muitas vezes, os fa- tores enunciados se agrupam para formar uma verdadeira ecologia envelhecedora. Muitos dos transtornos e das doenças que observamos nos adultos e nos idosos não são conseqüência do processo de envelhecimento primário, mas des- se tipo de envelhecimento secundário evitável e não-universal. Alguns autores propõem a existência de um envelhecimento terciário, relacionado à hi- pótese do conhecido como "queda terminal". De acordo com os resultados de numerosas pesqui- sas longitudinais sobre os diversos conteúdos psicológicos, parece que, à medida que se apro- xima a morte de um ser humano, vão ocorren- do declínios generalizados nas funções psicoló- DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO E EDUCAÇÃO, V.1 377 gicas. Se forem analisados retrospectivamente, a deterioração parece ser muito mais clara quan- to mais próximo da morte estiver o idoso. A ca- pacidade de se adaptar diminui, todas as habi- lidades cognitivas se deterioram, a personali- dade fica desestabilizada e mais vulnerável. Os três tipos de enyelhecimento interagem e acrescentam, mutuamente, seus efeitos. Por isso, Birren e Cunningham (1985) propõem a metáfora do envelhecimento em cascata: o en- velhecimento primário provoca uma avançada lentidão do processamento da informação; o en- velhecimento secundário (especialmente no caso das doenças cardiovasculares e em algu- mas doenças crônicas) faz com que as perdas sejam mais intensas, e tanto mais quanto maior for a idade, e, por último, o envelhecimento terciário implica declínios generalizados que afetam todos os processos psicológicos. Finalmente, não podemos nos esquecer de mencionar a importância das diferenças in- terindividuais que são o resultado tanto de fa- tores genéticos quanto ambientais. Essas dife- renças se acumulam com o tempo, por isso duas pessoas que, quando tinham 35 anos, por exemplo, eram muito parecidas nos hábitos que tinham, quando atingem os 50 anos podem ter diferentes níveis de saúde, mesmo que tenham continuado a ter estilos de vida semelhantes. Quando tiverem 70 anos, as diferenças entre elas terão se acentuado e uma delas poderá viver muito mais anos do que a outra. Confor- me foi mencionado anteriormente, duas pes- soas com a mesma idade cronológica podem ter uma idade biológica muito diferente, e isso fica mais evidente quanto mais entramos nos anos da velhice. As mudanças e sua repercussão no funcionamento psicológico Considerando tudo o que foi dito ante- riormente, pela acumulação dos efeitos do en- velhecimento primário e do secundário, nosso organismo envelhece. Envelhece, por exemplo, nosso cérebro, cujo tamanho e peso diminuem à medida que passam os anos. O peso médio do cérebro, aos 20 anos, é de 1.400 gramas; entre os 50 e 60 anos de idade o peso médio é
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