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O CUSTO DO DIREITO À SAÚDE E A NECESSIDADE DE DE UMA DECISÃO REALISTA: UMA OPÇÃO TRÁGICA Juliano Heinen1 (...) ainda quando se punham a legiferar ou a cuidar de organização e coisas práticas, nossos homens de idéias eram, em geral, puros homens de palavras e livros; não saiam de si mesmos, de seus sonhos e imaginações. Tudo assim conspirava para a fabricação de uma realidade artificiosa e livresca, onde nossa vida verdadeira morria asfixiada. (HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 18ª ed. São Paulo: Campanhia das Letras, 1995, p. 163). Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-Ia em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. (Ag. Regimental no RE nO 410.715-SP, reI. Min. Celso de Mello, 2' Turma do STF, DJU de 03.02.06, p. 76). 1 Da realidade que nos cerca Duas dificuldades surgem, de imediato, no instante em que se tenta definir qual o reduto do mínimo existencial: a) qual a maneira de impementar, em um país de miseráveis como o Brasil, políticas públicas que assegurem o básico indispensável à sobrevivência digna aos cidadãos; b) a impossibilidade de antemão (apriorísticamente e teóricamente) definir o mímino que cada 1 Procurador de Estado do Rio Grande do Sul. Mestre em Direito/UNISC. Professor de graduação e pós-graduação. pessoa faz jus, uma vez que esta definição somente surge no caso concreto, sem desconsiderar a macro perscpectiva social. A primeira limitação que se impõe consiste na impossibilidade de definir a existência de um direito subjetivo de um membro da sociedade com uma visão do caso concreto desconexa do entorno em que se insere. É imperioso enquadrar tal necessidade em uma perspectiva geral, a fim de que o interesse de todos não seja sacrificado em face de uma demanda individual. Enfim, sopesar o custo social de uma concessão individual, cujo atendimento frustraria a própria idéia de segurança jurídica compartilhada. É imperioso que se insira o ato de governo ou o ato judicial em uma perspectiva coletiva, que satisfassa o bem comum, não somente uma perspectiva individual. Não são raras as decisões administrativas e judiciais que, em face de uma visão estanque e indualizada da realidade, buscam atender uma demanda específica apresentada, a qual, em última instância, pode chegar a comprometer todo. A proteção do interesse social perde quando se atenta somente à proteção individual. É óbvio que não se pode exigir dos entes públicos condutas não- razoáveis. Até porque, a carência de recursos “(...) consubstancia limitação certa quando da definição da obrigação governamental de agir diante de uma dada realidade, seja na via judiciária, seja na via administrativa.”2 Os direitos prestacionais, como o direito à saúde, possuem um custo3, o que delimita sua dependência financeira, intransponível pelo próprio Estado. Afinal, (...) comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese - mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de 2 CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo – parte geral, intervenção do estado e estrutura da administração. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 604. 3 Conferir as referências feitas por Stephen Holmes e Cass R. Sunstein (The Cost of Rights, 1999, Norton, New York). frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência”. Enfim, “(...) a cláusula da ‘reserva do possivel’ - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferivel- não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade4. Quando o Poder Judiciário decide se os parcos recursos existentes deverão tratar milhares de vítimas de doenças comuns ou um pequeno número de doentes terminais, faz política pública. E, em sendo assim, faz uma opção. E optar é, no âmbito dos parcos recursos, subtrair de alguém para dar a outrem. Fica a advertência da doutrinadora Raquel Urbano Melo de Carvalho, que, com a máxima ponderação, definiu que o Estado, “(...) ao ser compelido, por decisão judidicial a arcar com despesas que exorbitam seu âmbito regular de atuação em matéria de política pública, (...) tem de destinar parte dos recursos, já escassos, para atendimento específico das ações propostas, em detrimento de outros tantos cidadãos que necessitam de procedimentos e medidas cuja efetivação e/ou prestação também lhe compete. O caráter temerário desta situação não vem passando desapercebido aos Julgadores.”5 Na Apelação Cível n° 70009173915-RS, reI. Des. Newt on Carpes da Silva, oriunda da 1ª Câmara Cível do TJRS, ao analisar a realidade do país e afirmar que “Milhares de brasileiros bombam mortos todos os dias, pela fome, frio de desassistência do Poder Público. Milhões de tantos outros carecem com a falta de saneamento, infra-estrutura, moradia, água potável e energia elétrica”, e que “No campo assistencial a situação nacional não é melhor, pois faltam leitos nos hospitais, faltam hospitais públicos, faltam remédios, médicos e estrutura às casas de saúde destinadas ao atendimento público", concluiu ser 4 Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 185, p. 794-796. 5 Curso de Direito Administrativo – parte geral, intervenção do estado e estrutura da administração. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 609. totalmente despida de razão o comando judicial que determinou o Estado a arcar com gastos “(...) improvados.”. Não se pode ignorar que, no Brasil, já não são poucos os que recorrem ao Poder Judiciário, e, no Estado do Rio Grande do Sul, as demandas de saúde superam, em larga escala, os demais entes da federação. Apesar da avalanche incessante de processos que se avolumam nos últimos anos no Judiciário, porque não é pequena a parcela da população que tem acesso à jurisdição. Fica o alerta: É necessário que não se permita, diante de uma questão capaz de repercutir diretamente na vida dos demais membros da sociedade, decidir apenas com base na paixão isolada, no altruísmo ou no anseio humano de atender àquela pretensão específica posta para julgamento. O que se busca é um meio de compatibilizar o texto constitucional à realidade de um país carente e os instrumentos de ação pública que, implementados, conduzam à maior efetividade possível das políticas sociais. Esta compatibilização não deve se dar exclusivamente no Judiciário, nem mesmo à margem do estrito controle de juridicidade e muito menos com invasão da discricionariedade, tornando o Poder Judiciário, em uma última análise, como um um “mero carimbador de decisões políticas”6. A construção ponderada das decisões judiciais não ignora a realidade em que se insere. A reflexão dos limites em que nos encontramos deve ser sopesada, “(...) com repugnância à malversação de recursos do erário, à megalomania noatendimento individualizado de demandas desarrazoadas e à tantas vezes criminosa inatividade estatal.”7 2 Da escassez de bens – necessidade de uma decisão realista 6 FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O controle judicial das políticas pÚblícas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 86. 7 Curso de Direito Administrativo – parte geral, intervenção do estado e estrutura da administração. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 611. Cabe refletirmos que, se não houvesse a escassez dos bens, não haveira porque se ter economia. Mas essa escassez existe, o que inflete um conflito entre valores (bens). A pergunta que se deve fazer é: como resolver a ponderação? Os juristas normalmente encontram respostas no vazio da proporcionalidade, no vácuo da ponderação, na metafísica razoabilidade. Contudo, a posição jurídica é por deveras ampliada se assim posta, uma vez que se trata não de uma ponderação, de uma proporcionalidade ou de uma razoabildiade, mas sim, em última análise, de uma simples opção. O jurista opta, sim, entre dois valores: ou protege a vida de um, em detrimento de se alocar recursos a muitos, ou se opta pela coletividade emn detrimento do direito subjetivo de um só. Está posta a opção, sem maiores floreios, nua. Opção implica sacrifício. Não há qualquer margem de fuga. “Em muitas situações, seja qual for a solução (isto é, ainda que seja a melhor ou a mais justa ou a que atende ao maior número), é uma opção trágica.”8. A escassez de recursos públicos impõe sacrifícios, impedindo que se resolvam todos os anseios da sociedade, por mais imprescindíveis que sejam. Assim, o agente público fica obrigado, à margem de sua vontade pessoal, a que faça escolhas9. Escolhas sempre trágicas10. O mundo em que se depara, o mundo real, não aquele dos autos, dos processos, possui limites às exigências absolutas. A realização dos fins sociais deverá necessariamente acarretar o sacrifício de outros. “Assim, quando afirmados direitos que demandam prestações estatais entram em choque, é inevitável uma opção, trágica no sentido de que algum não será atendido (ao menos em alguma medida).”11. Sejamos sensatos: não há recursos para todas as aspirações sociais – educação, saúde, lazer, segurança,... . Assim, em um dado momento, tanto o 8 GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos – direitos não nascem em árvores. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 159. 9 CALABRESI, Guido, et BOBBIT, Philip. Tragic Choices - The conflicts society confronts in the allocation oftragically scarce resources. New York/London: W. W. Norton & Company. 1978. 10 GALDINO, Flávio. Op. Cit., p. 159. 11 GALDINO, Flávio. Op. Cit., p. 159. jurista quanto o político terão de optar, o que será, sempre e sempre, uma escolha trágica, uma trade-off12. O Estado constantemente efetua opções no limiar de um apertado orçamento. As escolhas, na sua maioria, são dramáticas, porque não se pode atender à educação e à saúde na mesma medida. Mas o nível de saúde e de educação oferecidos são iguais para todos, ainda que menores do que se deveria atender. Quando o magistrado decide fornecer um medicamento, um tratamento, enfim, a um indivíduo isoladamente, promove uma desigualdade em uma situação de iguais13. Nesse “ambiente de tragédias” não há sequer espaço para a ponderação de valores, ou para que se firmem compromissos. Há apenas uma escolha, que gerará sacrifícios, mas que jamais pode gerar desigualdades. A racionalidade econômica deve nortear as escolhas, porque é ela quem fomenta a realidade. O próprio Keynes14, talvez quem mais tenha influenciado e teorizado as perspectivas econômicas do orçamento público, afirmava que o déficit orçamentário impóe limites à atuação do Estado. A superação do ciclo depressivo somente pode ser feita com escolhas racionais, mas sempre tomando por base a variável econômica que permeia. Dessa forma, as esolhas jurídicas devem tomar em conta a variável econômica que permeia as escolhas. O deferimento ou indeferimento de um pleito não pode ignorar a realidade, enfim, a escassez de recursos econômicos. “Na verdade, de modo geral, sequer são cogitados os efeitos econômicos das decisões judiciais. De fato, sem pledo de incorrer em rigor excessivo, é possível afirmar que a análise jurídica ignora quase completamente as variáveis econômicas envolvIdas nas questões que lhe são postas para solução. Em primeiro lugar, o juiz possui um ambiente de visão limitado pelas pretensões postas pelas partes, ignorando os efeitos sociais dos seus julgados 12 Uma escolha dentro destas inúmeras oportunidades. 13 POSNER, Richard. Frontiers of legal theory. Cambridge: Harvard University Press. 2001, p. 136. 14 John Maynard Keynes. – o que limita o seu conjunto de oportunidades (e, portanto, as escolhas disponíveis), o que afeta a qualidade da decisão.”15. Os custos e as possibilidades reais merecem ser considerados. Merecem aparecer no limiar das decisões judiciais, sob pena de se negar a realidade e se optar, aqui em uma literal tragédia, pela utopia. A utilização da norma para conferir eficácia irrestrita de direitos é conduta que abstrai os efeitos colateráis (consequências) dessa posição extrema, por deveras prejudiciais aos demais membros da sociedade. É conduta que produz uma perversa desigualdade entre aqueles que podem procurar a justiça, em detrimento daqueles que não podem. Há que se ter uma noção entre aquilo que é necessário, daquilo que é possível. Assim sendo, a realidade finalmente projeta raios de luz sobre o antes hermeticamente fechado pensamento jurídico e seu produto, o "mundo jurídico". O operador jurídico, ainda sem conseguir incluir na medida necessária a realidade em seu espectro de considerações, passa a ter em conta ao menos as impossibilidades materiais das prestações públicas, ainda que os direitos a tais prestações estejam expressamente previstos no texto constitucional e, nesta qualidade, sejam objeto de reconhecimento em sede jurisdicional.16 Um novo movimento jurídico toma conta, pugnando pela consideração da realidade como fator determinante, como fator primeiro, deixando-se de lado a orientação “normativista”, redutora dos próprios direitos. A impossibilidade material arrasa completamente a despreocupada e descomprometida “orientação normativista”. É chegada a hora de o jurista deixar de se “esconder” por detrás das normas, que na sua abstração podem tudo, para olhar firme à escassez 15 GALDINO, Flávio. Op. Cit., p. 161. 16 GALDINO, Flávio. Op. Cit., p. 191. conjuntural do Estado. É certo que a realidade por vezes amedronta. Mas ela é verdadeira17. Uma pessoa tem direito (inúmeros deles, por sinal). Mas sua implementação não pode ser destacada da mínima verificação das possibilidades materiais de colocação prática. A “análise jurídica tradicional” verifica somente a norma para o reconhecimento da existência de um direito subjetivo, independentemente da verificação de suas possibilidades reais de consecução. Como se perceberá, muito embora esta postura acarrete diversas van- tagens, implica também conseqüências extremamente desvantajosas. Perceber-se-á, muito claramente, que esta é uma decisão com efeitos vantajosos efêmeros e imediatos, mas com efeitos desastrosos e mediatos. “É muito interessante notar que a posição em tela é dada por alguns como ‘essencialmente correta’, e sequer chega ser seriamente questionada.”18 2.3 Dos custos dos direitos É preciso destacar que todos os direitos,mesmo aqueles negativos, possuem um custo ao Estado. Não só a implementação, mas principalmente a manutenção agrega uma despesa pública, o que permite concluir que em todos os direitos, mesmo aqueles de defesa, há um caráter prestacional19. Cass Sunstein e Stephen Holmes, em uma obra que se tornou um clássico mundial (“The cost of rights”) são peremptórios: os direitos somente 17 Refere o Min. Eros Roberto Grau: “(...) a situação que se manifesta quando inexistem recursos suficientes para que a administração possa cumprir determinada ou determinadas decisões judiciais.” – “Despesa pública - conflito entre princípios e eficácia das regras jurídicas - o princípio da sujeição da administração às decisões do Poder Judiciário e o princípio da legalidade da despesa pública”. in Revista Trimestral de Direito Público, v. 2, p. 130-148, trecho retirado da p. 144. 18 GALDINO, Flávio. Op. Cit., p. 195. 19 GALDINO, Flávio. O custo dos direitos. In: TORRES, Ricardo Lobo. A legitimação dos Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 139-222. podem ser prestados onde haja orçamento suficiente20. Afinal, “(...) tomar os direitos a sério significa tomar a sério a escassez dos recursos públicos”21. Dessa forma, a conceituação e implementação dos direitos fundamentais deve, inexoravelmente, tomar em consideração o custo dos direitos e a escassez de recursos. Logo, a decisão que determina ou não o fornecimento do direito fundamental, não pode se desgarradar do custo do próprio direito, e, principalmente, da escassez de recursos existente. A decisão judicial deve avaliar a escassez do fluxo orçamentário, uma vez que a determinação da consecução do direito à saúde deflagra uma desestruturação nas contas públicas, prejudicando os demais direitos, ou mesmo, o próprio direito à saúde aos outros indivíduos22. Se a escassez é notória (não há recursos públicos para atender a todos), a decisão judicial nada mais faz do que escolher quem será ou não atendido e quem será ou não excluído, criando um privilégio jamais encontrado na Constituição Federal. A escolha de quem está protegido ou de quem está desprotegido não pode ser feita de forma individual, mas sim, de forma coletiva, neste último caso, privilegiando as massas menos favorecidas. E é esta opção é feita pelo Estado do Rio Grande do Sul, por meio das suas políticas públicas de saúde, fornecendo o acesso à saúde nos limites do seu rol de competências estatuído pela Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional. Então, entende-se que “(...) somente uma errônea compreensão dos direitos (que ignore seus custos) pode sustentar a tese de qie os mesmos geram irresponsabilidades em relação aos deveres correlatos. Assim, a falsa idéia de que alguns direitos não custam, pu são gratuitos, essa sim gera irresponsabilidade.”23 Dessa forma, torna-se responsável entender que os direitos só existemn se existem recursos. E esses recursos não existem. 20 SUNSTEIN, Causs e HOLMES, Stephen. The cost of rights. Cambridge: Harvard University Press, 1999, p. 14-15. 21 GALDINO, Flávio. Op. Cit., p. 210. 22 SUNSTEIN, Causs e HOLMES, Stephen. Op. Cit., p. 55. 23 GALDINO, Flávio. Op. Cit., p. 213. O modelo de eficiência de um direito fundamental não pode ser visto sob a ótica da maior distribuição possível. Seria simplista demais, aniquilando a prórpia igualdade. Deve ser visto na seguinte perspectiva: um direito fundamental é eficiente quando, no momento em que é implementado, não prejudica o bem-estar dos demais. Essa é a ótica de PARETO24: a distribuição de recursos se mostra eficiente quando não for possível aumentar a utilizade de uma pessoa sem reduzir a utilidade de outrem. Nesse sentido, reclama-se que a decisão judicial pergunte se não está reduzindo o bem-estar de outrem. “Nesse sentido, as normas jurídicas em geral, muito especialmente as normas concretas, e notadamente as decisões judiciais, devem ter em vista – como critério mesmo da decisão – a máxima eficiência.”25 Enfim, a desconsideração da realidade frusta os resultados esperados em qualquer seara. No Rio Grande do Sul a dispensação de medicamentos é feita por meio de 494 (quatrocentos e noventa e quatro) farmácias municipais e duas farmácias estaduais, estas situadas nos Municípios de Porto Alegre e de Santa Maria que não possuem farmácias municipais. Tal fato agrega um volume muito maior de procura nestes dois municípios, destaca-se. Ainda, existem nove centros de referência no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e três Centros de Aplicação de Medicamentos Injetáveis - CAMI. De acordo com dados apresentados pela Secretaria Estadual da Saúde no Simpósio “Direito à Assistência Farmacêutica e Avaliação de Tecnologias de Saúde”, promovido nos dias 26 e 27 de novembro de 2008 pelo Ministério Público da União, atualmente 41% do orçamento da Secretaria está comprometido com o fornecimento de medicamentos, sendo importante destacar que 87.966 pacientes (81,08% do orçamento gasto com medicamentos) recebem medicamentos especiais (31,70%) e excepcionais (68,30%) pela via administrativa e 20.527 pacientes (18,92% do orçamento gasto com medicamentos) vêm sendo atendidos pela via judicial. 24 Vilfredo Pareto (1848-1923), quem deu uma ótica prórpia à eficiência dos direitos. Conferir FAGUNDES, Jorge. Fundamentos econômicos das políticas de defesa da concorrência – eficiência econômica e distribuição de renda em análise antitruste. São Paulo: Singular, 2003. 25 GALDINO, Flávio. Op. Cit., p. 243. Assim, pode-se perceber que cada decisão judicial contribui para formar este custo, gerando um desequilíbrio na distribuição e promoão igualitária do direito à saúde. Perceba-se que a política pública estadual de fornecimento de medicamentos é eficiente e igualitária, uma vez que 81% dos medicamentos, por exemplo, são dispensados de forma administrativa. Assim, é visto que o Estado do Rio Gr5ande do Sul vem cumprindo com a implementação do direito à saúde. Com relação à demanda judicial, frisa-se que apenas 14,5% é relativa a medicamentos especiais e apenas 8,7% é relativa a medicamentos excepcionais prescritos de acordo com os Protocolos de Diretrizes Clínicas e Terapêuticas do Ministério da Saúde, ou seja, a maior parte da demanda judicial diz respeito ao fornecimento de medicamentos excepcionais sem observância dos referidos Protocolos Clínicos (18%) e ao fornecimento de outros medicamentos (50,5%), dentre eles os de competência da União, dos Municípios ou os que não são fornecidos pelo SUS. Dessa forma, resta claro que o Estado vem cumprindo com o seu papel e as partes recorrem ao Poder Judiciário, em sua maioria, para postular tratamentos não contemplados pela política nacional de saúde pública. Essa é a decisão trágica que deve ser tomada, em face da escassez de recursos e do custo do direito à saúde, sacrificando-se o deferimento de tutelas caríssimas, que não possuem qualquer comprovação de eficácia, privilegiando os tratamentos eficazes e comprovadamente corretos. Prova-se que o Estado do Rio Grande do Sul está comprometido no fornecimento do direito à saúde, até porque, 18,92% do orçamento da Política de Assistência Farmacêutica está destinado ao atendimento de demandas judiciais, as quais, conforme já mencionado, destinam-se, em sua maioria, ao fornecimento de medicamentos que não competem ao Estado. Não se está utilizando da escassez de recursos para furtar-se na promoção dos direitos fundamentais. Mas essa escassez do fluxo orçamentário impõe decisões racionais em nível político e em nível judicial.Segundo as Resoluções da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos - CMED nº. 3, de 15 de junho de 2005, nº. 4, de 18 de dezembro de 2006 e nº 4, de 07 de agosto de 2007, as distribuidoras, as empresas produtoras de medicamentos, os representantes, os postos de medicamentos, as unidades volantes, as farmácias e drogarias deverão aplicar o Coeficiente de Adequação de Preço - CAP ao preço dos produtos definidos no art. 2º desta Resolução, sempre que realizarem vendas destinadas a entes da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.” Em 2008 o CAP restou definido em 24,92%, conforme metodologia descrita nos anexos I e II da Resolução CMED nº. 4, de 18 de dezembro de 2006, e é aplicado sobre o Preço Fábrica do produto, publicado no sítio eletrônico da ANVISA, descrito no item 3, retirados antes os tributos, quando for o caso. A título de ilustração apresenta-se a simulação de medicamento cujo valor de Venda ao Consumidor no Rio Grande do Sul é de R$ 45,88. Caso este medicamento fosse adquirido pelo Estado por meio da Distribuidora já contratada, mediante licitação, especialmente para o atendimento de demandas judiciais, o valor de compra seria o Preço Máximo de fábrica (R$ 33,19) com um desconto de 25% sobre este valor, o que totalizaria o valor de R$ 24,89 (vinte e quatro reais e oitenta e nove centavos). Desta forma, caso adquirido pelo Estado do Rio Grande do Sul, o valor de compra seria 45,74% menor do que o valor de aquisição em balcão por consumidor, onerando muito menos o Estado, que, atingido pelo seqüestro/depósito judicial, deixa de aplicar recursos no atendimento dos pacientes que necessitam de medicação e seguem os trâmites do Sistema Único de Saúde. Ainda, conforme já foi afirmado, o fornecimento de medicamentos e tratamentos que não são de competência do Estado levam ao desvirtuamento dos recursos do Fundo Estadual da Saúde. Para demonstrar o impacto financeiro das ações judiciais no âmbito da Assistência Farmacêutica, demonstra-se o ano de 2007, no qual foram gastos na via judicial R$ 22.586.183,27 (vinte e dois milhões, quinhentos e oitenta e seis mil cento e oitenta e três reais e vinte e sete centavos) para compra de medicamentos e R$ 27.736.962,73 (vinte e sete milhões, setecentos e trinta e seis mil, novecentos e sessenta e dois reais e setenta e três centavos) para bloqueios/depósitos, e na via administrativa R$ 99.295.754,46 (noventa e nove milhões, duzentos e noventa e cinco mil, setecentos e cinqüenta e quatro reais e quarenta e seis centavos)26. Nesta senda, o prejuízo causado aos cofres públicos pelos bloqueios judiciais e ordens de depósito não pode ser ignorado, porque em sua decorrência o Estado do Rio Grande do Sul deixa de aplicar o Coeficiente de Adequação de Preço. E esse custo deve ser levado em conta nas decisões judiciais. Não há mais saída senão voltar-se para um leitura pragmática dos direitos fundamentais. Em 2006, verbas públicas destinadas à compra de cadeiras para salas-de-aula foram bloqueadas para custear tratamento de apenas um paciente. Ontem, foram as cadeiras escolares que não chegaram; amanhã, poderão ser os vencimentos, os proventos, os salários... . Uma leitura pragmática dos direitos fundamentais reclama que se insira em seu conceito os custos que a esse direito são elevados. “Desse modo, antes de se afirmar que uma pessoa determinada possui um direito fundamental determinado, há de se analisar os custos desse direito e, somente diante da confirmação de que há possibilidades reais de atendimento ao ainda então invocado direito, reconhecer-se tal postulação como direito fundamental.”27 Se quisermos ler o art. 196, da CF/88, que façamos uma de TODO o artigo. Impossível fechar os olhos para o teor discricionário da parte final. E, nesse sentido, se quisermos interpretar a Constituição, que façamos de forma a concretizá-la, ou seja, para além do texto, sem nos desgarramos da realidade que nos cerca, leia-se: escassez de recursos. 26 Dados extraídos da entrevista ao site “Judiciário e Sociedade”, concedicda pela Dra. Janaína Barbier Gonçalves – (<http://magrs.net>); este site é mantido pelo Juiz de Direito Gilberto Schaffer. 27 GALDINO, Flávio. Op. Cit., p. 342. Retomando a citação inicial do grande historiador Sérgio Buarque de Holanda, promove-se aqui a desmistificação dos direitos fundamentais, fundados, assim postos, em uma realidade imaginária. Espera-se, sinceramente, que hoje, neste exato momento, supere-se o senso comum de tantas decisões copiadas e coladas para dar lugar a uma análise pragmática da matéria posta em debate. Conclusão Dessa forma, roga-se que a decisão a ser tomada no importante processo judicial que corre na mais alta Corte de Justiça nacional leve em conta: (a) que existe uma desigualdade provocada pelas decisões judiciais concessivas de tratamento de saúde; (b) os reflexos econômicos gerados, extremamente deletérios aos demais membros da sociedade; (c) os custos do direito à saúde, suportados por uma realidade trágica, que dimana decisões políticas trágicas;
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