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O Teatro do Oprimido e a Educação Popular do Campo - Emiliana Maria Diniz Marques

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Emiliana Maria Diniz Marques 
 
 
 
 
 
 
TEATRO DO OPRIMIDO E 
EDUCAÇÃO POPULAR DO CAMPO: 
articulações entre o pensamento e a obra 
de Paulo Freire e Augusto Boal, 
com uma experiência em Minas Gerais. 
 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em 
Educação da Faculdade de Educação da Universidade do 
Estado de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção 
do título de Mestre em Educação. Linha de Pesquisa: 
Sociedade, Educação e Formação Humana 
 
Orientador: Prof. Dr. José Pereira Peixoto Filho 
 
 
 
 
Belo Horizonte 
2012 
1 
 
Emiliana Maria Diniz Marques 
 
 
TEATRO DO OPRIMIDO E EDUCAÇÃO POPULAR DO CAMPO: 
articulações entre o pensamento e obra de Paulo Freire e Augusto Boal 
com uma experiência em Minas Gerais. 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
______________________________________________ 
Professor Doutor José P. Peixoto Filho – UEMG 
Orientador 
 
__________________________________________________________ 
Professora Doutora Silvia Balestreri Nunes – UFRS 
Titular 
 
__________________________________________________________ 
Professora Doutora Lourdes Helena da Silva – UFV 
Titular 
 
__________________________________________________________ 
Professora Doutora Vera Lúcia Britto – UEMG 
Titular 
 
__________________________________________________________ 
Professora Doutora Lana Mara de Castro Siman – UEMG 
Suplente 
 
_________________________________________________________ 
Professora Doutora Vânia Aparecida Costa – UEMG 
Suplente 
 
 
 
Belo Horizonte 
2012 
2 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
MARQUES, Emiliana Maria Diniz 
 
 
Teatro do Oprimido e Educação Popular do Campo: articulações entre o pensamento 
e a obra de Paulo Freire e Augusto Boal com uma experiência em Minas Gerais. 
Belo Horizonte: UEMG/FAE, 2012 
188 p. 
 
Dissertação (mestrado) UEMG/FAE 
1. Teatro do Oprimido – Educação Popular – Educação do Campo 
3 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Às oprimidas e oprimidos de todo o mundo. 
 
 
4 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
AGRADEÇO: 
À minha mãe, pela presença diária, incondicional e amor eterno. 
À minha família pela compreensão das minhas ausências. 
As minhas amigas e amigos, de perto e de longe, pela presença cotidiana ou pontual, sempre me 
apoiando e realimentando a esperança necessária nessa caminhada; às vezes com inserções 
práticas, orientando a escrita do Projeto inicial, realizando sua organização sob as normas da 
ABNT, promovendo as conversões em arquivo de PDF, emprestando computadores, pen-drives, 
impressora, oferecendo ajudas variadas, auxiliando na defesa desta dissertação e por aí vai... 
À Silvia, que me conduziu nos primeiros passos com o Teatro do Oprimido. 
Ao secretário José Júlio, pela ética profissional que me manteve no Mestrado. 
À CAPES, pela concessão da Bolsa de Projeto, sem a qual esta mãe pesquisadora não teria 
condições de concluir este trabalho. 
Aos colegas do Mestrado pelo conforto proporcionado, simplesmente em estarmos num mesmo 
barco. 
Ao pessoal do Observatório de Educação do Campo, pelas partilhas. 
Ao José Peixoto, meu orientador, por con-fiar. 
À Boal, Paulo Freire e meu pai (in memorian), pelas suas obras. 
As moradoras e moradores do município de Itatiaiuçu, participantes das oficinas e dirigentes, 
sem os quais este trabalho não teria se realizado. 
À Gizeli, por cuidar com tanto carinho da minha filha neste período. 
À Laura, minha filha, simplesmente por existir em minha vida! 
 
 
Muito obrigada! 
 
5 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Há que se aprender a tirar silêncio das coisas 
Quando uma coisa produz silêncio ela está pronta. 
 
 Mariana Botelho 
 
 
 
Na luta de classes todas as armas são boas: 
 pedras, noites e poemas. 
 
Núcleo de Base da Pedagogia da Terra Augusto Boal 
UFMG, 2005/2010 
 
6 
 
RESUMO 
 
Este trabalho estabelece relações entre o Teatro do Oprimido e a Educação, 
compreendendo algumas contribuições, limites e desafios prático-teóricos apresentados pelo 
método teatral, sistematizado por Augusto Boal, tendo em vista a Educação do Campo na 
atualidade brasileira. Abarca a origem e o desenvolvimento do Teatro do Oprimido, 
considerando o amplo movimento de cultura e educação popular em efervescência no Brasil dos 
anos de 1960 e suas aproximações com a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire. Analisa o 
atual contexto da educação no país, regulada por práticas de reforço a sociedade capitalista, 
dando visibilidade, porém, a ações e movimentos que se estabelecem de modo contra-
hegemônico nesse sistema, destacando o Movimento de Educação do Campo e suas lutas 
reivindicando o direito a uma educação pública, gratuita e de qualidade, pensada a partir do 
contexto do campo, com a participação dos seus sujeitos, vinculada a sua forma de vida, sua 
organização do trabalho, relação com o tempo, valores, saberes, memórias, enfim, considerando 
sua cultura específica e suas necessidades humanas e sociais. E compreende um relato com 
reflexões sobre duas experiências pedagógicas utilizando o método do Teatro do Oprimido, por 
meio de oficinas de Teatro-Fórum: uma realizada no interior de uma escola de Educação de 
Jovens e Adultos, da Rede Municipal de Educação de Itatiaiuçu, em Minas Gerais, e outra na 
comunidade rural de Pedras, deste mesmo município, no ano de 2011. 
 
Palavras-chave: Teatro do Oprimido; Educação do Campo; Educação Popular. 
 
 
 
 
 
 
 
7 
 
ABSTRACT 
 
This work establishes relationships between the Theatre of the Oppressed and Education, 
including some practical-theoretical contributions, limits and challenges presented by the 
theatrical method systematized by Augusto Boal, with a view to Rural People Education in 
Brazil nowadays. It covers the origin and development of Theatre of the Oppressed, considering 
the broad of popular culture and education associations in Brazil, in turmoil of the 1960s and 
their approaches to the Pedagogy of the Oppressed by Paulo Freire. Analyzes the current context 
of education in the country, governed by practical reinforcement of capitalist society, giving 
visibility, however, the actions and movements that are established so that counter-hegemonic 
system, highlighting the Rural People Education Movement and their struggles claiming right to 
public education, designed from the context of the field, with the participation of its people, 
linked to their way of life, its organization of work, relationship with time, values, knowledge, 
memories, finally considering their specific culture and its human and societal needs. It includes 
a report with two reflections on learning experiences using the method of the Theatre of the 
Oppressed, through Forum Theatre workshops: one held inside a school for Youth and Adults, in 
Itatiaiuçu city, in Minas Gerais, and the other on in a rural community, called Pedras, in this 
same city, in 2011. 
 
 
Keywords: Theatre of the Oppressed; Rural People Education, Popular Education. 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
LISTA DE GRÁFICOS E ESQUEMAS 
 
ESQUEMA 1: Árvore do Teatro do Oprimido ............................................................................ 39 
ESQUEMA2: Dramaturgia do Teatro Fórum ............................................................................. 70 
GRÁFICO 1: Percentual de mulheres e homens no 1º Semestre ................................................ 89 
GRÁFICO 2: Percentual de mulheres e homens no 2º Semestre ................................................ 89 
GRÁFICO 3: Faixa etária dos participantes no 1º Semestre ....................................................... 89 
GRÁFICO 4: Faixa etária dos participantes no 2º Semestre ....................................................... 89 
GRÁFICO 5: Local de moradia dos participantes do 1º Semestre ............................................ 147 
GRÁFICO 6: Local de moradia dos participantes do 2º Semestre ............................................ 147 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
9 
 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
ABCAR – Associação Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural 
ABGLT – Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros 
ABL – Associação Brasileira de Lésbicas 
ABRAGAY – Associação Brasileira de Gays 
ACA – Associação de Crédito e Assistência Rural 
 ACMST – Associação Comunitária dos Moradores de Santa Terezinha 
AIA – American International Association for Economic and Social Development 
AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida 
AI-5 – Ato Institucional no 5 
ANTRA – Associação Nacional das Transgêneros 
CBAR – Comissão Brasileiro-Americana de Educação das Populações Rurais 
CEAA – Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos 
CIEPs – Centros Integrados de Educação Pública 
CNBB – Confederação Nacional dos Bispos do Brasil 
CNEA – Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo 
CNER – Campanha Nacional de Educação Rural 
CNM – Confederação Nacional dos Municípios 
CNT – Coletivo Nacional de Transexuais 
CONTAG – Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais 
CPC – Centro Popular de Cultura 
CTO – Centro de Teatro do Oprimido 
CTO-Rio – Centro de Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro 
EDURURAL – Programa de Educação Rural 
10 
 
E.E. – Escola Estadual 
EJA – Educação de Jovens e Adultos 
E.M. – Escola Municipal 
FMI – Fundo Monetário Internacional 
FNEP – Fundo Nacional do Ensino Primário 
GTO – Grupo de Teatro do Oprimido 
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas 
INEP – Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos 
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 
LBL – Liga Brasileira de Lésbicas 
LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros 
MEB – Movimento de Educação de Base 
MCP – Movimento de Cultura Popular 
MOBRAL – Movimento Brasileiro de Educação 
MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra 
OMC – Organização Mundial do Comércio 
ONU – Organização das Nações Unidas 
PRONASEC – Programa Nacional de Ações Sócio-Educativas e Culturais para o Meio Rural 
PSECD – Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto 
PT – Partido dos Trabalhadores 
SOMOS – Grupo de Afirmação Homosexual 
SSR – Serviço Social Rural 
TO – Teatro do Oprimido 
UNE – União Nacional de Estudantes 
 
11 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 13 
 
I. A PROPOSTA DE ESTUDO ................................................................................................ 15 
I.1. Trajetórias intercruzadas: a construção do objeto .......................................................... 15 
I.2. Objetivos, referenciais teóricos, metodologia e desenvolvimento da pesquisa .............. 19 
 
II. RAÍZES E ASAS DESSA HISTÓRIA ................................................................................ 25 
II.1. Educação e cultura popular no Brasil de 1960 e o método Paulo Freire ...................... 25 
II.2. O desenvolvimento do método do Teatro do Oprimido ................................................. 29 
II.3. Relações entre a Pedagogia do Oprimido e o Teatro do Oprimido ............................... 39 
 
III. DESCORTINANDO UMA EDUCAÇÃO NA ATUALIDADE ..................................... 47 
III.1. Na contra-hegemonia do sistema .................................................................................... 47 
III.2. A Educação do Campo e o Teatro do Oprimido ........................................................... 55 
III.3. O Curinga, seu desenvolvimento e desdobramentos: reflexões sobre a 
dramaturgia do Teatro Fórum e o Professor-curinga ............................................................ 66 
 
IV. EM CAMPO, COM O CAMPO, PELO CAMPO ........................................................... 75 
IV.1. O Município, a escola e a comunidade: caracterizando os locais ................................. 75 
IV.2. As contradições do processo: um olhar sobre a oficina teatral na escola .................... 80 
IV.2.1 - O contato inicial e as primeiras oficinas: conhecendo o grupo ................................ 80 
IV.2.2 - O desenvolvimento das oficinas: entre altos e baixos .............................................. 84 
IV.2.3 - A escolha do tema gerador da peça: com poucas palavras ........................................98 
IV.2.4 - As improvisações das cenas e a construção do texto: uma escrita no processo ....... 99 
IV.2.5 - A cenografia, figurinos e adereços: mobilização para reconstrução ...................... 101 
IV.2.6 - O Ensaio de Fórum: uma apresentação para os colegas da escola ......................... 102 
IV.2.7 - A Sessão de Teatro-Fórum: atuação além dos muros da escola ............................. 107 
12 
 
IV.2.8 - O encerramento da oficina: avaliação e integração nas festividades de formatura..109 
IV.3. Ampliando o olhar por meio da comunidade .............................................................. 110 
IV.3.1 - O contato inicial e as primeiras oficinas: a espera pela definição do grupo .......... 110 
IV.3.2 - O desenvolvimento das oficinas: processual .......................................................... 111 
IV.3.3 - A escolha do tema gerador da peça: depoimentos íntimos .................................... 114 
IV.3.4 - As improvisações das cenas e a construção do texto: uma escrita posterior .......... 117 
IV.3.5 – A cenografia, figurinos e adereços: um processo ampliado na comunidade ......... 119 
IV.3.6 - O Ensaio de Fórum: o gosto de uma primeira apresentação .................................. 122 
IV.3.7 - As sessões de Teatro-Fórum: diferentes experiências ............................................ 125 
IV.3.8 - O encerramento da oficina: amigo-oculto e confraternização ................................ 135 
IV.4. Contrapontos e correlações entre os processos escolar e comunitário ...................... 136 
IV.4.1 - Rituais e normas das instituições .............................................................................136 
IV.4.2 - O currículo escolar ................................................................................................. 138 
IV.4.3 - Um fórum educativo com aprendizagem por modelo ............................................ 139 
IV.4.4 - Delineando limites para o Teatro do Oprimido na escola ...................................... 141 
IV.4.5 - A ação da comunidade ........................................................................................... 145 
 
V. UMA ARMA VÁLIDA: A GUISA DE CONCLUSÃO ................................................... 148 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 154 
 
SITES ........................................................................................................................................159 
 
ANEXOS .................................................................................................................................. 160 
Texto da peça Foi sem querer querendo ................................................................................. 160 
Texto da peça Igual à família da gente ................................................................................... 174 
Versão colorida do cartaz da peça Foi sem querer querendo, impresso em camisas.......... 186 
Versão em preto e branco do cartaz da peça Foi sem querer querendo............................... 187 
Cartaz de divulgação da peça Igual à família da gente ......................................................... 188 
 
 
13 
 
INTRODUÇÃO 
 
Esta dissertação de Mestrado, organizada em cinco capítulos, apresenta um estudo 
elaborado a partir de uma pesquisa desenvolvida, ao longo de 2010 e 2011, abarcando possíveis 
contribuições, limites e desafios colocados pela prática do método do Teatro do Oprimido em 
intervenções pedagógicas escolares e comunitárias, tendo em vista a Educação do Campo no 
Brasil. 
O primeiro capítulo delineia um rápido panorama das experiências pregressas da autora 
com o aprendizado e a prática do Método do Teatro do Oprimido que permitiram formular as 
questões para esse estudo. Expõe, ainda, seus objetivos, os principais referenciais teóricos 
adotados, a metodologia utilizada para a pesquisa e o desenvolvimento desta, numa escola de 
Educação de Jovens e Adultos (EJA) da Rede Municipal de Itatiaiuçu - MG, e em um povoado 
rural do mesmo município. 
O segundo capítulo compreende uma análise histórica do amplo movimento de educação 
e cultura popular manifesto no país na década de 1960, apresentando o período de surgimento da 
Filosofia Educacional de Paulo Freire e o desenvolvimento do Teatro de Augusto Boal até os 
dias atuais, com estabelecimento de relações entre as obras desses dois mestres, a Pedagogia do 
Oprimido e o Teatro do Oprimido, no que tange a educação libertadora, a conscientização dos 
oprimidos e a mobilização para transformação das estruturas sociais opressoras. 
O capítulo terceiro apresenta uma contextualização do atual momento histórico e suas 
interfaces com a educação, ratificando a prática do Teatro do Oprimido na contra-hegemonia das 
ações neoliberais do mundo ocidental capitalista. Explicita o conceito de Educação do Campo e 
sua proposta de escola e sociedade, ressaltando que os dados estatísticos são reveladores das 
desigualdades educacionais do campo em comparação com o meio urbano; a partir dessas 
concepções, ratifica a inserção do Teatro do Oprimido nas lutas da Educação do Campo no país. 
Em seguida, promove reflexões sobre o desenvolvimento do Curinga no referido método teatral, 
com desdobramentos sobre a dramaturgia do Teatro Fórum e o Professor-curinga. 
Dedicado ao trabalho de campo, o quarto capítulo revela um pouco do município, da 
escola e da comunidade onde foram realizadas as intervenções pedagógicas, no ano de 2011. 
14 
 
Explicita o processo de desenvolvimento das duas oficinas de Teatro do Oprimido, juntamente 
com os sujeitos participantes e abarca uma análise de ambas as experiências, considerando os 
dados coletados. 
O último capítulo, escrito a título de conclusão, retoma questões apresentadas ao longo 
texto, lançando luz aos aspectos que potencializam o Teatro do Oprimido enquanto um método 
útil e atual nos processos educacionais do Campo. 
Após a explicitação das referências bibliográficas utilizadas e sites consultados para a 
efetivação deste estudo, apresenta-se, em anexo, os textos das peças de Teatro-Fórum montadas 
nas oficinas da escola e da comunidade e, em seguida, os cartazes elaborados para divulgação 
das encenações de ambas as peças. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
15 
 
I. A PROPOSTA DE ESTUDO 
 
I.1. Trajetórias intercruzadas: a construção do objeto. 
 
 
O contato, conhecimento e trabalho com o método do Teatro do Oprimido, há mais de 
treze anos, em experiências variadas e sua multiplicação em processos sócio-educativos com 
sujeitos de instituições prisionais, comunidade pesqueira e vizinhança de aterro sanitário, no 
Estado do Rio de Janeiro, como também de escolas públicas da Rede Estadual de Ensino de 
Minas Gerais e das Redes Municipais das cidades de Belo Horizonte e de Contagem suscitaram 
muitos dos questionamentos e reflexões que culminaram neste estudo. 
 Ao longo dessas experiências, o Teatro do Oprimido sempre se apresentou como um 
método artístico, político, lúdico, criativo, diversificado, passível de ser utilizado em diferentes 
espaços e instituições, com variados grupos de sujeitos, reconhecidos como oprimidos nas suas 
múltiplas relações sociais de poder. Sua prática possibilitava o conhecimento desses sujeitos e 
seus universos em concomitância com o autoconhecimento da autora
1
; descortinava mundos, 
lançando luz nas opressões sociais, ampliando a consciência sobre as injustiças históricas 
presentes na sociedade. 
Sua versatilidade estética ampliava os universos de pensamento, reflexão, produção 
artística e conhecimento, garantindo o prazer em atividades que uniam trabalho, aprendizagem e 
ação social de modo coletivo e indissociável. A adaptação do método aos diferentes contextos 
apresentados com as circunstâncias específicas de cada oficina teatral estimulava a criatividade e 
aguçava o interesse no seu aprofundamento teórico e desenvolvimento prático. 
 A formação propiciada pelo Teatro do Oprimido e as experiências de multiplicação desse 
método em instituições como presídios, penitenciárias e comunidades variadas possibilitaram um 
distanciamento necessário ao estranhamento de inúmeras práticas do cotidiano escolar, em 
posterior atuação profissional como professora de escolas públicas na região metropolitana de 
Belo Horizonte. 
 
1
 Ao longo do texto há referências à autora ora como mestranda, ora como oficineira das atividades teatrais. 
16 
 
 Esse estranhamento, ainda presente nos dias atuais, perpassa diversas instâncias da 
instituição escolar: seus espaços, arquitetura, móveis e ornamentação; seus modos de 
funcionamento, atividades desenvolvidas e tempo de duração; a forma como as pessoas tratam 
umas as outras, os assuntos das conversas, quando se falam, o que comem, vestem, enfim, como 
se comportam em suas diversas relações. Envolve, também, essa forma convencional de dispor 
uma média de trinta estudantes enfileirados, sentados atrás de suas carteiras, com um professor a 
frente, numa sala de aula fechada, por quatro horas diárias, cinco dias por semana, contrapondo-
se com o recreio ou outras pouquíssimas atividades que fogem a esta rotina física. 
Na alfabetização de adultos, como na post-alfabetização, o domínio da linguagem oral e escrita 
constitui uma das dimensões do processo da expressividade. O aprendizado da leitura e da escrita, 
por isso mesmo, não terá significado real se faz através da repetição puramente mecânica de sílabas. 
Este aprendizado só é válido quando, simultaneamente com o domínio do mecanismo da formação 
vocabular, o educando vai percebendo o profundo sentido da linguagem. Quando vai percebendo a 
solidariedade que há entre a linguagem-pensamento e realidade, cuja transformação, ao exigir novas 
formas de compreensão, coloca também a necessidade de novas formas de expressão. (FREIRE, 
1982, p.24). 
Essa trajetória pregressa a escolar possibilitou diferentes aprendizados condizentes com a 
filosofia freiriana da educação, em oposição a inúmeras práticas dos estabelecimentos escolares 
atuais e do modo como comunmentese estabelecem as relações entre professores e (a)lunos. 
Três aprendizados, em especial, marcaram a forma de agir e conceber uma relação coletiva que 
envolve troca de saberes, ensino e aprendizagem, sob a coordenação de uma liderança. 
O primeiro, na comunidade vizinha ao aterro sanitário do Jardim Gramacho, em Duque 
de Caxias - RJ, ainda como estudante do curso de Psicologia da Universidade Federal do Rio de 
Janeiro, quando o grupo de estagiários universitários retornou revoltado do primeiro encontro da 
oficina teatral, que estivera vazia e os participantes aparentemente pouco atentos ou engajados na 
proposta. O discurso dos estudantes girava em torno do desrespeito ou falta de consideração 
daquelas pessoas que não reconheciam a importância da atividade que lhes era proporcionada. A 
resposta da professora orientadora foi: “Se vocês acreditam que esta atividade é realmente 
importante, então provem, convençam o grupo e garantam o direito de estarem lá”. Naquele 
momento a professora não só relativizava a importância dada pelos estudantes a própria proposta 
como apontava um modo dialogado e horizontal de pautar um relacionamento. 
O segundo aprendizado ocorreu numa orientação dada ao grupo de oficineiros que se 
preparava para ministrar as oficinas teatrais no interior do sistema penitenciário. A orientação 
17 
 
sugeria nunca dizer aos participantes que eles não haviam entendido a proposta de um jogo caso 
este não se desenvolvesse conforme o esperado. Ao contrário, deveria se dizer: “Eu não consegui 
explicar direito”. Aparentemente simples, aquelas palavras invertiam o polo da relação entre 
oficineiro e participante, transformando o olhar sobre a própria prática do ministrante da oficina, 
retirando-o de um local de conhecimento absoluto para um lugar de saber a partir de relações 
compartilhadas. 
 O terceiro aprendizado, presente em todas as oficinas teatrais, advinha da riqueza das 
expressões dos participantes, sua diversidade, criatividade, histórias que se transformavam em 
cena, em arte. O oficineiro atuava muito mais como um coordenador de toda aquela experiência, 
certamente criando junto, mas jamais poderia assumir uma autoria individual sobre o processo 
que era fundamentalmente coletivo. 
 As marcas dessas experiências pregressas fizeram diferença na atuação como professora 
escolar, buscando sempre dialogar sobre as propostas das aulas, conquistando a adesão pelo 
convencimento quanto à validade de uma determinada atividade. Assumia-se a responsabilidade 
sobre uma orientação não compreendida e buscava-se sempre estimular os estudantes nas suas 
múltiplas expressões e potencialidades, motivando a criação, reflexão e pensamento em 
processos coletivos de aprendizagem. 
Em 2009, durante o Encontro Internacional de Curingas, realizado por ocasião de uma 
Conferência Internacional do Teatro do Oprimido, em julho, no Rio de Janeiro, uma participante 
de nacionalidade francesa expunha, junto aos integrantes do Grupo de Trabalho de Educação, 
sua crença sobre a impossibilidade de praticar Teatro do Oprimido em escolas, pelos princípios 
opostos que fundamentam estas duas instituições: para ela, o primeiro é voltado para a 
transformação e libertação humana e a segunda para a reprodução social. 
Percebia-se, em sua fala, a dificuldade de inserção do seu trabalho no ambiente escolar, 
de negociação, ocupação e conquista de espaços de atuação, além da falta de liberdade com 
constantes cerceamentos, por parte da direção, no desenvolvimento de suas propostas. Por outro 
lado, sua fala levantava questões pertinentes que mereciam ser mais bem estudadas no que tange 
a prática do TO em escolas, especialmente sobre os riscos de se transformá-lo em mero 
entretenimento, ou mesmo em arma de opressão. 
18 
 
Para uma professora do Ensino Fundamental que diariamente se indignava com situações 
de autoritarismo, arbitrariedade, humilhação, falta de diálogo, xingamentos, maus tratos, 
imposição, medo, ameaça, infantilização de adolescentes e adultos, reprovação, entre outras, 
presentes no ambiente escolar e, constantemente, buscava meios de transformar essas relações 
pautando uma escuta efetiva com estímulo ao diálogo, a autonomia estudantil, o conhecimento 
compartilhado como diferencial, em defesa da garantia e efetivação de uma escola pública com 
educação de qualidade para todas as pessoas, algumas questões se fizeram marcantes e duas 
perguntas principais se colocaram: É possível desenvolver Teatro do Oprimido no interior de 
uma instituição de controle e reprodução social? Quais os limites que se apresentam à sua 
prática? 
Salientamos que diferentes experiências foram e são desenvolvidas com Teatro do 
Oprimido no âmbito escolar no país, desde as primeiras práticas, na segunda metade da década 
de 1980, quando Boal retornou do exílio e promoveu uma capacitação para a multiplicação do 
método em Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs)
2
, no Rio de Janeiro, a convite do 
professor Darcy Ribeiro. Vinte anos depois, nos dois anos anteriores ao seu falecimento, seu 
último trabalho no âmbito de escolas públicas fora desenvolvido com a equipe do Centro de 
Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro (CTO-Rio)
3
, em parceria com o Governo Federal, com o 
projeto Teatro do Oprimido na Escola, em sete municípios do Rio de Janeiro, ao longo de 2007 e 
2008. 
No âmbito acadêmico, a produção de trabalhos com base no Teatro do Oprimido vem 
aumentando nos últimos anos, abarcando diferentes aspectos e práticas deste método, associado à 
educação popular, à educação comunitária, à educação estética, à educação ambiental,à educação 
em direitos humanos, à educação de jovens adultos, à gestão educacional, à psicologia da 
educação, à formação de professores, à ações sócio-educativas, entre outros de tantas áreas. 
Para fins de utilização neste estudo destacamos, primeiramente, Nunes (2004) tecendo 
críticas à prática do Teatro do Oprimido, baseada na filosofia de Deleuze e Guattari; Pedroso 
(2006), revelando o TO como instrumento útil numa educação libertadora; Serpa (2006), 
 
2
 Programa Especial de Educação do Governo do Estado do Rio de janeiro, durante a gestão do governador Leonel 
Brizola. 
3
 Instituição fundada por Augusto Boal no final da década de 1980 dedicada ao estudo, desenvolvimento e 
multiplicação do Teatro do Oprimido. 
19 
 
discutindo a estreita relação entre teatro e educação popular; Teixeira (2007) associando o Teatro 
do Oprimido à Pedagogia do Oprimido, tendo por base ações sócio-educativas; Paranhos (2009) 
também estabelecendo relações entre as obras de Freire e Boal, com foco na formação de 
educadores; Cassiano (2011) discutindo o Teatro do Oprimido como metodologia para resolução 
não violenta de conflitos nas escolas; e Viana (2011), analisando as contribuições desse método 
teatral na Educação de Jovens e Adultos. 
 A proposta inicial de pesquisa para este estudo previa a observação participante do 
desenvolvimento do método do Teatro do Oprimido, com estudantes do Ensino Fundamental, em 
uma escola pública da Rede Municipal de Belo Horizonte. No entanto, um trabalho que seria 
iniciado pela mestranda envolvendo a realização de uma oficina de Teatro do Oprimido, para 
jovens e adultos, na comunidade rural de Pedras, em Itatiaiuçu – MG, mudou o ambiente da 
pesquisa, inserindo os mais oprimidos entre os oprimidos da educação, na ação investigadora, 
uma vez que estatísticas oficiais apontam, no campo, os mais baixos índices no que tange o 
acesso, a permanência e a garantia dos direitos à educação em todas as regiões do Brasil. 
 Entretanto, o interesse em investigar os desafios colocados à prática do Teatro doOprimido no interior de uma instituição escolar impulsionou a proposta de uma segunda oficina 
teatral, numa escola de Ensino Fundamental com EJA. Deste modo, as duas atividades 
constituiriam objeto de investigação, propiciando tecer comparações e contrapontos a partir das 
especificidades constituintes de ambas as instituições: escola e comunidade. 
 Assim, duas novas perguntas emergiam com destaque: Quais os desafios colocados para 
a prática do Teatro do Oprimido no atual contexto da Educação do Campo no Brasil? Quais as 
especificidades reveladas pela prática do Teatro do Oprimido numa intervenção educativa no 
interior de uma instituição escolar e em uma comunidade do campo? 
 
I.2. Objetivos, referenciais teóricos, metodologia e desenvolvimento da pesquisa. 
 
O principal objetivo deste estudo consistiu-se em investigar as relações do Teatro do 
Oprimido com a Educação Popular do Campo, buscando analisar as potencialidades, os limites e 
os desafios prático-teoricos apresentados pelo método do Teatro do Oprimido no contexto 
educacional escolar e comunitário do campo. 
20 
 
Como objetivos específicos buscou-se sistematizar as relações entre o Teatro do 
Oprimido de Augusto Boal e a Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire; investigar as 
especificidades da pratica do Teatro do Oprimido na educação comunitária com pessoas jovens e 
adultas do campo e no interior de uma escola de EJA; e analisar as contribuições pedagógicas do 
Teatro do Oprimido e sua aplicabilidade em processos educativos escolares e comunitários. 
Para a realização deste estudo adotou-se, como principais referenciais teóricos, as obras 
de Augusto Boal e de Paulo Freire, considerando as estreitas relações existentes entre os 
paradigmas do Teatro do Oprimido e da Pedagogia do Oprimido. Para Freire (1987), do “ponto 
de vista crítico, é tão impossível negar a natureza política do processo educativo quanto negar o 
caráter educativo do ato político” (FREIRE, 1987, p.26). Neste sentido, buscou-se desenvolver 
um processo de intervenção educativa com o método do Teatro do Oprimido, concebendo a 
educação como práxis de ação/reflexão/ação sobre o mundo, o conceito de opressão atrelado as 
relações sociais de poder e a prática educativa como ato coletivo de apropriação do 
conhecimento sistematizado e de transformação social. 
Se antes a transformação social era entendida de forma simplista, fazendo-se com a mudança, 
primeiro das consciências, como se fosse a consciência, de fato, a transformadora do real, agora a 
transformação social é percebida como processo histórico em que subjetividade e objetividade se 
prendem dialeticamente. [...] Se antes a alfabetização de adultos era tratada e realizada de forma 
autoritária, centrada na compreensão mágica da palavra, palavra doada pelo educador aos 
analfabetos; se antes os textos geralmente oferecidos como leitura aos alunos escondiam muito mais 
do que desvelavam a realidade, agora, pelo contrário, a alfabetização como ato de conhecimento, 
comol ato criador e como ato político é um esforço de leitura do mundo e da palavra. (FREIRE, 
1987, p.35 - A). 
O mesmo pode-se afirmar quanto à pós-alfabetização, como no caso dos sujeitos 
participantes do processo desta pesquisa. Assim, compreendendo a realidade na relação dialética 
entre objetividade e subjetividade, assumiu-se o dialogo como base de relações horizontais e 
considerou-se tanto o pensamento simbólico quanto o pensamento sensível no processo de 
conhecimento. Como afirma Boal (2009), “Arte não é adorno, palavra não é absoluta, som não 
é ruído, e as palavras falam, convencem e dominam” (BOAL, 2009, p.22). Partiu-se do 
pressuposto que ser humano é ser artista, portanto, todas as pessoas podem fazer teatro e, nesse 
sentido, a arte contribui para a construção da cidadania, sendo cidadão aquele que transforma a 
sua realidade. 
21 
 
Boal insere a arte no âmbito político, reconhece o artístico inerente ao humano. Seu teatro 
é construído como instrumento de participação e transformação social. “Não basta produzir 
idéias: necessário é transformá-las em atos sociais, concretos e continuados. [...] Arte e Estética 
são instrumentos de libertação.” (BOAL, 2009, p. 19). O teatro de Boal é identificado, neste 
trabalho, com as “Epistemologias do Sul”, com os saberes produzidos e invibilizados por se 
oporem a colonialidade do poder, a relação de exploração e aos padrões universais do 
capitalismo eurocentrado. Trata-se de um método à serviço da luta de libertação dos grupos 
sociais oprimidos, indo contra a lógica do mercado, para a qual a dignidade e mesmo a 
sobrevivência do ser humano deixam de ser valor central, afirmando uma posição contra-
hegemônica no sentido boaventuriano do termo (Santos e Meneses, 2010), em consonância com 
a filosofia da educação de Paulo Freire. 
Em congruência com os referencias teóricos adotados, a metodologia utilizada para 
investigação foi a pesquisa participante, com integração da mestranda em todo o processo de 
desenvolvimento do método do Teatro do Oprimido. A escolha deste método científico 
considerou, no bojo do desenvolvimento das ciências humanas, as mudanças de paradigmas 
ocorridos em meados do século XX, com o enfraquecimento da perspectiva positivista de 
pesquisa. A proposta positivista, aplicada às ciências humanas e sociais, considerava os fatos 
humanos como os da natureza, passíveis, portanto, de serem observados e mensurados do mesmo 
modo, submetidos a procedimentos experimentais para determinação de suas causas, com total 
isenção ou objetividade do observador pesquisador. 
Na realidade, o pesquisador não pode, frente aos fatos sociais, ter essa objetividade, apagar-se desse 
modo. Frente aos fatos sociais, tem preferências, inclinações, interesses particulares; interessa-se por 
eles e os considera a partir de seu sistema de valores. [...] E é com esse preconceito que aborda seu 
objeto e sobre ele fará o estudo. Advinha-se, com facilidade que a informação que irá procurar e os 
conhecimentos que daí tirará serão subjetivos. [...] Em ciências humanas, o pesquisador é mais que 
um observador objetivo: é um ator aí envolvido. [...] O fato de o pesquisador em ciências humanas 
ser um ator que influencia seu objeto de pesquisa, e do objeto, por sua vez, ser capaz de um 
comportamento voluntário e consciente, conduz a uma construção do saber cuja medida do 
verdadeiro difere da obtida em ciências naturais. (LAVILLE e DIONNE, 1999, p.34 e 35). 
A pesquisa participante, a qual se refere este estudo, alinha-se a um conjunto de modelos 
de investigação social, originados em alguns países da América Latina, entre os anos de 1960 e 
1980, e rapidamente difundido por todo o continente, agrupados sob diversas nomenclaturas 
22 
 
como “pesquisa-ação”, “pesquisa participativa”, “investigação ação participativa”, entre outras. 
Segundo Brandão e Borges (2007), 
Em sua maioria, elas serão postas em prática dentro de movimentos sociais populares emergentes ou 
se reconhecerão estando a serviço de tais movimentos. [...] Elas se originam e reelaboram diferentes 
fundamentos teóricos e diversos estilos de construção de modelos de conhecimento social através da 
pesquisa científica. Não existe na realidade um modelo único ou uma metodologia científica própria 
a todas as abordagens da pesquisa participante. [...] Entre as suas diferentes alternativas, de modo 
geral, as pesquisas participantes alinham-se em projetos de envolvimento e mútuo compromisso de 
ações sociais de vocação popular. Assim, geralmente, elas colocam face-a-face pessoas e agências 
sociais “eruditas” (como um sociólogo, um educador de carreira ou uma ONG de direitos humanos) 
e “populares” (como um indígena tarasco, um operáriosindicalizado argentino, um camponês semi-
alfabetizado do Centro-Oeste do Brasil ou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra). De 
um modo geral, elas partem de diferentes possibilidades de relacionamento entre os dois polos de 
atores sociais envolvidos, interativos e participantes. (BRANDÃO e BORGES, 2007, p.53). 
O método do Teatro do Oprimido surgiu no mesmo período e espaço geográfico das 
metodologias de pesquisa participante – 1970, na América Latina, - e tal como elas, se afirmou a 
serviço das causas populares pela transformação social. Constituiu-se como um método político-
teatral, que articula a análise crítica da realidade, por meios simbólicos e sensíveis de apreensão 
do mundo, em processos coletivos e dialogados de reflexão, conhecimento e ação social. O seu 
potencial pedagógico também o aproxima das pesquisas participantes que “pretendem ser 
instrumentos pedagógicos e dialógicos de aprendizado partilhado; possuem organicamente uma 
vocação educativa e, como tal, politicamente formadora”. (BRANDÃO e BORGES, 2007, p.57). 
Ambos os métodos do Teatro do Oprimido como das pesquisas participantes abominam a 
neutralidade política, pedagógica ou científica. “Deve-se reconhecer e aprender a lidar com o 
caráter político e ideológico de toda e qualquer atividade científica e pedagógica. A pesquisa 
participante deve ser praticada como um ato de compromisso de presença e de participação claro 
e assumido”, afirmam Brandão e Borges. “Não existe neutralidade científica em pesquisa alguma 
e, menos ainda, em investigações vinculadas a projetos de ação social.” (BRANDÃO e 
BORGES, 2007, p.55). 
Neste trabalho o método do Teatro do Oprimido foi desenvolvido pela mestranda 
pesquisadora num processo que buscou não separar nem hierarquizar sujeito pesquisador e 
sujeito pesquisado; ao contrário, considerou e integrou o saber popular na ação investigadora que 
é também ação educativa e transformadora da realidade presente. 
23 
 
Quanto mais, em uma tal forma de conceber e praticar a pesquisa, os grupos populares vão 
aprofundando, como sujeitos, o ato de conhecimento de si em suas relações com a realidade, tanto 
mais vão superando o conhecimento anterior em seus aspectos mais ingênuos. Deste modo, fazendo 
pesquisa, educo e estou me educando com os grupos populares [...] pesquisar e educar se identificam 
em um permanente e dinâmico movimento (FREIRE, P. 1990, p.36). 
Considerando os novos paradigmas propulsores do desenvolvimento das ciências sociais 
no século passado, reconhecendo suas especificidades no que se refere à observação de pessoas 
em ambientes naturais e nas relações que estabelecem com seus grupos, assume-se que esta 
pesquisa, contrária à lógica positivista de isenção em prol da objetividade científica, não é 
passível de reproduções, apenas de aproximações. 
No fundo é a realidade que importa, mas não é ela que comanda o processo de sua própria 
inteligibilidade. Já a sua existência independente não é senão uma questão. Ela é capaz de nos 
sensibilizar, ela fornece elementos que os sentidos podem captar. Eles serão percebidos, 
apreendidos, colocados como evidência a confirmar ou refutar formulações anteriores. O que não se 
pode esquecer, sob pena de mascar o processo, é que estas formulações estão presentes em todos os 
momentos. Elas guiam a apreensão e a interpretação. Elas fornecem os critérios, apenas em parte 
conscientes segundo os quais alguns aspectos ganham relevância, enquanto outros são esquecidos. 
(Cardoso, 1971, p.5). 
Os dados aqui apresentados são, portanto, frutos de escolhas próprias, objetivas e 
subjetivas, temporárias e em processo, relevantes em determinadas concepções, consciente de 
que um processo participante tem nuances variadas, das quais muitas podem fugir à percepção 
do observador. “Qualquer teoria científica é uma interpretação entre outras e vale pelo seu teor 
de diálogo, não pelo seu acúmulo de certezas.” (BRANDÃO e BORGES, 2007, p.57). 
O desenvolvimento deste trabalho envolveu a realização e observação participante de 
duas oficinas de Teatro do Oprimido ministradas no Município de Itatiauiçu – MG, sendo uma 
na E.M. João Marques Machado, para estudantes da EJA, e outra no Salão Comunitário Jovelina 
Maria de Miranda, ministrada para moradores da comunidade rural de Pedras de Itatiaiuçu. Cada 
oficina teve a duração de oito meses e ocorreu nos meses de maio a dezembro de 2011, com 
periodicidade de um encontro semanal de 3 horas e aproximadamente 18 participantes. 
Contemplou a montagem e apresentações de peças de Teatro-Fórum, envolvendo intervenções da 
platéia em cena, analisadas em suas estratégias de mudança das relações de poder para as 
opressões apresentadas. 
O Teatro-Fórum contém características que o privilegia para um trabalho com pessoas 
que possuem pouco ou nenhum contato com a atividade teatral, quando comparado a outras 
24 
 
modalidades do Teatro do Oprimido. Essas modalidades serão explicitadas em capítulo posterior, 
porém adianta-se que seu processo de montagem abarca os conceitos e prática da Estética do 
Oprimido, trabalhando com o som, a palavra e a imagem; perpassa os jogos e técnicas de Teatro 
Imagem; implica na montagem de uma peça explícita, diferentemente do Teatro Invisível; parte 
de histórias pessoais, contemplando a realidade imediata dos atores e não os fatos retratados na 
mídia, como no Teatro Jornal; não implica técnicas tão introspectivas, como o Arco-Íris do 
Desejo; pode se desenvolver para um Teatro-Legislativo e desdobrar-se em ações sociais 
concretas e continuadas. Esses foram os principais motivos de focá-lo para efeito deste estudo. 
 Como justificativa para realização da pesquisa, apontou-se a atualidade e relevância para 
o campo da educação, contando com sua possível contribuição, em termos acadêmicos, ao 
enfocar o potencial educacional dessa metodologia político-teatral associada a pessoas jovens e 
adultas do campo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
25 
 
II. RAÍZES E ASAS DESTA HISTÓRIA 
II.1. Educação e cultura popular no Brasil de 1960 e o método Paulo Freire 
A educação brasileira da década de 1960 foi marcada por intensos movimentos em prol 
da alfabetização das classes populares, de adultos trabalhadores de áreas urbanas e rurais, rumo à 
sua universalização. Tratou-se de um período que trouxe fortemente a marca da cultura popular 
para o âmbito da educação, sendo o seu conceito associado à consciência política e de classe, 
levando o homem a assumir posição de sujeito no processo histórico e de transformação social. 
Os anos 1960-1964 foram particularmente críticos e criativos em quase tudo. Questionaram-se todos 
os modos de ser brasileiro, de viver um momento da história desse país, de participar de sua cultura. 
Pretendeu-se um projeto que possibilitasse superar a dominação do capital sobre o trabalho e, em 
decorrência, reformular tudo o que dessa dominação decorre. Tudo isso – e muito mais – foi 
repassado e discutido em círculos cada vez mais amplos, das ligas camponesas às universidades. 
Dentre as formas de luta popular que surgiram naqueles anos, ou que neles conseguiram fortalecer, 
uma delas se chamou cultura popular; e ela subordinava outra: a educação popular. Nesse campo, 
tudo se refez e tudo se imaginou criar ou recriar, a partir da conscientização e da politização – ou 
seja, da organização das classes populares. O que se pretendia? Transformar a cultura brasileira e, 
através dela, pelas mãos do povo, transformar a ordem das relações de poder e a própria vida do país. 
Os instrumentos? Círculos de cultura, centros de cultura, praças de cultura, teatro popular, rádio, 
cinema, música, literatura, televisão... sindicatos, ligas...com/para/sobre o povo. Instrumentos que se 
convertiam em movimentos. Às vezes, os mesmos que vinham dos anos 50, como os clubes e as 
escolas radiofônicas, mas redefinidos, reorientados, vistos em novos horizontes, projetados em outra 
dimensão. (FÀVERO, 1983, P. 8 e 9). 
Fávero (1983) organiza diferentes documentos da década de 1960 de autores e 
organizações que discutem e se apropriam do conceito de cultura popular. Dentre esses 
documentos, o da Ação Popular assume o desafio de “fazer com que a cultura passe de arma 
ideológica à instrumento de promoção do homem”, “a espaço de realização do homem”. Em seu 
texto, define cultura popular em termos de comunicabilidade com a população, “suas 
significações, valores, idéias, obras, são destinadas efetivamente ao povo e respondem às suas 
exigências de realização humana em determinada época”. O movimento de cultura popular se 
converte num “movimento para a libertação do homem e só tem sentido na medida em que 
promover o homem não só como receptor, mas principalmente como criador de expressões 
culturais”. (AP/Cultura Popular, 1961). 
A cultura popular foi definida em termos de situação histórica das massas, consciência e 
ação política. “Ela é o conjunto prático teórico que co-determina, juntamente com a totalidade 
26 
 
das condições materiais objetivas, o movimento ascensional das massas em direção à conquista 
do poder na sociedade de classes” (ESTEVAM, 1983, p.39). Para Gullar (1983) a expressão 
“cultura popular”, na década de 1960, assume um sentido novo, demarcando uma posição de 
denúncia aos conceitos de cultura que ocultavam o caráter de classe. “O que define a cultura 
popular, no sentido que apreciamos aqui, é a consciência de que a cultura tanto pode ser 
instrumento de conservação como de transformação social” (GULLAR, 1983, p.52). A cultura 
popular se coloca em termos de problema e transformação social. 
A cultura popular na década de 1960 fora assumida ora como movimento, ora como 
instrumento de luta política em prol das classes populares, agregando diferentes setores e 
entidades político-sociais e culturais no Brasil. 
Não resta dúvida que, se nos mantivermos no plano do juízo estético puro e simples, jamais 
abarcaremos a complexidade desse fenômeno cultural em curso hoje no Brasil. É preciso não 
esquecer, como dissemos antes, que se trata da dramática tomada de consciência, por parte dos 
intelectuais, do caráter histórico, contingente, de sua atividade e do rompimento da parede que 
pretendia isolar os problemas culturais dos demais problemas do país. O escritor, o cineasta, o pintor, 
o professor, o estudante, o profissional liberal redescobrem-se como cidadãos diretamente 
responsáveis, como os demais trabalhadores, pela sociedade que ajudam a construir diariamente, e 
sobre cujo destino têm o direito e a obrigação de atuar. (GULLAR, 1983, p.51). 
No âmbito estudantil um consistente movimento em torno da arte com educação e 
mobilização popular foi desenvolvida pela União Nacional dos Estudantes (UNE), nos Centros 
Populares de Cultura (CPCs), inicialmente no Rio de Janeiro e, posteriormente, em outros 
estados do país. O Manifesto do CPC assume para seus artistas e intelectuais o caminho da “arte 
popular revolucionária”, com o artista se defrontando “com o fato nu da posse do poder pela 
classe dirigente e a conseqüente privação de poder em que se encontra o povo enquanto massa 
dos governados pelos outros e para os outros”. (CPC da UNE / MANIFESTO, 1961). 
Contestando a legitimidade e superioridade de uma arte e cultura das classes dominantes, 
expõe: 
A arte do povo e a arte popular quando consideradas de um ponto de vista cultural rigoroso 
dificilmente poderiam merecer a denominação de arte; por outro lado, quando consideradas do ponto 
de vista do CPC, de modo algum podem merecer a denominação de popular ou do povo. (CPC da 
UNE / MANIFESTO, 1961) 
27 
 
E afirma: “fora da arte política não há arte popular” e “não pode haver dois métodos distintos, 
um para o povo tomar o poder, outro para se fazer arte popular”. (CPC da UNE / MANIFESTO, 
1961). 
Pela investigação, pela análise e o devassamento do mundo objetivo, nossa arte está em condições de 
transformar a consciência de nosso público e de fazer nascer no espírito do povo uma evidência 
radicalmente nova: a compreensão concreta do processo pelo qual a exterioridade descoisifica, a 
naturalidade das coisas se dissolve e se transmuta. Podemos com nossa arte ir tão longe quanto 
comunicar ao povo, por mil maneiras, a idéia de que as forças que o esmagam gozam apenas da 
aparência do em si, nada têm de uma fatalidade cega e invencível, pois são, na verdade, produtos do 
trabalho humano. A arte popular revolucionária aí encontra o seu eixo mestre: a transmissão do 
conceito de inversão da práxis, o conceito do movimento dialético segundo o qual o homem aparece 
como o próprio autor das condições históricas de sua existência.[...] (CPC da UNE / MANIFESTO, 
1961). 
A campanha “De Pé no Chão Também se Aprende a ler”, desenvolvido no Rio Grande do 
Norte, pela prefeitura de Natal, resultado da própria evolução da rede escolar municipal, 
denominou de “padrões culturais alienígenas” àqueles vivenciados pela população brasileira, 
produzidos a partir da história de dominação colonizadora e destinados a manter o povo 
subserviente e passivo, admirando heróis estrangeiros, conhecendo mais a história do povo 
dominador que a nossa, aprendendo a admirar e servir àqueles que aparecem como os “supremos 
defensores dos princípios da democracia e da liberdade no mundo ocidental e cristão”. 
Associa, portanto, cultura popular a dupla função de promover a nossa cultura de modo 
que se sobreponha aos valores culturais estrangeiros e de integrar “o homem brasileiro no 
processo de libertação econômico-social e político-cultural”. Assume um “entrelaçamento 
dialético entre cultura popular e libertação nacional” (De Pé no Chão Também se Aprende a ler. 
Cultura Popular: tentativa de conceituação, 1961). 
O Movimento de Educação de Base (MEB), vinculado à Igreja Católica, caracterizou 
cultura popular como um fenômeno histórico surgindo em sociedades com desníveis culturais 
entre os grupos que a compõem; desníveis promotores de marginalização, impedindo a própria 
comunicação entre os diversos grupos sociais. “Cultura popular no Brasil não é um fenômeno 
neutro, indiferente; ao contrário, nasce do conflito e nele desemboca necessariamente”. 
(MEB/Cultura popular: notas para estudo, 1961). Constitui-se como um movimento 
estreitamente ligado à ação política, visando uma transformação estrutural da sociedade. 
Na prática da educação popular desenvolvida pelo MEB, entre 1961 e 1966, os chamados agentes de 
educação popular (técnicos, professores, monitores, animadores etc.) buscaram caracterizar os 
28 
 
componentes ideológicos das classes populares e organizar em suas elaborações, com graus variáveis 
de manipulação, as ideologias dominadas em suas múltiplas formas de manipulação, empregando 
técnicas, métodos e recursos, muitas vezes simples e artesanais, mas bastante criativos quanto à 
comunicação com o povo. 
Esses instrumentos e meios, na maioria das vezes, utilizaram a própria história e a experiência 
comum das pessoas envolvidas. História e experiência tais como os recursos da tradição oral de 
transmissão de conhecimentos, envolvidos e baseados nas relações afetivas e interpessoais que as 
próprias comunidades possuem e criam para suas formas de sobrevivência no dia-a-dia, por meio do 
trabalho, da religião, do lazer etc., permitindo maior divulgação das ideologias dominadas para 
setores mais amplos da sociedade, ganhando amplitude e conquistando aliados. (PEIXOTO, 2004, p.21 e 22). 
Como percebemos, consolidaram-se no Brasil, no início da década de 1960, diferentes 
movimentos, adquirindo, em conjunto, proporções nacionais, em torno da conscientização, 
politização e mobilização da população, envolvendo diversas organizações e setores sociais, por 
meio da cultura e educação popular, buscando a transformação da estrutura de classes e da 
desigualdade de poder característica da sociedade brasileira. 
O Movimento de Cultura Popular (MCP) de Recife consistiu na criação de escolas para a 
população, aproveitando os espaços e salas de entidades esportivas, religiosas, associações de 
bairros. Em seu Plano de Ação para 1963, baseava-se nos pressupostos de que somente o povo 
poderia resolver os problemas populares, pela supressão de suas causas assentadas nas estruturas 
sociais vigentes, por meio da luta política sobre a realidade objetiva. Paulo Freire participou do 
MCP desde sua fundação. Segundo Gadotti (2006): 
A sociedade brasileira e latino-americana da década de 1960 pode ser considerada como o grande 
laboratório onde se forjou aquilo que ficou conhecido como o Método Paulo Freire. A situação de 
intensa mobilização política desse período teve uma importância fundamental na consolidação do 
pensamento de Paulo Freire, cujas origens remontam à década de 1950. (GADOTTI, 2006, p.49) 
Os Círculos de Cultura, a forma como neles se processava um diálogo crítico sobre as 
injustiças sociais, a consciência dos participantes populares sobre a realidade política do seu 
entorno, a visão de Freire sobre a importância de associar tais discussões num processo de 
alfabetização para torná-lo coletivo, criativo e transformador possibilitou-lhe a sistematização do 
seu método. 
A eficácia do método comprovada numa experiência em Angicos – RN, com a efetiva 
alfabetização de 300 trabalhadores em apenas 45 dias, determinaram o convite à Freire para 
consolidar uma proposta de alfabetização de adultos a nível nacional, no governo do Presidente 
29 
 
João Goulart. “Em 1964, estava prevista a instalação de 20 mil círculos de cultura para 2 milhões 
de analfabetos” (GADOTTI, 1991, p.32). A ditadura militar interrompeu todo esse movimento e 
Paulo Freire foi exilado, desenvolvendo seu método em outros países. 
Um método incrivelmente simples que busca no universo vocabular e cultural dos 
educandos as palavras carregadas de significados afetivos e sociais, para propiciam os temas 
geradores da leitura do mundo, da conscientização, da desmistificação da realidade imutável. 
Palavras que serão decodificadas e recodificadas no processo de alfabetização transformando-se 
em inúmeras outras possibilidades, à semelhança da realidade social. 
O grande diferencial do seu método, que traduz uma filosofia da educação, coincide 
alfabetização com conscientização, humanização, libertação; coisas concretizáveis apenas em 
comunhão, com diálogo e reconhecimento do outro como igual, na horizontalidade das relações 
humanas; ação que é práxis, transformação. 
 
II.2. O desenvolvimento do método do Teatro do Oprimido 
No Brasil da década de 1960 assistimos a uma grande mobilização por parte dos 
movimentos sociais e de contra-cultura, apesar dos anos ditatoriais, que tentaram emudecer e 
aniquilar todas as formas de contestação, questionamento ou proposta de mudança, a partir de 
1964. O Teatro do Oprimido surge no final dessa década, a partir das discussões e 
experimentações que permeavam o Teatro de Arena, em São Paulo, opondo-se e apresentando 
resistência a todo aquele contexto autoritário e de censura política. Boal, juntamente com o grupo 
por ele dirigido naquele teatro, mesmo após a instalação da ditadura militar no país, continuaram 
buscando formas de se contraporem e denunciarem aquele estado de coisas, comprometidos com 
propostas de igualdade, justiça social e libertação humana. 
O Teatro de Arena surgiu no início da década de 50, ganhando importância no cenário 
artístico-teatral por coadunar com o movimento de cunho nacionalista, buscando valorizar a 
cultura nacional e retratar a arte e realidade brasileiras, com o objetivo de consolidar uma 
produção artístico-cultural com características nacionais, sem imitar as vanguardas artísticas ou 
reproduzir padrões culturais dos países desenvolvidos. Como afirma Garcia (2007): 
No processo de constituição do engajamento artístico nos anos1950 e 1960, o Teatro de Arena se 
destacou na construção da arte nacional-popular, dialogou com grupos de teatro amador e estudantil, 
30 
 
investiu na produção dramatúrgica brasileira e na formação do elenco e equipe técnica, se preocupou 
com a representação da realidade brasileira e realizou inúmeras atividades artístico-culturais. 
(GARCIA, 2007, p. 8 e 9). 
Importante salientar que essa mudança de padronização do repertório, firmando 
espetáculos de dramaturgos brasileiros, com estética própria começou a se definir na segunda 
metade de 1950, após adquirir sua própria sede. Data desta época a contratação de Augusto Boal, 
a organização do primeiro Seminário de Dramaturgia e a parceria com o Teatro Paulista do 
Estudante. Sua platéia, entretanto, permanecia seleta e “dentro do próprio grupo surgiu a crítica 
de que o Teatro de Arena não conseguia superar os limites do público e, conseqüentemente, 
atingir as massas”. (GARCIA, 2007, p. 9). 
Em sua autobiografia Boal (2000) relembra este momento: “No Arena, nós nos 
limitávamos a mostrar a vida pobre, como éramos capazes de entendê-la. Em cena nos vestíamos 
de operários e camponeses: os figurinos eram autênticos, mas não o corpo que os habitava.” 
(BOAL, 2000, p.177). Conta que, em todo o país, grupos de teatro abandonavam suas plateias 
em busca de novo público, para dialogar e conscientizar o povo. A vontade de buscar “o famoso 
público popular”, do qual tanto se falava, cresceu também no Arena. 
Foi em 1960 que Oduvaldo Vianna Filho (o Vianinha), Chico de Assis e outros 
integrantes se desligaram do Arena e constituiram, no Rio de Janeiro, o primeiro Centro Popular 
de Cultura (CPC), fundado em dezembro de 1961, na sede da União Nacional dos Estudantes 
(UNE) e extinto em março de 1964. Sua proposta baseava-se na experiência do Arena, porém 
buscava concretizar a intenção de atingir e dialogar com o grande público, envolvendo 
estudantes, intelectuais e as camadas populares. A experiência do CPC se espalhou por diversas 
capitais brasileiras. Segundo Boal (2000): 
A ideia do Arena se bifurcou. Os do Rio se enturmaram com intelectuais ligados ao PC (ou não!) 
como Ferreira Gullar, Teresa Aragão, Carlos Estévão, Leon Hirzsman, Armando Costa, João das 
Neves e mais gente boa. Encontraram, na União Nacional dos Estudantes, lar acolhedor. Fundaram o 
Centro Popular de Cultura, de inspiração pernambucana. [...] A cisão do Arena foi fraterna, produto 
de divergências em nossas ideias e não de conflitos em nossos afetos. [...] Mais tarde, quando o CPC 
quis ter seu Seminário de Dramaturgia, foi a mim que recorreram como professor. (BOAL, 2000, p. 
178 e 179). 
Uma crítica à atuação do CPC foi tecida por Chauí (1980) no sentido de contestar a 
“suposição de que o ‘povo fenomênico’ não é capaz de, sozinho, seguir a linha ‘correta’, 
precisando de um front cultural, constituído por aqueles que ‘optaram por ser povo’, só que mais 
31 
 
povo que o povo.” (CHAUÍ, 1980, p. 29). A autora denunciou também a correlata postura dos 
intelectuais que pressupunham a existência e, portanto, o alcance de uma inteligibilidade de 
modo homogêneo na sociedade. Boal (2000) reconheceu essa forma de pensamento e atuação 
nesta instituição. Afirmou: 
Muitos, antes de nós, que praticavam o assim chamado teatro político mensageiro, na verdade praticavam uma 
forma de teatroevangélico: evangelizavam, com doutrinas indiscutíveis, a palavra soberana de uma organização 
ou de um Partido. A grande maioria dos CPCs, a par de suas imensas virtudes jamais assas louvadas, padecia 
dessa doença.”(BOAL, 2000, p.177). 
A superação do teatro político doutrinário por um teatro de diálogo, constituiu uma forte 
preocupação e motivo de buscas e inquietação na vida de Boal, como será mostrado mais 
adiante. 
Boal considerou os anos de 1961 a 1964 como o período mais politizado da História do 
Brasil, ressaltando o efeito miraculoso da renúncia de Jânio Quadros de dinamizar a participação 
popular. Criado por Leonel Brizola, o movimento dos onze estendeu-se por grande parte do 
território nacional. Jango, o primeiro presidente de esquerda, assumiu seu cargo com uma forte 
pressão da população civil contra os militares avessos a sua posse, numa grande campanha pela 
legalidade no país. No campo, as Ligas Camponesas combatiam a escravidão e, nesse período, 
intensificou-se o movimento pela reforma agrária e pela educação, com o propósito de erradicar 
o analfabetismo brasileiro, que atingia um grande contingente de pessoas, trabalhadores dos 
meios urbano e rural. 
1964 foi o ano do Golpe Militar, com as forças reacionárias brasileiras, apoiadas pelos 
Estados Unidos, impondo-se na direção da nação. No entanto, passado o susto inicial, os 
movimentos de resistência voltaram a se organizar. Boal (2000) relembra: “Membros do CPC da 
UNE [...] discutiam no Rio, como nós em São Paulo, a melhor resposta à ditadura. Nosso ponto 
de encontro foi o show-verdade: espetáculo no qual cantores, cantando, contariam suas 
histórias.” (BOAL, 2000, p.224). 
Do bar de Dona Zica e Cartola, no Rio de Janeiro, onde se reuniam estudantes, 
intelectuais e a população em geral em torno de uma boa música popular, comida brasileira e 
resistência política, surgiram os três nomes para o primeiro espetáculo: Nara Leão, Zé Ketti e 
João do Vale. “Opinião foi o primeiro protesto teatral coerente, coletivo, contra a desumana 
ditadura que tanta gente assassinou, torturou, tanto o povo empobreceu, tanto destruiu o que 
32 
 
antes chamávamos Pátria.” (BOAL, 2000, p. 228). Entretanto, para Boal, a estética e a forma 
apresentada nos shows Opinião mantinha a hierarquia teatral que segrega classes, separando 
palco e plateia, mantendo aquele como território sagrado, proibido para as pessoas do público. 
O experimento seguinte determinou uma série de espetáculos intitulada “Arena conta”. 
No palco foram retratadas as histórias de Zumbi, Tiradentes, Bolívar, entre outros. Arena conta 
Zumbi iniciou a série e formalizou o sistema coringa, o qual será explicitado mais adiante. Esses 
espetáculos assumiam uma narração coletiva do grupo contando a história. Os personagens eram 
representados por vários atores e a peça podia, a qualquer momento, ser interrompida pelo 
Coringa
4
. Este, sim, representado sempre pelo mesmo ator, exercia funções variadas no 
espetáculo, inclusive de comentarista, esclarecendo significados escondidos para o público. 
“Começo do diálogo com a platéia, que eu viria mais tarde a desenvolver plenamente com o 
Teatro do Oprimido.” (BOAL, 2000, p.231). 
Das experiências da década de 1960, Boal destacou três momentos, em especial, que o 
fizeram rever a proposta de um teatro político mensageiro, doutrinário, que levava uma palavra 
ao público sem, no entanto, os atores se implicarem, no sentido de correrem os mesmos riscos. 
O primeiro ocorreu após uma apresentação para camponeses no nordeste brasileiro, na 
qual os atores terminavam a peça cantando “A terra pertence a quem trabalha! Temos que dar 
nosso sangue para retomá-la dos latifundiários!” (BOAL, 2000, p.185). Um camponês chamado 
Virgílio convidou os atores para lutarem ao seu lado, contra os jagunços de um coronel invasor 
de terras. Diante da recusa dos atores o senhor concluiu, desenganado, que o único sangue a ser 
derramado era o deles, os camponeses. 
O segundo momento aconteceu no mesmo dia desta apresentação, porém, após a missa 
do anoitecer, quando Boal voltava a pé com o padre Batalha, para a casa paroquial onde estava 
alojado. Na homilia o padre falara: “Dizem que sou padre vermelho. Não é verdade: sou branco 
como minha batina. Mas há de chegar o dia em que minha batina e eu ficaremos vermelhos com 
o sangue dos latifundiários nazistas!” (BOAL, 2000, p.186). No caminho de volta o padre relatou 
a situação desumana dos camponeses no Brasil, muito vivendo em regime de escravidão, pois 
trabalhavam nos latifúndios a troco de suprimentos, gerando dívidas com os coronéis que só 
 
4
 Em seu primeiro livro, intitulado Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas, Boal utiliza o termo Coringa. 
Posteriormente, vê-se Curinga em suas obras. Neste trabalho será utilizado Coringa para as experiências no Teatro 
de Arena e Curinga para o Teatro do Oprimido. 
33 
 
aumentavam. Padre Batalha afirmava que ser verdadeiramente cristão implicava em tomar 
partido e ele estava disposto a correr os mesmos riscos, junto com os camponeses, na luta pela 
reforma agrária. 
O terceiro episódio desenvolveu-se na apresentação da peça A greve, escrita em um 
Seminário de Dramaturgia, organizado por Boal, no Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André 
- SP. “No final do Seminário cada qual tinha uma peça: a de Jurandir foi a mais elogiada. A 
greve contava greve acontecida na região do ABC, berço do PT. Fiquei eufórico com sua 
capacidade em criar personagens autênticos, como se dizia. Multidimensionais, não estruturas 
ocas.” (BOAL, 2000, p.193). A peça fora montada com recursos do Sindicato e encenada pelos 
operários. 
No dia da apresentação diferentes espectadores identificaram-se com os personagens 
mostrados no palco. Um deles, conhecido por Magro, reconheceu-se no personagem do Gordo. 
Porém, não admitia as palavras ditas pelo Gordo no palco e sentia a necessidade de corrigi-lo, 
justificando-se para os amigos da plateia. Assim, Magro invadiu a cena e, para garantir a 
continuidade do espetáculo, Boal propôs que ambos, o ator do personagem Gordo e o espectador 
Magro, atuassem em cena: o primeiro com o texto da peça, o segundo trazendo sua versão dos 
fatos. “Ainda não era Teatro-Fórum, mas foi um fórum dentro do teatro. [...] Em Santo André 
comecei a pensar em explorar essa fronteira: a verdade da ficção e a ficção da verdade.” (BOAL, 
2000, p.196). 
Boal data o nascimento do Teatro do Oprimido no início dos anos 70, em plena a censura 
da ditadura, com as atividades desenvolvidas, principalmente a partir de textos jornalísticos, no 
Teatro de Arena. Em entrevista à revista Palavra comenta: 
Estava impossível trabalhar, até que em 70 nós começamos uma turnê de ‘Arena Conta 
Zumbi’ pelos Estados Unidos e México, estabelecendo elos pra ter apoio fora, para 
denunciar a ditadura. Na volta me lembrei de uma ideia que tive com o Vianinha: ler os 
jornais pela manhã, ensaiar as cenas à tarde e apresentar à noite. (BOAL, apud Araújo, 
2000, p.100). 
O denominado Teatro Jornal promovia a leitura e encenação crítica desses e de outros 
textos a partir de diferentes técnicas que associavam o cruzamento de informações a recursos 
artísticos, expressivos e estéticos para atingir suas entrelinhas, indo além das aparências e 
ampliando seus significados, articulando-os a outros contextos e tempos históricos. 
34 
 
O Teatro Jornal é considerado a primeira modalidade teatral do conjunto de técnicas que 
compõem o Teatro do Oprimido, contendo seus fundamentos, propondo-se à disseminação do 
método, de modo que as pessoas oprimidas possam dele se apropriar para produzir suas próprias 
leituras, seu próprio teatro,e desenvolverem sua consciência crítica do mundo. Aqui já 
encontramos conceitos chaves deste teatro, de influências visivelmente marxistas: possibilitar 
aos oprimidos a posse dos meios de produção artística e de modo crítico, dialógico, dialético, em 
coletivo. “Nosso sonho era propagar as técnicas para que todos pudessem fazer teatro, usar essa 
linguagem tão rica para pensar o que fazer.” (BOAL, 2000, p.271). 
A censura, porém, especialmente após o AI-5 em 1968, tornava o teatro cada vez mais 
impraticável no país. Boal foi preso, torturado e seguiu exilado para a Argentina, em 1972. Lá 
desenvolve o Teatro Invisível, a partir de uma experiência inusitada: Iria apresentar, juntamente 
com o grupo de atores de um curso, uma peça na rua. O momento político já não lhe era 
favorável em função da situação política argentina e, percebendo que poderiam ter problemas, 
considerando, ainda, se tratar de uma cena passível de ocorrer de modo cotidiano, um ator 
sugeriu encená-la de forma “invisível”, sem explicitar o fato teatral. 
Deste modo, retiraram os figurinos e atuaram em um local semelhante ao cenário da 
cena: um restaurante. O garçom e o gerente foram substituídos pelos do próprio restaurante e, 
sem saberem, assumiram falas muito semelhantes ao texto da peça. “Na minha mesa, pude ver 
essa coisa extraordinária: a interpretação da ficção na realidade. Superposição de dois níveis do 
real: a realidade cotidiana e a realidade da ficção ensaiada.” (BOAL, 2000, p.293). Os clientes 
tomaram partido da situação e a experiência revelou-se útil para mobilização das pessoas sobre 
diferentes questões sociais. 
O Teatro do Oprimido não é um método de puro entretenimento; propõe-se a 
transformação da realidade, o que pressupõe a ativação das pessoas, seu posicionamento crítico, 
com enfrentamento das situações de opressão e injustiça social. Em sua obra, Boal considera “o 
teatro como arte marcial”, como intitula um de seus livros, remetendo-o a um meio de luta, 
sempre em prol das classes oprimidas. 
O Teatro do Oprimido, em todas as suas formas, busca sempre a transformação da sociedade no 
sentido de libertação dos oprimidos. É ação em si mesmo, e é preparação para ações futuras. “Não 
basta interpretar a realidade: é necessário transformá-la!” – disse Marx, com admirável simplicidade. 
(BOAL, 2005, p. 19). 
35 
 
No Peru, trabalhando com pessoas de diversas etnias e diferentes línguas maternas, Boal 
alça mão do Teatro Imagem para promover a comunicação através dos corpos e analisar as 
relações de poder e opressão na sociedade. Neste mesmo país, desenvolvendo teatro em uma 
experiência de alfabetização realizada em Chaclacayo, em 1973, formula o Teatro-Fórum. Conta 
Boal (1996) que trabalhava com um grupo de atores com a Dramaturgia Simultânea: a encenação 
retratava problemas reais relatados pelas pessoas do local e as propostas de solução eram 
sugeridas pelo público, porém encenadas pelos atores. Quando diferentes encenações da atriz não 
satisfizeram uma mulher da plateia, Boal propôs que ela mesma entrasse em cena e atuasse. 
Entendeu: “quando é o próprio espectador que entra em cena e realiza a ação que imagina, ele o 
fará de uma maneira pessoal, única e intransferível, como só ele poderá fazê-lo e nenhum artista 
em seu lugar”. (BOAL, 1996, p.22 - A). 
O Teatro-Fórum é a modalidade mais praticada do Teatro do Oprimido. Constitui-se na 
montagem de uma pequena peça retratando um problema da vida real dos participantes. Em 
cena, pelo menos um personagem oprimido e um opressor entram em conflito em prol de seus 
ideais. O personagem oprimido fracassa e o público é convidado a substituí-lo na peça para 
propor, ativamente, alternativas de solução do problema. 
 “Nenhum teórico contemporâneo explorou as implicações políticas da relação espetáculo-platéia de 
maneira tão penetrante e original quanto o diretor latino-americano Augusto Boal. [...] No “teatro do 
oprimido”, já o espectador não delega poderes ao ator, “mas assume ele mesmo o papel do protagonista, 
altera a ação dramática, sugere soluções, discute projetos de mudança”. [...] A chave é o “Curinga”, figura 
situada entre a peça e a platéia que comenta, orienta, cria e quebra a ilusão. Age de modo oposto ao 
protagonista, instando o público a ver a peça com olhos críticos, em vez de tentar mergulhar 
emocionalmente nela”. (CARLSON, 1997 - p. 458 e 459) 
 
Em seu primeiro livro, Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas, Boal introduz sua 
proposta: “É necessário derrubar muros! Primeiro, o espectador volta a representar, a atuar: 
teatro invisível, teatro foro, teatro-imagem, etc. Segundo, é necessário eliminar a propriedade 
privada dos personagens pelos atores individuais: Sistema Coringa” (BOAL, 2005, p.177). E 
relata a experiência do Arena com a rotatividade dos atores representando diferentes personagens 
num mesmo espetáculo, bem como promovendo o comentário da peça. O termo faz uma alusão à 
carta multifuncional do baralho que assume diferentes funções, conforme o jogo. 
Aprofundaremos as questões sobre o curinga em capítulo posterior. 
36 
 
Exilado na Europa, Boal morou primeiramente em Portugal e, em 1978, mudou-se para 
França, para lecionar na Sorbonne. Em Paris fundou o Centre du Théâtre de l’Opprimé. “O CTO 
desenvolve o método de Teatro do Oprimido, que se baseia na convicção de que o Teatro é a 
linguagem humana por excelência. [...] Alguns de nós “fazemos” teatro, mas todos nós “somos” 
teatro.” (BOAL, 1996, p. 30 - B). 
No Centro de Teatro do Oprimido de Paris Boal desenvolveu as técnicas do Arco-Íris do 
Desejo, voltadas para os chamados “tiras na cabeça”: policiais introjetados e atuantes dentro de 
nós. Tais técnicas podem ser utilizadas em processos terapêuticos, porém Teatro do Oprimido 
não é terapia. Desse modo o Arco-Íris do Desejo se demonstra extremamente útil na análise das 
opressões internalizadas dos atores e personagens, ajudando na revelação e compreensão de 
valores sociais constitutivos de determinada sociedade e que influenciam ou mesmo direcionam 
as ações de seus cidadãos de modo inconsciente. O conceito de cidadão para Boal é aquele que 
transforma a sociedade na qual vive. 
Após a anistia, Boal regressa ao Brasil, em 1986, atendendo ao convite de Darcy Ribeiro, 
na época vice-governador do Estado do Rio de Janeiro, para trabalhar nos CIEPs. Estes Centros 
Integrados de Educação Pública foram estruturados para abarcar cultura e educação de modo 
associado, buscando desfazer um erro comum nas escolas que relegam aspectos culturais a um 
plano secundário. 
Uma das respostas está no trabalho de animação cultural, que contribui para transformar a escola 
num espaço verdadeiramente democrático, integrando o processo educacional à vida comunitária e 
reunindo alunos, pais, vizinhos, artistas e professores numa dinâmica que soma a igualdade de 
oportunidades à consciência da desigualdade de condições. A animação cultural é desenvolvida nos 
CIEPs como um processo conscientizador, que resgata o mais autêntico papel político e social da 
escola. Tudo começa com a cultura local, suas manifestações, o fazer da comunidade, seus artistas e 
seu cotidiano (antes tão ausentes dos currículos escolares), que são progressivamente incorporados 
no dia-a-dia da escola. (RIBEIRO, 1986, p.133). 
Ao todo foram reunidos 35 animadores culturais dos CIEPs, “gente que, em sua maioria, 
nunca havia feito teatro – alguns jamais assistido a uma peça – e fizemos um intenso trabalho, 
mostrando nossos exercícios, jogos e técnicas de Teatro-Imagem, Teatro-Fórum e Teatro-
Invisível.” (BOAL, 1996, p. 31 - B). Após um mês e meio, com um repertório de cinco peças 
curtas abordando questões sobre moradia, desemprego, violência contra a

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