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V. CHKLOVSKI A ARTE COMOPROCEDIMENTO "A arteé pensarpor imagens".Estafrasepodesertantod~ umbacharel,comodeumsábiofilólogoquea propõecomoponto inicialdeumateorialiteráriaqualquer.Esta idéiaestáenraizada na consciênciademuitagente;entreo númerodeseuscriadores, é precisonecessariamenteapontarPotebnia:"Não existearte e particularmentepoesiasemimagem",diz ele (Notassóbrea Teo- ria da Literatura,p. 83). "A poesiaassimcomoa pro~aé antes de tudo,e sobretudo,umacertamaneirade pensare conhecer", diz eleadiante(ibid.,p. 97). A poesiaé umamaneiraparticularde pensar,a saberum pensamentopor imagens;estamaneiratraz umacertaeconomia de energiasmentais,uma"sensaçãode levezarelativa",e o sen- timentoestéticonãopassade um reflexodestaeconomia.Foi as- simqueo acadêmicoOvsianiko-Kulikovski,quecertamenteleu os livros de seumestrecomatenção,.compreendeue resumiu(per- manecendo-lheindiscutIvelmentefiel) suasidéias.Potebniae BeUS inúme~,?s..di~(púlosvêemna poe.siaumamaneira.particulardo 40 ChklollSRi A Arte comoProcedimento 41 pensamento,um pcnsamentoajudadopor imagens;para eles,as imagenstêmapenasa funçãodeagruparos objetose as funções heterogênease explicaro desconhccidopeloconhecido.Ou melhor, seguindoas palavrasde Polebnia:"A relaçãoda imagemcom aquiloqueelaexplicapodeserdefinidacomosesegue:a) a ima. gem.é umpredicadoconstanteparasujeitosvariáveis,ummeio constantede atra~ãopara percepçõesmutáveis;b) a imagemé muitomaissimplese muitomaisclarado ~ueaquiloqueelaex- plica" (p. 314),istoé,"vistoquea imagemtempor objetivoaju- dar-nosa compreendersuasignificaçãoe vistoquesemestaqua- lidadea im8.gempriva-sedesentido,elaentãodeveserparanós maisfainiliar.do queaquiloqueelaexplica"(p. 291). Seriainteressanteaplicarestalei à comparaçãoqueTiutchev faz da auroracomos dcmôniossurdos-mudosou àquelaque00- gol fazdocéucomosparamentosdeDeus. " Sem.imagens,nãoháarte."".A.a1'teé pensarpor imagens." Em nomedestasdefinições,chega-sea monstruosasdeformações, tenta-secompreendera música,a arquitetura,a poesialírica co- moumpensamentopor imagens.Depoisdeumquartodeséculode esforços,o acadêmicoOvsianiko-Kulikovskise viu enfimobriga- doa isolara poesialírica,a arquiteturaea música,ea veraí uma formasingulardearte,artesemimagens,e .adefini-Iascomoar- tes líricasquese dirigemimediatamenteàs emoções.Pareceuas- simqueexisteumdomínioimensodaartequenãoé umamaneira depensarjuma dasartesquefiguranestedomínio,a poesialíri- ca (no sentidorestritoda palavra),apresentacontudoumase- melhançacompletacoma artepor imagens:manejacomaspala- vrasda mesmamaneh'se passamosda artepor imagenspara a arte desprovidade imagenssemque nos apercebamosdisso:a percepçãoquetemosdestasduasartesé a mesma. Masa definição:"A arteé pensarpor imagens",definição que,.depoisde not6riasequaçõesdasquaisomitireios elosinter- mediáriosresultou:,.A arte é antesde tudocriadorade símbo- los", estadefiniçãoresistiue sobreviveuà derrocadada teoria sobrea qualestavafundada.Ela vivemaisintensamentena cor. rentesimbolistae sobretudoentreosseusteóricos. Portanto,muitagentepensaainda que o pensamentopor. imagens,"os caminhose as sombras","os sulcose orlas" repre- sentamo traçoprincipalda poesia.É por issoqueestaspessoas deveriamcontarque a históriadestaartepor imagens,segundo suaspalavras,consistena históriada mudançade imagem.Mas, constatamosqueasimagenssãoquasequeimóveisj deséculocm século,depaísempaís,depoetaempoeta,elassetransmitemsem seremmudadas.As imagensnãosãodealgumlugar,sàodeDeus. Quantomaissecompreendeumaépoca,maisnospersuadimosque as imagensconsideradascomoa criaçãode tal poetasãotomadas emprestadasde outrospoetasquasequesemnenhumaalteração. Todoo trabalhodasescolaspoéticasnãoé maisquea aculllulaçãQ e revelaçãode novosproccdimento~paradispore elaboraro ma- terialverbal,e esteconsisteantesna disposiçãodasimagensque nasuacriação.As imagenssãodadas,e empoesianósnoslembra. mosmuitomaisdas imagensdo que nosutilizamosdelaspara pensar. Em todoo caso,o pensamentopor imagensnãoé o vínculo queunetodasas disciplinasda arte,mesmoda arteliterária;a mudançadasimagensnãoconstituia essênciado desenvolvimento poético. Sabemosquese reconhecemfreqücntementecomofatospoé- ticos,criadospara fins de contemplaçãoestética,as expressões queforamcriadassemquese tenhaesperadosemelhantepercep- ção.Essafoi, porexemplo,a opiniãodeAnnenskiquandoeleatri. buíaà linguaeslayaumcaráterparticularmentepoéticoj foi tam- béma de Andrei Bieli quandoadmiravaentreos poetasrussos do séculoxvm o procedimentoqueconsistiaempôr os adjetivos apósos substantivos.Bieli rooonheceum valor artísticoneste procedimentoou, maisexatamente,considerando-ocomofato ar- tístico,atribui-lheum caráterintencional,enquantoquena reali- dadeera apenasumaparticularidadegeral da língua,devidoà influênciaeslavada Igreja.Assim,o objetopodeser: 1) criado comoprosaicoe percebidocomopoéticoj 2) criadocomopoético e percebidocomoprosaico.Isto indicaqueo caráterestéticode umobjeto,o direit.oderelacioná-Iocoma poesia,é o resultadode nossamaneirade perceber;chamaremosobjetoestético,.nosenti- do próprioda palavra,os objetoscriadosatravésdeprocedimen- tosparticulares,cujoobjetivoé assegurarparaestesobjetosu,ma percepçãoestética. A conclusãodePotebnia,quesepoderiareduzira umaequa- ção," a poesia=a imagem",serviudefundamentoa todateo- ria queafirmaquea imagem= o símbolo,= a faculdadede a imagemtornar-seum predicadoconstantepara sujeitosdiferen- tes..Estaconclusãoseduziuossimbolistas,AndreiBieli,Merejkovs- ki (comosseusCompanheirosEternos)pelaafinidadecomasSU8S idéias,e seachana baseda teoriasimbolista.Umadasrazõesque 42 V. Chktovski A Arte comoProcedimento 43 conduZiramPotebniaa estaconclusãofoi o fatodeelenàodistin- guir a línguadapoesiada línguada prosa.Graçasa issoelenão percebeuqueexistemdoistipos.de imagens:a imagemcomoum meiopráticode pensar,meiode agruparos objetose a imagem poética,meiodereforçara impr~ssão.Explico-me:vou pelarua evejoo hOlDemdechapéuquecaminhanaminhafrentedeixarcair umpacote.Chamo-o:"Ei, você,chapéu,,'ocêperdeuumpacote". É umexemplodeimagemoutropopuramenteprosaico.Um outro exemplo.Muitossoldadosestãoemfila. O sargentoda seçãoven- doqueumdelesestámal,lhediz: I'Ei, velhomolengão,comovocê secomportaf". Esta imagemé umtropopoético. (Noprimeirocaso,a palavrachapéueraumametonímiaj no segundo,ulnametáfora.Masnãoé estadistinçãoquemeparece importante.)A imagempoéticaé um dosmeiosdecriarumaim- pressãomáxima.Comomeio,nasuafunção,é igualaosoutrospro- cedimentosda línguapoética,é igualaoparalelisJDosimplese ne- gativo,é igual à comparação,à repetição,à simetria,à hipérbole, é iguala tudoo quesechamaumafigura,é iguala todososmeios própriosparareforçara sensaçãoproduzidapor um objeto(nu- maobra,as palavrase mesmoos sonspodemtambémseros ob- jetos),masa imagempoéticatemapenasumasemelhançaexte- rior .coma imagem-fábula,a imagem-pensamento,da qual um exemploé dadopelamo~inhaquechamaa bolade.I pequename- lancia" (Ovsianiko-Kulikovski,A Línguaea Arte). A imagempoé- tica é um dosmeiosda línguapoética.A imagemprosaicaé um meiode abstração.A melanciaemlugardo globoredondoou a melanciaemlugarda capeça,nãoé umaabstraçãoda qualidade do objetoe nãose distingueemnadada-cabeça.'"7 bola,.melan- cia=bola.É umpensamento,masnãotemnadaquever coma poesia. percepçãoo maisracionalmentepossívelou,o queresultanomes- mo,como resultadomáximo."(R. Avenarius.)Petrajitskirejeita, baseando-sena lei geralda economiade energiasmentais,a teo- ria deJ amessobrea basefísicadoafeto.O princípiodeeconomia dasenergiascriadorasque,no examedoritmo,é particularmente sedutor,é tambémreconhecidopor A. Vesselovskiqueprolonga o pensamentodeSpencer:I' O méritodo estiloconsisteemalojar um pensamentomâximonummínimodepalavras".Andrei Bieli que,emsuasmelhorespáginas,deutantosexemplosderitmoscom- plexosquepoder-se-iachamá-Ioreprimidoe quemostroua propó- sito dosversosde Baratynskio caráterobscurodosepítetospoé- ticos,achatambémnecessáriodiscutiralei da economiaemseu livroquerepresentaa tentativaheróicadeumateoriadaartefun- dadasobrefatosnãoverificadostomadosdeempréstimodelivros quecaíramemdesuso,sobreumgrandeconhecimentodosprocedi. mentospoéticose sobreo manualde físicaemusonosliceusde Kraievitch. A idéiadaeconomiadeenergiacomolei e objetivoda.criação é talvezverdadeirano casoparticularda linguagem,ou seja,na línguaquotidiana;estasmesmasidéiasforameStendidasà língua poética,devidoao nãoreconhecimentoda diferençaqueopõeas leisda línguaquotidianaàsda línguapoética.Umadasprimeiras indicaçõesefetivassobrea não-coincidênciadasduaslínguasnos vemdarevelaçãodequea línguapoéticajaponesapossuisonsque nãoexistemnojaponêsfalado.O artigodeL. P. J acobinskia pro- pósitoda ausênciada lei de dissimilaçãodasliquidasna língua poéticae da tolerânciana língtfapoéticade umaacumulaçãode sonssemelhantes,difíceisdepronunciar,representaumacfaspri- meirasindica~õesqueresistea umacríticacientffica1:trata da oposição(aomenosnestecaso)dasleisda línguapoêticacomas leisdalínguaquotidiana2. . Por issodevemostrataras leisdadespesae economiana lín- guapoéticadentrodeseuprópriocampo,e nãopor analogiacom a línguaprosaica. Seexaminamosasleisgeraisdapercepgão,vemosqueumavez tornadashabitnais,as açõestornam-4letambémautomáticas.As- sim,todos08nOSS08hábitosfogemparaum meioinconscientee A lei da economiadasenergiascriatÍ\raspertencetambémao grupodas leis universalmenteadmitidas.Spencerescrevia:"Na basedetodasasregrasquedeterminama eseo]hae o empregodas palavras,encontramosa mesmaexigênciaprincipal:economiade atenção... Conduziro espíritoà no~ãodesejadapelo caminho maisfácil é freqüentementeo fim.únicoe sempreo objetivoprin- .cipal.. ." (FilosofiadoEstilo). "Se a almapossuísseforçasines- gotáveis,seJ;iaindiferentedispensarpouco ou muito desta-fonte; sumenteo temponecessáriopara perderteria importância.Mas comoas forçassãolimitadas,a almatent~i;ealizaró processode 1 Conclusõessobre a Teoria da Llngua ~oétlca, fase. 1. p. 48. 2 Conclusõessobre a Teoria da Llngua Poética, fase. 2, p. 13-21. 44 V. ChJdoflsJd A Arl~ comoProced;menlo 4~ automático;osquepodemrecordara sensaçãoquetiveramquan- dosegurarampelaprimeiraveza canetana mãoou quandofala- rampelaprimeiravezumalínguaestrangeirae quepodemcompa- rar estasensaçãocoma quesentemfazendoa mesmacoisapela milésimavez,concordarãoconosco.As leisde nossodiscursopro- saicocomfrasesinacabadasc palavraspronunciadaspelametade seexplicampeloprocessodeautomatização.É umprocessoondea expressãoidealéa álgebra,ouondeosobjetossãosubstituídospelos símbolos.No discursoquotidianorápido,as palavr.asnãosãopro- nunciadas;sãoapenasos primeirossonsdo nomeque aparecem naconsciência.Pogodine(A LínguacomoCriaÇ'ão,p. 42)citao exemplodeummeninoquepensavaa frase- "As montanhasda Suíçasãobelas"- comoumasucessãodeletras:A, m,d,S,s,b. Esta qualidadedo pensamentosugeriunãosomenteo cami- nhodaálgebra,mastambéma escolhadossímbolos,istoé,dasle- tras,e emparticulardasiniciais.Nestemétodoalgébricodepen- sar,os objetossíioconsideradosnoseunúmeroe volume,elesn~o sãovistos,~lessãoreconhecidosapósosprimeirostraços.O objeto passaaonossoladocomoseestivesseempacotado,nóssabemosque eleexistea partir do lugarqueeleocupa,masvemosapenassua superfície.Soba influênciadetal percepção,o objetoenfraquece, primeirocomopercepção,depoisnasuareprodução;é porestaper- cepçãoda palavraprosaicaquese explicaa sua audiçãoincom- pleta(Cf. o artigodeL. P. Jacobinsld)e daía reticênciadolocutor (de ondetodoo lapso).No processode algebrização,de automa- tismodoobjeto,obtemosa máximaeconomiadeforçasperceptivas: osobjetossão,oudadospor umsó deseustraços,por exemploo número,ou reproduzidoscomose seguíssemosumafórmula,sem queelesapareçamà consciência. "Eu secavano quartoe,fazendoumavolta,aproximei-medo divãe nãopodiamelembrarseo haviasecadoounão.Comoestes movimentossãohabituaise inconscientes,nãomelembravae sen- tia quejá era impossívelfazê-lo.Então,se sequeie meesqueci, istoé, seagi inconscientemente,eraexatamentecomosenãoo ti- vessefeito.Sealguémconscientementemetivessevisto,poder-se-ia reconstituiro gesto.Masseninguémo viu ouseo viu inconscien- temente,setodaa vidacomplexademuitagentese desenrolain- conscientemente,entãoé comoseestavidanãotivessesido." (Nota do Diário de LeonTolsioi de 28 de fevereiro,1897.) Assima vida desaparecia,Setransformavaemnada.A auto- matizaçãoengoleos objetos,oshábitos,os m6veis,a mulhere o medoà guerra. "Se todaa vida complexademuitagentesedesenrolaincons. cientemente,entãoé comoseestavidanãotivessesido." E eisquepara devolvera sensaçãode vida,para sentiros objetos,paraprovarquepedraépedra,existeo quesechamaarte. O objetivoda arte é dar a sensaçãodo objetoComovisãoe não comoreconhecimento;o procedimentodaarteé o procedimentoda singularizaçãodosobjetose o procedimentoqueconsisteemobs- curecera forma,aumentara dificuldadee a duraçãoda percep. ção.O atodepercepçãoemarteéumfim emsi mesmoe deveser prolongado;a arte é Unt meiode experimentaro ([cvÍ!' do objeto, o queéjá 'lpassad.o"nãoimportaparaa arte. A vidada obrapoética(a obradearte)se estendedavisão ao reconhecimento,dapoesiaà prosa,do concretoao abstrato,de DomQuixotepobregentil-homeme letrado,trazendoinconscien- tementea humilhaçãoacortedo duque,a DomQuixotedeTur- gueniev,imagemvastamasvazia,deCarlosMagnoà palavraKo- rol.. A medida.queasobrase asartesmorrem,elasabarcamos domínioscadavezmaisvastos:a fábulaé maissimbólicaqueo poema,o provérbioé maissimbólicoquea fábula.Por issoa teo- ria dePotebniaeramenoscontraditóriana análiseda fábula,que tinha estudadoexaustivamente.A teorianão convinhapara as obrasartísticasreais;foi por issoqueo livro dePotebnianãopo- dia estarterminado.Comosabemos,as Notassobrea Teoriada Literaturafor.ameditudasem1905,trezeanosapósa mortedoautor. ,Nestelivro, a únicacoisaquePotebniaelaboroude pontaa pontafoi a partereferenteà fábula3. Os objetosmuitasvezespercebidoscomeçama ser percebidos comoreconhecimento:o objetose achadiantede nós,sabemo-Io, masnãoo vemos4..Por isso,nadapodemosdizersobreele.Em ar- te, a liberaçãodo objetodo automatismoperceptivose estabele- ceupor diferentesmeios;nesteartigo,queroindicarum destes meiosdo qualquasequeconstantementeseserviaL. ToIstoi,este escritorque,apenasparaMerejkoVSki,pareceapresentaros obje- tostal comoosvê,e osvêtal comosão,nãoosdeforma. ·A palavra korol em russo vem do nomede Carlos Magno (Karo- Jus.. .) (N. do Trad. para a ediçãofrancesa.) 3 Curso sobre a Teoria da Literatura. Fábula. Provérbio. DitadoKharkov, 1914. 4 V. Chklovski, A Ressurreiçãoda Palavra, 1914. 46 V. ChkloflSki A Arte comoProcedimenlo 47 .L. Tolstol. KhoJstomer,de Lembrançase Narrativas,em Obra Com. pleta. vol. Iil. Tradução da novela pôr Milton Amado. Editora .T0s6 Agulllar. Ltda. Rio de Janeiro, 1962.(N. do Trad.> comfatos~mascompalavras.Nãoospreocupatantoa possibilida- de d-efazerou deixarde fazeralgumacoisa,comoa de falar de O'bjetosdifert>ntesmediantepalavrasconvencionais.Essas pala- '\rrasrqueconsiderammuitoimportantes,são,sobretudo,me1~ou min1uz,teltou tua.Aplicam-nasa todasasespéciesdecoisase de seres,inclush'eà terra,aosseussemelhantese aoscavalos. "Além disto,eOllYencionaratnqueumapessoasó podedizer meua respcitode umacoisadl,tcrminada.E aquéleque puder aplicara palavra'mcu'a um lllUlH>romaiordecoisas,segundoa 'convençãofeita,considera-sea pcssoamaisfeliz.Kão seipor que as coisassãodessemodo;masseiquesãoassim.Durantemui- to tempoprocureicompreenderisso,supondoquedaíviria algum proveitodireto; masverifiquei que issonãoera exato. . . "Muitas pessoasdas (lUe me chamavamscu cavalonem mes- mo memontavam;masoutraso faziam.Não eramelasas que medavamdc comer,masoutros'estranhos.Tambémnãoeramas pessoasquemefaziambcm,masos cocheiros)os veterináriose, cm geral,pessoasdcsconhecidas.Posteriormente,quando'ampliei o círculodeminhasobservações,convenci-medequeo conceitode meu.- e nãosó comrelaçãoa nós,cavalos-nãotemqualquer outrofundamentoalémde um baixoinstintoanimal,queos ho- menschamamsentimentoou direitode propriedade.O homem diz 'minhacasa'masnuncavivenela;preocupa-sesó.emconstruí- Ia e mantê-Ia.O comerciantediz 'minhaloja', ou 'meustecidos', por exemplo,masnãofazsuasroupascomosmelhorestecidosque vendenaloja.HápessoasquechamamsI/a umaextensãodeterra e nuncaa viramnempassaram.porela.Há outrasquedizemse- remsuascertasp«:1ssoasquenuncaviramnestavidae a únicare- laçãoquetêmcomelasconsisteemcausar-Ihesdano.Há homens quechamamdesuascertasmulheres,e estasconvivemCO'lnoutros homens.As pessoasnãoprocuram,emsuavida,fazero quecon- sideramo bem,e sima maneira.depoderdizerdo'maiornúme- ro possíveldecoisas:é meu.Agoraestoupersuadidodequenisso residea diferen<:aessencialentrenóse oshomens.Portanto,sem falar de outrasprerrogativasnossas,só por estefato podemosdi- zer,comsegurança,que,entreosseresvivos,nosencontramosem nívelmaisaltoqueo doshomens.A atividadedoshomens,pelo menosa doshomenscomosquaistenhotratado,setradnzempá- lavras,aopassoquea nossasemanifestaemfatos". Ao fim danovela,o cavalojá estámorto,maso mododanar- ra<:ã~,o procedimentonãoé modificado: o procedimentode singularizaçãoemL. Tolstoiconsisteno fatodequeelenãochamao objetopor seunome,maso descreve comoseo vissepelaprimeiraveze tratacadaincidentecomose acontecessepelaprimeiravez;alémdisto,empregana descrição do objeto,nãoos nomesgeralmentedadosàs partes,masoutras palavrastomadasemprestadasda descriçãodaspartescorrespon- dentes.emoutrosobjetos.Tomemosum exemplo.No artigo"Que vergonha",L. N. Tolstoisingularizaassima noçãode chicote: "Pôr a nu aspessoasqueviolarama lei, fazê-Iastombare bater nelascomyarasno traseiro";algumaslinhasdepois:"chicotear as nádegasdespidas".Esta passagemestáacompanhadadc uma nota: "E por queparticularmenteestemeiotoloe selvagemde fazermal emlugar deum outro:por exemplo,picar os ombros ou outrolugarqualquerdo corpocomagulhas,apertaras mãos ou ospésemtornos,ou aindaqlJalqut'routraroisadestetipoY". Queme perdoemesteexemplopesado,masé característicodos meiosempregadospor Tolstoiparaalcançara consciência.O chi- cotehabitualé singularizadopor suadescriçãoe pelaproposição demudara formasemmudara essênl'Ía.Tolstoiseseryeconstan- tementedo métodode singulariza<:ão:P01'exemplo,emKholsto- mer,a narraçãoé conduzidaporumca,'aloe osobjetossãosingu- l.arizadospelapercep<:iioemprestadaao animal,e nãopelanossa. Eis comoele p(>reebeo direitode propriedade-:"Comprcendi muitobemo quediziaa respeitodosaçoit(>se docristianismo.Mas ficou completamenteobscuraparamima palaYraselt,pelaqual pudededuzirqueestabeleciamum,'ínculoa ligar-meao chefedas cavalari~as.Então,nãopudecompreenderdemodoalgumemque consistiriatal vínculo.Só muitodepois,quandomesepararamdos demaiscavalos,é qneexpliqueia mimmesmoo queaquilorepre- sentava.Naquelaépoca,eunãoeracapazdeentcndera significa- çãodofatodeserC1~propriedadedeumhomem.As palavras'mCft cavalo',referindo-sea mim,um cavalovivo,pareciam-metão es- tranhascomoas palavras'minhaterra', 'meuar', 'minhaágua'. "No entanto,elasexrrceramsobremim enormeinfluência. Semcessarpcnsavanelasesódepoisdelongocontatocom.osseres humanospudeexpli('ar-mea signifi'caçãoque,afinal,lhesé atri- buída.Queremdizer o seguinte:'os homensnãodirigema vida 48 V. Chklovsk; A Arte comoProcedimento 49 eeO corpodeSerpukovski,quehaviaaudado,comidoebebido pelomundomortoemvida,foi sepultadomuitodepois.Suapele, suacarnee seu!';ossosnãoserviramparanada.Da mesmaforma pelaqual,há vinteanos,seucorpomortoemvidahaviasidoum enormeestorvopara os outros,seuenterrofoi uma complicação a mais.Desdemuitotemponinguémprecisa,'adele;faziamuito queconstituíaumacargaparatodos.No entanto,outrosmortos emvidasemelhantesa eleacharameonveniente,aoenterrá-lo,ves- tir seucorpoobeso,quenãodemoroua decompor-se,co'mumbom uniforme,calçá-Iocomboasbota!:depositá-lonum caixãonovo, comborlasnosquatrocantos.Tambémacharamoportunocolo- caro esquifcnumacaixadechumboe trasladarseusrestosa Mos- cou,ondedescnterrariamoutrosrestoshumanosparadar scpul- tura a estecorpoputrefato,cobertodevermes,comuniformeno- vo e botaslustrosas".Assim,vemosque,ao final da novela,o procedimentoé aplicadofora desuamotivaçãoocasional. Tolstoidescreveutodasas batalhasemGuerrae Paz através desteprocedimento.Todassãoapresentadascojp.oantesdc tudo singulares.Sendoas descriçõesmuitolongas,nãoascitarei:para isto,!';eriaprecisocopiarumaparteconsideráveldesteromancede quatrovolumes.Ele descreviada mesmamaneiraOi';salõese o teatro. eeNo meiodo palcohaviacenáriosrepresentandoárvores,co- locadasdosladose,ao fundo,outropainel.Moçasdecorpetesver- melhose saiasbrancasestavamsentadasno centro.Uma delas, muitogorda,comumvestidodesedabranca,afastadadasoutras, estavasobreum pequenobancoatrásdoqualestavacolocadoum papelãoverde.Cantavamem coro.Quandoterminaram,a moça de brancoavançoupara a caixado ponto.Um homem,vestindo um calçãodesedaquemoldavasuasgordascoxas,comumaplu- mano chapéue um punhalna cintura,aproximou-sedelae co- meçolJa cantarc a gesticular. eeO homemdecalçõesdesedaprimeirocantousó,depoische- goua vezdnJ1]O<}1I.eantar.Em seguidaosdoissecalaram,a orques- tra repetiua aria e o homemseguroua mãoda moça,esperando o compassoparaentoaremo dueto.Cantaramjuntose todaa sa- la aplaudiu,aclamando-os,enquanto.o homeme a mulherno pal- co representandoum par apaixonado,se inclinavamsorrindo,de braçosabertos.(...) . "No segundoatoo cenáriorepresentavamonumentos.Havia umburace.na tela representandoa lua. ForamligadososrefJeto- rese as trombetase contrabaixoscomeçarama tocaremsurdina e, pelaesquerdae a direita,surgirammuitaspessoascomcapas negras.Essaspessoascomeçarama gesticular,trazendona mão algoparecidocomumpunhal.Depoissurgiramoutrascorrendoe levarama moça,queantesestavadebrancoe queagorausavaum vestidoazul-claro.Nãoa levaramlogo;ficaramumbomtempocan- tandocomela,por fim arrastaram-nae nosbastidoresderamtrês pancadassobrealgometálico,e todosseajoelharamentoandouma prece.Váriasvezes,tudofoi interrompidopor gritosentusiastas dos espectadores." ' Â. mesmatécnicaparao terceiroato: eeRepentinamente, de- sencadeou-seumatempestade:a orquestraentoouumagamacro- máticae acordesdesétimamenor,c todoscome~arama correr.Ar. rastaramumdosatoresparaosbastidoresc o panocaiu". No quartoato: "Surgiu um diaboque cantoll,gesticulou, atéqueumalçapãoabriu-sea seuspés,tragando-05". Da mesmamaneiraTolstoidescrevea cidadec o tribunalem Ressurreição.Assimeledescreveo casamentoemA Sana,taa Kreut- zer: "Por queas pessoasdcvemdormirjuntasse suasalmases- tãoemàfinidadeY". Mas Tolstoiaplicao procedimentode SillgU- larizaçãonãosomenteparadar a visãodeumobjetoqueélequer apresentarnegativamente:"Pedro abandonouseusno,"oscama- radase, por entreas fogueirasdo acampamento,dirigiu-separa o outroladoda estrada,ondelhe haviaminformadoencontrarem- seosprisioneirosdeguerra.Tinhavontade(leconversarcomeles. No caminhoumasentinelafrancesaobrigou-oa parare voltar. "Pedro obedeceu,masnão voltoupara ondeestavamsens eamaradas;dirigiu-separauma'carroçadesatrelada,ondenãoha- via ninguém.Sentou-seno chãofrio, de jOE'lhoserguidose cabeça baixae ficourf'fletindopor muitotempo.Passou-semaisdeuma horasemqueninguémviessemolestá-Io.De repenteeledeuuma gargalhadaalegree tãofortequeas pessoasse,'oltaramparari';. eutaresseriso estranhoe solitário. . - Ah, ah,ah! - ria Pedro.E diziaemvozalta,dirigirHlo- sea si próprio:- O soldadonãomedeixoupassar.Agarraram- meemetrancaram.Agorasouprisionf'iro.QUf'm.euYEu' :Minhaal- maimortalf Ah. ah,ah!." - e det.antorir, Jiígrimallcorriam-lhe pelorosto.(...) , fi L. N. ToIstol,Guerra e Paz. Tradução de Luclnda Martins, Editora Lux Ltda. Rio de Janeiro, 1960,vol. I. 50 V. Chklol1Ski A Arte comoProcedimento 51 "Peuro examinouo eéu,a profunde~aondecintilavamas estrelas.'Tudoaquiloémeu,tudoaquiloestáemmim,tudoaqui- lo soueu!E foi tudoissoqueelesagarrarame trancaramnuma barracafE'l'hadaportábuas!'. Sorriue foi deitar-seaoladodos camaradas".(GllcrraePaz,vo1.II.) Todosos queconheeembemTolstoipodemacharnelecente- nasde E'xE.'ll1plosdestetipo.Esta maneiradE'Yer os objetosfora dE'seucontE'xtoo conduziu,11ass.uasÚltimasobras,a aplicaro métododE.'sillgularizaçãona aescriçãode dogmase ritos,méto- 110sE.'gunuoo qualélesubstituíaas palavrasda linguagemcor. r~Iite}\(>Iaspalavrashabituaisdeusoreligioso;resultoudaí qual- quer'coisade estranho,de monstruoso,quefoi sinceramentecon- sideradopor muita/?enteeomoumablasfêmiae os feriu penO!;a- mente..Entrf'tanto,.foi sempreo mesmoprocedimentoatravésdo qual 'J'015toipercebiae relatavao queo envolvia.As percepções 11('TolStoisacudiram.asuafé aotocaros objetosquepor longo tempoelequiseratocar. - Queé isto,magníficaSolokha?- e ao dizê-Io,deuum saltoparatrás. - Comooqueéisto?.. A mão,OssipNikiporoyitch- con- testouSolokha. - 11um... a mão...Hé,hé,hé!- disseelecomo corar;ão contentepor aqut'lt'l'omeço;e passeandopeloquarto: ---: E isto,o queé,queridíssimaSolokha?-"prosseguiu - com o mesmotom,apl'oxim8ndo-sedt'la,ro<,:ando-]hclevementeo colo e dando,eomoantt's.um saltopara trás. - Comofi Você não vê, Ossip Nikiporovitch~! - contestou Solokha- O coloe sobreele,um colar. - Hum... sobreo coloumcolar... Hé,hé,hé!- e o sacris- tãopasseoudenovopeloquarto,esfregandoas mãos.- E isto,o que é, incompará\'()lSolokha' - não se sabe mais o que os gran- desdedosdosacristãohaviamtocadodestavez..."'''. Em Hamsun,Fome: "Dois miJagl'esbrancossaíllmdesuablusa". Por vezes,a rt'presenta<:ãodosobjetoseróticossefaz deuma maneiravelada,ond<,o objetivoniioé eyidcntementeaproximá-Ios dacompreensão. Relaciona-sea es!l'tipo dI?representa~ãoaqueladosórgãos sexuaiscomoumcadeadoeumaehavc(porexemplo,l1as"Adivinha- çõesdopovoRusso",D. Savodnikov,n.OS102.107).comoosinstru- mentosdetecer(ib"id'J588-591).('ornoumareoe asflechas,eomo um ant"le um prego,conformeaparecena bi1ina"''''sobreStaver (Rybnikov, 11.°30). " O maridonãoreconhecea mulhermasearadadebravo.Ela lhe pro~õeumaadivinhação:" . () ])1'o<'t"dimentoue singn1arizaçãonão pertencesomentea Tolstoi.Se meapóiono materialquelhe tomoemprestado,não é sf'nãopor l'onsiderac;õE.'spuramentepráticas,porqueestemate- rial é <,onheeidodetodos. Agora,apóster esclarecidoo caráterdesteproeedimento,ten- temosdeterminaraproximadamenteos limitesde sua aplicação. Pessoalmente,pensoquequasesempre,quehá imagem,há singu- ]arização. Em outraspalavras,a diferençaentreo nossopontodevista e o de Potebniapodeser formuladoassim:a imagemnão é um predicado('Ol1stanteparasujeitosvariáveis.O 9bjetivoda imagem llãoétornarmaispróximadenossacompreensãoa significaçãoque t"latraz,mascriarumapercepCJãopartieulardo objeto,criar uma visãoenãoo seureconhecimento," É a arteeróticaque.nospermiteumaobservaçãomelhordas flln<:õesda imagem. " ". O objetoeróticoé apresentadofreqüentementecomoumacoisa jamaisvista.Por exemplo,emGogol,naNoitede'Natal: "Dizendoisto,acercou-sedela,tossiue, roçandocom08dedos a suamãogorducha,dissecomumacentoquetraíasuaastúciae "aidade: "Vocêselembra,Staver,aquilo.o lembra Como,quandotSramoscrianças,íamospelarua ·N. Gogol, 'Noite de Natal, de As VigíUaa em DJ.kauka, em Obra Completa."Traduçãode Irene Tchenowa.Aguilar S.A., Madrld, 1951.A tradução para o portuguêsestá.calcadanesta versão espanhola.(N. do Trad.) .. Epopéia ou rapsódia popular russa. (N. do Trad.> 52 V. Chklollski E jogávamoso jogodoprego .Vocêtinhaumaneldeprata E eutinha um aneldouradoY E eu conseguiadevezemquando Mas vocêconseguiasempre. E Staver,filho de Godine,diz Mas eu não jogueicomvocêo jogo do prego. Então VassilissaMikulithna diz: Então Você.selembra,Staver,aquiloo lembra Foi comvocêqueaprendia escrever: Eu tinha um tinteiro de prata E vocêtinhaumacanetadouradaY Eu molhavaa canetadevez emquando Mas vocêa molhavasempre'''. Em outravariantedacomposiçãõ,a soluçãonosé dada: "Então a terrívelenviadaVassiliuchka Levantouassuasroupasatéo seuumbigo E eisqueo jovemStaver,filho deGodine, Reconheceuo aneldourado...". (Rybnikov,171) Masa singularizaçãonãoé somenteum procedimentode adi- vinhaçõeseróticasou deeufemismo;elaé a basee o únicosentido detodasasadivin}lações.Cadaadivinhaçãoé umadescrição,uma definiçãodo objetopor palavrasque nãolhe sãohabitualmente atribuídas(exemplo:"Duasextremidades,doisanéis,enomeioum preg<f"'),ouumasingularizaçãofônicaobtidacoma ajudadeuma repetiçãodeformante:Ton da tonoU - PoZda potoZok6)(D. Sa- vodnikov,n.o51)ouSlondaKon dt'ik1- Zasloni konnik7(Ibid., n.o177). .Jogo do prego: jogo.popular russo que cOl1llisteem visar com um pregoo centro de um anel postona terra. (N. do Trad. para a edi. ção francesa.) 6 pol da potolok (r.): soalhoe teto. 7 ZIIslonI konnlk (r.): asilo e cavaleiro. A Arte comoP1'ocedime1ilÚ 53 .. Há imagensqueusama sil1gularizaçãosemseradiviuhações: por e~emplotodosos"maçosdebiscoitos","os aviões","as bone- cas", "os pequenosamigos",etc.,queescutamosna bocadoscan- tores. As imagensdoscantorestêmtodasumpontoemcomumcom a imagempopularqueapresentaosmesmosatoscomoo fato de "pisar a ervae quebraro alburno". O procedimentodesingularizaçãoé evidentenaimagemconhe- cidadaatitudeerótica,naqualo ursoeouti'OSanimais(ouo diabo, umaoutramotivaçãodefaltade reconhecimento)nãoreconhecem o homem(O Mest1'eCorajoso,Contosda GrandeRússia,notasda SociedadeImperialGeográficaRussa,vo1.42,n.o52;Antologiada RússiaBrancadeRomanov,n.o84,O SoldadoJusto,p. 344). A faltadereconhecimentonoconton.o70daantologiadeD. S. Zelenine,GrandesConiosRussosdaAdministraçãodePermé um casocaracterístico. "Um mujiquelavravaseucampocomumaéguapega.Um ur- so seaproximadelee lhe pergunta:'Ei amigo,quemdeuà sua égua esta cor pegaY' - 'Dei-aeu mesmo'.- '1\lascomoY' - 'Vem,voudá-Iatambémavocê'.O ursoaceita.O mujiquelheamar- ra aspatas,prendea relhadoarado,faz esquentá-Iono fogoe co- meçaa aplicá-Ianosflanco.sdourso:coma relbaqueimando,cha- musqueia-Iheo pêloatéa carnee lhedáassima corpega.Depois, desamarra-o,o urso parte,distancia-seum pouco,deita-sesob umaárvoree nãosemexe.- Eis queumapegachegapertodo mujiquea fim de ciscara carneparasi. O mujiquea pegae lhe quebraumapata.A pegavoae párana árvorepertodaqualdor- meo,urso,- Depoisda pega,uinagrandemoscachegapertodo mujique,pousasobrea éguae começaa picá-Ia.O mujiquea pega, enfia-lheumavaretanotraseiroeadeixapartir.A moscavoacpou- sanamesmaárvoreondejá estayama pegae o urso.Ostrêsficam lá. Eis quechegaa mulherdo mujique,trazendoo seualmo~o.O mujiquecomeao ar livre comsuamulhere a derruban'aterra. Vendo-o,o ursosedirig-eà pegae à mosca:'BomDeus,o mujique queraindaumavezdar a corpegaa alguêm'.A pe~adiz: '~ão, elequerquebrar-lheaspatas'. A grandemosca:'1\ão,êlequeren- fiar-lheumavaretanotraseiro'." A identidadedoprocedimentodestetrechocomo procedimento deKholstomerparece-meevidenteparatodos. A singularizaçãodopróprioatoé muitofreqUentenaliteratu- ra; por exemplonoDecameron:"A' rapadavasilha","a caçaao Rouxinol","o trabalhoalegredooperãl'io",nRosendoestaúltima 54 V. Chklo1Jski imagemdesenvolvidacomoenredo.E é tambémfreqüenteo uso dasingularizaçãonarepresentaçãodosórgãossexuais. Tj)da.umasériedeenredosé construída'baseadaemtal falta de reconhecimento,por'exemploAfanassiev,Contoslntimos:"A Dama'Tímida": todoo contofunda-sesobreo fatodequenãose chamao objetoporseupróprionome,sobreo jogodomalreconhe- cimento.A mesmacoisaemOntchucov,"A NódoaFeminina"(con- to n.o525); o mesmonosContoslntimos:"O 1'rsoe o Coelho".O ursoe o coelhocuidamda li ferida". A construçãode tipo "pilão e tigela" ou então"o diaboe o Inferno" (Decameron)pertencemao mesmoprocedimentode sin- gularizaçã0. . Trato, no mcu artigo, sobrea construçãodo euredo,da singu- larizaçãono paralelismopsicológico. . Repitocontudoaquiqueo importantenoparalelismoé .asen- saçãodenão-coincidênciadeumasemelhança.O objetivodoparale- lismo,comoemgeralo objetivodaimagem,representaa transfe- rênciadeumobjetodesuapercepçãohabitualpara\lmaesferade novaper<.'epção;há portantoumarnudan~asemânticaespecífica. Examinandoa línguapoéticatantonassuasconstituintesfo- néticase léxicascomona disposiçãodas,palavrase nasconstruções semânticasconstituídaspor estaspalavras,percebemosqueo cará- ter estéticoserevelasemprepelosmesmossignos:é criadocons- cientementepara libertara percepçãodo automatismo;suavisão representao objetivodo criadore elaé construídaartificialmente demaneiraquea percepçãosedetenhanelae chegueaomáximo desuaforçae duração.O objetoé percebidonãocomoumaparte doespaço,masporsuacontinuidade.A línguapoéticasatisfàzes- tas condições.SegundoAristóteles,a línguapoéticadeveter um caráterestranho,surpreendente;naprática,é freqüentementeuma línguaestrangeira:o sumerianoparaos assírios,o latimna Eu- ropamedieval,osarabismosentreospersas,o velhobúlgarocomo base'do russoliterário;ou umalínguaelevadacomoa línguadas cançõespopulare$próximasdalíngualiterária.~ a explicaçãopa- ra a existênciade arcafsmostio largamentedifundidosna língua poética,para aR dificuldadf'Rdo.II doloo8til nuovo" (s-éculoXII), paraa lín~a de ArnaudDanielcomo seuestiloobscuroe suas formasdifíceis,paraasformasquesupõemumesfor~ona pronún- cia (Diez,Lebenuna WerkderTroubadoure,p. 213).L. Jacobins- ki demonstrouno seuartigoa lci do,obscurecimentono quecon- cerneà fonéticada 1ínguapoéticaa partir do casoparticularde A Arte comoProceáime,lIo 55 I ~. umarepetiçãodesonsidênticos.~sim, a língua4a poesiaé uma línguadifícil, obscura,cheiadeobstáculos.Em certoscasosparti- culares,a líuguada poesiaseaproximada línguada prosa,mas semcontradizera lei dadificuldade. ,.Sua irmã chamava-seTatiana Pelaprimeiravezeisque Por seunome,passoa santificar As páginasdesteternoromance" escreviaPushkin.Para os contemporâneosde Pushkin,a língua poéticatradicionalerao estiloelevadpdeDerjavine,enquantoque o estilodePushkin,comseucarátertrivial (paraestaépoca),era difícil e surpreendente.Recordemo-noso pavordeseuscontempo- râneosperanteasexprcssõesgros3eirasqueeleempregava.Pushkin utilizavaa linguagem~opular<.'.0010um procedimentodestinadoa chamara atenção,assimcomoseuscontemporâneos,emseusdis- cursosgeralmenteemfrancês,utilizavampalavrasrussas(cf. os exe~losdeTolstoi,GuerraePaz). Um fenômenoaindamaiscaracterísticoocorreemnossosdias. A língualiteráriarussa,queédeorigemestrangeiraparaa Rússia, penetroudetal forma'na massapopularquetrouxea seunível muitoselementosdosdialetos;emoposição,a literaturacomeçaa manifestarumapreferênciapelosdialetos(Rcmizov,Kliuev,Esse- ninee outros,desiguaisemseustalentosc próximosdasualíngua voluntariamenteprovinciana)e pelosbarbarismos(o quetornou possívelo aparecimentoda escolade Scvcrianine).MáximoGorki passatambém,emnossosdiasda língualiteráriaao dialetoliterá- rio à maneiradeLeskov.Assim,a linguagempopulare a língua literáriatrocaramseuslugares(V. Ivanove muitosoutros).Enfim, somostestemunh.asdaapariçãodafortetendênciaqueprocuracriar umalínguaespecificamentepoética;no alto destaescolapôs-se, comose sabe,VelemirKhlebnikov.Assim,chegamosa definir 'a poesiacomoumdiscursodifícil, tortuoso.O discursopoéticoé um OOCUf"lSOelaborado.A prosapermaneceumdiscursoordinário,eco- nômico,fácil,correto(DeaProsaeé a deusadopartofácil,correto, deumaboaposiçãodacriança).Aprofulldart.>imaisnomeuartigo sobrea construçãodoenredoesteft.>nômel1odeobscurecimento,de amortecimento,enquantolei geraldaarte. As pessoasquepretendemquea noçãodeeconomiadásener- giasestáconstantementepresentena línguapoéticae queela ~ mesmoa suadetermillante,parecemà primeirll.vista;t-erumapo- siçãoparticularmentejustificadano quediz respeitóaoritmo.A interpretaçãoda funçãodoritmodadapor Spenct.>rpareceserin- (. ., ~6 Y. ChJalo1Jsk, contestável:"Os golpesrecebidosirregularmenteobrigamnossos músculosa manter,umatensãoinútil, àsvezesmesmoprejudicial, porquenãoprevemosa repetiçãodo golpe;enquantoque,quando os golpessãoregulares,economizamosnossasenergias".Esta no- ta, à primeiravistaconvincente,pecapelovíciohabitualda con- fusãodasleisda línguapoéticacomasda línguaprosaica.Spen- cernãovênenhumadiferençaentreelasnasuaFilosofiadeEstilo, e entretantotalvezexistamduasespéciesderitmo.O ritmoprosai- co,o ritmodeumacançãoacompanhandoo trabalho,dadltbinttCh- ka*, porumladosubstituia norma:"Vamosjuntos"; por outro, facilitao trabalho,tornando-o'automático.De fato,é maisfácil ca- minharaosomdemúsicaquesemela,masé aindamaisfácil ca- minharaoritmodeumaconversaanimadaquandoa açãode ca- minharescapadenossa~onsciência.Assim,o ritmoprosaicoé im- portante.comofatorautomatizante.Masestenãoé o casodoritmo poético.Na arte,há uma"ordem"; entretanto,nãoháumasóco- lunadotemplogregoquea sigaexatamente,e o ritmoestéticocon- sistenumritmoprosaicoviolado.houvetentativasparasistematizar estasviolações.Elas representama tarefaatualda teoriado rit- mo.Podemospensarqueestasistematizaçãonãoterásucesso.Com efeito,nãosetratadeUJII ritmocomplexo,masde umaviolação do ritmo,de umaviolaçãotal, quenãopodemosprever;se esta violaçãotornar-seregra,perderáa forçaquetinhacomoprocedi- mentode obstáculo.Mas nãoentrareiemdetalhessobreos pro- blemasdoritmo;umoutrolivro lheseráconsagrado. 1917 ·Canção rlJssa cantada durante um trabalho fislco dJficl1. (N. do Trad. para a ediçãofrancesa.)
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