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HEINEN, Juliano. O custo do direito à saúde e a necessidade de uma decisão realista uma opção trágica

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O CUSTO DO DIREITO À SAÚDE E A NECESSIDADE DE DE UMA 
DECISÃO REALISTA: UMA OPÇÃO TRÁGICA 
 
Juliano Heinen1 
 
 
(...) ainda quando se punham a legiferar ou a cuidar de 
organização e coisas práticas, nossos homens de idéias 
eram, em geral, puros homens de palavras e livros; não 
saiam de si mesmos, de seus sonhos e imaginações. 
Tudo assim conspirava para a fabricação de uma 
realidade artificiosa e livresca, onde nossa vida 
verdadeira morria asfixiada. (HOLANDA, Sérgio Buarque 
de. Raízes do Brasil. 18ª ed. São Paulo: Campanhia das 
Letras, 1995, p. 163). 
 
Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma 
contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá 
levá-Ia em conta ao afirmar que algum bem pode ser 
exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao 
determinar seu fornecimento pelo Estado. (Ag. 
Regimental no RE nO 410.715-SP, reI. Min. Celso de 
Mello, 2' Turma do STF, DJU de 03.02.06, p. 76). 
 
 
1 Da realidade que nos cerca 
 
Duas dificuldades surgem, de imediato, no instante em que se tenta 
definir qual o reduto do mínimo existencial: a) qual a maneira de impementar, 
em um país de miseráveis como o Brasil, políticas públicas que assegurem o 
básico indispensável à sobrevivência digna aos cidadãos; b) a impossibilidade 
de antemão (apriorísticamente e teóricamente) definir o mímino que cada 
 
1
 Procurador de Estado do Rio Grande do Sul. Mestre em Direito/UNISC. Professor de 
graduação e pós-graduação. 
pessoa faz jus, uma vez que esta definição somente surge no caso concreto, 
sem desconsiderar a macro perscpectiva social. 
 
A primeira limitação que se impõe consiste na impossibilidade de definir 
a existência de um direito subjetivo de um membro da sociedade com uma 
visão do caso concreto desconexa do entorno em que se insere. É imperioso 
enquadrar tal necessidade em uma perspectiva geral, a fim de que o interesse 
de todos não seja sacrificado em face de uma demanda individual. Enfim, 
sopesar o custo social de uma concessão individual, cujo atendimento 
frustraria a própria idéia de segurança jurídica compartilhada. É imperioso que 
se insira o ato de governo ou o ato judicial em uma perspectiva coletiva, que 
satisfassa o bem comum, não somente uma perspectiva individual. 
 
Não são raras as decisões administrativas e judiciais que, em face de 
uma visão estanque e indualizada da realidade, buscam atender uma demanda 
específica apresentada, a qual, em última instância, pode chegar a 
comprometer todo. A proteção do interesse social perde quando se atenta 
somente à proteção individual. 
 
É óbvio que não se pode exigir dos entes públicos condutas não-
razoáveis. Até porque, a carência de recursos “(...) consubstancia limitação 
certa quando da definição da obrigação governamental de agir diante de uma 
dada realidade, seja na via judiciária, seja na via administrativa.”2 Os direitos 
prestacionais, como o direito à saúde, possuem um custo3, o que delimita sua 
dependência financeira, intransponível pelo próprio Estado. Afinal, 
 
(...) comprovada, objetivamente, a incapacidade 
econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se 
poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação 
material referida, a imediata efetivação do comando 
fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, 
no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese - mediante 
indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou 
político-administrativa - criar obstáculo artificial que revele 
o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de 
 
2
 CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo – parte geral, 
intervenção do estado e estrutura da administração. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 604. 
3
 Conferir as referências feitas por Stephen Holmes e Cass R. Sunstein (The Cost of Rights, 
1999, Norton, New York). 
frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a 
preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de 
condições materiais mínimas de existência”. Enfim, “(...) a 
cláusula da ‘reserva do possivel’ - ressalvada a ocorrência 
de justo motivo objetivamente aferivel- não pode ser 
invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se 
do cumprimento de suas obrigações constitucionais, 
notadamente quando, dessa conduta governamental 
negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, 
aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um 
sentido de essencial fundamentalidade4. 
 
Quando o Poder Judiciário decide se os parcos recursos existentes 
deverão tratar milhares de vítimas de doenças comuns ou um pequeno número 
de doentes terminais, faz política pública. E, em sendo assim, faz uma opção. 
E optar é, no âmbito dos parcos recursos, subtrair de alguém para dar a 
outrem. 
 
Fica a advertência da doutrinadora Raquel Urbano Melo de Carvalho, 
que, com a máxima ponderação, definiu que o Estado, “(...) ao ser compelido, 
por decisão judidicial a arcar com despesas que exorbitam seu âmbito regular 
de atuação em matéria de política pública, (...) tem de destinar parte dos 
recursos, já escassos, para atendimento específico das ações propostas, em 
detrimento de outros tantos cidadãos que necessitam de procedimentos e 
medidas cuja efetivação e/ou prestação também lhe compete. O caráter 
temerário desta situação não vem passando desapercebido aos Julgadores.”5 
 
Na Apelação Cível n° 70009173915-RS, reI. Des. Newt on Carpes da 
Silva, oriunda da 1ª Câmara Cível do TJRS, ao analisar a realidade do país e 
afirmar que “Milhares de brasileiros bombam mortos todos os dias, pela fome, 
frio de desassistência do Poder Público. Milhões de tantos outros carecem com 
a falta de saneamento, infra-estrutura, moradia, água potável e energia 
elétrica”, e que “No campo assistencial a situação nacional não é melhor, pois 
faltam leitos nos hospitais, faltam hospitais públicos, faltam remédios, médicos 
e estrutura às casas de saúde destinadas ao atendimento público", concluiu ser 
 
4
 Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 185, p. 794-796. 
5
 Curso de Direito Administrativo – parte geral, intervenção do estado e estrutura da 
administração. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 609. 
totalmente despida de razão o comando judicial que determinou o Estado a 
arcar com gastos “(...) improvados.”. 
 
Não se pode ignorar que, no Brasil, já não são poucos os que recorrem 
ao Poder Judiciário, e, no Estado do Rio Grande do Sul, as demandas de 
saúde superam, em larga escala, os demais entes da federação. Apesar da 
avalanche incessante de processos que se avolumam nos últimos anos no 
Judiciário, porque não é pequena a parcela da população que tem acesso à 
jurisdição. Fica o alerta: 
 
É necessário que não se permita, diante de uma 
questão capaz de repercutir diretamente na vida dos 
demais membros da sociedade, decidir apenas com 
base na paixão isolada, no altruísmo ou no anseio 
humano de atender àquela pretensão específica posta 
para julgamento. 
 
O que se busca é um meio de compatibilizar o texto constitucional à 
realidade de um país carente e os instrumentos de ação pública que, 
implementados, conduzam à maior efetividade possível das políticas sociais. 
Esta compatibilização não deve se dar exclusivamente no Judiciário, nem 
mesmo à margem do estrito controle de juridicidade e muito menos com 
invasão da discricionariedade, tornando o Poder Judiciário, em uma última 
análise, como um um “mero carimbador de decisões políticas”6. 
 
A construção ponderada das decisões judiciais não ignora a realidade 
em que se insere. A reflexão dos limites em que nos encontramos deve ser 
sopesada, “(...) com repugnância à malversação de recursos do erário, à 
megalomania noatendimento individualizado de demandas 
desarrazoadas e à tantas vezes criminosa inatividade estatal.”7 
 
2 Da escassez de bens – necessidade de uma decisão realista 
 
 
6
 FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O controle judicial das políticas pÚblícas. São Paulo: 
Revista dos Tribunais, 2005. p. 86. 
7
 Curso de Direito Administrativo – parte geral, intervenção do estado e estrutura da 
administração. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 611. 
 Cabe refletirmos que, se não houvesse a escassez dos bens, não 
haveira porque se ter economia. Mas essa escassez existe, o que inflete um 
conflito entre valores (bens). A pergunta que se deve fazer é: como resolver a 
ponderação? Os juristas normalmente encontram respostas no vazio da 
proporcionalidade, no vácuo da ponderação, na metafísica razoabilidade. 
 
 Contudo, a posição jurídica é por deveras ampliada se assim posta, uma 
vez que se trata não de uma ponderação, de uma proporcionalidade ou de uma 
razoabildiade, mas sim, em última análise, de uma simples opção. O jurista 
opta, sim, entre dois valores: ou protege a vida de um, em detrimento de se 
alocar recursos a muitos, ou se opta pela coletividade emn detrimento do 
direito subjetivo de um só. Está posta a opção, sem maiores floreios, nua. 
 
 Opção implica sacrifício. Não há qualquer margem de fuga. “Em muitas 
situações, seja qual for a solução (isto é, ainda que seja a melhor ou a mais 
justa ou a que atende ao maior número), é uma opção trágica.”8. A escassez 
de recursos públicos impõe sacrifícios, impedindo que se resolvam todos os 
anseios da sociedade, por mais imprescindíveis que sejam. Assim, o agente 
público fica obrigado, à margem de sua vontade pessoal, a que faça escolhas9. 
Escolhas sempre trágicas10. 
 
O mundo em que se depara, o mundo real, não aquele dos autos, dos 
processos, possui limites às exigências absolutas. A realização dos fins sociais 
deverá necessariamente acarretar o sacrifício de outros. “Assim, quando 
afirmados direitos que demandam prestações estatais entram em choque, é 
inevitável uma opção, trágica no sentido de que algum não será atendido (ao 
menos em alguma medida).”11. 
 
Sejamos sensatos: não há recursos para todas as aspirações sociais – 
educação, saúde, lazer, segurança,... . Assim, em um dado momento, tanto o 
 
8
 GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos – direitos não nascem em 
árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 159. 
9
 CALABRESI, Guido, et BOBBIT, Philip. Tragic Choices - The conflicts society confronts in the 
allocation oftragically scarce resources. New York/London: W. W. Norton & Company. 1978. 
10
 GALDINO, Flávio. Op. Cit., p. 159. 
11
 GALDINO, Flávio. Op. Cit., p. 159. 
jurista quanto o político terão de optar, o que será, sempre e sempre, uma 
escolha trágica, uma trade-off12. 
 
O Estado constantemente efetua opções no limiar de um apertado 
orçamento. As escolhas, na sua maioria, são dramáticas, porque não se pode 
atender à educação e à saúde na mesma medida. Mas o nível de saúde e de 
educação oferecidos são iguais para todos, ainda que menores do que se 
deveria atender. Quando o magistrado decide fornecer um medicamento, um 
tratamento, enfim, a um indivíduo isoladamente, promove uma desigualdade 
em uma situação de iguais13. 
 
Nesse “ambiente de tragédias” não há sequer espaço para a 
ponderação de valores, ou para que se firmem compromissos. Há apenas uma 
escolha, que gerará sacrifícios, mas que jamais pode gerar desigualdades. A 
racionalidade econômica deve nortear as escolhas, porque é ela quem fomenta 
a realidade. 
 
O próprio Keynes14, talvez quem mais tenha influenciado e teorizado as 
perspectivas econômicas do orçamento público, afirmava que o déficit 
orçamentário impóe limites à atuação do Estado. A superação do ciclo 
depressivo somente pode ser feita com escolhas racionais, mas sempre 
tomando por base a variável econômica que permeia. 
 
Dessa forma, as esolhas jurídicas devem tomar em conta a variável 
econômica que permeia as escolhas. O deferimento ou indeferimento de um 
pleito não pode ignorar a realidade, enfim, a escassez de recursos econômicos. 
“Na verdade, de modo geral, sequer são cogitados os efeitos econômicos das 
decisões judiciais. De fato, sem pledo de incorrer em rigor excessivo, é 
possível afirmar que a análise jurídica ignora quase completamente as 
variáveis econômicas envolvIdas nas questões que lhe são postas para 
solução. Em primeiro lugar, o juiz possui um ambiente de visão limitado pelas 
pretensões postas pelas partes, ignorando os efeitos sociais dos seus julgados 
 
12
 Uma escolha dentro destas inúmeras oportunidades. 
13
 POSNER, Richard. Frontiers of legal theory. Cambridge: Harvard University Press. 2001, p. 
136. 
14
 John Maynard Keynes. 
– o que limita o seu conjunto de oportunidades (e, portanto, as escolhas 
disponíveis), o que afeta a qualidade da decisão.”15. 
 
Os custos e as possibilidades reais merecem ser considerados. 
Merecem aparecer no limiar das decisões judiciais, sob pena de se negar a 
realidade e se optar, aqui em uma literal tragédia, pela utopia. A utilização da 
norma para conferir eficácia irrestrita de direitos é conduta que abstrai os 
efeitos colateráis (consequências) dessa posição extrema, por deveras 
prejudiciais aos demais membros da sociedade. É conduta que produz uma 
perversa desigualdade entre aqueles que podem procurar a justiça, em 
detrimento daqueles que não podem. 
 
Há que se ter uma noção entre aquilo que é necessário, daquilo que é 
possível. 
 
Assim sendo, a realidade finalmente projeta raios de luz 
sobre o antes hermeticamente fechado pensamento 
jurídico e seu produto, o "mundo jurídico". O operador 
jurídico, ainda sem conseguir incluir na medida 
necessária a realidade em seu espectro de 
considerações, passa a ter em conta ao menos as 
impossibilidades materiais das prestações públicas, ainda 
que os direitos a tais prestações estejam expressamente 
previstos no texto constitucional e, nesta qualidade, sejam 
objeto de reconhecimento em sede jurisdicional.16 
 
Um novo movimento jurídico toma conta, pugnando pela consideração 
da realidade como fator determinante, como fator primeiro, deixando-se de lado 
a orientação “normativista”, redutora dos próprios direitos. A impossibilidade 
material arrasa completamente a despreocupada e descomprometida 
“orientação normativista”. 
 
É chegada a hora de o jurista deixar de se “esconder” por detrás das 
normas, que na sua abstração podem tudo, para olhar firme à escassez 
 
15
 GALDINO, Flávio. Op. Cit., p. 161. 
16
 GALDINO, Flávio. Op. Cit., p. 191. 
conjuntural do Estado. É certo que a realidade por vezes amedronta. Mas ela é 
verdadeira17. 
 
Uma pessoa tem direito (inúmeros deles, por sinal). Mas sua 
implementação não pode ser destacada da mínima verificação das 
possibilidades materiais de colocação prática. A “análise jurídica tradicional” 
verifica somente a norma para o reconhecimento da existência de um direito 
subjetivo, independentemente da verificação de suas possibilidades reais de 
consecução. 
 
Como se perceberá, muito embora esta postura acarrete diversas van-
tagens, implica também conseqüências extremamente desvantajosas. 
Perceber-se-á, muito claramente, que esta é uma decisão com efeitos 
vantajosos efêmeros e imediatos, mas com efeitos desastrosos e mediatos. “É 
muito interessante notar que a posição em tela é dada por alguns como 
‘essencialmente correta’, e sequer chega ser seriamente questionada.”18 
 
2.3 Dos custos dos direitos 
 
É preciso destacar que todos os direitos,mesmo aqueles negativos, 
possuem um custo ao Estado. Não só a implementação, mas principalmente a 
manutenção agrega uma despesa pública, o que permite concluir que em todos 
os direitos, mesmo aqueles de defesa, há um caráter prestacional19. 
 
Cass Sunstein e Stephen Holmes, em uma obra que se tornou um 
clássico mundial (“The cost of rights”) são peremptórios: os direitos somente 
 
17
 Refere o Min. Eros Roberto Grau: “(...) a situação que se manifesta quando inexistem 
recursos suficientes para que a administração possa cumprir determinada ou determinadas 
decisões judiciais.” – “Despesa pública - conflito entre princípios e eficácia das regras jurídicas 
- o princípio da sujeição da administração às decisões do Poder Judiciário e o princípio da 
legalidade da despesa pública”. in Revista Trimestral de Direito Público, v. 2, p. 130-148, trecho 
retirado da p. 144. 
18
 GALDINO, Flávio. Op. Cit., p. 195. 
19
 GALDINO, Flávio. O custo dos direitos. In: TORRES, Ricardo Lobo. A legitimação dos 
Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 139-222. 
podem ser prestados onde haja orçamento suficiente20. Afinal, “(...) tomar os 
direitos a sério significa tomar a sério a escassez dos recursos públicos”21. 
 
Dessa forma, a conceituação e implementação dos direitos 
fundamentais deve, inexoravelmente, tomar em consideração o custo dos 
direitos e a escassez de recursos. Logo, a decisão que determina ou não o 
fornecimento do direito fundamental, não pode se desgarradar do custo do 
próprio direito, e, principalmente, da escassez de recursos existente. 
 
A decisão judicial deve avaliar a escassez do fluxo orçamentário, uma 
vez que a determinação da consecução do direito à saúde deflagra uma 
desestruturação nas contas públicas, prejudicando os demais direitos, ou 
mesmo, o próprio direito à saúde aos outros indivíduos22. Se a escassez é 
notória (não há recursos públicos para atender a todos), a decisão judicial nada 
mais faz do que escolher quem será ou não atendido e quem será ou não 
excluído, criando um privilégio jamais encontrado na Constituição Federal. 
 
A escolha de quem está protegido ou de quem está desprotegido não 
pode ser feita de forma individual, mas sim, de forma coletiva, neste último 
caso, privilegiando as massas menos favorecidas. E é esta opção é feita pelo 
Estado do Rio Grande do Sul, por meio das suas políticas públicas de saúde, 
fornecendo o acesso à saúde nos limites do seu rol de competências estatuído 
pela Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional. 
 
Então, entende-se que “(...) somente uma errônea compreensão dos 
direitos (que ignore seus custos) pode sustentar a tese de qie os mesmos 
geram irresponsabilidades em relação aos deveres correlatos. Assim, a falsa 
idéia de que alguns direitos não custam, pu são gratuitos, essa sim gera 
irresponsabilidade.”23 Dessa forma, torna-se responsável entender que os 
direitos só existemn se existem recursos. E esses recursos não existem. 
 
 
20
 SUNSTEIN, Causs e HOLMES, Stephen. The cost of rights. Cambridge: Harvard University 
Press, 1999, p. 14-15. 
21
 GALDINO, Flávio. Op. Cit., p. 210. 
22
 SUNSTEIN, Causs e HOLMES, Stephen. Op. Cit., p. 55. 
23
 GALDINO, Flávio. Op. Cit., p. 213. 
O modelo de eficiência de um direito fundamental não pode ser visto sob 
a ótica da maior distribuição possível. Seria simplista demais, aniquilando a 
prórpia igualdade. Deve ser visto na seguinte perspectiva: um direito 
fundamental é eficiente quando, no momento em que é implementado, não 
prejudica o bem-estar dos demais. 
 
Essa é a ótica de PARETO24: a distribuição de recursos se mostra 
eficiente quando não for possível aumentar a utilizade de uma pessoa sem 
reduzir a utilidade de outrem. Nesse sentido, reclama-se que a decisão judicial 
pergunte se não está reduzindo o bem-estar de outrem. “Nesse sentido, as 
normas jurídicas em geral, muito especialmente as normas concretas, e 
notadamente as decisões judiciais, devem ter em vista – como critério mesmo 
da decisão – a máxima eficiência.”25 
 
Enfim, a desconsideração da realidade frusta os resultados esperados 
em qualquer seara. No Rio Grande do Sul a dispensação de medicamentos é 
feita por meio de 494 (quatrocentos e noventa e quatro) farmácias municipais e 
duas farmácias estaduais, estas situadas nos Municípios de Porto Alegre e de 
Santa Maria que não possuem farmácias municipais. Tal fato agrega um 
volume muito maior de procura nestes dois municípios, destaca-se. Ainda, 
existem nove centros de referência no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e 
três Centros de Aplicação de Medicamentos Injetáveis - CAMI. 
 
De acordo com dados apresentados pela Secretaria Estadual da Saúde 
no Simpósio “Direito à Assistência Farmacêutica e Avaliação de Tecnologias de 
Saúde”, promovido nos dias 26 e 27 de novembro de 2008 pelo Ministério 
Público da União, atualmente 41% do orçamento da Secretaria está 
comprometido com o fornecimento de medicamentos, sendo importante 
destacar que 87.966 pacientes (81,08% do orçamento gasto com 
medicamentos) recebem medicamentos especiais (31,70%) e excepcionais 
(68,30%) pela via administrativa e 20.527 pacientes (18,92% do orçamento 
gasto com medicamentos) vêm sendo atendidos pela via judicial. 
 
24
 Vilfredo Pareto (1848-1923), quem deu uma ótica prórpia à eficiência dos direitos. Conferir 
FAGUNDES, Jorge. Fundamentos econômicos das políticas de defesa da concorrência – 
eficiência econômica e distribuição de renda em análise antitruste. São Paulo: Singular, 2003. 
25
 GALDINO, Flávio. Op. Cit., p. 243. 
 
Assim, pode-se perceber que cada decisão judicial contribui para formar 
este custo, gerando um desequilíbrio na distribuição e promoão igualitária do 
direito à saúde. Perceba-se que a política pública estadual de fornecimento de 
medicamentos é eficiente e igualitária, uma vez que 81% dos medicamentos, 
por exemplo, são dispensados de forma administrativa. Assim, é visto que o 
Estado do Rio Gr5ande do Sul vem cumprindo com a implementação do direito 
à saúde. 
 
Com relação à demanda judicial, frisa-se que apenas 14,5% é relativa a 
medicamentos especiais e apenas 8,7% é relativa a medicamentos 
excepcionais prescritos de acordo com os Protocolos de Diretrizes Clínicas e 
Terapêuticas do Ministério da Saúde, ou seja, a maior parte da demanda 
judicial diz respeito ao fornecimento de medicamentos excepcionais sem 
observância dos referidos Protocolos Clínicos (18%) e ao fornecimento 
de outros medicamentos (50,5%), dentre eles os de competência da 
União, dos Municípios ou os que não são fornecidos pelo SUS. 
 
Dessa forma, resta claro que o Estado vem cumprindo com o seu papel 
e as partes recorrem ao Poder Judiciário, em sua maioria, para postular 
tratamentos não contemplados pela política nacional de saúde pública. Essa é 
a decisão trágica que deve ser tomada, em face da escassez de recursos e do 
custo do direito à saúde, sacrificando-se o deferimento de tutelas caríssimas, 
que não possuem qualquer comprovação de eficácia, privilegiando os 
tratamentos eficazes e comprovadamente corretos. 
 
Prova-se que o Estado do Rio Grande do Sul está comprometido no 
fornecimento do direito à saúde, até porque, 18,92% do orçamento da Política 
de Assistência Farmacêutica está destinado ao atendimento de demandas 
judiciais, as quais, conforme já mencionado, destinam-se, em sua maioria, ao 
fornecimento de medicamentos que não competem ao Estado. Não se está 
utilizando da escassez de recursos para furtar-se na promoção dos direitos 
fundamentais. Mas essa escassez do fluxo orçamentário impõe decisões 
racionais em nível político e em nível judicial.Segundo as Resoluções da Câmara de Regulação do Mercado de 
Medicamentos - CMED nº. 3, de 15 de junho de 2005, nº. 4, de 18 de 
dezembro de 2006 e nº 4, de 07 de agosto de 2007, as distribuidoras, as 
empresas produtoras de medicamentos, os representantes, os postos de 
medicamentos, as unidades volantes, as farmácias e drogarias deverão aplicar 
o Coeficiente de Adequação de Preço - CAP ao preço dos produtos definidos 
no art. 2º desta Resolução, sempre que realizarem vendas destinadas a entes 
da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito 
Federal e dos Municípios.” Em 2008 o CAP restou definido em 24,92%, 
conforme metodologia descrita nos anexos I e II da Resolução CMED nº. 4, de 
18 de dezembro de 2006, e é aplicado sobre o Preço Fábrica do produto, 
publicado no sítio eletrônico da ANVISA, descrito no item 3, retirados antes os 
tributos, quando for o caso. 
 
A título de ilustração apresenta-se a simulação de medicamento cujo 
valor de Venda ao Consumidor no Rio Grande do Sul é de R$ 45,88. Caso este 
medicamento fosse adquirido pelo Estado por meio da Distribuidora já 
contratada, mediante licitação, especialmente para o atendimento de 
demandas judiciais, o valor de compra seria o Preço Máximo de fábrica (R$ 
33,19) com um desconto de 25% sobre este valor, o que totalizaria o valor de 
R$ 24,89 (vinte e quatro reais e oitenta e nove centavos). 
 
Desta forma, caso adquirido pelo Estado do Rio Grande do Sul, o valor 
de compra seria 45,74% menor do que o valor de aquisição em balcão por 
consumidor, onerando muito menos o Estado, que, atingido pelo 
seqüestro/depósito judicial, deixa de aplicar recursos no atendimento dos 
pacientes que necessitam de medicação e seguem os trâmites do Sistema 
Único de Saúde. Ainda, conforme já foi afirmado, o fornecimento de 
medicamentos e tratamentos que não são de competência do Estado levam ao 
desvirtuamento dos recursos do Fundo Estadual da Saúde. 
 
Para demonstrar o impacto financeiro das ações judiciais no âmbito da 
Assistência Farmacêutica, demonstra-se o ano de 2007, no qual foram 
gastos na via judicial R$ 22.586.183,27 (vinte e dois milhões, quinhentos e 
oitenta e seis mil cento e oitenta e três reais e vinte e sete centavos) para 
compra de medicamentos e R$ 27.736.962,73 (vinte e sete milhões, 
setecentos e trinta e seis mil, novecentos e sessenta e dois reais e 
setenta e três centavos) para bloqueios/depósitos, e na via administrativa 
R$ 99.295.754,46 (noventa e nove milhões, duzentos e noventa e cinco 
mil, setecentos e cinqüenta e quatro reais e quarenta e seis centavos)26. 
 
Nesta senda, o prejuízo causado aos cofres públicos pelos bloqueios 
judiciais e ordens de depósito não pode ser ignorado, porque em sua 
decorrência o Estado do Rio Grande do Sul deixa de aplicar o Coeficiente de 
Adequação de Preço. E esse custo deve ser levado em conta nas decisões 
judiciais. 
 
Não há mais saída senão voltar-se para um leitura pragmática dos 
direitos fundamentais. Em 2006, verbas públicas destinadas à compra de 
cadeiras para salas-de-aula foram bloqueadas para custear tratamento de 
apenas um paciente. Ontem, foram as cadeiras escolares que não chegaram; 
amanhã, poderão ser os vencimentos, os proventos, os salários... . 
 
Uma leitura pragmática dos direitos fundamentais reclama que se insira 
em seu conceito os custos que a esse direito são elevados. “Desse modo, 
antes de se afirmar que uma pessoa determinada possui um direito 
fundamental determinado, há de se analisar os custos desse direito e, somente 
diante da confirmação de que há possibilidades reais de atendimento ao ainda 
então invocado direito, reconhecer-se tal postulação como direito 
fundamental.”27 
 
Se quisermos ler o art. 196, da CF/88, que façamos uma de TODO o 
artigo. Impossível fechar os olhos para o teor discricionário da parte final. 
E, nesse sentido, se quisermos interpretar a Constituição, que façamos 
de forma a concretizá-la, ou seja, para além do texto, sem nos 
desgarramos da realidade que nos cerca, leia-se: escassez de recursos. 
 
 
26
 Dados extraídos da entrevista ao site “Judiciário e Sociedade”, concedicda pela Dra. Janaína 
Barbier Gonçalves – (<http://magrs.net>); este site é mantido pelo Juiz de Direito Gilberto 
Schaffer. 
27
 GALDINO, Flávio. Op. Cit., p. 342. 
Retomando a citação inicial do grande historiador Sérgio Buarque de 
Holanda, promove-se aqui a desmistificação dos direitos fundamentais, 
fundados, assim postos, em uma realidade imaginária. Espera-se, 
sinceramente, que hoje, neste exato momento, supere-se o senso comum de 
tantas decisões copiadas e coladas para dar lugar a uma análise pragmática da 
matéria posta em debate. 
 
Conclusão 
 
Dessa forma, roga-se que a decisão a ser tomada no importante 
processo judicial que corre na mais alta Corte de Justiça nacional leve em 
conta: 
(a) que existe uma desigualdade provocada pelas decisões judiciais 
concessivas de tratamento de saúde; 
(b) os reflexos econômicos gerados, extremamente deletérios aos 
demais membros da sociedade; 
(c) os custos do direito à saúde, suportados por uma realidade trágica, 
que dimana decisões políticas trágicas;

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