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MARÇO / ABRIL - 1998VOLUME 3, Nº 2REVISTA DENTAL PRESS DE ORTODONTIA E ORTOPEDIA FACIAL 17 A mordida aberta anterior pode ser definida como a presença de um trespasse vertical negativo existente entre as bordas incisais dos dentes anteriores superiores e inferiores. Consiste em uma discrepância no sentido vertical, o que a torna mais difícil de ser corrigida e seus resultados finais mostram-se menos estáveis. A mordida aberta anterior apresenta um prognóstico que varia de bom a deficiente, dependendo de sua gravidade e da etiologia a ela associada. Sendo a mordida aberta anterior uma má oclusão freqüente na população infantil e, frente aos aspectos mencionados, os objetivos deste artigo consistem em revisar alguns concei- tos a respeito de sua etiologia e dos tipos de tratamento mais usualmente empregados em sua correção, seguindo-se com a apresentação de um caso clínico. UNITERMOS: ortodontia; má oclusão; mordida aberta anterior; grade palatina. Anterior Open Bite - Considerations and a case report The anterior open bite could be defined as a negative overbite between the incisal edges of the maxillary and mandibular anterior teeth. It is considered as a vertical malocclusion, which means that it is more difficult to be treated successfully and its long-term clinical outcomes may be not so stable. The purpose of this paper is to review some of the anterior open bite characteristics, such as its severity, etiology and the types of treatment indicated for each individual case, as well as to present a case report. UNITERMS: Orthodontics; malocclusion; anterior open bite; palatal crib. Mordida Aberta Anterior - Considerações e Apresentação de um Caso Clínico A r t i g o I n é d i t o Relatos clínicos e de técnicas, investigações científicas e revisões literárias Prof. Dr. Renato Rodrigues de Almeida A Suzi Cristina Barbosa Nakamura Santos B Eduardo César Almada Santos C Celina Martins Bajo Insabralde D Marcio R. AlmeidaE A PROFESSOR ASSISTENTE DOUTOR DA DISCIPLINA DE ORTODONTIA DA FACULDADE DE ODONTOLOGIA DE BAURU-USP; PROFESSOR RESPONSÁVEL PELA DISCIPLINA DE ORTODONTIA DA FACULDADE DE ODONTOLOGIA DE LINS-F.O.L. E COORDENADOR DO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ORTODONTIA DA F.O.L.-UNIMEP. B ALUNA DO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO, EM NÍVEL DE MESTRADO, EM ORTODONTIA, DA FACULDADE DE ODONTOLOGIA DE BAURU-USP. C PROFESSOR ASSISTENTE DOUTOR DA DISCIPLINA DE ORTODONTIA DO DEPARTAMENTO DE CLÍNICA INFANTIL DA FACULDADE DE ODONTOLOGIA DE ARAÇATUBA-UNESP. D ESPECIALISTA EM ORTODONTIA E PROFESSORA DO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ORTODONTIA DA FACULDADE DE ORTODONTIA DE LINS-F.O.L.-UNESP. E MESTRE EM ORTODONTIA PELA FACULDADE DE ODONTOLOGIA DE BAURU DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO E PROFESSOR DA DISCIPLINA DE ORTODONTIA, AO NÍVEL DE GRADUAÇÃO E ESPECIALIZAÇÃO DA FACULDADE DE ODONTOLOGIA DE LINS - (UNIMEP).Renato R. de Almeida MARÇO / ABRIL - 1998VOLUME 3, Nº 2REVISTA DENTAL PRESS DE ORTODONTIA E ORTOPEDIA FACIAL 18 1 - INTRODUÇÃO A mordida aberta anterior (M.A.A.) pode ser definida como a presença de uma dimensão vertical negativa entre as bordas incisais dos dentes anteriores su- periores e inferiores8. A grande preocupação atual em identifi-car-se as características de uma má oclusão nos sentidos transversal e vertical, além do usual sentido ântero- posterior, deve-se ao fato de que as dis- crepâncias verticais, principalmente, apre- sentam uma maior dificuldade de corre- ção e seus resultados finais mostram-se menos estáveis 1,5,7. A mordida aberta anterior, uma dis- crepância de natureza vertical, apresenta um prognóstico que varia de bom a defi- ciente, dependendo de sua gravidade e da etiologia a ela associada1. Sendo a mordida aberta anterior uma má oclusão freqüente na população in- fantil e, frente aos aspectos mencionados, os objetivos deste artigo consistem em revisar alguns conceitos a respeito de sua etiologia e dos tipos de tratamento mais usualmente empregados em sua corre- ção, seguindo-se com a apresentação de um caso clínico. 2 - REVISÃO DE LITERATURA A mordida aberta anterior pode ser resultante de causas diversas, como: irrupção incompleta dos dentes anteriores, alterações nos tecidos linfóides da região da orofaringe, que levam à dificuldades respiratórias e ao mau posicionamento da língua, persistência de um padrão de deglutição infantil e presença de hábitos bucais deletérios renitentes. Ou seja, ela se desenvolve como o resultado da interação de fatores etiológicos diversos 8. A freqüência dessa má oclusão alcan- ça, aproximadamente, 16% da população melanoderma e 4 % da população leucoderma americana, segundo dados apresentados por NGAN; FIELDS 8. Entre- tanto, um estudo a respeito da incidência das más oclusões em jovens brasileiros realizado por SILVA FILHO et al 16, em 1989, mostrou que, em 2.416 escolares da região de Bauru, São Paulo, que encontravam-se no estágio de dentadura mista, entre 7 e 11 anos de idade, esse percentual alcançou 18,5% do total das más oclusões encontradas nessa fase. A porcentagem desse tipo de má oclusão tende a decrescer na fase da adolescência 1,8. As más oclusões verticais desenvol- vem-se como o resultado da interação de fatores etiológicos diversos, relacionados a presença de hábitos bucais, principal- mente a sucção digital e de chupeta, pressionamento lingual atípico, respira- ção bucal e interposição labial entre os incisivos 1,8,10,12,13,17. Contudo, um padrão de crescimento desfavorável, com pre- domínio vertical, também pode levar à instalação desse quadro, ou mesmo favorecê-la. 3 - ETIOLOGIA Apesar do osso ser o tecido mais duro do corpo humano, é também um tecido plástico, que reage a todo tipo de pres- são sobre ele exercida, principalmente da musculatura que o circunda4,6,9. A for- ma e a integridade dos arcos dentários, bem como a relação dos dentes entre si, encontram-se na dependência de fatores como a relação de contato entre os den- tes contíguos, o mecanismo de reabsorção/aposição do osso de supor- te e também a atividade muscular. Quan- do existe um padrão morfogenético nor- mal, a língua, os lábios e as bochechas funcionam como mantenedores da homeostasia local. A língua consiste em um potente con- junto de músculos. Sua atividade muscu- lar inicia-se precocemente, já na vida intra-uterina, quando o feto começa a deglutir o líquido amniótico. Não obstante a força exercida por essa estrutura sobre os dentes seja bastante intensa, ela é equi- librada pela ação de um “cinturão mus- cular” que envolve os arcos dentários externamente, denominado de “Mecanis- mo do Bucinador”. Esse contorno mus- cular é formado, inicialmente, pelas fi- bras superiores e inferiores do músculo orbicular dos lábios, que se unem late- ralmente às fibras do músculo bucinador. Este, por sua vez, contorna a cavidade bucal até inserir-se na rafe ptérigo-man- dibular, logo após a extremidade posteri- or dos arcos dentários. Neste ponto, o músculo bucinador une-se ao músculo constrictor superior da faringe, que ter- mina por fechar o envoltório muscular na altura do tubérculo faríngeo do osso occipital (Fig. 1). Numa situação de nor- malidade, estas forças opostas se neutra- lizam, de tal forma que os dentes e as es- truturas circunjacentes mantêm-se em equilíbrio (Fig. 2). Porém, qualquer in- terferência na sua homeostasia, no perí- odo de crescimento ativo das estruturas da face, pode alterar a morfologia e a fun- ção do sistema estomatognático, que- brando o equilíbrio dentário e prejudi- cando o desenvolvimento oclusal e es- quelético normal 4,9,10,11,15. Assim, como fatores desencadeantes encontram-se os hábitos de sucção de dedos ou chupeta, os desvios funcionais da língua e dos lá- bios e a respiração bucal, considerados todos como maus hábitos bucais. 3.1 - Hábitos Bucais 3.1.1 - Hábitos de Sucção A sucção é um dos mecanismos de trocacom o mundo exterior mais impor- tantes no recém-nascido. É durante a suc- ção desenvolvida na amamentação que a criança obtém não só o alimento que necessita para satisfazer sua demanda fi- siológica, como também as sensações de segurança, aconchego e de aceitação, necessárias para o seu bem-estar e para o seu desenvolvimento emocional ade- quado. Os lábios constituem-se em um aguçado órgão sensitivo nesta fase, que transmitem as percepções exteriores diretamente para o cérebro4. Por outro lado, quando a criança é nutrida com a mamadeira, sua demanda fisiológica é satisfeita, mas a necessidade natural que possui de sugar não é supri- da nos poucos minutos que permanece no colo da mãe. Assim, pode iniciar-se um processo de sucção compensatório dos dedos da mão ou de chupetas, exe- cutados nos intervalos entre as refeições e no momento de dormir 3,4,10,17. O hábito de sucção dos dedos ou da chupeta até os 3 anos de idade consiste, portanto, em um mecanismo de supri- mento emocional da criança e que não deve, preferencialmente, sofrer interfe- rências. Esta conduta justifica-se pelo fato de que as alterações oclusais MARÇO / ABRIL - 1998VOLUME 3, Nº 2REVISTA DENTAL PRESS DE ORTODONTIA E ORTOPEDIA FACIAL 19 Figura 1 - Músculos componentes do Mecanismo do Bucinador Fonte: GRABER, T.M. Figura 2 - Equilíbrio de forças entre a língua, os lábios e as bochechas sobre os dentes e as estruturas ósseas. Fonte: GRABER, T.M. m. bucinador m. orbicular dos lábios m. constrictor superior da faringe tubérculo faríngeo rafe ptérigo-mandibular força da língua força do lábio bucinador língua causadas pela sucção nesta fase restringem- se ao segmento anterior dos arcos dentários e podem ser revertidas espontaneamente com a interrupção do hábito, de tal forma que os prejuízos emocionais podem superar, em muito, os prejuízos funcionais4. Sendo assim, a interrupção brusca do hábito antes dessa idade deve ser cuidadosamente avaliada sob a ótica custo- benefício. Além disso, existe uma tendência natural de que a própria criança venha a abandonar o hábito com o desenvolvimento de sua maturidade emocional e com o início da socialização, que normalmente ocorre a partir dos 5 anos de idade 1. Entretanto, a persistência do hábito durante a fase inicial da dentadura mista deve ser considerada como deletéria, uma vez que os incisivos estão irrompendo e o hábito pode prejudicar o desenvolvimento normal da oclusão e do crescimento facial8,13,14. A instalação de uma má oclusão, contudo, não depen- de apenas da simples existência do hábito, mas também do padrão de cres- cimento facial que a criança possui, bem como da duração, intensidade e freqüência com que o hábito é realizado (Tríade de GRABER)4,9,11. Este fato expli- ca porque há crianças que, não obstante possuam algum tipo de hábito, ainda as- sim não apresentam a má oclusão carac- terística. MARÇO / ABRIL - 1998VOLUME 3, Nº 2REVISTA DENTAL PRESS DE ORTODONTIA E ORTOPEDIA FACIAL 20 Figura 4A - Sucção de vários dedos. Figura 4B - Aspecto morfológico da M.A.A. resultante 4A 4B Figura 3A - Sucção do polegar. Figura 3B - Aspecto morfológico da M.A.A. causada pela sucção do polegar 3A 3B Alterações morfológicas suscitadas pelos hábitos de sucção A sucção digital constitui-se no hábito bucal mais freqüentemente encontrado entre as crianças, ao lado da sucção de chupetas. O dedo de eleição para o de- senvolvimento do hábito consiste, em ge- ral, do polegar, mas outros dedos da mão podem ser escolhidos, ou mesmo juntar- se à sucção do polegar (Figs. 3 e 4). Quando o dedo é sugado, várias alterações ocorrem na região dos dentes e da mus- culatura peribucal. Os dentes ântero-su- periores e o processo alveolar sofrem uma pressão nos sentidos vestibular e apical, favorecendo o aparecimento de diastemas entre os incisivos, enquanto os incisivos inferiores são inclinados para lingual e apical, com conseqüente aumento do trespasse horizontal15. Com a interposição do dedo ocorre, ainda, o bloqueio da irrupção dos incisivos, criando-se condições para o desenvolvimento de uma mordida aberta anterior. O posicionamento do polegar no palato mantém a língua numa posição mais inferior, afastando-se do contato com os MARÇO / ABRIL - 1998VOLUME 3, Nº 2REVISTA DENTAL PRESS DE ORTODONTIA E ORTOPEDIA FACIAL 21 Figura 5A - Sucção de chupeta. Figura 5B - Aspecto morfológico da M.A.A. causada pela sucção de chupeta 5B 5A Figura 6A - Posicionamento atípico da chupeta. Figura 6B - Aspecto morfológico da M.A.A. resultante 6A 6B dentes posteriores. Essa alteração pode culminar com o estabelecimento de uma mordida cruzada posterior, visto que, sem o pressionamento lingual compensatório, apenas a musculatura peribucal acaba atuando sobre esses dentes, pressionando- os para lingual. Daí o grande número de casos de mordidas abertas anteriores que são acompanhadas por uma mordida cruzada posterior e por um aprofundamento do palato, também chama- do de palato ogival 1,4,9,10,11,14,15,17. A sucção da chupeta produz as mesmas alterações morfológicas que a sucção digital, porém, a mordida aberta anterior desenvolvida nessas condições mostra um aspecto mais circular 1,8 (Fig. 5). Entretanto, algumas diferenças morfológicas desta má oclusão podem ocorrer em função do posicionamento da chupeta na cavidade bucal durante o ato de sucção: há crianças que, além de chupar o bico da chupeta, interpõem, também, a argola deste objeto entre os dentes anteriores, mordendo-a de tal forma a projetar a mandíbula para frente e criando uma alavanca que pressiona os in- cisivos superiores para lingual. (Fig. 6). MARÇO / ABRIL - 1998VOLUME 3, Nº 2REVISTA DENTAL PRESS DE ORTODONTIA E ORTOPEDIA FACIAL 22 Figura 7 - Paciente com hipertrofia de amígdalas palatinas e respiração bucal, 7A - Vista frontal do paciente, 7B - Aspecto das amígdalas hipertrofiadas, 7C - Interposição da língua durante a deglutição, 7D - Mordida aberta anterior resultante da interposição lingual 7D7C 7A 7B MARÇO / ABRIL - 1998VOLUME 3, Nº 2REVISTA DENTAL PRESS DE ORTODONTIA E ORTOPEDIA FACIAL 23 3.1.2 - Deglutição Atípica com Interposição Lingual A interposição l ingual , ou pressionamento lingual atípico, encon- tra-se presente em 100% dos casos com mordida aberta anterior 13. Ela pode ser classificada como primária, quando consiste na causa principal do desen- volvimento da má oclusão, ou secundá- ria, quando a língua apenas adapta-se a uma al teração morfológica já existente, causada pela sucção de dedos ou de chupeta 1,8,13,14,17. Nos casos de mordidas abertas causadas por hábitos de sucção, a interposição lingual quase sempre apresenta-se como um fator se- cundário13. Os lábios superiores apre- sentam-se hipotônicos, enquanto a musculatura da língua e do lábio infe- rior mostram-se hipertônicas4. Para que se obtenha um selamento anterior ade- quado para a deglutição, o paciente sente a necessidade de interpor a língua entre os incisivos, o que acaba por agra- var e perpetuar o trespasse vertical ne- gativo e acentuar o trespasse horizontal que porventura exista1,4,9,15. Ainda, quan- do da dicção de certos fonemas, a inter- posição lingual também está presente, acentuando os aspectos negativos mencionados. Contudo, a interposição lingual pode ocorrer também nos casos de hipertrofia das amígdalas palatinas, na região da bucofaringe. Este aumento, que pode acontecer isolada ou conjun- tamente com a obstrução das vias aére- as superiores, gera uma alteração postural da língua e da mandíbula para uma posição mais anterior e inferior. O contato da porção posterior da língua com as amígdalas aumentadas provoca uma sensação dolorosa e a língua aca- ba por ser projetada, num movimento reflexo, para frente e para baixo, inter- pondo-se entre os incisivos e favorecen-do o desenvolvimento de uma mordida aberta anterior (Fig. 7). A interposição da língua devido a hipertrofia das amígdalas palatinas pode ocorrer também na região dos pré-molares e molares, causando uma mordida aberta poster ior 9,11, de prognóst ico de correção pouco favorável e com menor estabilidade de resultados (Fig. 8). Esta condição ocorre frente a perdas precoces de muitos dentes decíduos da região poster ior, durante a fase de desenvolvimento oclusal. Desse modo, a língua perde seu anteparo lateral e acaba se interpondo, durante a deglu- tição, entre os espaços dos dentes pos- teriores, bloqueando a irrupção dos su- cessores permanentes e dando origem à má oclusão clássica denominada de Mordida Aberta Posterior. Alterações morfológicas suscita- das pela interposição lingual A interposição da língua durante a deglutição produz uma inclinação para ves t ibu lar dos inc is i vos superiores e inferiores, aumentando o comprimento do arco dentário, com conseqüentes espaçamentos entre os incisivos. A mordida aberta causada por estas condições caracteriza-se por um formato mais retangular ou difuso, incluindo não só os incisivos, como também os caninos14. 3.1.3 - Respiração Bucal O hábito de respirar pela cavidade bucal acompanha cerca de 83% dos casos de mordida aberta anterior cau- sada por sucção digital ou de chupeta 14, e o ortodontista apresenta condições de detectar tal disfunção na prática clí- nica. Porém, o seu diagnóstico final só pode ser fornecido por um especialista, o otorrinolaringologista. A obstrução das vias aéreas superi- ores e a conseqüente deficiência na res- piração endonasal pode ocorrer por fatores diversos, como: · hipertrofia dos cornetos, devida a rinites alérgicas; · mal-formações septais, como des- vios de septo; · presença de pólipos nos tecidos nasais, que tem como uma das causas fatores alérgicos; · hipertrofia da adenóide e o desen- volvimento de pólipos, cistos e tumores na região da nasofaringe, e · hipertrof ia das amígdalas palatinas, que pressionam o palato mole contra a parede posterior da nasofaringe, diminuindo a passagem de ar proveniente da cavidade nasal. Figuras 8A e 8B - Mordida aberta posterior causada por interposição lingual durante a deglutição 8A 8B MARÇO / ABRIL - 1998VOLUME 3, Nº 2REVISTA DENTAL PRESS DE ORTODONTIA E ORTOPEDIA FACIAL 24 Alterações morfológicas suscita- das pela respiração bucal Essas alterações vão induzindo a cri- ança a desenvolver uma forma alternati- va de respiração pela cavidade bucal, gerando ou acentuando a incompetên- cia labial e da musculatura peribucal. A boca constantemente aberta gera um desequilíbrio local, tanto em nível dentário, como a contínua irrupção dos dentes posteriores, quanto em nível es- quelético, como o aumento da altura facial ântero-inferior, devido à rotação da mandíbula no sentido horário, prin- cipalmente naqueles pacientes que já apresentam um padrão vertical de cres- cimento. Obviamente, a somatória des- ses fatores acaba por agravar o quadro da discrepância vertical anterior. 3.1.4 - Interposição Labial Da mesma forma que para a interposição lingual, o posicionamento do lábio inferior entre os incisivos pode decorrer de uma alteração morfológica já estabelecida, sendo executada com o objetivo de permitir o selamento labial durante a deglutição. A constância des- se hábito também acaba por prolongar a presença da má oclusão. Durante a deglutição atípica, a musculatura hipertônica do músculo mentoniano exerce um forte movimento do lábio in- ferior contra os dentes anteriores da mandíbula, provocando uma retroinclinação dos mesmos, e sobre os dentes anteriores do arco superior, acen- tuando ainda um trespasse horizontal já existente4,9,11. Embora a interposição la- bial seja, em geral, uma adaptação fun- cional às alterações já existentes, reali- zada durante a deglutição, deve-se sali- entar que, em alguns casos, o desenvol- vimento de um trespasse horizontal acentuado pode favorecer a instalação de um verdadeiro hábito de sugar o lá- bio inferior, que traz tanta satisfação sen- sorial ao paciente quanto a sucção do dedo4. 3.2 - Padrão de Crescimento O desenvolvimento de uma mordida aberta anterior, assim como o tipo e a gravidade da má oclusão, encontram- se na dependência, também, do padrão de cresc imento esquelé t ico do paciente. Os indivíduos braquifaciais, que possuem predominância de crescimento no sentido horizontal, raramente desenvolverão este tipo de má oclusão. Nos mesofaciais, que possuem crescimento equilibrado, a mordida aberta pode se desenvolver, mas com boas chances de auto- correção, se não houver a presença de hábi tos secundár ios , como a interposição lingual. Já os indivíduos dolicofaciais, ou seja, que apresentam um crescimento facial excessivamente vertical, considerado como desfavorá- vel nestes casos, são os pacientes pre- dispostos a esse tipo de má oclusão e a sua gravidade pode ser ainda aumen- tada pela ocorrência concomitante de hábitos de sucção, deglutição atípica e respiração bucal 1,8. 4 - CLASSIFICAÇÃO De um modo geral, as mordidas aber- tas anteriores podem ser classificadas em dentárias, dentoalveolares e esqueléticas, conforme as estruturas que afetam. As de natureza dentária são resultantes da in- terrupção do desenvolvimento vertical normal dos dentes anteriores, sem o comprometimento do processo alveolar. Quando este é atingido, significa que a má oclusão evoluiu para dentoalveolar. As mordidas abertas esqueléticas, por sua vez, envolvem displasias craniofaciais e caracterizam-se pela rotação no sentido anti-horário do processo palatino, asso- ciada a um aumento da altura facial ântero-inferior, a um ângulo goníaco ob- tuso, a um ramo mandibular encurtado e à hiperplasia dentoalveolar, tanto da maxila quanto da mandíbula1,2,8. Apesar dessas características esqueléticas serem inerentes ao indivíduo, não se deve es- quecer que, mesmo uma simples mordida aberta de natureza puramente dentária, se não tratada e mantida por hábitos desfavoráveis, pode evoluir para uma má oclusão dentoalveolar, numa fase de dentadura mista e, posteriormente, na dentadura permanente, quando cessa o crescimento facial, acaba assumindo um caráter esquelético. 5 - TRATAMENTO Quando existe uma mordida aberta anterior, vários fatores devem ser consi- derados antes de qualquer intervenção. Primeiramente, deve-se fazer um exame detalhado do paciente para elucidar as possíveis causas relacionadas ao pro- blema, isto é, o que de fato deve ser tra- tado: um problema emocional, um dis- túrbio respiratório, uma alteração fun- cional ou a combinação de todos esses fatores? Feitas essas considerações, deve-se observar a faixa etária do paciente. Como já foi comentado anteriormente, antes dos 4 anos de idade, os hábitos de sucção não devem sofrer interferências, visto que o benefício emocional do mesmo supera os prejuízos funcionais que acarretam. Contudo, nesta fase, mesmo que o problema ortodôntico não seja imediatamente corrigido, é importante que todos os fatores predisponentes da má oclusão sejam eliminados. Se, por exemplo, algum distúrbio respiratório for detectado, deve-se encaminhar o paciente para o otorrinolaringologista para avaliação e tratamento, pois o sucesso e a estabilidade da correção das mordidas abertas dependem do restabelecimento da respi- ração nasal 9. Na fase de dentadura mista torna-se importante intervir diretamente no pro- blema ortodôntico do paciente, pois aumentam as chances de agravamento das alterações dentárias que porventura já tenham se instalado, dificultando a possibilidade de auto-correção4,13,14,15. Para tanto, é necessária a eliminação dos hábitos deletérios e dos problemas fun- cionais associados ao quadro da má oclusão o mais cedo possível. A eliminação espontâneado hábito é sempre mais desejável, diminuindo-se as chances de recidiva após o tratamen- to e o paciente deve ser estimulado a isso 9. Se não houver sucesso com este tipo de abordagem, deve-se recorrer ao auxílio de um psicólogo, ao mesmo tem- po em que a má oclusão é interceptada com aparelhos ortodônticos adequados. Contudo, mesmo que o hábito seja abandonado espontaneamente em uma idade adequada, nem sempre isto MARÇO / ABRIL - 1998VOLUME 3, Nº 2REVISTA DENTAL PRESS DE ORTODONTIA E ORTOPEDIA FACIAL 25 implicará em auto-correção dos distúrbi- os oclusais, principalmente quando já estiverem instalados hábitos secundários, como a interposição lingual e/ou labial15. Se a auto-correção não ocorrer, deve-se interceptá-los adequadamente, evitando- se, assim, o seu agravamento. A abordagem ideal deve ser de caráter multidisciplinar. Este conceito significa que o clínico geral, o odontopediatra e o ortodontista não devem trabalhar isoladamente, mas, de preferência, com o auxílio profissional de fonoaudiólogos, otorrinolaringologistas e de psicólogos, se necessário 4,9,11. Voltando-se para a Ortodontia, mais especificamente, dentre os procedimen- tos utilizados para a correção das mor- didas abertas anteriores de natureza dentária e dentoalveolar com relação oclusal normal, causadas pelos hábitos de sucção e de interposição de língua, o mais difundido é a utilização da grade palatina, adaptada no arco superior. Esse aparelho pode ser fixo ou removí- vel e a eleição do tipo a ser utilizado de- penderá do grau de colaboração do paciente. A grade palatina é um aparelho pas- sivo que não exerce força alguma sobre as estruturas dentárias, ou seja, funcio- na como um obstáculo mecânico que não só impede a sucção do dedo ou da chupeta, como também mantém a lín- gua numa posição mais retruída, não permitindo sua interposição entre os incisivos, durante a deglutição e a fala 1,5,15. Sua finalidade é de atuar como um “recordatório”, lembrando à criança que ela não deve exercer o hábito15, ao mesmo tempo em que permite que os incisivos continuem a irromper Adicio- nalmente, o arco vestibular que acom- panha o aparelho removível pode ser ativado para corrigir uma inclinação desfavorável desses dentes14. A grade é confeccionada com o fio de aço de 0,6 mm de espessura. Em ex- tensão deve abranger toda a mordida aberta, alcançando, inclusive, a região do cíngulo dos dentes ântero-inferiores. Entretanto, não deve tocar nas estrutu- ras dentárias e nem interferir nos teci- dos moles circunjacentes, assim como não deve interferir nos movimentos man- dibulares exercidos pelos pacientes. Nos casos em que a mordida aberta anterior encontra-se associada a uma mordida cruzada posterior, um recurso bastante utilizado consiste na inclusão de um parafuso expansor na placa de acrílico do aparelho removível, que possibilita a correção das dimensões transversais do arco superior. Pode-se perceber, portanto, que, sendo a grade palatina um aparelho pas- sivo, a normalização da mordida aberta anterior que envolve as estruturas dentárias e alveolares ocorre em função da musculatura peribucal, que produz alterações como a verticalização dos incisivos superiores e a extrusão dentária e do processo alveolar 13. Quando há interposição lingual, o mau posicionamento da língua pode persistir mesmo após a correção da discrepância dentoalveolar, tornando-se necessária uma terapia funcional de reeducação muscular, realizada pelo fonoaudiólogo, juntamente com o tratamento ortodôntico, não sendo preciso esperar sua finalização 6,9. A interceptação da mordida aberta anterior, na fase de dentadura mista, quando apresenta ainda um caráter den- toalveolar, possui um prognóstico favorável. Entretanto, nos casos em que há o envolvimento de componentes esqueléticos na sua composição, nem sempre as compensações dentárias pro- duzidas pelo tratamento ortodôntico tra- zem resultados satisfatórios. Muitas vezes, torna-se necessário combinar um tratamento ortodôntico corretivo com a cirurgia ortognática, para a obtenção de resultados melhores e mais estáveis, es- pecialmente nos pacientes que já ultrapas- saram a fase de crescimento facial intenso 1,5,9. Por fim, deve-se ressaltar, ainda, que, a despeito do tipo de intervenção realiza- da, a recidiva pode ocorrer em qualquer caso de mordida aberta anterior, mesmo quando tratada com cirurgia ortognática1. Porém, quando interceptada ade- quadamente em uma época precoce, eliminando-se todos os seus fatores etiológicos, a estabilidade da correção aumenta significantemente. APRESENTAÇÃO DE UM CASO CLÍNICO O paciente R.S.F., melanoderma, sexo masculino, com 9 anos e 6 meses de ida- de, apresentava uma mordida aberta ante- rior ocasionada por um hábito de sucção de chupeta e interposição lingual (Figs. 9 A-E). O plano de tratamento foi dividido em duas etapas: a ortodontia interceptora, na fase de dentadura mista e a ortodontia corretiva, quando da irrupção total de todos os dentes permanentes. O tratamento interceptor foi realizado com a instalação de uma grade palatina removível, utilizada durante 8 meses consecutivos, durante 24 horas por dia, até a normalização funcional e oclusal da região anterior. Após esse período, o paciente continuou a utilizar o aparelho como contenção, sendo acompanhado a cada 3 meses, até a irrupção dos dentes permanentes, quando, então, o aparelho fixo foi montado (Figs. 10 e 11). Após a finalização do tratamento corretivo foi instalada a contenção inferior (3 x 3) e o paciente passou a usar duas placas de Hawley no arco superior alternadamente: uma sem a grade palatina, durante o dia, e outra, com a grade palatina, durante a noite. Esta última tinha como objetivo impedir a interposição da língua durante o sono, diminuindo as chances de recidiva da mordida aberta anterior (Figs. 12 e 13). MARÇO / ABRIL - 1998VOLUME 3, Nº 2REVISTA DENTAL PRESS DE ORTODONTIA E ORTOPEDIA FACIAL 26 Figura 9 - Paciente com M.A.A. antes do tratamento ortodôntico - fase de dentadura mista Figura 9A - Vista frontal do paciente Figura 9B - Vista lateral do paciente Figura 9C - Aspecto intrabucal lateral direito Figura 9D - Aspecto intrabucal lateral esquerdo Figura 9E - Aspecto intrabucal frontal 9A 9B 9E 9C 9D MARÇO / ABRIL - 1998VOLUME 3, Nº 2REVISTA DENTAL PRESS DE ORTODONTIA E ORTOPEDIA FACIAL 27 10A 10B 10C 10D Figura 11 - Tratamento ortodôntico fixo - dentadura permanente Figura 11A - Aspecto intrabucal lateral direito Figura 11B - Aspecto intrabucal lateral esquerdo 11A 11B Figura 10 - Má oclusão corrigida - final da dentadura mista Figura 10A - Aspecto intrabucal lateral direito Figura 10B - Aspecto intrabucal lateral esquerdo Figura 10C - Vista oclusal superior Figura 10D - Vista oclusal superior com o aparelho de contenção instalado (Placa de Hawley com grade palatina) MARÇO / ABRIL - 1998VOLUME 3, Nº 2REVISTA DENTAL PRESS DE ORTODONTIA E ORTOPEDIA FACIAL 28 Figura 13 - Contenção superior (placa de Hawley com grade palatina) Figura 13A - Aspecto intrabucal lateral direito Figura 13B - Aspecto intrabucal lateral esquerdo Figura 13C - Aspecto intrabucal oclusal superior Figura 13D - Aspecto intrabucal oclusal inferior 12D 12E Figura 12 - Final do tratamento ortodôntico corretivo Figura 12A - Vista frontal do paciente Figura 12B - Aspecto intrabucal frontal Figura 12C - Aspecto intrabucal oclusal superior Figura 12D - Aspecto intrabucal lateral direito Figura 12E - Aspecto intrabucal lateral esquerdo 12A 12C12B MARÇO / ABRIL - 1998VOLUME 3, Nº 2REVISTA DENTAL PRESS DE ORTODONTIA E ORTOPEDIA FACIAL 29 13A 13B 13C 13D REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 01 - ALMEIDA, R.R.; URSI, W.J.S. 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