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Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 1 ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE Feito por: Anderson Amaral – Medicina (2008.2) A atenção primária (após implementação do SUS, passou a ser denominada atenção básica à saúde), refere- se a um conjunto de práticas em saúde, individuais ou coletivas. Atualmente, a atenção primária à saúde é considerada a base de um novo modelo assistencial de sistemas de saúde que tenham em seu centro o usuário-cidadão. A Atenção Primária em Saúde é denominada em geral, como a atenção ambulatorial de primeiro nível, ou seja, os serviços de primeiro contato do paciente com o sistema de saúde, direcionados a cobrir afecções e condições mais comuns e a resolver a maioria dos problemas de saúde de uma população. Há 3 linhas de interpretação para o emprego da expressão atenção primária à saúde: 1- Programa focalizado e seletivo, com certa restrição de serviços; 2- Um dos níveis de atenção, que corresponde aos serviços ambulatoriais médicos não-especializados de primeiro contato, incluindo ou não amplo espectro de ações de saúde pública e de serviços clínicos direcionados a toda a população; 3- De forma abrangente, uma concepção de modelo assistencial e de organização do sistema de saúde. Nos países europeus, a atenção primária refere-se, de modo geral, aos serviços ambulatoriais de primeiro contato integrados a um sistema de saúde de acesso universal, diferentemente do que se observa nos países periféricos, nos quais a atenção primária corresponde também, com frequência, a programas seletivos (programas com serviços restritos, que visa cobrir determinadas necessidades de grupos populacionais), focalizados e de baixa resolutividade. A Conferência Internacional sobre Atenção Primária em Saúde ocorrida em 1978 na cidade do Cazaquistão, chamada Alma-Ata, a atenção primária foi entendida como atenção à saúde essencial, fundada em tecnologias apropriadas e custo-efetivas, primeiro componente de um processo permanente de assistência sanitária, cujo acesso deveria ser garantido a todas as pessoas e famílias da comunidade mediante plena participação. Essa conferência foi um importante evento que contou com representações de 134 governos (o Brasil esteve ausente) e recebeu mais de três mil delegados. O documento Declaração de Alma-Ata foi aprovado, sendo ratificado pela OMS em 1979, que lançou em âmbito mundial a Estratégia de Saúde para Todos no Ano 2000 (alcance de um nível de saúde que permitisse vida social e economicamente produtiva). ATENÇÃO PRIMÁRIA: À SAÚDE: CONCEITOS E ABORDAGENS Conferência de Alma-Ata e as bases para uma Atenção Primária à Saúde abrangente Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 2 A Declaração de Alma-Ata afirma a responsabilidade dos governos sobre a saúde de seus povos por meio de medidas sanitária e sociais, reiterando a saúde como direito humano fundamental e uma das mais importantes metas sociais mundiais. Abordagem de Atenção Primária em Saúde na Declaração de Alma-Ata sobre Cuidados Primários de Saúde: A saúde é direito humano fundamental. O desenvolvimento econômico e social é de importância fundamental para a plena realização da meta de Saúde para Todos no Ano 2000. A Atenção primária em saúde: Envolve além do setor saúde, todos os setores e aspectos correlatos do desenvolvimento nacional e comunitário, entre estes a agricultura, a pecuária, a produção de alimentos, a indústria, a educação, a habitação, as obras públicas, as comunicações e outros setores; Engloba cuidados essenciais; é baseada em métodos e tecnologias apropriada, cientificamente comprovadas e socialmente aceitáveis; Direciona-se aos principais problemas de saúde da comunidade, proporcionando serviços de proteção, cura e reabilitação, conforme as necessidades; Seu acesso deve ser garantido a todas as pessoas e famílias da comunidade mediante sua plena participação, a um custo que a comunidade e o país possam suportar; Representa o primeiro nível de contato de indivíduos, da família e da comunidade com o sistema de saúde, levando a atenção à saúde o mais próximo possível de onde as pessoas residem e trabalham; Primeiro elemento de um processo permanente de assistência sanitária, “inclui pelo menos: educação, no tocante a problemas prevalecentes de saúde e os métodos para a sua prevenção e controle, promoção da distribuição de alimentos e da nutrição apropriada, previsão adequada de água de boa qualidade e saneamento básico, cuidados de saúde materno-infantil, inclusive planejamento familiar, imunização contra as principais doenças infecciosas, prevenção e controle de doenças localmente endêmicas, tratamento apropriado de doenças e lesões comuns e fornecimento de medicamentos essenciais”. Deve ser apoiada por sistemas de referência integrados, levando à progressiva melhoria da atenção integral à saúde para todos, dando prioridade aos que têm mais necessidades. A Atenção Primária Seletiva designa um pacote de intervenções de baixo custo para combater as principais doenças em países pobres. Inicialmente proposta como estratégia interina e afirmada como complementar às proposições de Alma-Ata, a atenção primária em saúde seletiva difundiu-se, a partir de então destinada a controlar apenas algumas doenças em países em desenvolvimento. Nos anos seguintes à 1979, quatro intervenções – conhecidas como GOBI – passaram a ser difundidas entre os países pobres, com especial suporte da Unicef: 1- G: Acompanhamento do crescimento e desenvolvimento; 2- O: Reidratação oral; 3- B: Aleitamento materno; 4- I: Imunização. A esse pacote restrito foram incorporadas, em alguns programas, as chamadas FFF: 1- F: Suplementação alimentar; 2- F: Alfabetização feminina; 3- F: Planejamento familiar. Atenção Primária Seletiva Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 3 A alfabetização feminina e a elevação do nível de escolaridade das mulheres são tidas como a base de diversas ações em saúde e estão fortemente associadas à redução da mortalidade infantil. Ainda que se reconhecesse a efetividade dessas intervenções, a concepção de APS difundida então pela Unicef foi criticada pelo tecnocratismo – orientando-se por critérios estritamente técnicos de custo-efetividade em considerar questões políticas determinantes – e, principalmente, por desconsiderar a exigência de melhorias socioeconômicas e a importância da garantia das necessidades básicas para a melhoria da situação de saúde das populações. Por exemplo: o uso da terapia de reidratação oral (efetivo no tratamento de diarreias) não poderia substituir medidas específicas de saneamento, como o acesso à rede geral de abastecimento de água e de esgoto, efetivas na promoção da saúde e prevenção de doenças de veiculação hídrica. Durante a década de 1980, a concepção de atenção primária como cesta restrita de serviços básicos selecionados, voltados à população em situação de maior pobreza, passou a ser hegemônica para diversas agências internacionais e hoje é conhecida como atenção primária seletiva. Nesse contexto, pode-se dizer que, no Brasil, o uso do termo ‘atenção básica’ para designar a atenção primária no SUS buscou diferenciar as políticas propostas pelo movimento sanitário, distanciando-as dos programas de APS seletivos e focalizados, difundidos pelas agências internacionais. Após Alma-Ata, o que imperou nos países em desenvolvimento foi a implementação de uma APS seletiva. Atributos da APS Definição Perguntas norteadoras para avaliação do atributo Primeiro contato - Serviços procurados regularmente cada vez que o paciente necessita de atenção em caso deadoecimento ou para acompanhamento rotineiro de sua saúde; - Porta de entrada do sistema de saúde: ponto de início da atenção e filtro para acesso aos serviços especializados. - A equipe de APS é acessível aos usuários na maior parte do tempo? - As famílias percebem que têm acesso à atenção primária adequada? - Exige-se encaminhamento dos profissionais de atenção primária para acesso à atenção especializada? Longitudinalidade - Assunção de responsabilidade longitudinal pelo paciente com continuidade da relação clínico- paciente, ao longo da vida, independentemente da ausência ou da presença de doença. - Exige-se o cadastramento de pacientes a um profissional/equipe/serviço? - As famílias são atendidas pela mesma equipe ao longo do tempo? - Há relação de mútua confiança e conhecimento entre famílias e profissionais das equipes APS? - Meu médico me vê para rotinas preventivas? Abrangência ou integralidade - Reconhecimento de amplo espectro de necessidades, considerando-se os âmbitos orgânicos, psíquicos e sociais da saúde, dentro dos limites de atuação de pessoal de saúde; - Implica oferecer serviços preventivos e curativos e garantir acesso a todos os tipos de serviços para todas as faixar etárias por meio de encaminhamento, quando necessário. - A equipe de saúde é capaz de reconhecer os problemas de saúde dos indivíduos e da comunidade? - Qual a abrangência do pacote de serviços oferecidos? - Os pacientes são referidos para o especialista quando apropriado? - Meu médico cuida da maioria de meus problemas de saúde? Coordenação - Coordenação das diversas ações e serviços essenciais para resolver necessidades menos frequentes e mais complexas; - Se vários médicos estão envolvidos em meu tratamento, meu médico de APS organizo-o? - Há reconhecimento de problemas que demandam atenção constante? - Existem diretrizes formais (protocolos) para a transferência de informações entre médicos da atenção primária e especialistas? São utilizadas na prática? - Há mecanismos de integração da rede? A contra- referência ocorre? Atributos característicos da Atenção Primária à Saúde Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 4 Orientação para a comunidade - Conhecimento das necessidades de saúde da população adscrita em razão do contexto econômico e social em que vive; - Conhecimento da distribuição dos problemas de saúde e dos recursos disponíveis na comunidade; - Participação da comunidade nas decisões sobre sua saúde; - A equipe conhece os problemas da comunidade? - A equipe realiza diagnóstico de saúde da comunidade? - A equipe trabalha com outras organizações para realizar ações intersetoriais? - Representantes da comunidade participam do conselho da unidade de saúde? Centralidade na família - Consideração do contexto e dinâmica familiar para bem avaliar como responder às necessidades de cada membro; - Conhecimento dos membros e de seus problemas de saúde. - Os prontuários são organizados por família? - Durante a consulta, os profissionais pedem informações sobre a saúde de outros membros da família? - Durante a consulta, os profissionais pedem informações sobre as condições socioeconômicas da família? - Os profissionais conhecem os membros da família? Competência cultural - Reconhecimento de diferentes necessidades dos grupos populacionais, suas características étnicas, raciais e culturais, entendendo suas representações dos processos saúde-enfermidade. - A equipe reconhece necessidades culturais essem- ciais? - A população percebe suas necessidades culturais específicas como sendo atendidas? Nessa concepção, os serviços de atenção primária devem estar orientados para a comunidade, conhecendo suas necessidades de saúde; centrar-se na família, para bem avaliar como responder às necessidades de saúde de seus membros; e de ter competência cultural para se comunicar e reconhecer as diferentes necessidades dos diversos grupos populacionais. O primeiro atributo da atenção primária é constituir-se como serviços de primeiro contato, porta de entrada do sistema de saúde, procurado regularmente a cada vez que o paciente precise de atenção em caso de adoecimento ou para acompanhamento rotineiro de sua saúde. Outro requisito é a exigência de encaminhamento por profissionais de atenção primária para acesso à atenção especializada. Desse modo, o serviço de atenção torna-se o ponto de início da atenção, porta de entrada obrigatória, e exerce papel de filtro para acesso aos outros níveis. Sistemas integrados de saúde em que o clínico geral atua como porta de entrada obrigatória são reconhecidos como menos onerosos e mais aptos para conter a progressão dos gastos ambulatoriais. Para que uma atenção integral seja garantida, os serviços de atenção primária devem assumir a responsabilidade pela coordenação das diversas ações e serviços necessários para resolver necessidades menos frequentes e mais complexas. Um programa de atenção primária seletiva: Programa de Agentes Comunitário de Saúde (Pacs). Em 1991, o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (Pacs) foi implantado pela Fundação Nacional de Saúde (FNS), inicialmente nas regiões Norte e Nordeste, em áreas rurais e periurbanas, atendendo às demandas de controle e combate da epidemia de cólera e das demais formas de diarreia com foco na reidratação oral e na orientação à vacinação. A implementação do Pacs teve caráter emergencial e visou dar suporte à assistência básica onde não houvesse condições de interiorização da assistência médica. SUS e redefinição do modelo de atenção à saúde Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 5 Diante da incipiente cobertura médico-sanitária naquelas regiões, os agentes foram capacitados gradualmente para outras atribuições, como por exemplo na identificação de áreas de risco e promoção das ações de proteção à saúde da criança e da mulher. Com atuação de leigos sem formação prévia na área de saúde e elenco restrito de ações, o Pacs correspondiam assim a um programa de atenção primária seletiva. O Programa e a posterior Estratégia de Saúde da Família Durante a década de 1990, o Ministério da Saúde fortaleceu as ações de caráter preventivo com investimentos em programas de ações básicas como parte da estratégia de reorganização do próprio modelo de atenção, visando especialmente à promoção da saúde. A formulação do Programa Saúde da Família foi estimulada por esses antecedentes e se materializou com a Portaria MS n.692, de dezembro de 1993. Na primeira fase, o programa foi implementado principalmente em pequenos municípios e guardou o caráter restritivo de APS, com condições de absorver a demanda reprimida de atenção primária, mas com baixa capacidade para garantir a continuidade da atenção. A partir da Normal Operacional Básica do SUS de 1996, a atenção básica em saúde assumiu a caracterização de primeiro nível de atenção, ou seja, “um conjunto de ações, de caráter individual e coletivo, situadas no primeiro nível de atenção dos sistemas de saúde, voltadas para a promoção da saúde, a prevenção de agravos, o tratamento e a reabilitação”. A NOB 96 teve entre suas principais determinações: Substituir o modelo de alocação de recursos financeiros federais para estados e municípios por nova modalidade de transferências diretas do Fundo Nacional de Saúde para os fundos municipais e estaduais. Fortalecer a capacidade gestora do Estado em nível local, incentivando mudanças no modelo de atenção básica (para reduzir desigualdades de acesso), avançando para além da seletividade e propondo a saúde da família como estratégia. Definir indicadores de produção e de impacto epidemiológico. A NOB 96 estabeleceu um novo modelo de transferência de recursos financeiros federais para estados e municípios: o Piso de Atenção Básica (PAB), com duas variantes – fixo e variável. Fixo: Constitui-se em uma transferência em base per capita para cobertura de atenção básica pelos municípios, isto é: nessa modalidade de repasse, define-se um valor fixo por habitante ao ano. Variável: É composto por incentivos financeiros para a adoção dos programas estratégicos, que em 1998 eram o PSF/Pacs, saúde bucal, assistência farmacêutica básica, combate às carências nutricionais, combate a endemias e vigilância sanitária. Os recursos recebidos pelos municípios por meio do PAB variável, portanto, variam conforme a adoção ou não desses programas pelo município. Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 6 O estímulo ao PSF e à sua adequada implementação passou a ser elemento estratégico permanente para a consolidação do SUS. Segundo Viana e Dal Poz (1998), um dos propósitos do PSF foi colaborar na organização do SUS em seu processo de municipalização, promovendo a integralidade do atendimento e estimulando a participação da comunidade por meio da reorganização das práticas de trabalho. Sua implementação justificava-se pela necessidade de se formarem equipes mínimas de saúde nos municípios em consonância com a prioridade de interiorização do SUS. Muitos aspectos de sua estruturação foram facilitados pela existência prévia do Pacs: Diagnóstico da saúde da comunidade; Planejamento e programação local; Complementariedade entre ações de saúde pública e atenção médica individual; Estímulo à ação intersetorial; Acompanhamento e avaliação. A organização em unidade de Saúde da Família, como modelo de assistência, vai além da prestação de assistência médica individual e deve variar segundo os problemas identificados na área de implantação, agindo na proteção e na promoção da saúde dos indivíduos, dos membros de uma família, sadios ou doentes, de forma integral e contínua. O PSF inicialmente foi implantado como programa focalizado em populações muito pobres com cesta restrita de serviços e baixa articulação com o restante da rede assistencial, mantendo ainda características de uma APS seletiva. Posteriormente, a adoção da Saúde da Família como estratégia deu à APS, no Brasil, um caráter mais abrangente, como modelo para a atenção básica do SUS, que deve estar articulada aos demais níveis e orientar a reestruturação do sistema. A concepção de atenção primária da Estratégia de Saúde da Família preconiza equipe de caráter multiprofissional que trabalha com definição de território de abrangência, adscrição de clientela, cadastramento e acompanhamento da população residente na área. Pretende-se que a Unidade de Saúde da Família (USF) constitua a porta de entrada ao sistema local e o primeiro nível de atenção, o que supõe a integração à rede de serviços mais complexos. Recomenda-se que cada equipe fique responsável por 600 a 1.000 famílias residentes em área geográfica delimitada, sendo função dessa equipe: Conhecer as famílias do seu território de abrangência; Identificar os problemas de saúde e as situações de risco existentes na comunidade; Elaborar programação de atividades para enfrentar os determinantes do processo saúde/doença; Desenvolver ações educativas e intersetoriais relacionadas aos problemas de saúde identificados; Prestar assistência integral às famílias sob sua responsabilidade no âmbito da atenção básica. A Estratégia de Saúde da Família encerra em sua concepção mudanças na dimensão organizacional do modelo assistencial ao: Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 7 Constituir a Equipe de Saúde da Família, multiprofissional e responsável pela atenção à saúde da população de determinado território; Definir o generalista como o profissional médico de atenção básica; Instituir novos profissionais, os ACS, voltados para a atuação comunitária, ampliando assim a atuação da equipe sobre os determinantes mais gerais do processo saúde-enfermidade. - A Equipe de Saúde da Família (ESF) é multiprofissional, composta por um médico generalista, um enfermeiro, um ou dois auxiliares de enfermagem e cinco a seis agentes comunitários de saúde. - Equipe de saúde bucal (ESB tipo I) é composta por cirurgião dentista e auxiliar de consultório dentário e a ESB tipo II também por técnico de higiene dental com trabalho integrado a uma ou duas ESF. Ao se dirigir às famílias e ao seu meio ambiente, as equipes de Saúde da Família devem projetar uma ação contínua, personalizada e ativa com base no estabelecimento de vínculos e criação de compromisso e de corresponsabilidade entre os profissionais de saúde e a população, além de ênfase na atenção integral. Em sua trajetória, o PSF contribuiu para a preservação do papel do Estado brasileiro na organização dos serviços de saúde, ordenando a demanda, direcionando o financiamento e conciliando os interesses organizados em torno da saúde. A implantação do PSF foi acelerada nos municípios de pequeno porte com baixa ou nenhuma capacidade instalada. Todavia, sua implementação foi lenta nos grandes centros urbanos. Em 2006, o Ministério da Saúde editou a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) pela portaria ministerial n.648/GM, de 28 de março, mediante a qual ampliou o escopo e a concepção da atenção básica ao incorporar os atributos da atenção primária à saúde abrangente, colocando-a como porta de entrada preferencial do SUS e ponto de partida para estruturação dos sistemas locais de saúde. A PNAB reconhece a Saúde da Família como modelo substitutivo e de reorganização da atenção básica. A atenção básica é designada, então, como: Um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. É realizada sob a forma de trabalho em equipe, dirigida a populações de territórios delimitados, pelos quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território em que vivem essas populações. Utiliza tecnologia de elevada complexidade e baixa densidade, que deve resolver os problemas mais frequentes e orienta-se pelos princípios de universalidade, da acessibilidade e coordenação do cuidado, do vínculo e continuidade, da integralidade e responsabilização. Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 8 Fundamentos da Atenção Básica – Política Nacional de Atenção Básica Acesso universal e contínuo a serviços de saúde de qualidade e resolutivos, caracterizados como porta de entrada preferencial do sistema de saúde; Efetivação de integralidade em suas várias dimensões, articulando ações programáticas e de atendimento à demanda espontânea, integrando ações de promoção de saúde, prevenção de agravos, vigilância à saúde, tratamento e reabilitação e coordenando o cuidado na rede de serviços; Desenvolvimento de relações de vinculo e responsabilização entre as equipes e a população, garantindo a longitudinalidade. Valorização dos profissionais de saúde por meio de formação e capacitação; Realização de avaliação e monitoramento sistemático dos resultados; Estímulo à participação popular e controle social. A Política Nacional de Atenção Básica se implementa por meio de um conjunto de unidades de saúde que prestam serviços assistenciais. A estrutura da oferta do setor ambulatorial brasileiro é heterogênea, composta por serviços públicos e privados de diversos tipos.No SUS, são ofertados serviços ambulatoriais por postos e centro de saúde, policlínicas de especialidades e ambulatórios de hospitais. A oferta do setor privado é composta por consultórios privados de médicos profissionais autônomos e por clínicas, cujos médicos são empregados assalariados. No setor privado o acesso ocorre mediante desembolso direto ou por planos de saúde, uma vez que a maioria das clínicas privadas estabelece contratos com planos de saúde. Do conjunto de unidade ambulatoriais do SUS, apenas uma parte refere-se à atenção de primeiro nível, correspondendo a serviços de atenção primária. As principais unidade de atenção primária são os postos e centros de saúde, em parte atualmente chamados de Unidades de Saúde da Família. Denomina-se Posto de Saúde a unidade de menor complexidade com atendimento por apenas um médico ou com apenas atuação de pessoal auxiliar. O Centro de Saúde são unidades que prestam atendimento nas especialidades básicas e nos programas de saúde pública, oferecendo serviços de acompanhamento infantil, imunização, atenção pré-natal, controle e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis, tuberculose, hanseníase, acompanhamento de hipertensão e diabetes. Realizam ainda atividades de vigilância epidemiológica, com notificação e investigação de casos. No SUS, a garantia de atenção básica em saúde é de responsabilidade da administração municipal. Os gestores dos sistemas locais de saúde são responsáveis em seu território pela organização e execução das ações de saúde em unidades de saúde próprias. ESTRUTURA DA OFERTA E PRODUÇÃO DE SERVIÇOS DE ATENÇÃO PRIMÁRIA Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 9 O Ministério da Saúde pretende que os serviços de atenção básica sejam a porta de entrada preferencial. Os serviços de primeiro contato podem ser tanto postos e centros de saúde quanto serviços especializados prestados em ambulatórios de hospitais e policlínicas. Postos, centros de saúde e ambulatórios de hospitais são procurados por população de menor renda. Consultórios e clínicas privadas são indicados como serviço de procura regular por pessoas dos estratos populacionais de maior renda. A organização dos fluxos de usuários visando à garantia de acesso a serviços e ações especializados de acordo com as necessidades de saúde é responsabilidade do governo municipal. Contudo, como não há definição de serviço de porta de entrada obrigatória, o sistema não está organizado por níveis de atenção em muitos municípios, e não há um sistema de referência estabelecido. Em parte dos municípios, o acesso ao atendimento especializado é direto, sem necessidade de encaminhamento prévio do médico generalista. Algumas cidades organizaram recentemente seus serviços em uma rede, condicionando o acesso a ações especializadas ao encaminhamento pelos médicos de atenção básica (médico da família, clínico geral, pediatra, ginecologista). Em 2005 o censo mostrou a existência no pais de 55.328 unidades de saúde sem internação, sendo que 43.160 integravam o SUS (41.260 públicas e 1.900 privadas), correspondendo a 78% do total. A maior parte das unidades ambulatoriais corresponde a serviços de atenção primária. Apenas 1/5 (23%) das unidades ambulatoriais realizava ou coletava material para exames, o quem implica dificuldade de acesso com deslocamento do paciente a um serviço específico sempre que lhe for solicitado exame para complementar diagnóstico. 2/3 das unidades do SUS realizam imunização. Contudo, apenas 20% realizam investigações epidemiológicas o que sugere insuficiente responsabilização de tais estabelecimentos por ações de saúde publica imprescindíveis. A dispensação de medicamentos é feita em apenas ¼ das unidades ambulatoriais do SUS, enquanto 1/5 delas faz visitas domiciliares, correspondendo, em sua maioria, a unidades de Saúde da Família. Os serviços de apoio diagnóstico e terapêutico são ofertados pelo SUS em serviços próprios inseridos em centros de saúde, policlínicas e hospitais e por meio de contratos com prestadores privados. A participação de serviços do SUS no conjunto de estabelecimentos de diagnose e terapia é a mais baixa de todos os setores. Serviços de primeiro contato Sistema de referência Oferta de serviços Serviços de apoio diagnóstico e terapêutico Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 10 As unidades que oferecem exclusivamente serviços de laboratório e de apoio à diagnose e terapia, em sua grande maioria, pertencem ao setor privado. Somente 6% são públicas e 38% (4.347) fazem parte da rede SUS. O setor de serviços de diagnose é onde se encontram as maiores dificuldades de acesso aos usuários do SUS. Entre os profissionais de nível superior, a referência maior é o médico, mais precisamente o clínico geral, seguido pelo dentista e pelo enfermeiro. O quantitativo médico desses profissionais por unidade é baixo, sendo próximo a um. Trabalham também nessas unidades: pediatras e gineco-obstetras. Nas unidades de saúde, a atuação de profissionais de nível superior de outras áreas sociais é pouco frequente. Apenas pequena parte das unidades básicas de saúde emprega outros profissionais, como os assistentes sociais. No Brasil, a disponibilidade de profissionais de saúde atuantes em qualquer serviço de saúde – vinculados ao SUS ou à saúde suplementar – apresenta muitas desigualdades regionais, variando de 2,3 médicos por mil habitantes, na região Sudeste, a 0,8 médico/habitante, na região Norte, a mais desfavorecida. A rede ambulatorial do SUS é constituída predominantemente por serviços públicos estatais (96% em 2002). Em 2002, a quase totalidade das unidades ambulatoriais públicas de saúde (96%) pertenciam ao executivos municipais, de forma coerente com o importante processo de descentralização ocorrido desde a segunda metade da década de 1980. No processo de descentralização, as unidades assistenciais de saúde pertencentes aos estados e ao governo federal foram transferidas para os municípios, que passaram a gerenciá-las e financiá-las com os aportes financeiros federais e próprios. A participação do SUS na prestação ambulatorial é muito importante, e estima-se que o sistema financia 73% das consultas médicas contabilizadas no Brasil. Nos últimos anos, a quantidade de consultas médicas realizadas pelo SUS cresceu cerca de 14%, com produção de 461 milhões de consultadas no ano segundo os Indicadores e Dados de Saúde (IDB). Existem acentuadas desigualdades regionais de cobertura por consultas médicas do SUS, com diferenças de cerca de 50%. A população da região Norte é a mais desfavorecida, recebendo apenas 1,9 consulta ao ano, ao passo que a região Sudeste é a de melhor cobertura, com 2,9 consultas ao ano. Recursos humanos Natureza jurídica dos serviços de saúde Utilização Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 11 ATENÇÃO AMBULATORIAL ESPECIALIZADA A lógica de organização do SUS pressupõe a constituição de uma rede de serviços organizada de forma regionalizada e hierarquizada, permitindo um conhecimento maior dos problemas de saúde da população de cada área, favorecendo a realização de ações de vigilância epidemiológica, sanitária, controle de vetores e educação em saúde, além do acesso ao conjunto de ações de atenção ambulatorial e hospitalar em todos os níveis de complexidade. O acesso da população a esta rede deve se dar por meio dos serviços de nível primário de atenção, que precisam estar qualificados para atender e resolver os principais problemas que demandam serviços de saúde. Os que não forem resolvidos neste nível deverão serreferenciados para os serviços especializados ambulatoriais ou hospitalares. A engenharia organizacional do sistema mais difundida equivale à pirâmide clássica, em que o modelo de hierarquização e regionalização do SUS foi originalmente concebido. Outros modelos tecno-assistenciais em saúde permitem concebê-lo como linhas de produção de cuidado, estruturas a partir de projetos terapêuticos, conforme disposto a seguir: Essa última perspectiva toma como possível constituir o campo da atenção especializada como parte de um sistema de cuidados integrais, cumprindo o objetivo de garantir a retaguarda técnica, assumindo a responsabilidade pelos usuários, cujo processo de diagnóstico e tratamento fundamenta-se num vínculo principal com a rede básica, que deve ser preservado. Propõe-se a inverter a lógica dominante nos serviços NÍVEL TERCIÁRIO: atenção hospitalar (resolve cerca de 5% dos problemas de saúde) NÍVEL SECUNDÁRIO: Centros de Especialidade e Serviços de Apoio Diagnóstico Terapêuticoca (resolve cerca de 15% dos problemas de saúde) ATENÇÃO BÁSICA: Unidades Básicas de Saúde e Estratégia de Saúde da Família (resolve mais de 80% dos problemas de saúde) Unidades Básicas, ESF e todo cardápio de serviços Apoio Diagnóstico e terapêutico Medicamentos Serviço de Especialidades Outros serviços Linha de Produção do Cuidado (estruturada por projetos terapêuticos) Usuário Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 12 especializados, modificando a escassa responsabilidade em relação ao processo saúde-doença, a falta de vínculo com o paciente e as relações burocráticas com os demais serviços. Isso, entretanto, não é tarefa fácil, pois se observa na prática o quanto é difícil romper com o modelo hegemônico e redirecionar o enfoque, ainda nitidamente hospitalocêntrico, para a consecução de um sistema ‘redebasicocêntrico’, ou melhor, centrado nas necessidades dos sujeitos/usuários individuais e coletivos. A rede básica conta com uma estrutura permanente e descentralizada, sob a responsabilidade do Estado e à disposição da população. Há uma concepção corrente que tem se tentado implementar no SUS, na qual a atenção básica possui como objetivo resolver os problemas médico-sanitários mais comuns e prioritários (capacidade de resolver cerca de 80% dos motivos que levam alguém a demandar serviços de saúde), constituindo-se na porta de entrada para o acesso aos serviços ambulatoriais especializados e hospitalares de maior complexidade tecnológica. A área de atenção especializada, de uma maneira geral, pode ser conceituada e ao mesmo tempo delimitada pelo território em que é desenvolvido um conjunto de ações, práticas, conhecimentos e técnicas assistenciais caracteristicamente demarcadas pela incorporação de processos de trabalho que englobam maior densidade tecnológica, as chamadas tecnologias especializadas. Enquanto a rede de serviços de atenção básica deve ser extremamente capilarizada com unidades de pequeno porte distribuídas o mais próximo possível de onde os usuários vivem e trabalham, tendo, portanto, como sua principal característica a descentralização, a atenção especializada deve ser preferencialmente ofertada de forma hierarquizada e regionalizada, garantindo a escala adequada (economia de escala) para assegurar tanto uma boa relação custo/benefício quanto a qualidade da atenção a ser prestada. Na rede básica os serviços vão até o usuário, enquanto na atenção especializada os usuários se deslocam até os espaços onde será realizada a produção do cuidado em saúde. Na atenção básica, a maior parte das ações e dos procedimentos a serem realizados é destinada à maioria dos usuários durante quase todo o tempo, atuando de forma mais extensiva. Na atenção especializada, a população-alvo a cada momento é circunscrita a uma parcela da população total, um subconjunto que apresenta naquele instante a necessidade de cuidados diferenciados e muitas vezes intensivos. Dessa forma, a configuração de uma rede regionalizada e hierarquizada é essencial para a garantia da atenção especializada. Os limites entre a atenção especializada e a atenção básica não são precisos. A circunscrição das áreas de responsabilidade de uma e de outra se dá, atualmente, de forma muito heterogênea, determinada por diferentes lógicas. A mais explicita é a do financiamento, pois estabelece diferentes critérios de valoração e de alocação de recursos pelo SUS entre as áreas básicas e as ditas especializadas. Esta mesma lógica corrobora, ainda, as subdivisões em média e alta complexidade, pois se fundamenta na diferença de remuneração. Do ponto de vista de rede assistencial, os serviços de atenção secundária e terciária constituem-se em níveis de referencia para a atenção básica, dentro da lógica de hierarquização e regionalização com que se constituiu o SUS. CONCEITUAÇÃO E DELIMITAÇÃO DO CAMPO DA ATENÇÃO ESPECIALIZADA Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 13 Os serviços ambulatoriais especializados recebem diferentes denominações: Ambulatório de Especialidades Médicas, Núcleo de Especialidades da Saúde, Centro de Referência Especializada etc., de acordo com o momento histórico e as estratégias de comunicação social adotadas pelos gestores públicos. Nestas unidades de saúde, além da oferta de consultas médicas especializadas, os usuários também têm acesso aos principais serviços de apoio diagnóstico e terapêutico. Tem havido algumas distorções importantes em serviços ambulatoriais ofertados em estabelecimentos privados, em particular quando não estão sujeitos a mecanismos de regulação e controle. Por exemplo, a seleção de demanda por enfermidades que resultam em procedimentos mais bem-remunerados na tabela do SUS (ou seja, mais lucrativos), o excesso de pedidos de consultas com outros especialistas e de exames complementares (na maioria das vezes desnecessários) ou a utilização destes serviços para a realização de procedimentos não cobertos pelos planos de saúde ou não autorizados pelas operadoras. A atenção especializada no SUS é segmentada em dois níveis de complexidade: 1- Atenção de média complexidade: De maneira geral, o campo da média complexidade vem sendo compreendido, no âmbito do SUS, pelos procedimentos especializados de menor valor financeiros incluídos nas tabelas do SUS (SAI e SIH); A média complexidade ambulatorial é composta por um conjunto de ações e serviços que visam a atender aos principais problemas de saúde e agravos da população, cujo nível de complexidade da prática clínica demande a disponibilidade de profissionais especializados e a utilização de recursos tecnológicos de apoio diagnóstico e terapêutico que implicam o uso mais intenso para alcançar algum grau de economia de escala, o que acarreta não serem realizados em todos os municípios do país, em grande parte muito pequenos. No Brasil, a oferta de serviços de média complexidade constitui-se em um dos maiores pontos de estrangulamento do sistema e tem sido organizada e financiada com base na lógica de oferta de procedimentos, desconsiderando as necessidades e o perfil epidemiológico da população. Desta forma, a demanda termina sendo condicionada pelo padrão de oferta existente. Há ainda uma baixa capacidade de regulação sobre a oferta e enorme dificuldade na aquisição de serviços em função da defasagem dos valores pagos pelo SUS. Assim, os serviços de média complexidade, em geral, caracterizam-se pela dificuldade de acesso e baixa resolutividade, superposição de oferta de serviços nas redes ambulatorial e hospitalar, concentração em locais de alta densidade populacionale baixo grau de integração entre as ações dos diferentes níveis de complexidade da assistência. 2- Atenção de alta complexidade: Compreende uma rede de serviços de alto custo, que estruturou-se em uma rede de serviços com crescente inclusão de novas tecnologias, com tabela de valores diferenciados (próximas dos valores de mercado) e com padrão de oferta profundamente assimétrico do ponto de vista da distribuição regional. Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 14 A oferta de serviços de alta complexidade do SUS caracteriza-se pelo predomínio do setor privado contratado e dos hospitais universitários, sendo a lógica de organização também baseada na oferta e não na necessidade epidemiológica, com credenciamento pelo SUS realizados sem parâmetros de base populacional, resultando em uma concentração relativa nas grandes cidades. A partir de 2003, foi instituída no âmbito do SUS uma nova política para a alta complexidade, que tem como objetivo propiciar o acesso da população a serviços qualificados de alta tecnologia e alto custo, considerando a integração com a atenção básica e a média complexidade, a diminuição de iniquidades regionais e a cooperação técnica com os gestores municipais e estaduais. No âmbito da atenção especializada (ambulatorial e hospitalar), se concentra uma parcela significativa dos esforços do complexo industrial no desenvolvimento de novas tecnologias, impondo a incorporação tecnológica acrítica verificada no campo da saúde, de uma maneira geral, e no SUS, em particular. São evidentes os ganhos obtidos com a crescente incorporação de diversas tecnologias na atenção à saúde, estando associada à queda da mortalidade. Contudo, o processo de incorporação tecnológica vem sendo, em geral, acrítico e desregulado. Na área de saúde, novas tecnologias agregadas ao sistema não possuem, em geral, caráter substitutivo, mas sim de complementação dos métodos já existentes. O universo existente de tecnologias em saúde excede, consideravelmente, a capacidade de oferta por parte da sociedade, tornando necessária a adoção de escolhas difíceis quanto ao uso de recursos mais ou menos escassos. Observa-se, ainda, ausência de planejamento e regulação vigorosa, principalmente na incorporação de novos equipamentos médicos e implantação de serviços. Torna-se fundamental vislumbrar possibilidade de reversão deste quadro, além da introdução de mudanças substantivas na formação dos profissionais de saúde e da adoção permanente, a incorporação da avaliação tecnológica em saúde (ATS), a utilização de informações sobre custos e resultados das intervenções em saúde contribuindo para o estabelecimento de prioridades para a alocação de recursos, a definição de protocolos assistenciais e diretrizes terapêuticas, o estabelecimento de politicas de incorporação tecnológica, a incorporação de parâmetros assistenciais para a rede de serviços (população adscrita – território de abrangência – linha de cuidado – integralidade da oferta), a realização de planejamento regionalizado de investimentos para viabilizar o acesso com escala adequada, a programação regionalizada e hierarquizada, a efetivação de regulação da oferta de procedimentos, a potencialização dos mecanismos de compra e contratação por parte das esferas da gestão e a transferência de tecnologia possibilitando, inclusive, a produção nacional de equipamentos e insumos. ATENÇÃO ESPECIALIZADA E INCORPORAÇÃO TECNOLÓGICA EM SAÚDE Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 15 Para garantir o acesso aos cuidados especializados, é preciso melhorar a regulação, garantindo fluxos adequados a todos os níveis de complexidade tecnológica de serviços. Tal necessidade se dá de maneira especial nos municípios-pólo, onde a clientela para serviços especializados é maior que da atenção básica, pois além dos habitantes do município, outros – referenciados da área de abrangência regional – somam-se os usuários locais do SUS. Muitas vezes, esses serviços recebem ainda os usuários da saúde suplementar que contam com coberturas parciais de suas operadoras e procuram o SUS para os procedimentos mais caros, ampliando as distorções na utilização dos serviços públicos. A área de atendimento especializado, principalmente de média complexidade, constitui-se em um dos pontos de estrangulamento, com déficits no padrão de oferta que resultam em demanda reprimida, filas e longo tempo de espera ou a não garantia de acesso e oportunidade de utilização dos serviços necessários. A atenção especializada é um campo caracterizado pela enorme autonomia do processo de trabalho, mas que sem regulação (do cuidado e da sua organização) acaba por desresponsabilizar os serviços (e seus profissionais) pelo cuidado com os usuários. É importante destacar que, para ampliar a oferta, o aumento proporcional nos gastos é muito superior ao efetivado na produção, em função dos custos crescentes na área de saúde e da necessidade de elevar os valores da tabela dos procedimentos para induzir a ampliação da sua oferta. O aumento da produção – induzido, em parte, pelos reajustes da tabela dos procedimentos SUS nos últimos anos – não foi suficiente para a qualificação da assistência prestada. Existem problemas históricos e recorrentes a serem resolvidos na assistência ambulatorial de média complexidade, tais como: Ausência de planejamento; Não-observação das necessidades/perfil da população; Acesso baseado na oferta de serviços; Incorporação tecnológica acrítica; Serviços com baixa resolutividade; Baixos investimentos em qualificação profissional; Insuficiência dos parâmetros técnicos e epidemiológicos existentes; Baixa regulação da oferta existente pela gestão pública. A média complexidade tornou-se um dos principais gargalos do SUS, em parte pela forte expansão da atenção básica nos últimos anos, gerando intenso aumento da demanda por SADT (Serviços Auxiliar de Diagnóstico e Terapia) e procedimentos especializados como necessidade identificada a partir da atenção básica. Por outra parte, por representar – ainda em muitas situações – a porta de entrada real do usuário no sistema e também pela existência de um conjunto de inovações tecnológicas em saúde que excede a capacidade de oferta atual Mecanismos de regulação e sistemas de pagamento Atenção especializada ambulatorial: produção e financiamento OS DESAFIOS PARA A ATENÇÃO ESPECIALIZADA Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 16 do SUS. Neste estrangulamento, destacam-se as consultas médicas especializadas e os procedimentos de patologia clínica e diagnóstico por imagem (principalmente radiologia e ultrassonografia). Os sistemas de referência ainda são insuficientemente organizados e os fluxos, pouco regulados. A baixa regulação pode ser evidenciada de forma gritante em determinados procedimentos, como no caso da ressonância magnética. A inadequação na programação da oferta dos serviços e a ausência de integralidade na configuração do perfil assistencial na atenção ambulatorial especializada agravam este cenário. ATENÇÃO HOSPITALAR Os hospitais seguem ocupando um papel-chave na prestação de cuidados de saúde: seja do ponto de vista técnico-assistencial, ao seguirem concentrando os saberes e as tecnologias mais especializadas; seja do ponto financeiro, uma vez que os gastos hospitalares em média representam cerca da metade dos gastos nacionais em saúde; seja também, do ponto de vista simbólico, já que a mídia e a população continuam a enxerga-los de uma forma emblemática, como o lócus privilegiado para o exercício da medicina moderna e a verdadeira expressão de um sistema de saúde.Afinal, é nessas instituições que a maior parte das pessoas continua a nascer, a receber assistência quando em situações mais graves e também a ali morrer. No contexto de reformas dos sistemas de saúde, são notórias as mudanças pelas quais os hospitais têm recentemente passado. Essas mudanças compreendem não só a redefinição do papel da assistência hospitalar nos sistemas de atenção à saúde como a reorganização interna desses estabelecimentos: No âmbito assistencial: Mediante a incorporação de novas tecnologias e a adequação do espaço físico interno, observam-se a implantação e a difusão de novas formas de prestação de cuidados – por exemplo, a cirurgia ambulatorial e o hospital-dia. No âmbito administrativo: As preocupações em torno do uso mais eficiente dos recursos disponíveis têm-se traduzido em um forte movimento em prol de uma maior profissionalização da gestão desses estabelecimentos, acompanhado pela adoção de novas técnicas e ferramentas gerenciais e de modernos sistemas de informação. Hoje são vários tipos de hospitais existentes: Hospitais gerais; Hospitais especializados; Hospitais de emergência; Hospitais de ensino e pesquisa; Hospitais locais Hospitais de referência; Hospitais de agudo; Hospitais de apoio etc. HOSPITAL: CONCEITO E TIPOS Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 17 O termo hospital se refere a um conjunto muito heterogêneo de estabelecimentos de saúde, unidades de diferentes portes, que podem oferecer uma variada gama de serviços e atividades e desempenhar funções muito distintas no âmbito da rede de atendimento à saúde. De toda maneira, por mais diversificadas que sejam esses estabelecimentos preservam uma característica em comum: a prestação de cuidados de saúde a pacientes internados em leitos hospitalares durante as 24 horas do dia. É justamente essa atividade peculiar – a hospitalização – que só pode ocorrer no interior desse ambiente organizacional, que confere a eles uma identidade própria. Ou seja, o que nos permite nomear uma organização como um hospital é a oferta, por parte desta instituição, de serviços de assistência à saúde em regime de internação. Leito hospitalar: Cama numerada e identificada que se destina à internação de um paciente dentro de um hospital. Internação: Forma de cuidado sob a qual os pacientes são admitidos para ocupar um leito hospitalar por um período igual ou maior a 24 horas. A seguir, as definições mais comuns usadas para o termo hospital: Estabelecimento de saúde destinado a prestar assistência médica e hospitalar a pacientes em regime de internação; Estabelecimento com instalações para internação e em condições de oferecer assistência médica e de enfermagem, em regime contínuo 24h ao dia, para o diagnóstico, tratamento e reabilitação de indivíduos adoentados ou feridos que necessitem de cuidados clínicos e/ou cirúrgicos e que, para tal fim, conta com ao menos um profissional médico em seu quadro de funcionários. Em geral, os sistemas de classificação hospitalar fazem uso de um dos seguintes critérios classificatórios: Porte dos estabelecimentos: o Hospitais de pequeno porte – capacidade de até 50 leitos; o Hospitais de médio porte – capacidade de 51 a 150 leitos; o Hospital de grande porte – capacidade de 151 a 500 leitos; o Hospital de capacidade extra – capacidade acima de 500 leitos. Perfil assistencial dos estabelecimentos: o Hospital de clínicas básicas; o Hospital geral; o Hospital especializado; o Hospital universitário; o Hospital de ensino e pesquisa. Nível de complexidade das atividades prestadas: o Hospital de nível secundário; o Hospital de nível terciário; o Hospital de nível quaternário. Papel do estabelecimento na rede de serviços de saúde: o Hospital local; o Hospital regional; Formas de classificação hospitalar Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 18 o Hospital de referência estadual u nacional. É importante advertir que essas diferentes formas de categorização não são mutualmente excludentes, observando-se, por vezes, superposições e ou redundâncias entre essas tipologias. Além disso, os hospitais também costumam ser caracterizados conforme o seu regime de propriedade: Hospitais públicos: Podem ser municipais, estaduais e federais. Hospitais privados: São usualmente classificados com fins lucrativos ou sem fins lucrativos (beneficentes ou filantrópicos). Existem no país alguns sistemas de informações que dispõem de dados referentes aos estabelecimentos hospitalares. Um deles é o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), ao qual todo e qualquer estabelecimento de saúde em funcionamento no território nacional deve se cadastrar e manter seus dados atualizados. O CNES contém informações detalhadas sobre toda a capacidade instalada dos hospitais, como o número e os tipos de leitos (se estão contratados ao SUS e em que quantidade), todo o parque de equipamentos existentes e em uso; se o atendimento à clientela inclui a demanda espontânea ou apenas a referenciada, os turnos de atendimento oferecidos etc. Antes da implantação do CNES, o Ministério da Saúde contratava o IBGE para realizar a Pesquisa Assistência Médico-Sanitária (MAS), que fazia o levantamento dos recursos e da produção dos hospitais. O Sistema de Informações Hospitalares (SIH) contém os dados da Autorização para Internação Hospitalar do SUS (AIH), autorização eu garante o pagamento do procedimento realizado. As AIH contêm as informações relacionadas ao perfil do paciente, à causa da internação e aos procedimentos realizados durante a hospitalização, inclusive o valor pago. Outra fonte de informações importante é a Comunicação de Internação Hospitalar (CIH), instrumento que os hospitais devem preencher para informar ao Ministério da Saúde acerca de todos os procedimentos realizados em ambiente hospitalar que não tenham sido pagos pelo SUS. A CIH contém praticamente as mesmas informações do SIH e é importante para dimensionar a produção hospitalar financiada de forma privada. O hospital é uma instituição bastante antiga na história da humanidade, sendo que ao longo de sua secular trajetória, os estabelecimentos hospitalares passaram por enormes transformações associadas, de um lado, às mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais que se sucederam; de outro, às grandes descobertas científicas e avanços tecnológicos ocorridos na área biomédica. Os registros mais antigos sobre o aparecimento do hospital remontam os primeiros séculos da era cristã, no início do século IV d.C. Os hospitais surgem associados às ordens religiosas e funcionam sob a sua tutela e orientação. Tudo nesses hospitais encontra-se marcado por uma orientação cristã, desde a organização interna, a administração, o suporte econômico até a forma de cuidados dos enfermos Fontes de dados e sistemas de informação sobre hospitais no Brasil EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO HOSPITAL Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 19 A missão dos hospitais na época não se voltava propriamente para a cura de pacientes. A assistência prendia- se mais a salvação espiritual dos homens do que a material. Tais hospitais cumpriam, antes de tudo, um papel no processo de transição entre a vida e a morte. Em uma época na qual a miséria e a enfermidade encontravam-se bastante associadas, o hospital era uma instituição basicamente destinada aos pobres. O processo de expansão dos sistemas nacionais de saúde após a Segunda Guerra, mediante políticas de extensão do acesso e da ampliação da cesta de serviços oferecidos à população, vem acompanhado de umcrescimento em espiral dos custos da assistência. Os gastos em saúde nos países desenvolvidos durantes os anos 60-70 passaram a consumir parcelas crescentes do PIB desses países. Ao final dos anos 70 aponta para a necessidade de uma desaceleração dos gastos em saúde, sob pena do financiamento à saúde torna-se socialmente insustentável. Uma vez que os hospitais encontram-se no centro do modelo de atenção e consomem a maior parcela dos recursos setoriais, é sobre esse segmento assistencial que grande parte das medidas de contenção de gastos adotadas procura incidir. Em simultaneidade à reorientação das políticas de saúde nos países desenvolvidos, a crítica ao modelo hospitalocêntrico ganha maior radicalidade com a declaração final da Conferência Internacional de Atenção Primária, em Alma-Ata, em 1978 e com o lançamento da estratégia “Saúde para todos no ano 2000”. Essa estratégia reafirma a saúde como um direito humano fundamental e sustenta que a universalização do acesso aos serviços de saúde só será possível, caso os sistemas de saúde tomem a atenção primária como a porta de entrada. Mais do que isso, a proposta é de que atenção primária se transforme na base dos sistemas de saúde, base a partir da qual o novo modelo de atenção à saúde deve estar organizado. Resumidamente, pode-se afirmar que as políticas e as ações de reforma, nas últimas décadas do século XX, no âmbito da assistência médico-hospitalar e do funcionamento e gestão dos hospitais, têm suas raízes em duas grandes vertentes: 1- Associada à preocupação, de ordem econômica, com o controle dos gastos sanitários e para tanto, na implementação de medidas de racionalização da oferta de serviços e de modernização da gestão dos serviços de saúde, sobretudo os hospitais. 2- Encontra-se articulada à formulação de um novo modelo de organização do cuidado à saúde, sistema no qual a atenção básica, ao invés da assistência hospitalar, deve ser o centro da assistência. O sistema integrado de serviços de saúde é uma rede integrada de pontos de atenção que permite prestar assistência contínua a determinada população – no tempo certo, no lugar certo, com custo certo e qualidade certa – e que se responsabiliza pelos resultados sanitários e econômicos relativos a esta população. É necessário salientar a importante influência que fatores de ordem demográfica e epidemiológica, bem como os relativos ao desenvolvimento científico e tecnológico desempenharam sobre as mudanças recentes na organização e prestação de serviços médico-hospitalares. O contexto das reformas dos sistemas de saúde e as mudanças recentes na assistência e na gestão hospitalar Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 20 Do ponto de vista demográfico e epidemiológico, verifica-se o progressivo aumento da expectativa de vida e consequente envelhecimento da população, sendo que as doenças agudas e de origem infecciosa tem incidência reduzida e aumenta a prevalência de doenças crônicas degenerativas. Este cenário fortalece a convicção de que o novo modelo de atenção ao invés de concentrar as ações na assistência hospitalar, deve privilegiar a promoção de saúde e prevenção de doenças e, quando necessário, o tratamento ambulatorial. No pós-guerra, uma nova doutrina médica se consolida Não se deve mais mantes os pacientes sob longo tem no hospital, isolados no seu meio sem realizar qualquer tipo de atividade física. O ambiente hospitalar passa a ser considerado potencialmente iatrogênico. Não basta promover mudanças na esfera de financiamento setorial e do pagamento aos prestadores de serviços, tampouco transformar o modelo de atenção à saúde e a organização da rede de atendimento. É preciso que, simultaneamente, se formule e se introduza um novo modelo de gestão, fundado em novas estruturas, regras, incentivos, ferramentas e práticas gerenciais; que induza, de fato, serviços de saúde mais eficientes, que obtenham melhores resultados, oferecendo cuidados seguros e de boa qualidade, do ponto de vista técnico e relacional e a menores custos. Pelas razões anteriormente discutidas, os hospitais convertem-se em um dos principais alvos dessas iniciativas de inovação gerencial, sendo submetidos a um enorme leque de medidas direcionadas para a profissionalização da gestão. Essas ações compreenderam desde o uso mais intensivo de ferramentas e de sistemas de informação gerenciais provenientes da área empresarial – como a abordagem da qualidade total, a reengenharia, o planejamento estratégico e a remuneração de pessoal baseada na performance – até propostas mais sistêmicas de autonomização e instauração de contratos de gestão. As evidências relativas ao processo em curso não dão margem a dúvidas: acompanhando a organização de um novo modelo de atenção à saúde, a assistência hospitalar e os estabelecimentos hospitalares passam por fase de transformações radicais. Encontra-se em gestação um novo hospital, que agora opera integrado a uma rede diversificada de serviços de saúde. Esse novo hospital, necessariamente de maior densidade tecnológica, tem um domínio de ação mais restrito, voltado especificamente para o atendimento aos casos mais graves, que exigem cuidados intensivos. Ao mesmo tempo, aumentam as suas responsabilidades como serviço de retaguarda e de apoio técnico à rede assistencial, como instituição de formação de especialistas e de desenvolvimento da educação permanente e ainda como aspecto de desenvolvimento de projetos de investigação clínica, epidemiológica e administrativa. A instituição hospitalar mais uma vez se renova e segue exercendo um papel importante no sistema de saúde. A fundação do primeiro hospital no Brasil data de 1543, com o nome de Hospital de Todos os Santos e que posteriormente passa à denominação de sua mantenedora, a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Santos, sendo ainda hoje um dos maiores hospitais do país. Somente no final da década de 1960 o país experimentou o verdadeiro advento do modelo de atenção médico-hospitalocêntrico, a partir da política unificada de assistência médico-previdenciária e do modo EVOLUÇÃO RECENTE DA OFERTA HOSPITALAR NO BRASIL Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 21 integrado à lógica do desenvolvimento econômico do regime militar. Naquele período e em pouco anos, o Brasil teve sua rede hospitalar fortemente expandida, a números muito próximos dos existentes atualmente. A rede hospitalar brasileira em apresenta três grandes conjuntos de hospitais, sendo que os três segmentos possuem fatias bastante similares de leitos, todos próximos de 30% do total. 1- Hospitais privados lucrativos; 2- Hospitais privados não lucrativos; 3- Hospitais públicos. O Brasil, quanto ao número de hospitais lucrativos, encontram-se no patamar em comparação a outros países, sendo que há países, como a Holanda, que proíbem a presença de hospitais lucrativos. Nos países menos desenvolvidos, essa participação seria maior que nos países com maior desenvolvimento. De todo modo, registra-se no Brasil uma tendência, que se acentua nas últimas décadas, ao equilíbrio no número de leitos públicos quando comparados aos privados, lucrativos e não lucrativos. Esse fenômeno está associado tanto à diminuição do setor privado – lucrativo e não lucrativo – quanto à expansão do setor público. Em número total de leitos, o país apresenta em 2005 o mesmo número registrado há 30 anos, tendo havido no período um grande incremento de leitos públicos – cerca de 30 mil leitos e, em contrapartida, um fechamento similar de leitos privados – outros 30 mil. Quanto ao número de hospitais, houve no período um crescimento de 35%, saltando de 5.311 para 7.155 estabelecimentos. Houve umaqueda histórica do número médio de leitos no parque hospitalar público, que, em trinta anos, diminuiu para quase 1/3 da média registrada em 1976 – de 124 pra 54 leitos por hospital. Considerando em particular o período a partir de existência do SUS – 1990 – foram abertos 693 hospitais públicos, com média de 34,8 leitos por unidade. Uma explicação a ser considerada é a base municipalista do sistema, fomentando hospitais locais de pequeno porte e limitada densidade tecnológica. Os dados registram que a dinâmica dos hospitais e do número de leitos expressa um aparente paradoxo e muito certamente um grande desafio para o futuro da atenção hospitalar no país. Seria esperado, como ocorre em outros países, a diminuição na relação leitos por habitantes, notória no Brasil, mas acompanhada do incremento tecnológico dos hospitais, o que impõe a existência de hospitais de maior porte médio, dadas duas condições básicas e intercondicionadas: 1- A incorporação de tecnologias ao ambiente hospitalar, que permite tanto procedimentos em menores tempos de internação quanto ambulatorização de procedimentos antes exclusivamente hospitalares; 2- A partir dos serviços extra-hospitalares, a enorme expansão de cobertura e também incorporação tecnológica, gerando alteração importante na demanda para hospitalizações. A demanda, pós- atenção inicial fora do hospital, quando gera demanda para o ambiente hospitalar, tende a exigir maior complexidade assistencial. A essas duas condições básicas somam-se o próprio perfil epidemiológico, alterado por condições demográficas novas, e a emergência de novos fatores de risco a impactar o processo saúde doença. Resulta, Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 22 em síntese, forte tendência para uma menor necessidade de leitos hospitalares, no entanto, obrigatoriamente com maior densidade tecnológica agregada. Ao contrário do observado no Brasil, a escala média de leitos nos hospitais brasileiros, combinada com a diminuição de leitos no total, deveria crescer e não diminuir. Aqui reside o paradoxo e certamente o grande desafio para o futuro imediato da atenção e gestão hospitalar brasileira. O ajuste observado, com diminuição do número de leitos no total, acompanhado de diminuição do número médio de leitos por hospital, não corresponderia ao esperado ajuste na oferta de serviços hospitalares, especialmente quanto às novas exigências tecnológicas e econômicas na atenção e gestão hospitalar. A Autorização de internação hospitalar (AIH) é um instrumento que autoriza e registra no sistema público (SUS) todas as internações realizadas. A partir do sistema AIH registram-se os procedimentos médicos realizados, conhecendo-se a complexidade dos mesmos e os valores de referência pagos pelo SUS aos prestadores hospitalares, sejam eles públicos ou privados, pela respectiva internação. Em 1995, tomando apenas o SUS, foram realizadas 13,275 milhões de internações, decrescendo até atingir 11,291 milhões de internações em 2006. Esta mudança ocorreu decorreu da definição de novos parâmetros de distribuição de AIH e de tetos financeiros para gastos hospitalares por estado. Ao contrário das diretrizes governamentais mais explicitas para os serviços não hospitalares, os hospitais buscam acompanhar as chamadas políticas públicas mais implícitas e aquelas ditadas pelo mercado privado. Enquanto políticas ditas implícitas destaca-se o controle do número de internações combinado com relativo incentivo a internações de maior complexidade e a demandar tecnologias diferenciadas agregadas ao leito. Os hospitais brasileiros estão submetidos a diferentes regimes administrativos e modelos de gestão. Quanto ao regime, entendido este como relacionado à propriedade do patrimônio e ainda às normas administrativas de seu funcionamento, podemos distingui três grandes conjuntos: 1- Caráter público e estatal, integrando a administração pública; 2- Âmbito privado, mas compondo de forma diferenciada funções de interesse público. Este grupo é definido como integrante do terceiro setor, operando para a administração pública mediante condições legais específicas; 3- Também de propriedade privada, tipicamente operando com base nas regras de mercado, podendo ou não, mediante contratos, prestar serviços ao sistema público. No caso brasileiro, é o segmento privado que concentra a maior parte dos hospitais, onde ocorre a maior parcela de internações para o SUS. Dados de 2006 registram no setor privado lucrativo e não lucrativo 57% do total das internações do SUS. A administração pública e o terceiro setor encontram-se representado na figura abaixo. REGIMES ADMINISTRATIVOS E MODELOS DE GESTÃO NOS HOSPITAIS BRASILEIROS Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 23 É reconhecido o quanto os modelos da administração direta, autárquica e mesmo de fundação pública restringem a autonomia aos dirigentes hospitalares nos mais diversos âmbitos administrativos. Este entes, além de integrarem a administração pública, estão submetidos ao regime administrativo exclusivamente público, com os constrangimentos e limites de autonomia impostos por diversas legislações, como por exemplo: Regime jurídico único (na área de pessoal); Lei das licitações (que regula compras e contratos); Lei Orçamentária e Lei da Responsabilidade Fiscal. Embora compondo a administração pública, os demais entes, como empresas e sociedades de economia mista, são regidos pelo direito administrativo privado, ainda que com algumas regras da administração pública. Assim, o regime de pessoal é o da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com a obrigatoriedade do concurso público, o regime de compras e contratos pode ser próprio, obedecidos determinados princípios, o orçamento também é próprio etc. É fato que, muito embora integrem a administração pública, esses entes possuem autonomia administrativa muito próxima daquela típica do setor privado. Especialmente após a Constituição de 1988, as limitações de autonomia para entes da administração direta, autárquica e fundacional aumentaram. No começo dos anos 2000, diversos estudos, ao relatarem diferentes desempenhos entre hospitais, registraram o fato de que, nos hospitais com desempenho superiores, quase sempre é identificada alguma característica que lhes permite alcance de mais autonomia. As atuais formulações governamentais para a administração pública brasileira sugerem um novo ente estatal, com natureza pública e submetida ao regime do direito privado. A sua possível inserção na administração pública está representada na figura abaixo. Novas possibilidades para a gestão hospitalar Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 24 Este novo ente disporia de autonomias nas áreas de gestão de recursos humanos, compras e contratos, patrimonial, orçamentário e contábil. A sua configuração encerra as autonomias já típicas das empresas públicas brasileiras, ressalvando pela natureza fundacional a sua condição para atuação exclusiva em área de natureza social, tais como a saúde, educação, ciência e tecnologia, desporto, cultura e turismo. O hospital, ao integrar sistemas de saúde e no caso particular, exclusivamente o SUS, necessita de elevada integração aos demais componentes do sistema, assegurando que agregue a este outras dimensões além da eficiência, fortemente dependente da autonomia. Dimensões, como acesso, continuidade do cuidado, foco nas necessidades de saúde, complementariedade, somente são alcançáveis mediante mecanismos cooperativos, pactuados entre os agentes do sistema e que integrem de forma consistente o hospital ao sistema de atenção.Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 25 ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA A Política Nacional de Medicamentos (PNM) é o documento oficial que expressa um compromisso do governo com a promoção do uso racional e do acesso da maioria da população a medicamentos essenciais de qualidade assegurada e de eficácia e segurança comprovadas. Trata-se de um guia para a ação, pois estabelece prioridades e metas, assim como as estratégias para cumpri-las. Estabelece também papéis, direitos e obrigações dos diferentes autores envolvidos, sejam eles do setor público ou do privado. Por essa razão, a OMS recomenda que o documento da PNM deve ser fruto de construção coletiva, obtida mediante um processo sistemático de consultas, diálogo e negociações com todas as partes interessadas. Atores e interesses envolvidos em uma PNM: O conceito de medicamentos essenciais é um dos elementos-chave de uma PNM, porque, ao ser aplicado nos setores público e privado assim como nos diferentes níveis do sistema de saúde, promove a equidade e ajuda a definir prioridades para a atenção. O essencial do conceito é que a definição de uma lista com número limitado de medicamentos – cuidadosamente selecionados com base em evidencias cientificas de eficácia e segurança e no perfil epidemiológico da população – promove a racionalidade do uso e melhora a eficiência do sistema de aprovisionamento (“abastecimento de provisões”). Os medicamentos essências são aqueles de máxima importância, básicos, indispensáveis, e devem ser acessíveis em todo o momento, nas doses apropriadas, a todos os segmentos da sociedade. A recomendação da OMS é que uma PNM deve contemplar os seguintes componentes fundamentais: Seleção de medicamentos essenciais; Opções de financiamento; Mecanismos que promovam a acessibilidade do preço (capacidade aquisitiva); Sistemas de abastecimento; Regulamentação e garantia da qualidade; Uso racional; Desenvolvimento de recursos humanos; Pesquisa; Recursos humanos; Avaliação e monitoramento. Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 26 Historicamente, a inserção da assistência farmacêutica nas políticas públicas no Brasil está presente desde a criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) na década de 1930, quando a venda de medicamentos passou a ser definida como atribuição obrigatória das instituições previdenciárias. Posteriormente, com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), a revenda de medicamentos passou a ser feita em drogarias próprias, sindicatos ou empresas conveniadas. Não havia restrições ao elenco de medicamentos oferecidos, e o preço era total ou parcialmente financiado pelo INPS, descontado em folha de pagamento. Outro marco no país em relação às políticas farmacêuticas foi a criação da Central de Medicamentos (CEME) em 1971. A CEME foi criada com o objetivo de promover o acesso a medicamentos às populações de reduzido poder aquisitivo; suas estratégias de ação incluíam o fomento à pesquisa e à produção nacional de medicamentos, inclusive os fitoterápicos, e o desenvolvimento de fármacos. No entanto, a ação mais visível no âmbito dos serviços de saúde foi seguramente a do fornecimento de medicamentos, funcionando como grande licitadora, adquirindo os medicamentos centralizadamente e promovendo sua distribuição nas unidades de atendimento. O Brasil em 1964, por meio de decreto n.53.612, estabeleceu a Relação Básica e Prioritária de Produtos Biológicos e Matérias para Uso Farmacêutico Humano e Veterinário e conta com a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) desde 1975. Uma nova política nacional de medicamentos foi formulada ao final da década de 1990, período no qual o país se encontrava em meio aos esforços de consolidação do SUS. As diferentes opiniões manifestadas pelos pensadores e ativistas no campo dos medicamentos convergiam no diagnóstico de uma série de problemas na assistência farmacêutica, dentre os quais alguns merecem destaque: Do ponto de vista da oferta, o Brasil contava com cerca de 400 empresas, dentre as quais 80 indústrias transnacionais dominavam o mercado. O país encontrava-se também altamente dependente da importação de matérias-primas, em particular os princípios ativos. A incipiente produção nacional de fármacos caracterizava-se como indústria de cópia, sem desenvolvimento importante de produtos novos. Do ponto de vista da demanda, a escalada dos preços dos medicamentos conformava importante barreira ao acesso, em meio ao comércio mal controlado, com realização de práticas comerciais obtusas, com a chamada ‘empurroterapia’, em que o consumidor é induzido, nas farmácias, a comprar produtos de qualidade duvidosa ou dos quais não necessita. A maior parte do financiamento do consumo de medicamentos era realizada com recursos próprios. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 1998 mostram que apesar de os gastos crescerem com a renda, os medicamentos comprometem uma porção maior da renda das famílias mais pobres do que das famílias mais ricas. Contudo, a parcela da população com renda até dois salários mínimos depende exclusivamente do setor público para obtenção dos medicamentos. ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO BRASIL Anderson Amaral – Medicina UFBA – 2008.2 27 Quanto à distribuição pública gratuita de medicamentos: O abastecimento público apresenta falhas e ineficiência, e conta com profissionais com treinamento insuficiente e muitas vezes desmotivados; Constantes faltas de medicamentos; Perdas e desvios; Más condições de estocagem; Processos inadequados de distribuição. Quanto ao mercado privado de medicamentos: Más práticas comerciais e profissionais; Preços inacessíveis à maioria da população. Dando consequência aos princípios da descentralização, a Ceme foi extinta em 1997, em meio a denúncias de corrupção, ineficiência, desabastecimento da rede de saúde e desvio de seus objetivos. Após longo processo de discussão que envolveu representantes dos diferentes segmentos da sociedade com interesse no tema, o Brasil publicou, em 1998, por meio da portaria 3.916 do Ministério da Saúde, a PNM. A ideia é de que seja um guia para as ações na área, orientando a construção de programas, projetos e atividades. A principal vantagem foi a de formalizar um compromisso público do governo com a regulação do setor farmacêutico e com a promoção do acesso a medicamentos, reduzindo os efeitos da descontinuidade administrativa e potencializando os recursos disponíveis. A PNM estabelece 8 diretrizes e 4 grupos de prioridades para o setor, sumariamente apresentado no quadro abaixo: Diretrizes Prioridades Adoção de relação de medicamentos essenciais (Rename). Revisão permanente Regulação sanitária de medicamentos. - Revitalização, a flexibilização de procedimentos e a busca por maior consistência técnico-científica. - Elaboração de procedimentos operacionais sistematizados. - Treinamento. Reorientação de assistência farmacêutica. - Garantia de recursos pelas três esferas para distribuição direta ou descentralizada. - Descentralização plena da aquisição e distribuição de medicamentos. - Financiamento específico para os medicamentos da atenção básica. - Atenção especial ao medicamentos de alto custo. Promoção do uso racional de medicamentos. - Campanhas educativas. - Registro e uso de medicamentos genéricos. - Formulário terapêutico nacional. - Farmacoepidemiologia e farmacovigilância. Desenvolvimento científico e tecnológico. – Promoção da produção de medicamentos. – Garantia de segurança, eficácia e qualidade dos
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