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1 TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO CONTEXTO ORGANIZACIONAL E CONCEPÇÃO DE INDIVIDUO Maria de Fátima F. Martins Catão Catão, M.F.M. (1994) Tendências de Organização do Trabalho, Contexto Organizacional e Concepção de Indivíduo. Em: Instituição em Análise : Práticas de Recursos Humanos. Dissertação de Mestrado. Curso de Pós-Graduação e Política Social / Serviço Social . Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, PB 1. DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA NO BRASIL. Descrever e discutir as tendências conceituais de organização do trabalho, significa situá-las no seu contexto histórico, pois é através da compreensão deste que poderemos entender seus princípios, teses e concepções, bem como sua assimilação e manutenção ou não pela sociedade e suas instituições de trabalho historicamente determinadas. Por um lado, o Estado, a sociedade capitalista brasileira e o sistema de relações econômicas internacionais, por outro, os movimentos instituintes 1 emergiram como contexto das tendências conceituais de organização do trabalho no século XX. “O capitalismo brasileiro surgiu de fora para dentro, fruto da inserção do Brasil na economia 1 Movimentos instituintes - movimento questionador, transformador e inovador. Ver, RENÉ L” instituant dontre l”institué. Paris; Anthrops Paris, p. 969 2 mundial, e encontrou aqui condições diferentes daquelas existentes nos países onde nasceu. Seu desenvolvimento se deu quando já se verificava, em outros países, a passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista”2. Seu percurso foi, pois, diferente, como resultado, temos ao longo do século XX um capitalismo diferenciado, que convive com relações pré- capitalistas de produção, na agricultura, no setor de serviços e em algumas indústrias artesanais. É um “capitalismo subdesenvolvido”, em que, apesar da dinâmica de acumulação capitalista predominante na vida econômica do país, subsistem problemas específicos, tais como identifico a seguir. Até o começo dos anos cinqüenta, o sistema produtivo brasileiro ligava-se ao resto do mundo através da exportação de matérias-primas (agrícolas) e a importação de produtos industrializados. Quando das crises do sistema capitalista (1960), as duas guerras mundiais provocaram situações de relativo isolamento ou de restrições, o Brasil se orientou para políticas industrializadoras que proporcionaram a criação de um parque industrial relativamente pequeno, mas suficiente para delinear um perfil produtivo diferenciado em um sistema econômico essencialmente produtor e exportador de alguns produtos agrícolas. “Hoje, parece difícil imaginar que o Brasil possa controlar o capital transnacional que opera no país, ou que possa “cancelar” o pagamento de sua enorme dívida externa sem entrar em 2 BASTOS, Vânia, L. (1989). Para entender a economia capitalista: noções introdutórias. Rio de Janeiro: Forense Universitária; Brasília, Ed. Universidade de Brasília, p. 36. 3 conflito com o sistema capitalista mundial, um sistema que agora está presente não só através de ralações comerciais e financeiras, mas também através de relações de produção implantadas no território brasileiro.”3. Para compreensão do desenvolvimento capitalista no Brasil, esta contextualização se faz necessária para o entendimento das transformações econômicas, políticas e conceituais no cenário nacional como um todo e, especificamente, no sistema de organização do trabalho, ao longo do século XX. Concomitantemente as variações do sistema capitalista internacional ocorreram por sua vez as variações do sistema produtivo brasileiro e as varias tendências conceituais de organização do trabalho . Quanto ao papel do Estado brasileiro enquanto aparelho político completo da sociedade, foi decisivo na organização e orientação interna do processo de acumulação capitalista no Brasil, CIGNOLLI 4 situa o Estado ao longo do século XX em dois momentos, na 1ª metade do século quando o Estado limitava-se a regular e administrar o fluxo de exportações de algumas matérias-primas e das importações de produtos industrializados, tornando-se, em seguida, o agente do processo de industrialização. O ano de 1930 marca a destruição parcial do esquema de dominação fundamentado numa aliança de interesses oligárquicos. A política de Getúlio Vargas responde às necessidades dessa base econômica que fortalece a burguesia urbana e procura conciliar os interesses dos trabalhadores e assalariados, com os interesses dos grandes proprietários. 3 CIGNOLLI, Alberto. Estado e força de trabalho. Introdução à política social do Brasil. São Paulo, McGraw-Hill do Brasil. P. 17. 4 CIGNOLLI, Alberto. Estado e força de trabalho. Introdução à política social do Brasil. São Paulo, McGraw-Hill do Brasil. P. 17. 4 No segundo momento, CIGNOLLI situa o Estado a partir de 2ª metade do século, mais especificamente pós 64, quando se transformou no principal agente econômico da sociedade brasileira, tendo alcançado uma centralização político-administrativa sem precedentes. O capital estrangeiro, o Estado brasileiro e a burguesia nacional assumiram, ao longo do século XX, posições determinantes: na economia, na política e nos modelos de produção, mas sofreram também, represálias e por que não dizer perderam espaço nos “piques” das mobilizações populares do período 1960- 1963. TENDÊNCIAS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E CONCEPÇÕES DE INDIVIDUO As tendências de organização do trabalho se caracterizam por sua superioridade tecnológica ou pelas determinações organizativas do sistema econômico? Ou como reflete Marglin “A organização econômica e social é determinada pela tecnologia ou a tecnologia pela organização econômica e social?”5 Prosseguindo nessa orientação do pensamento,Marglin questiona, inicialmente, se na sociedade industrial, poderá o trabalho favorecer a realização dos indivíduos ou será que o preço da prosperidade material é a alienação no trabalho? A autoridade hierárquica é realmente necessária para obter elevados níveis de produção? Ou a propriedade material é compatível com uma organização do trabalho não-hierárquico? Para os defensores do capitalismo, a hierarquia é imprescindível, indispensável a uma produtividade elevada. Será que a organização hierárquica da produção é mesmo indispensável para assegurar em elevado nível de vida material? 5 MARGLIN, Stephen A. “Origem e funções do parcelamento das tarefas - Para que servem os patrões?”. INGORZ, André, Crítica da divisão do trabalho. São Paulo: Martins Fontes, 1980. P. 39. 5 Esse estudioso procura ao longo das questões levantadas demonstrar que não foi por razões de superioridade técnica que os patrões adotaram medidas como “o desenvolvimento da divisão parcelada do trabalho e o desenvolvimento da organização centralizada, que caracterizam o sistema de fábrica”. Essas medidas não fizeram aumentar a produção sob fatores constantes, foram introduzidas a fim de que o capitalista receba uma fatia maior do bolo, portanto, a organização hierárquica ou os modelos de organização do trabalho que privilegiam ou mantêm esse tipo de organização não tem como funçãosocial a eficácia técnica, mas a acumulação. É importante citar que nem a hierarquia nem a divisão do trabalho nasceram com o capitalismo. A divisão social do trabalho, a especialização das tarefas é uma característica de todas as sociedades complexas. Nas sociedades pré-capitalistas, a produção organizava-se numa hierarquia estrita - mestre- companheiro-aprendiz. Marglin 6 salienta que a hierarquia capitalista e a hierarquia pré-capitalista diferem em três pontos. No primeiro ponto, no ápice, como na base da hierarquia pré-capitalista, encontrava-se um produtor. No segundo, o mestre artesão trabalhava junto com o aprendiz, em vez de simplesmente indicar-lhe o que fazer. No terceiro, a hierarquia é linear e não piramidal; um dia o aprendiz seria companheiro, quase certamente mestre. No capitalismo é raro que um operário chegue até a contramestre nas sociedades pré-capitalistas, o que endossa, como ponto mais importante, é que o artesão membro de uma corporação não estava separado do mercado por um intermediário: vendia igualmente um produto e não o seu trabalho, e controlava, ao mesmo tempo, o produto e o processo de trabalho. Refletindo a partir do pensamento de Marglin , verifica-se que a supremacia da divisão do trabalho, da especialização das tarefas, da hierarquia, da organização centralizada que caracteriza o sistema de fábrica, não se deu pela superioridade tecnológica das tendências de organização de trabalho predominantes nas sociedades capitalistas no século XX, bem como não se deu naturalmente, mas 6 historicamente para atender as necessidades da ótica capitalista em prol da acumulação do capital. A organização econômica e social promove as tendências tecnológicas que são convenientes ao seu domínio e ao controle. A história da organização do trabalho no século XX, aponta, fundamentalmente, para tendências orientadoras. A aparente multiplicação das tendências conceituais de organização de trabalho tem função ideológica, por se caracterizarem como variações de posicionamentos gerais em conflito. Situamos, as tendências que tratam a questão da organização do trabalho, tais como as abordagens do taylorismo, o humanismo, e as abordagens neoclássicas que compreendem o behavorismo a abordagem sistêmica. Na esfera analítica crítica da organização do trabalho aponta-se a análise institucional como uma abordagem dessa tendência. DESNATURALIZANDO O INSTITUÍDO, DESVELANDO AS ARTIMANHAS DOS “VÁRIOS MODELOS” DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO A abordagem taylorista - vista como Taylorismo, organização taylorista do processo produtivo, organização científica do trabalho, teoria clássica da administração, gerência científica ou racionalização do trabalho são denominações similares que correspondem aos estudos desenvolvidos por Frederick Winslon Taylor (1856-1915) sobre uma determinada forma de organização e divisão do trabalho que exige um controle cada vez mais crescente sobre os trabalhadores, aplicados nas indústrias de todo mundo, determinando a organização do processo de trabalho contemporâneo. O taylorismo diz respeito à reorganização do processo de trabalho onde quer que ele exista, embora sua raiz e lugar privilegiado tenha sido o conflito interno existentes nas fábricas nos Estados Unidos no final do século XIX, o 7 mesmo ultrapassou as fábricas levando suas ramificações as instituições sociais de uma forma geral tais como as universidades, as escolas, os hospitais, as penitenciárias, o serviço público, o comércio, as associações, os sindicatos, moldando esses estabelecimentos bem como seus profissionais de acordo com suas fundamentações e princípios de controle e disciplinarização de organização de trabalho, na busca do aumento da produtividade, supressão de gastos desnecessários e “comportamentos supérfluos”, aperfeiçoamento da divisão e especialização do trabalho e garantia do controle do tempo do trabalhador através da introdução da noção de “tempo útil” que a sociedade introjetou no coração de cada um de nós. O “homo economicus”, a organização formal e a consideração da identidade de interesses entre patrão e empregado, como forma da negação do conflito no seio das organizações caracterizam-se como os eixos centrais dessa abordagem. O taylorismo explica através da noção de “homo economicus” sua concepção de homem, de natureza humana. “Isto é, a presunção de que o homem é influenciado profundamente por recompensas e sanções salariais e financeiras”8. Como indica Chiavenato: “Para Taylor, a administração científica deve estudar as capacidades físicas do trabalhador, através dos estudos de tempos e movimentos, mas com uma abordagem econômica, considerando o homem motivado pelo medo da fome e pela busca do dinheiro. Assim, as recompensas materiais e econômicas influenciam decisivamente os esforços individuais no trabalho, fazendo com que o trabalhador desenvolva o máximo padrão de realização de que é fisicamente capaz para atingir um ganho maior”.9 Quanto à concepção de organização do trabalho, esta abordagem fundamenta-se 8 ETZIONI, Amitai. Organizações modernas. São Paulo. Pioneira. 1984. p. 25. 9 CHIAVENATO. Idalberto. Introdução a teoria geral da adiministração. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil. 1985. p.49. 8 “nos princípios da organização formal na qual a instituição de trabalho consiste em um conjunto de encargos funcionais e hierárquicos, orientados para o objetivo econômico de produzir bens ou serviços”.10 As principais características da organização formal apontadas pelo taylorismo foram: divisão do trabalho, sendo a maneira pela qual um processo complexo pode ser decomposto em uma série de pequenas tarefas; especialização, constituindo-se na simplificação das tarefas, atribuindo a cada posto de trabalho tarefas simples e repetitivas que requeiram pouca experiência do executor e escassos conhecimentos prévios; hierarquia, concretizando-se por uma função de comando “cuja missão é dirigir e controlar todas as atividades, para que cumpram harmoniosamente as suas respectivas missões”.11; distribuição da autoridade e da responsabilidade, significando que cada nível hierárquico que está acima dos demais níveis tem maior peso nas decisões, “tendo na autoridade a fundamentação da responsabilidade”; racionalismo da organização formal, o qual determina que “a organização é substancialmente um conjunto de encargos funcionais e hierárquicos a cujas prescrições e normas de comportamento todos os seus membros devem se sujeitar”.12 A organização formal caracteriza-se pela promoção da separação entre o planejamento e a execução do trabalho no seio das organizações, cabendo a um grupo (patrões e gerentes) o planejamento, e outro (trabalhadores), a execução. Outro conceito considerado básico para a compreensão dos princípios ideológicos e psicossociais da tendência conceitual de organização de trabalho em questão é a concepção de conflito adotada. 10 Idem, p. 83 11 CHIAVENATO. Idalberto . Introdução a teoria geral da administração. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil . 1985. p 87. 12 CHIAVENATO, Idalberto. Op. cit. p. 87. 9 A tendência conceitual de organização do trabalho, fundamentado na ótica do capital, não reconhece a existência do conflito maior da sociedade capitalista, o conflito de classes, buscando, para “resolução do problema” do conflito nas organizações, o método de integração do trabalhador aos interesses estabelecidos.O conceito de integração desfruta, nesta tendência de uma posição de destaque, em que o conflito passa a ser visto como algo disfuncional, anormal e patológico, sendo reduzido à conflitos de relacionamento, de status e de papéis ocupados na hierarquia organizacional. A abordagem taylorista praticamente colocou fora de discussão o problema do conflito, sustentando que a harmonia de interesse era natural. A partir do taylorismo outras abordagens sobre organizações de trabalho, vêm fazendo-se presente no cenário organizacional, entre elas o humanismo, ao final da década de 20, onde a ênfase no homem social e na organização informal aparecem como o eixo desta concepção. Foi com a entrada do humanismo “contrapondo-se” ao taylorismo nas organizações de trabalho que as “práticas de recursos humanos” começaram a fazerem-se presentes, pela solicitação da classe trabalhadora, pelos sindicatos e pela necessidade e interesse do capital onde respaldados nas pesquisas sociais da época sobre o homem no trabalho, entre elas ressalta-se a de Elton Mayo em Hawthorne, a qual mostrava que homem motivado, p O homo roduz mais e traz mais lucro para o organização. social, a organização informal, os incentivos psicossociais e a consideração da identidade de interesses entre patrão e empregado, como forma da negação do conflito no seio dos estabelecimentos de trabalho, são considerados como os eixos centrais dessa abordagem. O humanismo ou escola das relações humanas crítica a concepção de homo economicus como compreensão da natureza humana e sugere, para substituí-lo, o homo social, pois o homem é apresentado como um ser cujo 10 comportamento não pode ser reduzido a esquema simples e mecanicistas, sendo a um só tempo condicionado pelo sistema social e pelas demandas de ordem biológica, a qual possui considerando as diferenças individuais, necessidades de segurança, afeto, aprovação social, prestígio e auto-realização. 13 A teoria das relações humanas indica a existência de certas necessidades humanas fundamentais, e daí conclui que o comportamento humano é determinado por causas que, às vezes, escapam ao próprio entendimento e controle do homem. Essas causas são tidas como necessidades ou como motivos. O homem, nesta perspectiva, é visto como dotado de necessidades, tendo o seu comportamento direcionado no sentido dos objetivos com vistas a satisfazê-las, daí por que a introdução dos incentivos psicossociais nas organizações, como proposta dessa teoria, busca tornar os objetivos individuais articulado aos interesses do estabelecimento. Quanto à concepção de organização do trabalho, à luz do taylorismo, observa-se que há uma preocupação exclusiva como os aspectos formais da organização (autoridade, responsabilidade, especialização, estudos de tempos e movimentos, princípios gerais da administração, departamentalização, divisão de trabalho, etc.), a abordagem humanística concentra-se quase exclusivamente nos aspectos informais da organização (grupos informais, comportamento social dos trabalhadores, crenças, atitudes, expectativas, etc) 14 ou seja, o conjunto das relações sociais não previstas em regulamentos e organogramas, caracterizando-se por seu caráter espontâneo e extra-oficial. Como diz Brown in Motta, a organização informal é “conseqüência da impossibilidade prática de se reduzir o comportamento humano a um conjunto de reações mecânicas e automáticas a regulamentos restritos”.15 Tratando-se de uma mesma tendência de organização do trabalho fundamentada na ótica do capital, como o taylorismo, o humanismo não se 13 Ver SCHEIN, E. H. A Psicologia na indústria. Lisboa, Clássica Lisboa, 1968, Cap. IV. 14 CHIVENATO, Idalberto. Op. cit. p. 156. 15 BROWN, J. A. C. Psicologia social da indústria. São Paulo: Atlas, 1969, p. 63. 11 preocupa, nem reconhece nos seus pressupostos a existência do conflito maior da sociedade capitalista, o conflito de classes, apontando a identidade de interesses entre capital e trabalho ou patrão-empregado como solução da problemática na busca da produtividade, eficiência e lucro. “Para Mayo a tarefa básica da administração é formar uma elite capaz de compreender e de comunicar, dotada de chefes democráticos, persuasivos e simpáticos a todo pessoal. Ao invés de se tentar fazer os empregados compreenderem a lógica da administração da empresa, e nova elite de administradores deve compreender as limitações dessa lógica e ser capaz de entender a lógica dos trabalhadores”.16 Sucedendo ao taylorismo e ao humanismo, numa abordagem mais “modernizante” do capital, entra em cena a perspectiva sistêmica de organização do trabalho, a partir da década de 50, tendo grande aceitação pelo sistemaempresarial brasileiro na década de 80, como alternativa organizacional da nova república. A abordagem sistêmica traz, nos seus princípios, a característica de compreensão da totalidade organizacional 17 , em que a relação trabalhador/empresa não é compreendida de forma isolada e as necessidades pessoais do trabalhador e as necessidades organizacionais são interdependentes. O homem funcional, os incentivos mistos (econômico e psicossocial), o sistema aberto como concepção de organização do trabalho e a compreensão do conflito entre patrão e trabalhador, como conflito de papéis, formam o eixo dessa abordagem. 16 MAYO, E. The social problems of an industrial civilization. Cambrioge mass, Haruap University Press, 1943. p. 30 In Chiavenato, I. Introdução à teoria geral da administração. Op. cit. p. 159. 17 A totalidade organizacional estudada na abordagem sistêmica diferencia-se da totalidade social identificada pelo materialismo histórico. 12 A perspectiva sistêmica explica a concepção de homem do trabalho a partir do papel que este ocupa na organização, daí a denominação de homem funcional. E para melhor ilustrar, vou buscar em MOTTA uma referência: “Há uma tendência muito grande a enfatizar mais os papéis que as pessoas desempenham do que as próprias pessoa. Entendendo-se papel como um conjunto de atividades associadas a um ponto específico do espaço organizacional a que se pode chamar cargo”.17 A concepção de homem funcional e a explicação do conflito de papéis no trabalho apresentadas por esta abordagem refere-se à dinâmica e a funcionalidade da organização, isto é, que trabalhadores ou patrões, pensam, tomam atitudes, comportam-se e entram em conflito de acordo com os papéis que ocupam ou cargo que exercem no estabelecimento de trabalho, bem como as influências do ambiente e diferenças individuais a que estes cargos ou papéis estão sujeitos. Como se verifica, essa abordagem situa-se também na perspectiva da tendência de organização na ótica do capital, a que apresenta uma proposição de organização do trabalho a partir do modelo social dominante e não o questiona. O enforque sistêmico ou sistema aberto 18 , como explicação e tendência de organização do trabalho ou teoria administrativa, foi proposto por Kahn E Katz 19 , tomando como referência a teoria geral dos sistemas de Bertalanffy 20 . Bertalanffy verificou que muitos princípios e conclusões de algumas ciências, quando tratam de objetos que têm validade para várias outras ciências, podem ser visualizados como sistemas, sejam eles físicos, químicos, sociais. Em seu livro General System Theory (Teoria Geral dos Sistemas) apresenta o modelo do sistema aberto, entendido como um complexo de elementos em interaçãoe em intercâmbio contínuo com o ambiente. 17 MOTTA, Fernando C. P. Teoria geral da administração. São Paulo: Pioneira, 1985. p 85. 18 Ressalta-se que a designação de sistema aberto não implica numa perspectiva de criticidade. 13 Katz & Kahn apresentam seu estudo com uma comparação das possibilidades de aplicação das principais correntes sociológicas e psicológicas na análise organizacional. O pressuposto básico dessa tendência é o de que a organização é um sistema aberto e, que nessa perspectiva, apresenta as seguintes características: a) Importação de energia: a organização recebe insumos do ambiente, tais como matéria-prima, mão-de-obra; b) Processamento: a organização processa insumos pretendendo transformá-los em produtos, assim como produtos acabados, mão-de- obra treinada; c) Output e input: os sistemas abertos exportam certos produtos para o meio ambiente (output) e recebem também do meio ambiente informações sobre o seu próprio funcionamento (input); d) Ciclos de eventos: o funcionamento de qualquer sistema aberto consiste de ciclos de eventos composto de input, de processamento e de output; e) Entropia negativa: a entropia é um processo pelo qual todas as formas organizadas tendem à exaustão, à desorganização, à desintegração e à morte. A organização, através da reposição qualitativa de energia, pode resistir ao processo entrópico. A esse processo reativo dá-me o nome de entropia negativa; f) Estado firme e homeostase dinâmica: a organização procura manter uma relação constante entre exportação e importação de energia, evitando, dessa forma, o processo entrópico; g) Eqüifinalidade 21 : um sistema pode alcançar, por uma variedade de caminhos, o mesmo estado final partindo de diferentes condições iniciais. Existem mais de um modo do sistema produzir um determinado resultado, ou seja, existem mais de um método para a consecução de um objetivo. A perspectiva sistêmica de organização do trabalho por integrar o arsenal das teorias que compõem a tendência de organização do trabalho na ótica do capital, como nos referimos anteriormente, ela em momento algum questiona o modelo social dominante, porém dar forte ênfase as relações entre organização e 21 A característica equifinalidade da teoria dos sistemas contrapõe a característica “on the best way” (um único caminho certo) da organização do trabalho proposta pelo taylorismo. 14 ambiente, colocando a organização como dependente para sua sobrevivência, do crescimento e eficiência e de sua adaptabilidade ao ambiente, como reflete MOTTA: “a organização do trabalho mais propensa a sobreviver, crescer e ser eficiente é aquela na qual os papéis, normas e valores estiverem mais de acordo com as demandas do ambiente, o que em última análise se traduz uma posição idealista que pressupõe a relação aos sistemas social e técnico e que negligencia o papel dinâmico das contradições internas das organizações”22. É evidente a importância do sistema cultural, mas priorizá-lo e secundarizar o sistema social é antes de tudo uma boa “brecha” para as manobras do capital. Conforme as premissas da teoria em questão, num modelo social como o nosso, onde as regras do ambiente não são determinadas pela necessidade do povo e sim pelas demandas dos oligopólios, ela passa a compor o quadro da tendência de organização do trabalho em pró da manutenção do capital. A essa abordagem incorporam-se os estudos da teoria do Desenvolvimento Organizacional, as abordagens da qualidade de vida, da participação e do planejamento estratégico e do reconhecimento do capital humano no contexto dos fatores que contribuem para a eficácia organizacional, confirmando-se a expressão referida na literatura organizacional : “ para além de um braço, o homem é também um coração e uma cabeça” ( Neves, 1999) 3. A CONCEPÇÃO ANALÍTICA E CRÍTICA DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO - IDENTIFICANDO INSTITUINTES. 22 MOTTA, F.C.P. Op. cit. p. 99. 15 A vertente materialista histórica dialética da organização do trabalho nas abordagens do marxismo clássico e do marxismo contemporâneo, apresentam os princípios e fundamentos que, a partir do final do século XIX representam a antítese da hegemonia da organização das pessoas. As idéias de Marx apresentadas no Capital, sua obra fundamental lançada por volta de 1870 é considerada o marco referencial. A corrente institucionalista acompanha o pensamento marxista, considerando-se assim que a análise institucional propõe-se desvendar as instituições na discussão dos seus coletivos em direção ao processo autogestionário de recuperação do poder de organização e do autogerenciamento do processo. A concepção da natureza humana, de organização de trabalho e de conflito adotada por essa tendência tem por princípio a história da sociedade humana e a realidade contraditória, vendo no desenvolvimento de suas contradições ,o emergir da única via histórica de solução, não se propondo considerar como natural e eterna a maneira de organizações de trabalho surgidas ao longo dos séculos. Esta tendência vê na alienação do homem, em relação ao seu trabalho, a si mesmo e aos outros, um problema a ser superado nas relações sociais e nas relações de produção. “Na verdade, a alienação, conseqüência direta da divisão capitalista do trabalho, e, por assim dizer, o mal fundamental da revolução industrial contra a qual a participação é o antídoto”23. Participação em todos os níveis dos estabelecimentos, como expressa Rocca e Retour, “o homem desenvolve-se (produtiva, política, social e culturalmente)”24, é uma forma de construir uma sociedade autogestionária, inspirada num mutualismo de interesses. A idéia autogestionária inscreve-se como o eixo de organização de trabalho da tendência em questão. 23 MENDONÇA, L. C. Participação na organização: uma introdução aos seus fundamentos, conceitos e formas. São Paulo: Atlas. 1987. p. 37. 24 In. MENDONÇA, L. C. Op. cit. p. 32. 16 A igualdade, liberdade, autonomia, criatividade, solidariedade e mutualidade, expressões chaves da autogestão, “traduzem-se na prática o clássico princípio de “um homem, um voto”, aplicado em todas as medições da vida social, seja na instância econômica, seja na cultura, seja na instância política”26.A concepção da natureza humana dessa tendência, identifica-se pela colocação do homem como agente da sua própria história - “Um homem, um voto” caracterizado como homem político, conhecedor e gerente das instituições sociais.A questão do conflito representa também nessa tendência, um agente determinante para compreensão e resolução dos problemas sociais. Em Marx o conflito é necessariamente associado à apropriação privada do trabalho ou à mais valia social. 4. ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE TENDÊNCIA DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E PRÁTICAS PROFISSIONAIS Madel Luz concebe instituição como “um conjunto articulado de saberes (ideologias) e práticas (formas de intervenção normalizadora na vida dos diferentes grupos e classes sociais”28. SERRA reflete sobre esta questão dizendo que “considera que esses saberes e práticas tem efeitos políticos e envolvem uma luta entre grupos e classes sociais que compõem estas instituições e que estão inseridos em um bloco histórico”29. Assim, as instituições, enquanto dimensão de um processo social mais amplo, não são estáticas, modificam-se,transformam-se de acordo com o contexto histórico e as rearticulações entre as forças sociais. É importante refletirmos que as instituições, não são descontextualizados de um modelo social vigente, no qual a transversalidade das 26 MENDONÇA, L. C. Op. cit., p. 86. 28 LUZ, Madel T. As instituições médicas no Brasil: instituição e estratégia de hegemonia. Rio de Janeiro: Graal, 1979, p. 30. 29 SERRA, R.M.S. Op. cit. p. 31. 17 instâncias (econômica, política, ideológica) perpassa os discursos e as práticas instituídas através da estrutura e dinâmica de suas relações e funcionamento. Entendendo-se, portanto, que não dar para separar o técnico do ideológico, a prática profissional da Tendência de Organização do Trabalho em curso e da Tendência de Organização do Trabalho para qual se pretende redirecionar. A tomada de consciência da veracidade dessas reflexões, busca promover uma análise do universo de estudo e do comprometimento profissional frente a explicitação/ reflexão das Tendências de Organização do Trabalho no exercício da prática profissional . As ultima décadas do século XX e inicio do novo milênio apontam para o paradigma de estudo da organização do trabalho centrado no sujeito e no estudo do real (Antunes, 2007)( www.abopbrasil.org.br ) Em seu percurso analítico Marx ( 1984), já dizia “ Eu parto do mundo e tento explicá- lo”. E o meu método será fértil se eu explicar o mundo real. Se eu não explicar o mundo real de modo autêntico e verdadeiro, o meu caminho metodológico está fadado ao fracasso. Neste pensamento, reflete Antunes( 2007 ) que tem vitalidade hoje é o pensamento que mergulha no real e compreende com ele é. O que significa compreender , sua gênese, seu movimento, suas causas, sua processualidade, é estudar o profundo em detrimento do superficial, é estudar o fenômeno por dentro e por fora nas suas características genotipicas( internas) e fenotipicas( externas) REFERÊNCIAS ANTUNES, R ( 1995) Adeus ao Trabalho ? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do Mundo do Trabalho.São Paulo: Cortez, Campinas, SP BERTALANFFY, L. ( 1968) General systems theory. Nova York: George Brasilier, BROWN, J. ( 1969). Psicologia social da indústria. São Paulo: Atlas. CHIAVENATO. I. (1985). Introdução a teoria geral da adiministração. São Paulo: McGraw-Hill do Brasil. 18 CIGNOLLI, A . Estado e força de trabalho. Introdução à política social do Brasil. São Paulo, McGraw-Hill do Brasil. ETZIONI, A (1984). Organizações modernas. São Paulo. Pioneira. GUILHERME, A. & BOURDET ( 1975). Autogestão; uma mudança radical. Rio de Janeiro: Zahar, 1975 LUZ, Madel T. ( 1979)As instituições médicas no Brasil: instituição e estratégia de hegemonia. Rio de Janeiro: Graal, KATZ, Daniel & KAHN, R. L. (1970) Psicologia social das organizações. São Paulo: Atlas MARGLIN, Stephen A. ( 1980) “Origem e funções do parcelamento das tarefas - Para que servem os patrões?”. Em : GORZ, André, Crítica da divisão do trabalho. São Paulo: Martins Fontes. MARX, K. ( 1984). O Capital. São Paulo : DICEL MAYO, E. (1943) The social problems of an industrial civilization. Cambrioge mass, Haruap University Press MOTTA, F. ( 1985)Teoria geral da administração. São Paulo: Pioneira. MENDONÇA, L. C.(1987) Participação na organização: uma introdução aos seus fundamentos, conceitos e formas. São Paulo: Atlas. MONTET, C. L’Idee autogestionaire; systems economiques - autogestion, les cahiers du seminaire ch. gide. Canadá: Univ. Montpellier, 19