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Efeitos_da_Coisa_Julgada_Jose_Algusto_Delgado

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* Texto básico da palestra proferida, em Fortaleza, no dia 20 de dezembro de 2000, no I 
Simpósio de Direito Público da Advocacia-Geral da União, 5ª Região, promovido pelo 
Centro de Estudos Victor Nunes Leal. 
DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: 
NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada inconstitucional. Rio de 
Janeiro: América Jurídica, 2004. p. 29-67. 
EFEITOS DA COISA JULGADA E OS PRINCÍPIOS 
CONSTITUCIONAIS* 
JOSÉ AUGUSTO DELGADO 
Ministro do Superior Tribunal de Justiça 
 
 
SUMARIO: 1. Introdução. 2. Conceito da 
coisa julgada. Revisitação do tema. 3. As 
sentenças transitadas em julgado, porém, 
injustas, contrárias à moralidade, à 
realidade dos fatos e à Constituição. 4. A 
preocupação da doutrina com as sentenças 
injustas, Violadoras da moralidade e dos 
princípios constitucionais. 5. Alguns 
posicionamentos da doutrina e da 
jurisprudência sobre a coisa julgada quando 
formada com os vícios acima apontados. 6. 
Considerações finais. 
1. INTRODUÇÃO 
A ciência do direito é formada por proposições verdadeiras 
oriundas de investigações desenvolvidas pela via de um sistema lógico. 
Ela é a soma de conhecimentos práticos e humanos considerados de 
forma conjuntural e que visam regular as relações do homem com o seu 
semelhante e com entidades grupais estatais ou não. 
A sua função é a de estudar normas jurídicas elaboradas ou a 
serem lançadas no ordenamento legal em uma determinada época ou 
lugar. 
Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
O êxito da aplicação dos seus princípios e regras depende da 
interpretação que a eles forem dadas pelos homens que irão aplicá-los e 
que o fazem, de modo filtrado, porém, subordinados à sua consciência e 
aos seus conhecimentos. 
A ciência jurídica enfrenta, muitas vezes, o perigo de ser 
adotada, na conduta hermenêutica seguida para as suas normas por 
determinada maioria, ou por unanimidade de intérpretes, uma postura 
com condicionamentos não verdadeiros, o que cria uma falsa aparência de 
sua efetividade. Esse panorama, contudo, quando examinado em face de 
determinadas situações concretas, revela-se instável e passa a exigir 
novas reflexões e, conseqüentemente, aperfeiçoamento para o 
funcionamento das entidades jurídicas. 
A ciência do direito é essencialmente normativa. Há, portanto, 
de ser vinculada à realidade do mundo que recebe a sua aplicação e ao 
estado das coisas. 
A sua concretização não pode ser feita de modo que sejam 
transformados fatos não verdadeiros em reais, provocando, assim, choque 
com o racional e com a organização natural e material dos casos 
vivenciados pelo ser humano e pela sociedade. 
Na época contemporânea não há lugar para imposição de 
idéias como as pregadas por Ernest Roguin, em 1923, em sua obra 
intitulada Ciência Jurídica Pura (F. Rouge, ed., 3 vols., Lausanne), de que 
o estudo das relações jurídicas deve ser feito com isenção total de 
qualquer consideração do justo ou do injusto, sem se considerar os 
aspectos objetivos e subjetivos dos fatos e das verdades que se vinculam 
ao âmbito desses fenômenos. 
Na atualidade, a função da ciência jurídica é, além de impor 
regras ao comportamento individual e social do homem e do Estado, de 
 
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NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada inconstitucional. Rio de 
Janeiro: América Jurídica, 2004. p. 29-67. 
Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
garantir o fortalecimento das instituições responsáveis pelo 
desenvolvimento da pessoa humana e zelar pela valorização de entidades 
guardiãs de valores específicos, como são os que defendem a obediência 
rigorosa aos princípios da legalidade, da moralidade, da eficácia, da 
publicidade, da impessoalidade e da justiça. 
Se outro rumo for dado à ciência jurídica, que não o de buscar 
o justo, ela assumirá características de uma ciência triste, igualando-se ao 
que Carlyle, historiador inglês do século passado, considerou com 
referência à economia pública, por colocar o cientista diante de insolúveis 
e graves problemas sociais. 
A ciência jurídica há de evidenciar, ao regular situações 
concretas existentes no mundo onde ela atua, a ocorrência de decisões 
justas e legais, revelando a expressão total do direito que ela encerra. 
Um dos patamares a ser explorado, a fim de que essa situação 
apresente-se consolidada, é a vinculação absoluta que deve ter aos 
princípios da legalidade e da moralidade. Ambos com destinações 
diversas, porém, interligados de modo absoluto. 
Concebe-se a obediência ao princípio da moralidade na 
aplicação e interpretação do direito como sendo a mais relevante ação 
para determinar a estabilização das relações jurídicas. 
A ele (princípio da moralidade) subordina-se qualquer conduta 
estatal ou privada. A ele submete-se a própria supremacia da lei. Esta, 
como pregou Montesquieu e os autores da Revolução Francesa, "é o 
primado da razão, conseqüentemente da justiça. O direito, para eles, não 
é criação arbitrária, fruto de qualquer volunté momentanée et capricieuse 
(De L’ esprit de Lois, cit, Livro II, cap. 4). E a descoberta do justo pela 
razão dos representantes, pelo que, conseqüentemente, 'a lei não tem o 
direito de vedar senão as ações prejudiciais à sociedade “(Declaração de 
 
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1789, art. 5o, primeira parte (cf. nosso Do Processo Legislativo, n° 32). 
(Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Comentários à Constituição Brasileira de 
1988, v. 1, Saraiva, 1990, p. 28-29). 
Surge, em razão do acima afirmado, a concepção de que as 
leis, ao serem aplicadas pelo Poder Judiciário, estão diretamente 
vinculadas aos princípios da moralidade e da legalidade, só 
desenvolvendo-se validamente, isto é, só existindo e tornando-se válido, 
eficaz e efetivo quando não expressarem abusos e não ultrapassarem os 
limites por eles impostos. 
Exige-se, assim, que o Poder Judiciário, instituição responsável 
pela aplicação coercitiva do direito, esteja mais assujeitado ao 
cumprimento da moralidade do que o Executivo e o Legislativo, por lhe 
caber defender, como Poder Estatal, o rigorismo ético nos padrões de sua 
própria conduta e dos seus jurisdicionados. 
O decisum emitido pelo Poder Judiciário deve exprimir 
confiança, prática da lealdade, da boa-fé e, especialmente, configuração 
de moralidade. 
Essa expressão de moralidade é reflexo dos sonhos 
democráticos que o povo deposita no exercício do poder e na legitimidade 
da atividade jurisdicional. 
Esse pensamento foi inspirado na lição de Diva Malerbi, in "O 
Princípio da Moralidade no Direito Tributário", artigo publicado na obra 
com o mesmo nome, Pesquisas Tributárias - Nova Série-2, coordenada 
por lves Gandra da Silva Martins, Editora Revista dos Tribunais e Centro 
de Extensão Universitária, p. 57. A referida autora acrescenta, no que 
estou de pleno acordo, que: 
"Em conseqüência, a moralidade no contexto dos princípios 
erigidos à administração pública, guarda primazia, pois toda 
 
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Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
atuação estatal deve partir e buscar a dimensão ética.No 
Estado Democrático de Direito, a legalidade legitima da 
conduta administrativa é, simplesmente, legalidade moral. A 
moralidade do direito é, assim, o aperfeiçoamento das 
atividades da administração pública." 
Essas idéias são aplicáveis, de modo direto, à atuação do 
Poder Judiciário na função de dizer o direito em caso concreto e com 
reflexos nos fenômenos gerados pela coisa julgada. 
A supremacia do princípio da moralidade exige que o Estado, 
por qualquer um dos seus três poderes, atue de modo subordinado às 
suas regras e seja condutor dos valores a serem cumpridos pela 
organização social. 
No particular a decisão judicial, expressão maior de atuação 
do Poder Judiciário, deve expressar compatibilidade com a realidade das 
coisas e dos fatos naturais, harmonizando-se com os ditames 
constitucionais e ser escrava obediente da moralidade e da legalidade. 
Nenhuma prerrogativa excepcional pode ser outorgada à 
sentença judicial que provoque choque com o sistema constitucional 
adotado pela Nação e que vá além dos comandos emitidos pelos princípios 
acima mencionados. 
O decisum judicial não pode ter carga de vontade da pessoa 
que o emitiu. Ele deve representar a finalidade determinada pela lei, por 
ser essa configuração uma exigência da opção pelo regime democrático 
que fez a Nação. 
O Estado, em sua dimensão ética, não protege a sentença 
judicial, mesmo transitada em julgado, que bate de frente, com os 
princípios da moralidade e da legalidade, que espelhe única e 
exclusivamente vontade pessoal do julgador e que vá de encontro à 
realidade dos fatos. 
 
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Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
A moralidade está ínsita em cada regra posta na Constituição 
e em qualquer mensagem de cunho ordinário ou regulamentar. Ela é 
comando com força maior e de cunho imperativo, reinando de modo 
absoluto sobre qualquer outro princípio, ate mesmo sobre o da coisa 
julgada. A moralidade é da essência do direito. A sua violação, quer pelo 
Estado, quer pelo cidadão, não gera qualquer tipo de direito. Este inexiste, 
por mais perfeito que se apresente no campo formal, se for expresso de 
modo contrário à moralidade. 
Faço coro ao dizer de Carmem Lúcia Antunes Rocha que "a 
exigência da moralidade administrativa firmou-se como um dos baluartes 
da confiança do povo no próprio Estado", sendo "não apenas Direito, mas 
direito público subjetivo do cidadão: todo cidadão tem direito ao governo 
honesto" (Princípios Constitucionais da Administração Pública, Del Rey, 
Belo Horizonte, 1994, p. 190). 
Interpreto a lição de Carmem Lúcia como adequada e aplicada 
ao fenômeno sentencial e da coisa julgada. Estas entidades processuais só 
se afirmam como verdadeiras e os seus atos só tem capacidade de 
produção de efeitos, quando suas posturas são desenvolvidas dentro do 
círculo da legalidade e da moralidade. Além desses limites, elas inexistem 
porque recebem configurações que ultrapassam as perspectivas 
democráticas perseguidas pela Constituição Federal. 
O Poder Judiciário, ao entregar a sentença ao mundo jurídico e 
ao reconhecer, por decurso de tempo, a sua força de coisa julgada, está 
atuando como Estado. Este "não é fonte de uma moral segundo suas 
próprias razões, como se fosse um fim e a sociedade um meio. O Estado é 
a pessoa criada pelo homem para realizar os seus fins numa convivência 
política harmônica. Quando e onde o Estado arvora-se em fonte de uma 
moral e transforma-se em um fim, não há, ali, qualquer Moral 
prevalecendo, pois o que em seu nome se pratica não pode ser assim 
 
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considerado pela circunstância de que ali se estará a aplicar regras 
antidemocráticas, de voluntarismo do eventual detentor do Poder, sem 
preocupação com o ideário jurídico da sociedade" (Carmen Lúcia Antunes 
Rocha, Princípios Constitucionais da Administração Pública, Del Rey, Belo 
Horizonte, 1994, p. 191). 
No âmbito dos pensamentos expostos e defendidos, ganha 
relevo a compreensão de que "o princípio da moralidade anteceda a todos 
os outros, já que, além de uma função sistêmica em nítida relação com 
uma função inibidora, tem uma função desconstitutiva que sustenta o 
fundamento mesmo do ordenamento jurídico brasileiro, como plasmado 
na Carta Constitucional de 1988. Daqui decorre que a participação 
jurisprudencial na manutenção do Estado de Justiça tem de ser 
particularmente ativa, no exato equacionamento na ordem jurídica 
integrada, sob a ótica da ordem jurídica positiva aferida em função da 
legalidade e da ordem jurídica moral, aferida em função da licitude, já que 
a sanção à imoralidade é a nulidade do ato do Poder Público" (Maria 
Teresa de Almeida Rosa Cárcamo Lobo, in "O Princípio da Moralidade no 
Direito Tributário", artigo que compõe a obra coletiva O Princípio da 
Moralidade no Direito Tributário, coordenada por Ives Gandra da Silva 
Martins, Editora RT e Centro de Extensão Universitária, 1996, p. 73-74). 
Incorporo a tudo quanto foi exposto, a expressiva mensagem 
que Jacy de Souza Mendonça ditou no "Informe Liberal do Instituto Liberal 
de São Paulo", 1996, p. 1, no sentido de que "uma das características da 
nossa época é a preocupação com a correção do comportamento humano. 
Ela começou com uma tomada de consciência da extensão e gravidade de 
corrupção, na área política, nos meios policiais, no mundo dos negócios, 
nas atividades escusas como jogo, drogas e prostituição. Esse fenômeno 
faz renascer o interesse pelas regras morais de conduta, a ponto de elas 
serem colocadas acima das regras jurídicas". Mais adiante, concluiu: 
 
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Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
"Tudo leva a crer que a ética será a disciplina estudada de 
nossa época." 
Complemento as afirmações alinhadas com o registro do 
posicionamento de Celso Bastos no sentido de que “não mais se admite 
reduzir moral jurídica a uma questão de legalidade (Doutrina do Desvio de 
Finalidade)", pois "o princípio insculpido na atual Carta Magna, em seu art. 
37, não deixa dúvidas quanto à autonomia da moralidade enquanto 
realidade jurídica", conforme consta em artigo de sua autoria e que está 
no livro O Principio da Moralidade no Direito Tributário, obra coletiva já 
referida, p. 81. 
A seguir, adverte Celso Bastos: 
"Mas outras considerações devem ser feitas... 
Primeiramente, observe-se que o direito abarca regras que 
são indiferentes à moral. É o caso, bem elucidativo, de 
regras processuais temporais. É a parcela do direito 
indiferente à moral" (artigo citado, p. 81). 
Esclarece Celso Bastos que "o exemplo dessa norma, que não 
tem qualquer fundamento na moral, é de Miguel Reale" (apud Maria Sylvia 
Zonella di Prieto, p. 105, Discricionariedade Administrativa na Constituição 
de 1988, S. Paulo, Atlas, 1991). 
Há, portanto, com a influência dessas novas idéias, que se 
meditar sobre o alcance da coisa julgada quando atua em atrito com os 
princípios da moralidade, da legalidade e da realidade impostas pela 
natureza das coisas e das relaçõeshumanas e com outros princípios 
postos na CF. 
2. CONCEITO DE COISA JULGADA. REVISITAÇÃO DO TEMA 
A entidade coisa julgada é entendida como sendo a sentença 
que alcançou patamar de irretratabilidade, em face da impossibilidade de 
contra ela ser intentada qualquer recurso. Em concepção objetiva é a que 
 
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firmou, definitivamente, o direito de um dos litigantes após ter sido 
apurado pelas vias do devido processo legai. 
A sua força deve caracterizar pressuposto de verdade, certeza 
e justiça, formadas ou afirmadas pelo decisum judicial, impondo estado de 
irrevogabilidade ou irretratabilidade para o que for assegurado. 
A coisa julgada, em nosso ordenamento jurídico, possui 
proteção constitucional e infraconstitucional. 
A Carta Magna, em seu art. 5o, inciso XXXVI, estabelece que 
"a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa 
julgada". E uma mensagem de carga indicativa no sentido de que a lei, 
em sua expressão maior, não há, ao entrar no mundo jurídico, de produzir 
eficácia, em nenhuma hipótese, que leve a causar qualquer diminuição 
aos limites da sentença transita em julgado. 
O tratamento dado pela Carta Maior à coisa julgada não tem o 
alcance que muitos intérpretes lhe dão. A respeito, filio-me ao 
posicionamento daqueles que entendem ter sido vontade do legislador 
constituinte, apenas, configurar o limite posto no art. 5o, XXXVI, da CF, 
impedindo que a lei prejudique a coisa julgada. 
Essa interpretação do art. 5o, XXXVI, da CF, foi muito bem 
desenvolvida por Paulo Roberto de Oliveira Lima, Juiz Federal no Estado 
de Alagoas, na obra Teoria da Coisa Julgada, Ed. RT, p. 84-86, cujo teor 
transcrevo: 
"Repetindo os textos anteriores, a atual Carta Magna, em 
seu art. 5o, inciso XXXVI, estabelece: a lei não prejudicará o 
direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. A 
inserção da regra dentro do art. 5o da Constituição, atinente 
aos direitos e garantias individuais, de certa forma explica a 
desmedida extensão que alguns refletida ou irrefletidamente 
teimam em emprestar ao instituto. 
 
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Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
Consoante se observa da leitura do dispositivo, a regra nele 
insculpida se dirige ao legislador ordinário. Trata-se, pois, de 
sobre-direi-to, na medida em que disciplina a própria edição 
de outras regras jurídicas pelo legislador ou seja, ao legislar 
é interdito ao Poder Legiferante ‘prejudicar’ a coisa julgada, 
É esta a única regra sobre coisa julgada que adquiriu foro 
constitucional. Tudo o mais no instituto é matéria objeto de 
legislação ordinária. 
A interpretação do dispositivo constitucional não oferece 
dificuldades. Em princípio, utilizando-se do método 
gramatical de hermenêutica, poder-se-ia chegar a duas 
conclusões interpretativas absolutamente diferentes. A 
utilização dos demais métodos de hermenêutica, porém, 
deixa evidenciada a certeza do entendimento correio do 
dispositivo. 
Realmente, apenas pela leitura apressada dos termos do 
anunciado inciso XXXVI, se poderia chegar a duas 
interpretações, quais sejam: 
A) 'A lei não pode prejudicar a coisa julgada', ou seja, a lei 
não pode atribuir ao instituto da coisa julgada estrutura e 
limites que lhe emprestem menor amplitude. O instituto da 
coisa julgada, valioso aos olhos da Constituição, mereceria 
do legislador infraconstitucional toda a atenção, de modo a 
preservar-lhe a extensão. Assim, seria inconstitucional toda 
disposição infraconstitucional que de qualquer forma 
diminuísse a importância do instituto, reduzisse sua 
incidência ou dificultasse sua formação. Por muito maior 
razão seria inconstitucional o dispositivo que admitisse o 
ataque à coisa julgada, criando remédio jurídico-processual 
hábil a desconstituí-la. Enfim, por esta interpretação, a 
Constituição protegeria o instituto da coisa julgada. 
B) 'A lei não pode prejudicar a coisa julgada', ou seja, a lei 
não pode alterar o conteúdo do julgado, após a formação da 
coisa julgada. Editada a sentença sobre determinado caso 
concreto, é irrelevante que a lei disciplinadora do tema seja 
alterada, dado que a solução prescrita pela sentença, ainda 
que tenha de produzir seus efeitos no futuro, é intocável, 
não se lhe podendo opor comando diferente, ainda que 
editado por lei. O bem jurídico da 'quietude', da 'segurança' 
e da 'paz' foi valorizado de tal forma pelo legislador 
constituinte, que este interditou ao legislador ordinário edi-
tar normas agressoras a casos já decididos pelo Judiciário. 
Nova disciplina jurídica do fato somente incidirá para os 
casos não julgados. Assim, seria marcadamente inconstituci-
onal o dispositivo que desobrigasse os devedores de pagar 
aos credores (moratória), na parte em que eventualmente 
 
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estabelecesse sua aplicação aos casos julgados. Enfim, por 
esta interpretação, a Constituição protegeria o teor do 
julgado. 
Das duas interpretações literais (gramaticais) possíveis, a 
segunda é aquela que efetivamente corresponde à 
mensagem legal. Observe-se, por primeiro, que o 
referenciado inciso XXXVI não proíbe a lei de prejudicar o 
'instituto da coisa julgada', mas, sim, de malferir a 'coisa 
julgada'. Assim, mesmo a interpretação gramatical tende a 
prestigiar o segundo entendimento. A Constituição interditou 
o ataque ao comando da sentença, protegendo a 
imutabilidade do julgado, tornando-o imune a alterações 
legislativas subseqüentes. 
A igual solução chega-se através da interpretação 
sistemática. E que a proteção da coisa julgada foi 
estabelecida na Carta Política, em dispositivo único que trata 
cumulativamente da coisa julgada, do ato jurídico perfeito e 
do direito adquirido, prescrevendo-lhes idêntico regime 
jurídico. E é fora de questão que a Constituição não visou 
defender o 'instituto' do direito adquirido, nem o do ato 
jurídico perfeito. Em qualquer dos casos, o desejo do 
constituinte foi o de impedir que lei nova tivesse o condão 
de alterar direito já adquirido ou ato jurídico já celebrado. 
Trata-se, aqui, do princípio da não surpresa e da 
irretroatividade da lei. A lei, sabe-se, somente incide sobre 
fatos ocorridos após sua vigência, daí porque as relações 
jurídicas formadas sob o império da lei anterior devem ser 
resolvidas segundo os seus comandos. Aliás, a própria 
fenomenologia do surgimento dos direitos assegura essa 
irretroatividade que é decorrência lógica inarredável da 
essência do sistema. É que a existência de direitos 
subjetivos pressupõe a do fato jurídico (lato sensu), e a 
deste, a da regra jurídica. Sem a regra jurídica previamente 
vigente, para incidir quando da ocorrência da concreção do 
suporte fático hipotético, não há nem incidência, nem fato 
jurídico, nem relação jurídica. E sem estes antecedentes 
lógicos e cronológicos, não há direito, nem dever, nem 
pretensão, nem obrigação, nem ação, nem exceção. 
Também assegura a correção da segunda tese a observação 
dos institutos processuais que sempre conviveram com a 
regra constitucional em comento. Prevalecesse a primeiratese (proteção constitucional da amplitude do instituto da 
coisa julgada) e a ação rescisória seria inconstitucional, dado 
que se trata de remédio jurídico que tem como único 
objetivo destruir a coisa julgada. Da mesma forma também 
seria inconstitucional o instituto da revisão criminal, dado 
 
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que a revisão pode ser requerida a qualquer época, não se 
lhe podendo opor o instituto da coisa julgada. 
Consoante se observa, é perfeitamente constitucional a 
alteração do instituto da coisa julgada, ainda que a mudança 
implique restringir-lhe a aplicação, na criação de novos 
instrumentos de seu controle, ou até na sua supressão, em 
alguns ou todos os casos. 
O que a Carta Política inadmite é a retroatividade da lei para 
influir na solução dada, a caso concreto, por sentença de 
que já não caiba recurso. 
De outra parte, qualquer alteração no instituto mesmo da 
coisa julgada, determinando seu enfraquecimento ou 
dilargando as hipóteses onde se admite o ataque ao julgado, 
não incide no que pertine às sentenças já transitadas em 
julgado, visto que também, neste particular, rege a lei 
vigorante ao tempo em que o trânsito em julgado se deu. 
Como se vê, a proteção constitucional da coisa julgada é 
mais tímida do que se supõe, sendo perfeitamente 
compatível com a existência de restrições e de instrumentos 
de revisão e controle dos julgados. A proteção constitucional 
da coisa julgada não é mais do que uma das muitas faces do 
princípio da irretroatividade da lei." 
Esse entendimento conceitual a respeito da coisa julgada 
baseia-se em uma realidade processual formada pelo pronunciamento do 
juiz e sobre o qual não mais cabe recurso. 
O fator tempo tem sua importância para definir a 
caracterização da coisa julgada, importância essa que é relativa e que 
produz o mencionado efeito em face de duas circunstâncias: o es-
gotamento das vias recursais permitidas pelo ordenamento jurídico ou o 
conformismo da parte vencida por não se pronunciar no prazo devido 
contra a condenação que lhe foi imposta. 
O exame das manifestações doutrinárias sobre a coisa julgada 
revela, em síntese, o que passo a expor. 
Pontes de Miranda, em sua obra Comentários ao Código de 
Processo Civil, tomo V, Forense, 1974, argumenta que sem razão Adolf 
 
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Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
Merkl (Die Lehre von der Rocntekaft, 17) quando pretendeu livrar o 
conceito da res judicata dos seus postulados ético-políticos e de bases de 
direito natural, pois, seria "fonte de perturbações lamentáveis que se 
pudesse, sem prazo preclusivo, volver a discutir o que foi julgado sem 
mais haver recurso, mesmo em outro processo"(p. 127). 
Na sequência do desenvolvimento das suas ideias, 
esclarecendo a conceituação de coisa julgada e a sua diferenciação com os 
efeitos da sentença, Pontes de Miranda lembra à fl. 134, da mesma obra, 
que: 
"Contra a sentença que transitou em julgado não cabe 
exceção (nulla contra eam exceptio opponi potest, António 
da Gama, Decisionum Supremi Senatus Lusitaniae, p. 110, 
n" 6)." 
Adverte, a seguir. Pontes de Miranda: 
"Se nula a sentença, nada se pode pensar quanto à res 
iudicata, porque está exposta à declaração de nulidade 
(decisão constitutiva), como a sentença inexistente é 
declarável como tal (não existe)." 
Valendo-se de doutrinação de Silvestre Gomes de Morais 
(Tractatus de Executionibus, vol. IV, p.174), que frisou sententia nuíla 
non estsententia, Pontes de Miranda defende, também, que está bem 
posto o art. 741,1, do Código de 1973, "segundo o qual os embargos do 
devedor se podem fundar na falta ou nulidade da citação no processo de 
conhecimento, se a ação lhe ocorreu à revelia" (p. 134, ob.cit.). 
Por fim, Pontes de Miranda critica a confusão sempre existente 
sobre o tema. Afirma a respeito: 
"Efeito de coisa julgada, entre outros, é o de não mais, 
noutro processo, se discutir e julgar o que se discutira e 
julgara (coisa julgada material, que não é efeito da res 
iudicata). É preciso que nunca se confundam existência, va-
lidade e eficácia. A sentença que põe fim ao processo é coisa 
 
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NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada inconstitucional. Rio de 
Janeiro: América Jurídica, 2004. p. 29-67. 
Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
julgada. O fazer 'direito entre as partes' não é o segundo 
efeito da sentença; é o primeiro"(p. 134 e 135, ob. cit). 
A sentença é a afirmação concreta da vontade da lei. Aplicada 
ao fato, conforme ensinado por Chiovenda e lembrado por Moacyr Amaral 
Santos, in Comentários ao Código de Processo Civil, v. IV, Forense, p. 
425: 
"Daí ensinar Chiovenda, e com ele grande parte da doutrina, 
que a sentença é a afirmação da vontade da lei aplicada ao 
caso concreto. A lei possui uma vontade, uma ordem, um 
imperativo. Essa vontade, ordem, imperativo, que em 
abstrato se contém na lei, é posta pelo juiz em situação de 
ser aplicada ao caso decidido. Na sentença há a afirmação, 
de modo concreto, da vontade contida na lei. Assim, o 
preceito contido na sentença é a afirmação da vontade da 
lei, declarada pelo juiz, como órgão do Estado." 
Essa força da sentença alcança estágio de coisa julgada, 
portanto, autoridade de lei entre as partes, pelo que os seus efeitos 
devem prestar homenagem absoluta aos princípios da moralidade, da 
legalidade, da razoabilidade, da proporcionalidade e do justo. 
Considere-se, desde logo, que a coisa julgada não abrange os 
motivos da sentença, a verdade dos fatos ou a apuração de questões 
prejudiciais, salvo, no referente a estas, se existir declaração incidente, 
expedida com obediência ao art. 470, do CPC. 
Influi para a pretensão deste estudo a questão de não 
transitar em julgado a verdade dos fatos, isto é, a impossibilidade de se 
ter como imutável a decisão expedida pelo juiz com referência aos fatos, 
especialmente, quando essa manifestação viola a realidade natural das 
coisas, a situação fática verdadeira e princípios constitucionais. 
Wellington Moreira Pimentel, na sua obra Comentários ao 
Código de Processo Civil, v. III, RT, p. 563 e ss., lembra que "a verdade 
dos fatos, vale dizer, a apreciação sobre os fatos que o juiz haja feito, 
sobre os quais terá lastreada a sentença, também não faz coisa julgada". 
 
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DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: 
NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada inconstitucional. Rio de 
Janeiro: América Jurídica, 2004. p. 29-67. 
Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
O referido autor explica, a seguir, que: 
"O princípio secundum allegata et probata ju-dex judiciare 
debet impõe que o juiz julgue segundo a prova dos autos, o 
que, entretanto, não o coloca a salvo dos erros e enganos na 
sua apreciação. É tal a falibilidade da justiça humana - dizia 
Neves de Castro - e tão variada a ordem de circunstâncias 
que podem comprometer a justiça dos julgamentos, que um 
magistrado de Toulosa, Fermat, querendo imitar Pascal não 
duvidou que um dia a análise do caso pudesse ser aplicada à 
apreciação dos julgamentos" (Francisco Augusto das Neves e 
Castro, Teoria das Provas, 2a. edição,anotada por Pontes de 
Miranda). 
Adverte, ainda, Wellington Moreira Pimentel (p. 564, ob. cit.): 
"A verdade dos fatos se incluída entre os limites da coisa 
julgada, tornando-se a verdade legal, pode não resistir ao 
cotejo com a real verdade dos fatos. Se bem que a 
autoridade da coisa julgada se faça em favor do ideal de 
segurança das relações jurídicas, um dos que o Direito busca 
alcançar, parece evidente que aquela estaria comprometida 
irremediavelmente se, com a imutabilidade da sentença, 
ficasse a verdade dos fatos em que aquela se fundamentou, 
desafiando a verdade real." 
A autoridade da coisa julgada tem sido justificada pela 
doutrina com base em dois fundamentos. O primeiro é de natureza 
política. O segundo de ordem jurídica. 
Moacyr Amaral Santos, em sua obra Comentários ao Código de 
Processo Civil, v. IV, Coleção Forense, p. 461-462, resumiu, com 
propriedade, os fundamentos supra indicados. 
Explica o primeiro, o de ordem política, do modo seguinte 
"A verdadeira finalidade do processo, como instrumento 
destinado à composição da lide, é fazer justiça, pela 
atuação da vontade da lei ao caso concreto. Para obviar 
a possibilidade de injustiças, as sentenças são 
impugnáveis por via de recursos, que permitem o 
reexame do litígio e a reforma da decisão. A procura da 
justiça, entretanto, não pode ser indefinida, mas deve 
ter um limite, por exigência de ordem pública, qual seja 
 
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DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: 
NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada inconstitucional. Rio de 
Janeiro: América Jurídica, 2004. p. 29-67. 
Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
a estabilidade dos direitos, que inexistiria se não 
houvesse um termo além do qual a sentença se tornou 
imutável." 
O fundamento de ordem jurídica, explica Moacyr Amaral 
Santos, é analisado de modo controvertido pela doutrina. Esta procura 
explicá-lo de vários modos, adotando teorias variadas, a saber: 
a) a da presunção da verdade contida na sentença (Ulpiano, 
Pothier e outros); 
b) a da ficção da verdade ou da verdade artificia! (Savigny); 
c) a da força legal, substancial da sentença (Pargenstecher); 
d) a da eficácia da declaração contida na sentença (Heliwig, 
Binder, Stein); 
e) a da extinção da obrigação jurisdicional (Ugo Rocco); 
f) a da vontade do Estado (Chiovenda e doutrinadores 
alemães); 
g) a de que a autoridade da coisa julgada está no fato de 
provir do Estado, isto é, na imperatividade do comando da sentença onde 
concentra-se a força da coisa julgada (Chiovenda); e 
h) a teoria de Liebman que vê na coisa julgada uma qualidade 
especial da sentença. 
Essas teorias sobre a coisa julgada devem ser confrontadas, 
na época contemporânea, se a coisa julgada ultrapassar os limites da 
moralidade, o círculo da legalidade, transformar fatos não verdadeiros em 
reais e violar princípios constitucionais, com as características do pleno 
Estado de Direito que convive impelido pelas linhas do regime democrático 
e que há de aprimorar as garantias e os anseios da cidadania. 
 
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DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: 
NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada inconstitucional. Rio de 
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Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
Não se pode deixar sem uma meditação mais aprofundada, 
em face das teorias existentes para justificar a força da coisa julgada, 
algumas observações que têm sido feitas, na atualidade, pela doutrina, no 
sentido de limitar os seus efeitos, em razão de alguns acontecimentos 
sentenciais rasgarem os princípios da moralidade e da legalidade, 
enfrentarem disposições constitucionais e violarem regras básicas que 
comandam a natureza das coisas. 
Eduardi Silva Costa, advogado, escreveu no jornal A Tarde, do 
Estado da Bahia, de l°.9.2000, interessante artigo intitulado "Justiça e 
DNA". O seu conteúdo exige reflexões sobre a extensão da coisa julgada, 
em face de fenômenos científicos hoje presentes na vida do ser humano e 
que não podem deixar de ser reconhecidos pelo direito. O mencionado 
autor escreveu: 
"Um acórdão do Superior Tribunal de Justiça, por sua 
Terceira Turma, proferido em maio de 1998, pode animar o 
espírito crítico dos doutos no âmbito da ciência jurídica. A 
matéria nele versada envolve dois valores constitutivos do 
Direito ou, se se preferir, do ordenamento jurídico: a 
segurança e a justiça. Deu-se primazia no caso à segurança, 
em razão da existência da coisa julgada. 
Na ementa do acórdão expõe-se a suma da questão do 
seguinte modo: 
'Seria terrificante para o exercício da jurisdição que fosse 
abandonada a regra absoluta da coisa julgada...Se, fora dos 
casos nos quais a própria lei retira a força da coisa julgada, 
pudesse o magistrado abrir as comportas dos feitos já 
julgados para rever as decisões, não haveria como vencer o 
caos social que se instalaria. A regra do art. 468 do Código 
de Processo Civil é libertadora.' 
E no fecho da ementa lê-se: 
'Assim, a existência de um exame pelo DNA posterior ao 
feito já julgado, com decisão transitada em julgado, 
reconhecendo a paternidade, não tem o condão de reabrira 
questão com uma declaratória para negar a paternidade, 
sendo certo que o julgado está coberto pela certeza jurídica 
conferida pela coisa julgada.' 
 
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DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: 
NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada inconstitucional. Rio de 
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Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
Sob o aspecto formal, o acórdão apresenta-se regular, isto 
é, nele se fez incidir a norma processual, de modo que foi 
cumprida a lei. Observada a lei na sua inteireza e rigidez 
pelo Tribunal, seria de louvar-se sem nenhuma restrição ou 
ressalva o veredicto firmado no acórdão. 
Contudo, há de considerar-se no acórdão que ele contempla 
duas realidades que se contrapõem: uma representada pela 
coisa julgada, a que o julgador, atento ao preceito legal, 
confere o caráter de dogma - incontrastável, indefectível; a 
outra, expressa no dado científico da existência de exame 
pelo DNA, hoje proclamado como meio, também 
incontrastável, indefectível, de certificação ou não de 
paternidade e que no caso se concluiu pela negativa. A 
decisão fixou-se na coisa julgada, que, como significante da 
segurança jurídica, importou a definitividade do veredicto no 
processo anterior, afirmador de uma paternidade enganosa, 
tanto assim que veio a ser infirmada pela conclusão de 
exame científico. É ao assentar a inexequibilidade e tal 
conclusão diante da coisa julgada, o acórdão em questão 
acabou por encerrar na sua contextura o antagonismo da 
segurança com a justiça; considerou a justiça um minus em 
face da segurança, antepôs este valor àquele, em razão da 
'certeza jurídica conferida pela coisa julgada'. 
Ora, a só consideração pelo acórdão da segurança como um 
plus em face da justiça, tornando impraticável no processo a 
realização desta, vem a será perpetração de uma injustiça. 
O acórdão, ao mencionar 'a existência de um exame pelo 
DNA', deixa implícito que esse meio de prova é atualmente 
decisivo, pela certeza científica que contém, na apuração de 
paternidade questionada. Portanto, a decisão admitiu a 
conclusão científica, mas recusou-a por reputar a 
sobreposição do valor segurança ao valor justiça. 
Então, emerge daí um autêntico conflito, criado pelo acórdão 
mesmo, entre a segurança jurídica e a justiça. Por isso 
mesmo, sem que se preconize desautorizar-se a coisa 
julgada, 'a santidade da coisa julgada', como caracteriza 
Radbruch, o queseria um sacrilégio jurídico, é de lembrar-
se, com o mesmo Radbruch, que a 'segurança jurídica é uma 
forma de justiça' e assim o embate desta com aquela 
'representa um conflito da justiça com ela mesma', donde 
advertir o grande jusfilósofo, que 'esse conflito não pode 
resolver-se de um modo unívoco.'" 
O autor termina o artigo com as seguintes indagações: 
"Deverá prevalecer no caso aqui comentado a segurança 
jurídica, mesmo que importe grave injustiça? Será que a 
 
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DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: 
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Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
idéia de segurança jurídica deve comportar a negação da 
idéia de justiça, só para não se desacatar a coisa julgada?" 
Os comentários do autor terminam sem resposta. Enfrento, 
porém, as perguntas com as afirmações que registro: 
A) A grave injustiça não deve prevalecer em época nenhuma, 
mesmo protegida pelo manto da coisa julgada, em um regime 
democrático, porque ela afronta a soberania da proteção da cidadania. 
B) A coisa julgada é uma entidade definida e regrada pelo 
direito formal, via instrumental, que não pode se sobrepor aos princípios 
da legalidade, da moralidade, da realidade dos fatos, das condições 
impostas pela natureza ao homem e às regras postas na Constituição. 
C) A sentença, ato do juiz, não obstante atuar como lei entre 
as partes, não pode ter mais força do que as regras Constitucionais. 
D) A segurança jurídica imposta pela coisa julgada há de 
imperar quando o ato que a gerou, a expressão sentencial, não esteja 
contaminada por desvios graves que afrontem o ideal de justiça. 
E) A segurança jurídica da coisa julgada impõe certeza. Esta 
não se apresenta devidamente caracterizada no mundo jurídico quando 
não ostentar, na mensagem sentencial, a qualidade do que é certo, o 
conhecimento verdadeiro das coisas, uma convicção sem qualquer dúvida. 
A certeza imposta pela segurança jurídica é a que gera estabilidade. Não a 
que enfrenta a realidade dos fatos. A certeza é uma forma de convicção 
sobre determinada situação que se pretende objetiva, real e 
suficientemente subjetiva. Ela demonstra evidência absoluta e universal, 
gerando verdade. 
 
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Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
F) Há de prevalecer o manto sagrado da coisa julgada quando 
esta for determinado em decorrência de caminhos percorridos com 
absoluta normalidade na aplicação do direito material e do direito formal. 
G) A injustiça, a imoralidade, o ataque à Constituição, a 
transformação da realidade das coisas quando presentes na sentença 
viciam a vontade jurisdicional de modo absoluto, pelo que, em época 
alguma, ela transita em julgado. 
H) Os valores absolutos de legalidade, moralidade e justiça 
estão acima do valor segurança jurídica. Aqueles são pilares, entre outros, 
que sustentam o regime democrático, de natureza constitucional, 
enquanto esse é valor infraconstitucional oriunda de regramento 
processual. 
3. AS SENTENÇAS TRANSITADAS EM JULGADO, PORÉM, 
INJUSTAS, CONTRÁRIAS À MORALIDADE, À REALIDADE DOS 
FATOS E À CONSTITUIÇÃO 
O avanço das relações econômicas, a intensa litigiosidade do 
cidadão com o Estado e com o seu semelhante, o crescimento da 
corrupção, a instabilidade das instituições e a necessidade de se fazer 
cumprir o império de um Estado de Direito centrado no cumprimento da 
Constituição que o rege e das leis com ela compatível, a necessidade de 
um atuar ético por todas as instituições políticas, jurídicas, financeiras e 
sociais, tudo isso submetido ao controle do Poder Judiciário, quando 
convocado para solucionar conflitos daí decorrentes, são fatores que têm 
feito surgir uma grande preocupação, na atualidade, com o fenômeno 
produzido por sentenças injustas, por decisões que violam o círculo da 
moralidade e os limites da legalidade, que afrontam princípios da Carta 
Magna e que teimam em desconhecer o estado natural das coisas e das 
relações entre os homens. 
 
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Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
A sublimação dada pela doutrina à coisa julgada, em face dos 
fenômenos instáveis supra citados, não pode espelhar a força absoluta 
que lhe tem sido dada, sob o único argumento que há de se fazer valer o 
império da segurança jurídica. 
Há de se ter como certo que a segurança jurídica deve ser 
imposta. Contudo, essa segurança jurídica cede quando princípios de 
maior hierarquia postos no ordenamento jurídico são violados pela 
sentença, por, acima de todo esse aparato de estabilidade jurídica, ser 
necessário prevalecer o sentimento do justo e da confiabilidade nas 
instituições. 
A sentença não pode expressar comando acima das regras 
postas na Constituição, nem violentar os caminhos da natureza, por 
exemplo, determinando que alguém seja filho de outrem, quando a 
ciência demonstra que não o é. Será que a sentença, mesmo transitada 
em julgado, tem valor maior que a regra científica? E dado ao juiz esse 
'poder' absoluto de contrariar a própria ciência? A resposta, com certeza, 
é de cunho negativo. 
A sentença transita em julgado, em época alguma, pode, por 
exemplo, ser considerada definitiva e produtora de efeitos concretos, 
quando determinar, com base exclusivamente em provas testemunhais e 
documentais, que alguém é filho de determinada pessoa e, 
posteriormente, exame de DNA comprove o contrário. 
Não é demais lembrar que os fatos originariamente exa-
minados pela sentença nunca transitam em julgado (art. 469, II, CPC). 
Podem, conseqüentemente, ser revistos em qualquer época e produzirem 
novas situações jurídicas, em situações excepcionais. 
A sentença não pode modificar laços familiares que foram 
fixados pela natureza. 
 
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Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
No exemplo referido, há de ser considerada a fragilidade das 
provas testemunhais e documentais em confronto com a certeza da prova 
pericial representada pelo DNA, em razão da credibilidade que lhe dá a 
Ciência. 
Um outro aspecto há de ser meditado. É o limite da força da 
sentença trânsita em julgado e que reconhece, de modo definitivo, a 
ausência de alguém para efeito de sucessão patrimonial, de acordo com 
as regras dos art. 1.159 a 1.169, do CPC. 
Sabido é que, conforme dispõe o art. 1.167, do CPC, “a 
sucessão provisória cessará pelo comparecimento do ausente e converter-
se-á em definitiva: I - quando houver certeza da morte do ausente; II - 
10 anos depois de passada em julgado a sentença de abertura da 
sucessão provisória; III - quando o ausente contar 80 anos de idade e 
houverem decorridos cinco anos das últimas notícias suas". 
E se o ausente, após todo o cumprimento dessas regras 
formais, comparecer, em qualquer época posterior, perante o Juiz, 
comprovando a sua existência? E possível considerar-se como válida e 
eficaz a sentença que o reconheceu como morto para fins de sucessão 
patrimonial?Tem o juiz, pela via da sentença judicial transitada em 
julgado, força de determinar a morte de alguém, quando esse alguém 
está vivo? A sentença persistirá? Evidentemente que não. 
Por essa razão é que o art. 1.168, do CPC, permite ação do 
presente para reaver os bens que lhe foram tomados pela sentença ou o 
ressarcimento dos prejuízos. 
Lembro que essa última possibilidade só estará aberta se o 
usucapião não houver gerado domínio dos bens para terceiros. Essa, 
porém, é uma situação específica e regida por princípios diferentes dos 
que aqui estão sendo examinados. 
 
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DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: 
NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada inconstitucional. Rio de 
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Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
4. A PREOCUPAÇÃO DA DOUTRINA COM AS SENTENÇAS 
INJUSTAS, VIOLADORAS DA MORALIDADE E DOS PRINCÍPIOS 
CONSTITUCIONAIS 
Cresce a preocupação da doutrina com a instauração da coisa 
julgada decorrente de sentenças injustas, violadoras da moralidade, da 
legalidade e dos princípios constitucionais. 
Por especial gentileza do Professor Arruda Alvim, chegou ao 
meu conhecimento, doutrinação de Gustav Boehmer, contida na obra de 
sua autoria El Derecho Através de la Jurisprudência - Su Aplicación y 
Creación (traduzida por José Puig, como, também, por ele anotada), Bach, 
Casa Editorial - Urgel, 51 bis, Barcelona. O mencionado autor expressou 
profunda preocupação com sentenças injustas. Em capítulo intitulado 
'Significado de la cosa juzgada", após defender a sua imposição, abre 
espaço para dizer: 
"Por supuesto que no se deve desconocer que la no 
aplicación de una ley que todavia subsista formalmente pude 
quebrantar igualmente la segurídad jurídica y defraudar la 
confianza de los miembros de la comunidad en la 'santidad' 
de los mandamientos jurídicos dei Estado y la obligación que 
legalmente incumbe al juez. Pêro es preferible, por un lado, 
tolerar la denegación de un derecho que se hâ pedido y com 
cuyo reconocimiento se contaba, que la privación dei que ya 
há sido reconocido y en cuya posesión inatacable ya se 
confiaba. Una confianza sólo merece protección cuando está 
justificada. En la subsistência de disposiciones legales que se 
hallan en abierta contradicción com postulados 
fundamentales de la moralidad y la justicia deve confiarse 
menos que en ta obligatoriedad de una decisión judicial 
alcanzada por médios erróneos, pêro que procesalmente ya 
no es impugnable." 
Em capítulo seguinte, p. 96 a 97, sugere o autor acima citado, 
que: 
"Por supuesto que no deja discutir-se que una sentencia 
firme substancialmente injusta, que reconoce o deniega 
injustamente el derecho que se hâ ejercitado, tenga fuerza 
creadora de derecho para dar nacimiento ou para destruir la 
relación jurídica concreta que hâ sido objeto de la litis. La 
 
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DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: 
NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada inconstitucional. Rio de 
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Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
llamada teoria de la fuerza de cosa juzgada de Derecho 
material (Materiellrechtliche Rechstshrafttheorie), dominante 
hasta el comienzo dei siglo XX, que sostenía esta concepción 
há sido combatida desde entonces com importantes razones. 
Especialmente se le há opuesto que es inconciliable com la 
generalmente reconocida fuerza de cosa julgada 'relativa', 
que limita a las partes en el proceso. Por supuesto que si 
trata de simples pretensiones de entrega cuya eficácia de 
derecho material no va más alia de las partes, la fuerza de 
cosa juzgada de la sentencia injusta se manifesta com el 
hecho de que el actor adquiere un crédito inexistente contra 
el demandado opierde el que existia. Pêro tan pronto estân 
en discusión derechos absolutos, la atribución injusta de una 
pretensión de propiedad ou de un derecho hereditário, no 
significa que el acton también adquiera frente a terceras 
personas la propiedad o el derecho hereditário ypueda 
contar con eilo, y la sentencia que injustamente rechaza la 
demanda tampoco puede significar que el actor pierde el 
derecho que se le deniega incluso en relación com terceros y 
que ya no puede hacerlo valer frente a ellos." 
Enfatiza, ainda, o mencionado doutrinador, que: 
"La fuerza de cosa juzgada de sentencias materialmente 
injustas tine, sin embargo, sus limites. Ya Kohler pronuncio 
la célebre afir-mación: 
'Debe harcese pleno honor a la cosa juzgada y reconocerse 
totalmete la importância social de una sentencia firme, pêro 
no hay que exagerarias cuestiones jurídicas haciendo de 
ellas un tabu sagrado.' 
Tanbén la apelación a la intangibilidad de decisiones 
estatales puede representar el ejercicio abusivo de un 
derecho. Determinar en qué casos esto sucederá, es un 
problema extremadamente delicado. Contanto más motivo 
sucederá así cuando el camino que la misma ley deja bierto 
para obtener la anulación de una sentencia firme injusta e 
través dei procedimiento de revisión aparece muy 
rigurosamente delimitado, tanto objetiva como 
temporalmente, ne el vigente derecho alemán. Pêro, como 
tantas veces sucede en el derecho material, también es 
característico de este caso que una estabilización legal de-
masiado mesquina de las reglas de Derecho formal da lugar, 
porreacción, a que el jus aequum penetre en la 
jurisprudência apoyado en la autorización legal de las 
normas legales de equidad. La concreta configuración jurídi-
ca en ocasiones va más alla de lo que todavia es compatibie 
com la confianza de los interesados y dei pueblo en la 
constância de la jurisprudência y com la función del Estado 
 
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DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: 
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Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
dedicada de manera fundamental a mantenerel carácter 
intangible de los preceptos jurídicos formales y de las 
decisiones judiciales que hayan adquirido firmeza. 
Precisamente cuando se trata del derrocamiento de 
sentencias firmes se han manifestado de manera especial los 
peligros que implica la lucha del jus aequum contra el jus 
stríctum." 
Podem ser consideradas como sentenças injustas, ofensivas 
aos princípios da legalidade e da moralidade e atentatórias à Constituição, 
por exemplo, as seguintes: 
a) a declaratória de existência de preclusão quando esse 
fenômeno processual inexiste por terem sido falsas as provas em tal 
sentido; 
b) a expedida sem que o demandado tenha sido citado com 
as garantias exigida pela lei processual; 
c) a originária de posição privilegiada da parte autora que, 
aproveitando-se de sua própria posição de monopólio e do estado de 
necessidade do réu, demanda a este por razão de um crédito 
juridicamente infundado; 
d) a baseada em fatos falsos depositados durante o curso da 
lide; 
e) a reconhecedora da existência de um fato que não está 
adequado à realidade; 
f) a sentença conseguida graças a um perjúrio ou a um 
juramento falso; 
g) a ofensiva à soberania estatal; 
h) a violadora dos princípios guardadores da dignidade 
humana; 
 
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Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
i) a provocadora de anulação dos valores sociais do trabalho e 
da livre iniciativa; 
f) a que estabeleça,em qualquer tipo de relação jurídica, 
preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas 
de discriminação (art. Io e 3o da CF); 
k) a que obrigue a alguém a fazer alguma coisa ou deixar de 
fazer, de modo contrário a lei; 
l) a que autorize a prática de tortura, tratamento desumano 
ou degradante de alguém; 
m) a que julga válido ato praticado sob a forma de anonimato 
na manifestação de pensamento ou que vede essa livre manifestação; 
n) a que impeça a liberdade de atuação dos cultos religiosos; 
o) a que não permita liberdade na atividade intelectual, 
artística, científica e de comunicação; 
p) a que consagra a possibilidade de violação ao direito da 
intimidade, da vida, da honra e da imagem das pessoas; 
q) a que abra espaço para a quebra do sigilo da 
correspondência; 
r) a que impeça alguém de associar-se ou de permanecer 
associado; 
s) a que torne nenhuma a garantia do direito de herança; 
t) a que inviabilize a aposentadoria do trabalhador; 
u) a que reduza o salário do trabalhador, salvo o caso de 
convenção ou acordo coletivo; 
 
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Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
v) a que autorize a empresa, por motivos de dificuldades 
financeiras, a não pagar o 13° salário do trabalhador; 
w) a que não conceda a remuneração do trabalho noturno 
superior ao diurno; 
x) a que não permita o gozo de férias anuais remuneradas; 
y) a que não reconheça como brasileiros natos os nascidos no 
Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a 
serviço de seus país; 
z) a que estabeleça distinção entre brasileiros natos e 
naturalizados, além dos casos previstos na CF; 
aa) a que permita a brasileiros naturalizados exercerem os 
cargos de Presidente da República, Presidente da Câmara de Deputados, 
Presidente do Senado Federal, ser Ministro do STF, ser oficial das Forças 
Armadas e outros cargos (art, 12, § 3o); 
bb) a que proíba a União executar os serviços de polícia 
marítima, aeroportuária e fazendária - XXI, do art. 21; 
cc) a que autorize alguém a assumir cargo público 
descumprindo os princípios fixados na CF e nas leis específicas; 
dd) a que ofenda, nas relações jurídicas de direito 
administrativo, o princípio da legalidade, da moralidade, da eficiência, da 
impessoalidade e da publicidade; 
ee) a que reconheça vitalício no cargo o juiz com, apenas, um 
ano de exercício; 
 
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DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: 
NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada inconstitucional. Rio de 
Janeiro: América Jurídica, 2004. p. 29-67. 
Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
ff) a que atente contra os bons costumes, os valores morais da 
sociedade, que reconheça casamento entre homem e homem, entre 
mulher e mulher; 
gg) a que, no trato de indenização de propriedade pelo poder 
publico, para qualquer fim, não atenda ao princípio da justa indenização; 
e 
hh) a que considere eficaz e efetiva dívida de jogo ilícito. 
Estes e outros são exemplos de sentença que nunca terão 
força de coisa julgada e que poderão, a qualquer tempo, ser 
desconstituída, porque praticam agressão ao regime democrático no seu 
âmago mais consistente que é a garantia da moralidade, da legalidade, do 
respeito à Constituição e da entrega da justiça, 
5. ALGUNS POSICIONAMENTOS DA DOUTRINA E DA 
JURISPRUDÊNCIA SOBRE A COISA JULGADA QUANDO FORMADA 
COM OS VÍCIOS ACIMA APONTADOS 
Humberto Theodoro Júnior, em parecer apresentado sobre 
tema de desapropriação indireta, onde há discussão de valores que estão 
sendo exigidos além da realidade, antes de discutir o mérito da questão, 
assinalou sobre o objetivo primordial do processo no nosso ordenamento 
jurídico. Disse: 
"Com efeito é importante ressaltar, desde logo, que o 
processo deixa de ser tratado apenas com o frio método de 
compor litígios, para se transformar veículo de satisfação do 
direito cívico e fundamental de todos à tutela jurisdicional. 
Visto como garantia de acesso à Justiça, no mais amplo e 
irrestrito sentido, o devido processo legal apresenta-se como 
o processo justo, isto é, o instrumento que não apenas serve 
à composição de litígios, mas que assegura a melhor e mais 
justa solução do conflito, segundo os padrões éticos e os 
anseios gerais de justiça do meio social. Os operadores do 
direito processual, juizes e tribunais, têm, portanto, sobre 
suas costas, uma relevantíssima missão, que é o encargo de 
tornar realidade a atual garantia de pleno acesso à Justiça 
 
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DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: 
NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada inconstitucional. Rio de 
Janeiro: América Jurídica, 2004. p. 29-67. 
Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
pelas vias do devido processo legal e do processo justo. 
Dentro de tal ótica o que se reclama do processo é o resulta-
do com toda sua carga de eficácia e justiça para tutelar o 
direito do litigante que tem em seu favor a ordem jurídica. 
Não são suficientes, para esse mister, a ciência técnica e a 
erudição dos aplicadores da lei processual. Muito mais do 
que tecnicismo, revela-se decisivo o espírito público, a 
compreensão social do drama vivido no momento da 
operação jurisdicional e o propósito de fazer com que a 
aplicação do direito, pelo ato de julgar, corresponda, ao 
máximo, à garantia fundamental do processo eficaz e justo. 
O aplicador da lei, como é óbvio, não pode se contentar em 
reproduzir perante os fatos a norma da lei, em seu teor 
literal, e não pode, simploriamente, se desculpar dos 
gravames éticos que porventura venha com isto provocar 
sob o falacioso pretexto de o justo-absoluto não integrar a 
missão da ordem jurídica positiva. 
Na verdade, a experiência nos ensina que o bom juiz só 
muito raramente enfrenta o dilema de aplicar uma regra 
legal incompatível com o justo, em seu sentido ético. Àquele 
que se ocupa de usar os poderes processuais para dar 
efetividade às aspirações de justiça da sociedade, encontra 
sempre um meio de superar o aparente conflito entre a 
norma positiva e o justo. Basta, na quase totalidade das 
situações, o emprego dos meios correios de interpretação da 
lei, para se lograr uma adequada definição, que se revele 
idônea à concretização do justo." 
Mais adiante, lembra Humberto Theodoro Júnior, no mesmo 
trabalho, que: 
"O juiz contemporâneo está sujeito a um pacto político-
moral de atuar como agente do poder por meio de decisões 
submetidas invariavelmente a uma exigência de legitimidade 
e nessa qualidade não pode se eximir da responsabilidade 
pelos resultados inadequados dos julgamentos que profere 
imputando por inteiro ao legislador a 'justiça ou injustiça de 
sua decisão' (Modesto Saavedra, 'Interpretación Judicial del 
Derecho y Democracia', Ajuris, 68/300). Muito pelo 
contrário, cabe ao juiz responder pelo injusto que de sua 
sentença decorre para as partes. Por isso, vê-se obrigado 'a 
adotar uma posição de mediador entre a lei e seus 
destinatários, ou seja, entre o propósito do legislador e as 
expectativas do cidadão'(idem, ibidem). Nesse mister de 
mediador e de conciliador, pode ser levado a ponderar aquilo 
que o técnico, o doutrinador, não alcança de ordinário, 
porque movido apenas pelo 'interesse cognitivo'. Ao juiz 
 
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DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: 
NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada inconstitucional. Rio de 
Janeiro:América Jurídica, 2004. p. 29-67. 
Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
afetam os dados de angústia e urgência daquele que tem de 
submeter sua vida a regra legal e, por isso, tem, muitas 
vezes de forçar a hermenêutica para descobrir um sentido 
para a norma diante do drama concreto que a especulação 
do estudioso apenas não alcançaria (Saavedra, ob. cit, loc. 
cit.)." 
Em capítulo seguinte, Humberto Theodoro Júnior registra o 
seu pensamento sobre o direito positivo e os preceitos morais: 
"O ordenamento jurídico, embora prescinda de outro apoio 
para impor-se que a autoridade de onde emana, nunca se 
desvencilhou, nem mesmo literalmente, dos princípios éti-
cos, pois sem se conectar com eles não se pode pretender 
alcançar o justo, pelo o qual a lei se propõe a lutar. 
A justiça é anterior ao Direito e é em seu nome que 
historicamente se forjam os ordenamentos jurídicos, E um 
dado ético antes que jurídico. Daí que, sob a forma de 
princípio, o justo penetra todo o sistema jurídico e se faz 
presente como a maior força influente sobre os métodos e 
critérios de interpretação e aplicação das normas jurídicas. 
Aos princípios morais a todo instante recorrem não só os 
intérpretes como o próprio legislador. Até mesmo a Lei Maior 
deles se vale para estruturar o Estado e traçaras regras e 
garantias fundamentais. Assim, a Carta Magna, de início, 
assenta nosso Estado Democrático de Direito, entre outros 
fundamentos, sobre o da 'dignidade humana' (CF, art. 1o, 
inc. Ill), dado eminentemente ético e mesmo ponto de 
partida para estruturação de todo arcabouço de princípios da 
moral. Coerente com esse propósito, a declaração dos 
direitos e garantias fundamentais, que se insere no art. 5°, 
traduz um grande elenco de princípios dominados pela 
essência ética. Aliás, a leitura de todo o texto constitucional 
brasileiro evidencia a ostensiva valorização dos fundamentos 
éticos da Nação e do Estado, em todas as suas dimensões, 
sendo altamente expressivo o disposto no § 2°, do art. 5o, 
que, a pretexto de encerrara declaração dos direitos e 
garantias fundamentais, aduz: 
'Os direitos e garantias expressas nesta Constituição não 
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por 
ela adotados.' Mas, é no art. 37 da Constituição vigente que 
se consagrou com todo destaque quais seriam os 
fundamentos da atuação da Administração Pública e ali o 
legislador maior teve o cuidado de especificara sua sujeição 
obrigatória ao princípio da moralidade. 
 
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DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: 
NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada inconstitucional. Rio de 
Janeiro: América Jurídica, 2004. p. 29-67. 
Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
Para não ficar apenas na declaração programática, a 
Constituição conferiu a todo e qualquer cidadão a 
legitimidade para mover a ação popular visando a anular o 
ato lesivo à moralidade administrativa (art. 5o, LXXIII), além 
de conferir institucionalmente ao Ministério Público a ação 
civil pública (art. 129, III), cujo procedimento se aplica nas 
responsabilizações por danos morais e patrimoniais públicos 
(Lei n° 7.347, de 24.7.1985) e que se completou pela Lei n" 
8.429, de 2.6.1992, onde se traçou as normas processuais 
de repressão à improbidade administrativa dos agentes 
públicos, e, mais uma vez, se atribuiu ao Ministério Público a 
legitimidade para demandar a reparação dos danos oriundos 
dos atos imorais praticados na Administração Pública. 
Faz parte, portanto, da ideologia de nosso regime 
constitucional a valorização dos princípios éticos e a 
condenação firme da improbidade. 
Na ordem jurídica privada nunca foi diferente. Embora 
redigido o Código Civil numa época de exacerbado 
positivismo, que conduziu seus redatores a evitar a 
enunciação genérica de máximas morais em seu texto, 
sempre se reconheceu que todo o arcabouço de nosso direito 
privado se apoiava, entre outros, sobre os princípios éticos 
da submissão aos bons costumes, de tal sorte a prevalecer, 
por exemplo, a nulidade do negócio jurídico de objeto 
imoral, e a reprimir-se o enriquecimento sem causa e 
qualquer forma de locupletamento indevido." 
A homenagem que presto às lições acima de Humberto 
Theodoro, acolhendo-as em toda a sua plenitude, deve-se ao fato de que 
nao posso conceber o reconhecimento de força absoluta da coisa julgada 
quando ela atenta contra a moralidade, contra a legalidade, contra os 
princípios maiores da Constituição Federal e contra a realidade imposta 
pela natureza. Não posso aceitar, em sã consciência, que, em nome da 
segurança jurídica, a sentença viole a Constituição Federal, seja veículo de 
injustiça, desmorone ilegalmente patrimónios, obrigue o Estado a pagar 
indenizações indevidas, finalmente, que desconheça que o branco é 
branco e que a vida não pode ser considerada morte, nem vice-versa. 
É sempre lembrado que a Constituição Federal, em seu 
preâmbulo, consignou que a finalidade do Estado brasileiro é assegurar o 
 
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DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: 
NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada inconstitucional. Rio de 
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Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o 
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores 
supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceito, 
fundada na harmonia social. 
Ora, sendo o Judiciário um dos poderes do Estado com a 
obrigação de fazer cumprir esses objetivos, especialmente, o de garantir a 
prática da justiça, como conceber como manto sagrado, intocável, coisa 
julgada que faz o contrário? A resposta está no afirmado por Luiz Vicente 
Cernicchiaro, no artigo "Direito Alternativo", in Rev. Forense, n° 7, 
julho/1997, p. 36-37, citado por Humberto Theodoro no parecer já 
referido: "a lei precisa ajustar-se ao princípio. Em havendo divergência 
urge prevalecer a orientação axiológica. O direito volta-se para realizar 
valores", pois "o direito é o trânsito para concretizar o justo... O Judiciário 
tem importante papel político.... As decisões corretas devem estar 
finalisticamente orientadas para o justo... Lei iníqua, impeditiva de 
realização plena do Estado de Direito Democrático, precisa ser repensada. 
O juiz, repita-se, deve recusar aplicação à lei iníqua, injusta. Impoe-se-lhe 
invocar princípios. Só assim, a interpretação será sistemática. Criar, se 
necessário, a norma para o caso concreto". 
Merece ser registrado, em complementação ao já exposto, 
tendo em vista que a nossa preocupação é com os reflexos da coisa 
julgada, o que Paulo Roberto de Oliveira Lima escreveu, na obra Teoria da 
Coisa Julgada, já citada, p. 10 e 11: 
"No que respeita à coisa julgada, a própria legislação carece 
de alterações para dar ao instituto novas cores, sem o que 
arrisca-se a própria eficiência do Direito. Às alturas a que se 
eleva o valor da isonomia, não permite mais que o sistema 
jurídico, em homenagem à segurança, mantenha decisões 
díspares para casos iguais, rompendo com vários cânones 
constitucionais, em holocausto a intangibilidade da coisa 
julgada. Magoa fundo a noção de justiça, v. g, que 
determinado contribuinte pague certa exação, porque 
 
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DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: 
NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada inconstitucional. Rio de 
Janeiro: América Jurídica, 2004. p. 29-67. 
Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
vencido em ação onde arguiu a inconstitucionalidade do 
tributo, quando todos os demais (ou muitos, oualguns, ou 
outro) venceram suas demandas e livraram-se do ônus 
tributário. Quando as soluções díspares tornam-se definiti-
vas, porque a parte sucumbente não cuidou de recorrer, 
mitiga o sentimento de injustiça a consciência da parte de 
que contribuiu para o desenlace. Não assim quando a 
disparidade resultou de alteração da orientação 
jurisprudencial. Os casos são numerosíssimos, deixando o 
Judiciário em posição absolutamente desconfortável. Até 
porque aqui o resultado da demanda vai depender do 
momento em que foi ajuizada. Neste último lustro, a co-
munidade jurídica assistiu surpresa e impotente, a formação 
de coisas julgadas em processos idênticos, com soluções 
antagônicas. Assim, quanto ao reajuste de 147,07%, recla-
mado pelos aposentados em setembro de 1991; quanto ao 
saque do FTGS mercê da alteração do regime de emprego 
de celetista para estatutário; quanto ao reajuste de 84,32% 
reclamado por empregados particulares e servidores 
públicos, em março de 1990. Nestes casos e em vários 
outros, as decisões judiciais, inclusive as dos tribunais 
superiores, ora sufragaram uma tese, ora a outra, criando 
coisas julgadas intangíveis e garantindo direitos a uns e 
negando a outros, sem embargo de estarem todos na 
mesma e inalterada situação. Casos há, e não são poucos, 
onde servidores da mesma repartição e no exercício dos 
mesmos cargos e funções recebem remunerações diferentes, 
justo porque uns venceram e outros perderam suas 
demandas. Nestes casos, olvida-se o princípio constitucional 
da isonomia, maltrata-se a regra magna da prevalência do 
interesse público sobre o privado, aniquila-se o princípio do 
Direito Administrativo de que todos devem, na mesma 
medida, contribuir para a manutenção do Estado, espanca-
se o valor psicossocial da justiça, tudo em louvor à coisa 
julgada. 
Diante dos reclamos da sociedade perplexa, o jurista 
responde, sem pontadas de consciência, que o Direito 
somente se preocupa com a formação de coisas julgadas 
antagônicas quando os comandos decorrentes das decisões 
restam impossibilitados. Se os comandos referem-se a 
pessoas diferentes, há mera contradição lógica entre os 
julgados, sendo, no entanto, ambos perfeitamente exe-
quíveis. Assim, no caso do exemplo, nada impede que 
alguns servidores recebam o reajuste de 84,32% e outros 
não. As duas sentenças, a que concede o reajuste e a que o 
nega, são exequíveis, na medida em que cada uma se refere 
a um servidor especifico. Problema insuperável somente 
ocorreria se as duas sentenças se referissem ao mesmo 
servidor, hipótese afastada pelo instituto da coisa julgada." 
 
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DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: 
NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada inconstitucional. Rio de 
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Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
Esses laços da coisa julgada com os princípios da moralidade, 
da legalidade, da igualdade e com os preceitos da Constituição Federal 
têm sido apreendidos, de modo cuidadoso, pela jurisprudência. 
No trato, por exemplo, de desapropriação, onde presentes 
estão o interesse público e o do particular, tudo sob o comando do 
princípio constitucional da justa indenização, os pronunciamentos 
júrisprudênciais são no sentido seguinte: 
A) "Desapropriação. Indenização (atualização). Extravio de 
autos. Nova avaliação. Coisa julgada. Não ofende a coisa julgada a 
decisão que, na execução, determina nova avaliação para atualizar o valor 
do imóvel, constante do laudo antigo, tendo em vista atenderá garantia 
constitucional da justa indenização, procrastinada por culpa da 
expropriante. Precedentes do STF. Recurso extraordinário não conhecido" 
(RE n°93.412-SC, Rei. Min. Rafael Mayer, RTJ 102/276). 
B) "O deferimento de nova avaliação em sede de liquidação, 
em casos excepcionais, conforme entendimento da Suprema Corte, não 
encontra obstáculo na coisa julgada" (Ag. n° 75.773, DJU, de 3.5.1979, p. 
3.496, Rei. Min. Leitão de Abreu; RE n° 68.608, RTJ 54/376, Ia Turma; 
Ag. n° 47.564, Pleno, DJU, de 26.9.1969, p. 44.063). 
C) "Desapropriação. Terrenos da atual Base Aérea de 
Pamamirim, em Natal, RN. Liquidação de sentença. Determinação de nova 
avaliação. Hipóteses em que o STF tem admitido nova avaliação, não 
obstante, em decisão anterior, já transitada em julgado, se haja definido o 
valor da indenização. Diante das peculiaridades do caso concreto, não se 
pode acolher a alegação constante do recurso extraordinário de ofensa, 
pelo acórdão, ao artigo 153, § 3°, da Constituição Federal, em virtude do 
deferimento de nova avaliação dos terrenos. O aresto teve presentes fatos 
e circunstâncias especiais da causa, a indicarem a injustiça da 
 
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DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: 
NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada inconstitucional. Rio de 
Janeiro: América Jurídica, 2004. p. 29-67. 
Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
indenização, nos termos em que resultaria da só aplicação da correção 
monetária, a contar da Lei n° 4.686/1965, quando a primeira avaliação 
aconteceu em 1957. Critério a ser seguido na nova avaliação. Decreto-Lei 
n° 3.365/1941, artigo 26. Questão que não constitui objeto do recurso 
extraordinário da União. Relativamente aos juros compensatórios, 
havendo sido fixado, em decisão transitada em julgado, o percentual de 
6% a. a., não caberia, no acórdão recorrido, estipular seu cálculo à base 
de 12% a. a. A incidência do percentual de 6% a. a. dar-se-á a partir da 
ocupação do imóvel. Nesse ponto, o acórdão ofendeu o artigo 153, § 3o, 
da Lei Maior. No que respeita aos honorários advocatícios, estabelecidos 
em quantia certa, à vista da primitiva avaliação, não vulnera o artigo 153, 
§ 3o, da Carta Magna, o acórdão, ao estipular novo critério para seu 
cálculo, em determinando nova avaliação do imóvel expropriado. 
Conhecido, apenas, em parte, do recurso extraordinário, quanto a os juros 
compensatórios, para, nesta parte, dar-lhe provimento" (RE n° 105.012, 
Rei. Min. Néri da Silveira). 
D) Outros precedentes do Colendo Supremo Tribunal Federal 
seguem a mesma orientação, não considerando ofensiva da coisa julgada 
a decisão que determina se atualize o valor do imóvel desapropriado 
quando se trate de laudo antigo e a expropriante procrastinou o 
pagamento da indenização. Conferir: RE n° 65.395, Pleno, RTJ 52/7X1; 
RE n° 68.606, Ia T., RTJ 54/376; RE n° 78.506,13T, RTJ73/892; ERE n° 
54.221, Pleno, RTJ34/91. 
E) O Ministro Soares Munoz, ao proferir voto (vista) no RE n° 
93.412-SC, afirmou: 
"A doutrina moderna a respeito da coisa julgada restringe os 
seus efeitos aos fatos contemporâneos, ao momento em que 
foi prolatada a sentença. A força da coisa julgada material, 
acentua James Goldschmidt, alcança a situação jurídica no 
estado em se achava no momento da decisão, não tendo, 
portanto, influência sobre os fatos que venham a ocorrer 
 
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DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: 
NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Coisa julgada inconstitucional. Rio de 
Janeiro: América Jurídica, 2004. p. 29-67. 
Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais 
 
depois (in Derecho Procesal Civil, p. 390, tradução 
espanhola de 1936)." 
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 
O tema suscita vários questionamentos. Há impossibilidade 
física no âmbito deste trabalho enfocá-los em toda a extensão que 
possuem. 
Apresento, de forma esquematizada, uma síntese dos meus 
pensamentos sobre a matéria. Dividi-os em dois campos. 
No primeiro, tenho assentado o entendimento de que: 
a) o princípio-força da coisa julgada é de natureza relativa;

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