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Scheila Maria 2017 SÍNDROME DE CUSHING Eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal: O cortisol é regulado pelo hormônio ACTH (corticotrofina), um hormônio produzido pela adenohipófise. O hipotálamo produz CRH (hormônio liberador de corticotrofina), que estimula a secreção de ACTH pela hipófise após ser transportado pelo sistema porta-hipofisário e, por fim o ACTH estimula as suprarrenais a produzir e liberar cortisol. Em resumo: CRH estimula ACTH, que regula cortisol. Esse eixo possui uma alça de feedback negativo: o cortisol inibe a síntese de ACTH pela adenohipófise e de CRH pelos neurônios hipotalâmicos. ACTH estimula principalmente as zonas fasciculada e reticular, promovendo secreção de cortisol e androgênio. O ACTH possui efeito trófico sobre a adrenal, na sua ausência ocorre atrofia de córtex, e no seu excesso, hiperplasia! Em resumo, o papel do cortisol seria regular o metabolismo intermediário (efeito catabólico e hiperglicemiante: contrainsulínico), o sistema imunológico (modulador: reduz a ativação exagerada) e a função cardiovascular. CONCEITO A Síndrome de Cushing (SC) é a condição resultante da exposição prolongada a quantidades excessivas de glicocorticoides livres circulantes. Pode ser fruto da administração terapêutica prolongada de glicocorticoides (SC exógena) ou, bem menos frequentemente, da hiperprodução crônica de cortisol (SC endógena). Excesso de glicocorticoide crônico onde sua causa leva a uma constelação de sintomas e fatores físicos A causa + comum é iatrogenia resultante de terapia crônica – SC exógena SC endógena/espontânea se dá por causa pituitária, adrenal ou secreção de ACTH (hormônio adrenocorticotrófico) ou CRH (hormônio liberador de corticotrofina) por tumores ectópicos OBS: Está associada a elevada morbimortalidade quando não é adequadamente tratada. CLASSIFICAÇÃO E ETIOLOGIAS As causas de SC endógeno são divididas em dois grandes grupos, em função dos níveis de ACTH: ACTH dependente (se relacionam a doenças do eixo hipotálamo-hipofisário ou tumores diversos secretantes de ACTH/CRH) e ACTH independente (ocorrem em consequência a doenças primárias da suprarrenal). ACTH dependente: A SC ACTH-dependente ocorre quando o hipercortisolismo se origina da secreção excessiva de ACTH, hipofisária ou ectópica. Em cerca de 80 – 90% das vezes, há como fator etiológico um adenoma de hipófise (Doença de Cushing), sendo o restante devido à secreção ectópica de ACTH ou, bem mais raramente, do hormônio liberador da corticotrofina (CRH). ACTH independente: A SC ACTH-independente ocorre quando há produção autônoma de cortisol pelas suprarrenais causando então supressão da secreção de CRH e ACTH. Neoplasias adrenais (carcinoma/adenoma suprarrenal) e hiperplasia adrenal nodular. OBS: A Doença de Cushing é a etiologia mais comum da SC endógena, seguida pelas patologias adrenais e pela síndrome do ACTH ectópico. Vamos agora ver um pouco sobre cada uma delas. _________________________________________________________________________________ Doença de Cushing – Adenoma de hipófise Na maioria dos casos resulta de um microadenoma hipofisário secretor de ACTH. A DC tem uma progressão lenta, com o paciente apresentando os sintomas muito anos antes da confirmação diagnóstica. Também chamada de adenoma de hipófise ou corticotropinoma. 70% dos casos | mais comum em mulheres (3x) | mais comum em jovens Pico de incidência entre 20 e 40 anos (mas pode ocorrer em qualquer idade) A forma mais comum são os microadenomas, que possuem <10mm. Microadenomas: na hipófise anterior | não encapsulados (comprimem tecido são) | Produzem ACTH, LPH (beta-lipotropina) e beta-endorfina) OBS: Microfilamentos perinucleares (alterações hialinas de Crooke): resultado da exposição crônica dos corticotrofos ao hipercortisolismo Ocorrem menos sintomas relacionados à localização do tumor devido a sua maior parte ter tamanho pequeno. Cerca de 40-45% não conseguem ser visualizados na RNM de sela túrcica Macroadenomas: frequentemente invasivos (extensão extra-selar), mas raramente malignos. Síndrome do ACTH ectópico: A produção ectópica de ACTH pode se originar de diversos tumores, porém, provavelmente, a causa mais comum é o carcinoma pulmonar de cels pequenas: 15 a 20% dos casos de SC Secreção por tumor não-pituitário Podem faltar os fatores clássicos do hipercortisolismo – é um quadro agudo Mais frequente nos carcinomas de pequenas células do pulmão 50% dos casos da síndrome e 0,5 – 2% dos casos de CPCP Prognóstico muito pobre Mais comum em homens entre 40 e 60 anos Carcinoma suprarrenal: Principal causa de SC ACTH-independente 10% dos casos de SC Geralmente é um tumor de grande tamanho (>4cm na TC de abdome) Podem ser palpáveis | Grosseiramente encapsulados e muito vascularizados | Necrose hemorrágica e degeneração cística são comuns | Calcificações podem estar presentes Mais comuns em mulheres: na quais produz além do excesso de cortisol, excesso de androgênios causando virilização como hirsutismo. Quando nos homens a produção excessiva de androgênios (além do cortisol) pode ser convertida em estrona/estradiol levando a sinais como ginecomastia. Carcinomas são incomuns (2:1.000.000/ano) Ocorre excreção urinária aumentada de 17-KS (metabólito dos androgênios) e elevação plasmática de S-DHEA (hormônio adrogênio de origem suprarrenal) – OU SEJA, quando se suspeita de excesso androgênico de origem suprarrenal, dosam-se esses hormônios. Dão metástase hematogênica para fígado e pulmão Adenoma suprarrenal Geralmente são tumores pequenos (<3cm) Produz apenas a SC, sem sinais de virilização ou ginecomastia Prognóstico muito melhor que no carcinoma. Encapsulados | de células claras da zona fasciculada Os TU da suprarrenal podem ser frequentes como incidentaloma – incidentaloma: é um tumor encontrado por coincidência (incidental), sem sintomas clínicos ou suspeitas. Hiperplasia adrenal Hiperplasia adrenocortical simples: Secundária a DC, ocorre aumento da largura do córtex, porém com microscopia eletrônica normal. A zona reticular invade a glomerulosa e fasciculada (está reduzida) Hiperplasia nodular bilateral: causa hipersecreção de ACTH, podem se tornar autônomas, mas geralmente regridem com o tto do tumor secretor de ACTH. Podem ser regulados por uma variedade de hormônios (GIP, vasopressina, HCG, serotonina etc.) SC na infância: Infrequente Carcinoma adrenal é mais frequente (51%) – curso clínico tende a ser mais agressivo, com rápida instalação dos sintomas. Adenoma (14%) Mais em meninas entre 1 e 8 anos DC mais frequente na adolescência, em 35% dos casos e incidência entre sexos é semelhante. OBS: Um achado quase invariavelmente presente na SC pediátrica é a parada do crescimento, que pode preceder outras manifestações, como ganho de peso, retardo puberal, fadiga, depressão, hipertensão e acne. FISIOPATOLOGIA [Doença de Cushing] Secreção de ACTH é aleatória Causa perda do ritmo circadiano e supressão do feedback a despeito do hipercortisolismo Sintomas relativos ao cortisol, mas sem sintomas relativos ao ACTH e beta-LPH (níveis baixos para causar hiperpigmentação) Ausência de respostas ao stress Efeitos do excesso de cortisol: inibe a função pituitária e hipotalâmica e efeitos próprios do hipercortisolismo Excesso de andrógenos adrenais: sua conversão periférica para testosterona e DHT OBS: Hirsutismo, acne e amenorreia em mulheres e diminuição da libido e impotência em homens – por diminuir o LH e sem compensação suficiente pelo testículo atrófico. [Síndrome de ACTH ectópico] ACTH mais elevado que na DC e SEM feedback negativo Aumento significativo dos níveis de cortisol, andrógenos adrenais e DOC Associado a poucos sintomas crônicos de hipercortisolismo, anorexia e outros sinais de malignidade Sinais de excesso de mineralocorticoides por secreção aumentada de DOC e do cortisol Secreção de CRH ectópico: hiperplasia das células secretoras de ACTH [Tumoresadrenais] Secreção autônoma: ACTH suprimido (atrofia cortical contra-lateral) Cortisol não suprime com dexametasona e metirapona Adenomas adrenais: Manifestações de excesso de glicocorticoides Carcinomas adrenais: Secretam vários esteroides e andrógenos podem estar mais elevados que o cortisol Quadro severo e progressivo e mulheres podem apresentar virilização, HAS e hipocalemia (mais pelo cortisol que pelos mineralocorticoides) QUADRO CLÍNICO OBS: Os sinais associados à SC são extremamente variados e diferem em sua gravidade, porém, muitas vezes, são inespecíficos. Sinais como “giba de búfalo”, obesidade e hirsutismo são pouco úteis na distinção entre a SC e os estados de pseudo-Cushing. Entretanto, equimoses surgidas espontaneamente ou aos mínimos traumatismos, miopatia proximal ou estrias violáceas ou purpúricas mais largas do que 1cm tornam a possibilidade diagnóstica de SC bastante provável em um pcte com obesidade central. Osteopenia e osteoporose, especialmente na ausência de outra causa predisponente, podem fornecer uma evidência corroborativa útil do excesso de glicocorticoide. Obesidade centrípeta Sinal mais comum Localização central (face, pescoço e tronco) Generalizada em crianças Fácies de lua cheia | Pletora | Gibosidade O cortisol leva a quebra de gordura, porém esta é remodelada para o tronco, a causa é mais a resistência insulínica do que o efeito direto do cortisol. Alterações de pele Estrias violáceas, largas e depressivas (mais em abdome e dorso) Atrofia da epiderme | Cicatrização difícil e deiscências de FO Equimoses (40%) a trauma mínimo Acne Infecções fúngicas (pitiríase versicolor, onicomicoses e candidíase oral) Hiperpigmentação cutânea na síndrome do ACTH ectópico Hirsutismo 80% das mulheres, mais comum na face, acompanhada de acne seborreica Virilismo no carcinoma adrenal Sistêmicos HAS: 75% dos casos | PAD > 100mmHg em 50% Intolerância a glicose e até diabetes franco (20%): cortisol é contra insulínico Disfunção gonadal: amenorreia (75%) | da libido, pêlos e testículos macios nos homens | Infertilidade. Fraqueza muscular proximal (60%): O excesso de cortisol causa catabolismo exagerado de proteínas Osteoporose: fraturas patológicas | dor lombar | fraturas vertebrais Litíase renal por hipercalciúria (15%) Poliúria e polidipsia: por inibição da vasopressina e raramente por hiperglicemia Distúrbios do SNC e psiquiátricos: labilidade emocional e irritabilidade | ansiedade, depressão, déficit de concentração | euforia e, por vezes mania | insônia | raramente depressão severa, psicose, alucinação e paranoia | suicídio. ACHADOS LABORATORIAIS Hb e Hto | Leucócitos totais normais | Linfócitos e eosinófilos Alcalose hipocalêmica: na secreção ectópica de ACTH e carcinoma adrenal Hiperglicemia de jejum | DM em 10 – 15% | Glicosúria GPP alta é mais comum | OGTT anormal | Cálcio normal | Fósforo normal baixo ou levemente diminuído Hipercalciúria em 40% dos casos ESTUDOS DE IMAGEM E ECG Cardiomegalia Mediastino alargado: acúmulo de gordura central Fraturas vertebrais, de costelas e cálculo renal podem estar presentes. ECG: alterações relacionadas à HAS, DAC e eletrólito-induzidas. DIAGNÓSTICO Diante da suspeita clínica de SC, deve-se, de início, descartar o uso de glicocorticoides. A investigação da SC endógena inclui duas etapas: (1) confirmação do hipercortisolismo e (2) definição de sua etiologia. Essa confirmação precisa ser estabelecida antes de qualquer tentativa para o diagnóstico diferencial. Confirmação do hipercortisolismo: Teste de supressão com dexametasona (DM) 1mg de dexametasona às 23h e dosar cortisol sérico às 8h Se o cortisol sérico estiver <1,8mcg/dL – praticamente descartada a SC ativa Se o cortisol sérico estiver >1,8mcg/dL – positivo para a triagem de SC (porém não está dado o diagnóstico, pois existem situações específicas) Falso-negativos: hipercortisolismo leve, sensibilidade do feedback negativo e em hipercortisolismo intermitente – Esses pacientes ainda suprimem pois estão em fase inicial (confirmar com cortisol livre urinário) Falso-positivo: obesos, doentes psiquiátricos, uso de drogas que aceleram o metabolismo (fenitoína, fenobarbital) e alcoólatras podem ter elevação do cortisol livre urinário e não suprimir com estímulo da dexa = pseudocushing OBS: Nesses casos usar o seguinte teste da DM: 0,5mg 6/6h por 2 dias e dosar cortisol no 3º dia (2h após a última dose) após administração de CRH – Se cortisol > 1,4mcg/dL deve considerar SC Após o resultado do teste de supressão utiliza-se uma das formas de confirmação abaixo: cortisol livre urinário ou salivar noturno. Cortisol livre urinário Altamente acurado e específico Se > 50 µg/24h – confirma Síndrome de Cushing Valor normal < 50mcg/24h < 5% dos obesos têm discreta elevação Cortisol salivar noturno Cortisol salivar à meia-noite Se > 0,1mcg/dL – Confirma Síndrome de Cushing Após a confirmação do hipercortisolismo o próximo passo é definir a etiologia da doença. Dosagem do ACTH plasmático Diferenciar se ACTH dependente ou independente ACTH reduzido (<5 pg/mL) OU indetectável – causa ACTH independente (adenoma ou carcinoma suprarrenal) 1º - TC de abdome para localizar o tumor e avaliar tamanho 2º - Dosagem de hormônio para avaliar atividade do tumor em relação ao excesso de androgênios: 17-KS urinário e S-DHEA plasmático. ACTH > 10-20pg/mL – causa ACTH dependente (tumor produtor de ACTH (> 52pg/mL) ou adenoma de hipófise = 90%) 1º - Teste de supressão com dexametasona (Liddle2) em altas doses: dexametasona 2mg 6/6h por 2 dias 2º - RNM da sela túrcica: identifica adenoma de hipófise em 50 – 60% Para entender: Se o paciente tiver a Doença de cushing (adenoma hipofisário) ele vai acabar suprimindo o cortisol por que a dose é muito alta, mas se o paciente tem uma liberação de ACTH ectópica não vai ocorrer supressão, mesmo com altas doses de dexametasona. Então: Teste da DXM (+) e RNM com adenoma = Doença de Cushing Teste da DXM (-) e RNM negativa = ACTH ectópico (solicitar TC de tórax) Teste da DXM (+) e RNM negativa = Provável microadenoma não visualizado na RNM (solicitar cateterismo de seio petroso) ObS: Porém 10% da população tem incidentaloma hipofisário, logo ACTH ectópico pode ter incidentaloma concomitante. Cateterismo de seio petroso inferior Associado a teste de CRH Método mais acurado: atinge 100% de acurácia em mãos experientes Relação seio petroso/sangue periférico > 2,0 após CRH é consistente com adenoma hipofisário secretor de ACTH e se < 1,8 fala a favor de ACTH ectópico TRATAMENTO - Doença de Cushing Microcirurgia – adenomectomia transesfenoidal Pré-op: inibição de enzimas adrenais que sintetizam cortisol (cetoconazol) Radioterapia | Inibição farmacológica da secreção de ACTH Adrenalectomia cirúrgica ou farmacológica - SD do ACTH ectópico TTO da doença de base Carcinoma pulmonar de pequenas células: controle do hipercortisolismo com cetoconazol + adrenalectomia bilateral (nos casos de refratariedade) Reposição de potássio e espironolactona Mitotano (início lento e vários efeitos colaterais) - Tumores adrenais Adenomas: Adrenalectomia videolaparoscópica unilateral + TRH (hidrocortisona) para recuperação de adrenal contralateral (a adrenal contralateral se encontra atrofiada devido a supressão crônica do ACTH que ocorre nos pacientes com tumor adrenal) Carcinoma adrenal: Paciente sem metástase: ressecção em bloco = suprarrenal + órgãos adjacentes + linfonodos. Pacientes com metástases: Mitotano (suprime vias sintéticas da adrenal e tumorais - esteroidogênese adrenal) - 70% de redução de secreção de esteroides e 35% de redução do tumor Porém: cura cirúrgica é rara, mas diminui o tumor e a secreção de esteroides. Cetoconazol, metirapona e/ou aminoglutetimida nos casos não responsivos ao mitotano Hiperplasia adrenal nodular: ACTH-dependente tratar como DC ACTH-independente considera-sea adrenalectomia bilateral PROGNÓSTICO SC não tratada é frequentemente fatal e a morte pode advir da doença de base ou do hipercortisolismo sustentado. DC: a grande maioria pode ser tratada com sucesso: microcirurgia e irradiação de partículas pesadas Tumores adrenais: excelente prognóstico para o adenoma, porém não para o carcinoma que geralmente evolui para a morte em cerca de 4 anos Síndrome do ACTH ectópico: prognóstico pobre e se com severo hipercortisolismo evolui para o óbito em dias a semanas. Nos casos de tumor benigno produzindo ACTH o prognóstico é melhor.
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