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INTERCULTURALIDADE E EDUCAÇÃO ESCOLAR Candau apoio aula 1

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Interculturalidade e Educação Escolar
Candau, V. M.
Vivemos uma época em que a consciência de que o mundo passa por transformações
profundas é cada dia mais forte. Esta realidade provoca em muitas pessoas e grupos,
sentimentos, sensações e desejos contraditórios, ao mesmo tempo de insegurança e
medo, potenciadores de apatia e conformismo, como também de novidade e esperança,
mobilizadores das melhores energias e criatividade para a construção de um mundo
diferente, mais humano e solidário.
Esta dialética é especialmente aguda na América Latina, em que o sonho de afirmação de
uma sociedade democrática e igualitária, "um mundo em que todos os mundos tenham
seu lugar", nas palavras do Comandante Marcos (Chiapas), esbarra diariamente com o
projeto neoliberal hegemônico e o avanço de reformas estruturais que acentuam a
marginalização e a exclusão, em nome da abertura dos mercados e do sonho de entrar
no "primeiro mundo"..…
Neste processo crescente de exclusão, que assume novas caras e dimensões no
continente, os mais afetados são os "outros", os diferentes, os que não dominam os
códigos da modernidade, não têm acesso ao processo de globalização em suas
diferentes dimensões, estão configurados por culturas que se resistem a colocar no centro
a competitividade e o consumo como valores fundamentais da vida, pertencem a etnias
historicamente subjugadas e silenciadas, questionam os estereótipos de gênero
presentes nas nossas sociedades, lutam diariamente pela sobrevivência e pelos direitos
humanos básicos que lhe são negados.
Como exemplo trágico destes processos de discriminação e exclusão presentes no
continente e não sempre reconhecidos, podemos citar a morte de um índio Pataxó, em
1997, em uma das ruas de Brasília, cidade símbolo de modernidade, incendiado por
jovens de classe média alta que, para justificar o seu crime, declararam não saber que se
tratava de um índio e que pensavam ser "apenas" um mendigo... No entanto, no meio
destas contradições e conflitos, cresce a consciência do caráter multicultural do
continente e de cada um dos nossos países. Talvez o novo deste fenômeno seja o seu
caráter afirmativo e propositivo. Faz muito tempo que sabemos que a miscigenação é um
dos traços de nossa formação histórico-cultural, que os povos originários e os afro-
americanos são testemunhas do massacre realizado ao longo dos últimos quinhentos
anos, assim como de resistência e fortaleza, que os processos de "hibridização cultural"
(Garcia Canclini) se multiplicam e acentuam no continente. Mas, em geral, associávamos
esta realidade a uma valência negativa, a algo que nos impedia de gerar processos de
desenvolvimento e de afirmação de identidades próprias em pé de igualdade com
diferentes povos e nações.
Me atreveria a afirmar que é esta perspectiva que está mudando, pelo menos em grupos
significativos de nossas sociedades, especialmente aqueles aos que é negado o acesso
pleno à cidadania e à democracia. Suas vozes se fazem ouvir, surda, clara ou
violentamente. E a sociedade começa a se preocupar pela construção de dinâmicas
sociais mais inclusivas e participativas, em muitos casos orientadas exclusivamente para
minimizar tensões e conflitos. Certamente o que já não é possível é negar esta
problemática.
É neste contexto que se situa este trabalho que pretende analisar as relações entre
educação e interculturalidade hoje na América Latina, o papel da educação escolar nesta
perspectiva e os desafios que teremos de enfrentar para promover processos educativos
verdadeiramente informados pela perspectiva intercultural.
Origens da perspectiva intercultural em educação
A reflexão sobre o papel da educação em uma sociedade cada vez mais de caráter
multicultural, é recente e crescente no nível internacional e, de modo particular, na
América Latina. No entanto, a gênese desta preocupação obedece a origens e
motivações diferentes em diversos contextos, como o europeu, o norte-americano e o
latino-americano.
Segundo Jordán (96), esta perspectiva surge não somente por razões pedagógicas, mas
principalmente por motivos sociais, políticos, ideológicos e culturais . A origem desta
corrente pedagógica pode ser situada aproximadamente há trinta anos, nos Estados
Unidos, a partir dos movimentos de pressão e reivindicação de algumas minorias étnico-
culturais, principalmente negras.
"Estes protestos antidiscriminatórios encontraram logo eco em outros países ocidentais:
por exemplo, grupos asiáticos na Inglaterra, índios no Canadá, aborígenes na Austrália,
indonésios na Holanda, etc. Ao mesmo tempo que foram implantados os direitos civis
reivindicados, começaram a proliferar por parte dos grupos como os mencionados, as
correlativas demandas sociais, culturais e educativas. Se é verdade que os diferentes
grupos étnico-culturais se mostraram ativos durante estes anos em pressionar os poderes
públicos a favor de uma recuperação de sua identidade cultural e, inclusive, de uma
consideração escolar de suas diferentes línguas e culturas, não é menos real o hiato
todavia existente entre os ideais democráticos pluralistas proclamados pela maioria
dominante e as práticas mais ou menos discriminadoras que os grupos minoritários
continuam freqüentemente experimentando em nossos dias". (Jordán,96, p.11-12).
Portanto, é possível afirmar que a perspectiva intercultural em educação não pode ser
dissociada da problemática social e política presente em cada contexto. Relações
culturais e étnicas estão permeadas por relações de poder. Daí seu caráter muitas vezes
contestador, conflitivo e mesmo socialmente explosivo.
No caso europeu, a preocupação por trabalhar os processos educativos nesta perspectiva
nasce do fenômeno da imigração, da presença na Europa ocidental, cada vez mais
numerosa nas últimas décadas, de pessoas provenientes dos mais variados continentes,
da África, Ásia e América Latina, assim como, na última década, do Leste Europeu. Esta
realidade cria novas situações, entre as quais a presença maciça de estrangeiros nas
escolas públicas dos diferentes países provocando uma problemática complexa e, em
muitos casos, conflitiva. A maior parte das políticas adotadas por estes países tendem a
enfatizar a inserção destas populações no novo contexto , favorecendo a assimilação
cultural, muitas vezes realizada tendo por base o fato de se ignorar e mesmo negar a
cultura de origem destes grupos. Recentemente, também o reconhecimento das
diferentes nacionalidades presentes no mesmo país tem favorecido o desenvolvimento
desta preocupação no bojo dos esforços de promoção de uma educação intercultural,
como é o caso da Espanha. O fato é que as experiências de educação multicultural,
utilizando diferentes abordagens e metodologias, se vêm multiplicando no contexto
europeu e norte-americano, assim como uma ampla produção acadêmica vem se
desenvolvendo, acompanhada da promoção da pesquisa na área.
No entanto, no que diz respeito à América Latina, a preocupação intercultural, nasce a
partir de outro horizonte. Para Zúñiga Castillo e Ansión Mallet (97), esta abordagem surge
referida as nossas populações indígenas. Para estes autores, referindo-se ao Peru
"As primeiras demandas de exigências educativas que emanam da diversidade cultural de
nosso país se deram nas primeiras décadas deste século, graças a José Carlos
Mariátegui e Luis E. Valcarcel. Conjuntamente com as necessidades de ordem étnico e
cultural, eles perceberam agudamente as necessidades sócio-econômicas das
populações quéchuas e aimaras. Por esta razão, Mariátegui postula que o problema do
índio no Peru é o problema da terra. Valcárcel, desde seu papel de educador,propõe o
funcionamento de Núcleos Escolares Camponeses que oferecessem uma educação
integral às crianças, que incluísse componentes de preparação para o trabalho, um de
caráter agropecuário e outro técnico". (p.31)
A partir desta época são várias as experiências educativas realizadas em diferentes
países latino- americanos, orientadas a atender de modo mais adequado a diferentes
grupos sociais e culturais marginalizados. Neste sentido, especialmente a partir da
década dos cinqüenta, os movimentos de educação popular contribuíram de modo muito
significativo e enriquecedor para promover processos educativos a partir dos
componentes culturais dos diversos grupos populares.
Partimos da hipótese de que a preocupação por uma educação que respeite a
diversidade cultural emerge de modo original na América Latina e é muito anterior ao atual
movimento de valorização desta perspectiva que se desenvolve no plano internacional.
Valeria a pena investigar detalhadamente este processo, resgatar suas melhores
experiências e aprofundar na sua análise para enriquecer as atuais reflexões e
discussões nesta área.
No entanto, o desafio de promover uma educação intercultural não se restringe a
determinadas populações específicas, como se somente a elas fosse exigido o esforço de
reconhecimento e valorização das culturas diferentes da sua de origem. Hoje urge ampliar
este enfoque e considerar a educação intercultural como um princípio orientador, teórica e
praticamente, dos sistemas educacionais na sua globalidade.
A cultura escolar: um universo monocultural?
Rigoberta Menchú Tum, guatemalteca, indígena quiché, prêmio Nobel da Paz em 1992,
militante dos direitos humanos, narra assim a opinião do seu pai sobre a função da
escola:
"Infelizmente, se ponho você numa escola, vão ‘desclassar’ você, vão ‘ladinizar’ você e
isso eu não quero e por esta razão não a ponho."
E, acrescenta a própria Rigoberta:
"Talvez o meu pai tivesse tido a oportunidade de me oferecer a possibilidade de uma
escola aos quatorze anos, mas não podia, porque sabia as conseqüências e as idéias que
me iam meter na escola" (In: Burgos, 83, p.216)
Estas palavras explicitam dramaticamente a questão das relações entre escola e
cultura(s) e o papel homogeneizador da cultura escolar. Muitos grupos sociais e culturais
vivem sentimentos, as vezes não explicitados, semelhantes aos expressados por
Rigoberta e seu pai. O fracasso escolar, certamente seletivo, está aí para evidenciar
quem são os que fracassam na escola. A desconexão entre a cultura escolar e a cultura
social de referência dos alunos e alunas tem sido ultimamente denunciada por inúmeros
autores e evidenciada por diversas pesquisas. As nossas salas de aula, onde
pretensamente se ensina e se aprende, deveriam ser espaços de lidar com o
conhecimento sistematizado, construir significados, reforçar, questionar e construir
interesses sociais, formas de poder, de vivências que têm necessariamente uma
dimensão antropológica, política e cultural.
No entanto, em geral, a cultura escolar apresenta um caráter monocultural. Para Gimeno
Sacristán (95):
"A cultura dominante nas salas de aula é a que corresponde à visão de determinados
grupos sociais: nos conteúdos escolares e nos textos aparecem poucas vezes a cultura
popular, as subculturas dos jovens, as contribuições das mulheres à sociedade, as formas
de vida rurais, e dos povos desfavorecidos (exceto os elementos de exotismo), o
problema da fome, do desemprego ou dos maus tratos, o racismo e a xenofobia, as
conseqüências do consumismo e muitos outros temas problemas que parecem
“incômodos”. Consciente e inconscientemente se produz um primeiro velamento que afeta
os conflitos sociais que nos rodeiam quotidianamente.(p.97).
A análise do cotidiano escolar de diferentes escolas tem evidenciado claramente a
pertinência destas afirmações. A cultura escolar predominante nas nossas escolas se
revela como "engessada", pouco permeável ao contexto em que se insere, aos universos
culturais das crianças e jovens a que se dirige e a multiculturalidade das nossas
sociedades.
Parece que o sistema público de ensino, nascido no contexto da modernidade, assentado
no ideal de uma escola básica a que todos têm direito e que garanta o acesso a todos dos
conhecimentos sistematizados de caráter considerado "universal", além de estar longe de
garantir a democratização efetiva do direito à educação e ao conhecimento sistematizado,
terminou por criar uma cultura escolar padronizada, ritualística, formal, pouco dinâmica,
que enfatiza processos de mera transferência de conhecimentos, quando esta de fato
acontece, e está referida à cultura de determinados atores sociais, brancos, de classe
média , de extrato burguês e configurados pela cultura ocidental, considerada como
universal.
A dinâmica cristalizada na cultura escolar apresenta uma enorme dificuldade de
incorporar os avanços do desenvolvimento científico e tecnológico, as diferentes formas
de aquisição de conhecimentos, as diversas linguagens e expressões culturais e as novas
sensibilidades presentes de modo especial nas novas gerações e nos diferentes grupos
culturais. Os processos de aquisição-construção-desconstrução-reconstrução do
conhecimento, em profunda crise na sociedade atual, onde caminhos e linguagens
diversificadas se impõem, aparecem no dia a dia das salas de aula de modo homogêneo
e repetitivo, através de formas estereotipadas, na grande maioria das situações.
Chama atenção quando se convive com o cotidiano de diferentes escolas, como são
homogêneos os rituais, os símbolos, a organização do espaço e dos tempos, as
comemorações de datas cívicas, as festas, as expressões corporais, etc. Mudam as
culturas sociais de referência mas a cultura da escola parece gozar de uma capacidade
de se auto-construir independentemente e sem interagir com estes universos. É possível
detectar um "congelamento" da cultura da escola que, na maioria dos casos, a torna
"estranha" aos seus habitantes.
No entanto, como afirma Giroux (95) :
"Os/as educadores/as não poderão ignorar, no próximo século, as difíceis questões do
multiculturalismo, da raça, da identidade, do poder, do conhecimento, da ética e do
trabalho que, na verdade, as escolas já estão tendo de enfrentar. Essas questões
exercem um papel importante na definição do significado e do propósito da escolarização,
do que significa ensinar e da forma como os/as estudantes devem ser ensinados/as para
viver em um mundo que será amplamente mais globalizado, high tech e racialmente
diverso que em qualquer outra época da história"(p.88)
Da multiculturalidade à interculturalidade
Os termos multiculturalismo e interculturalismo são muitas vezes utilizados como
sinônimos. No entanto, neste trabalho empregamos a palavra multiculturalismo para
significar uma realidade social: a presença de diferentes grupos culturais numa mesma
sociedade.
A toma de consciência desta realidade, em geral é motivada por fatos concretos que
explicitam diferentes interesses, discriminações e preconceitos presentes no tecido social.
Uma situação até então considerada "normal" e "natural", se revela como permeada por
relações de poder, historicamente construídas e marcada por desigualdades e
estereótipos raciais e culturais. Os "outros", os diferentes se revelam em toda a sua
concretude. Para muitas pessoas e grupos sociais esta descoberta é altamente
ameaçadora. Surgem então comportamentos e dinâmicas sociais que constróem muros.
Física , afetiva e ideologicamente evita-se o contato e criam-se mundos próprios, sem
relaçãocom os "diferentes". Fenômenos desta natureza provocam na sociedade
"apartheid’s" sociais e culturais, processos de guetificação que, nas grandes cidades
latino-americanas, cada vez mais se acentuam. Portanto, a consciência do caráter
multicultural de uma sociedade não leva espontânea e necessariamente ao
desenvolvimento de uma dinâmica social informada pelo caráter intercultural.
O interculturalismo supõe a deliberada interrelação entre diferentes culturas. "O prefixo
inter indica uma relação entre vários elementos diferentes: marca uma reciprocidade
(interação, intercâmbio, ruptura do isolamento) e, ao mesmo tempo uma separação ou
disjuntiva (interdição, interposição, diferença). Este prefixo não corresponde a um ‘mero
indicador retórico, mas se refere a um processo dinâmico marcado pela reciprocidade de
perspectivas’. Estas perspectivas são representações sociais construídas em interação
(Ibidem). Para Micheline Rey (1986) o prefixo se refere à interação, mudança e
solidariedade objetiva. Caracteriza uma vontade de mudança, de ação no contexto de
uma sociedade multicultural".(Muñoz Sedano, 97, p.119)
Para Zuñiga Castillo e Ansión Mallet (97) , a interculturalidade pode converter-se num
princípio normativo, no âmbito pessoal e dos processos sociais.
No nível individual supõe promover o diálogo no interior de cada pessoa entre as diversas
influências culturais que a configuram e a que está exposta, às vezes em conflito ou não
sempre fáceis de serem harmonizadas.
"Obviamente surgem problemas ao se tentar processar as múltiplas influências, mas, ao
fazê-lo de modo mais consciente, talvez se facilite um processo que de toda maneira se
inicia no interior da pessoa sem que ela tome plena consciência dele. Este diálogo
consciente se pode dar de muitas formas e não se sabe bem como se produz. No
entanto, se pode perceber visivelmente que pessoas submetidas a influências culturais
diversas freqüentemente processam estas influencias de modos similares" (p.15)
Em geral, este processo emerge com maior frequência quando se muda de contexto
habitual de vida ou, por alguma razão, se é obrigado a entrar em relação com grupos e
culturas diferentes da nossa de origem.
Quanto ao nível social, a interculturalidade orienta processos que têm por base o
reconhecimento do direito à diversidade e a luta contra todas as formas de discriminação
e desigualdade social e tentam promover relações dialógicas e igualitárias entre pessoas
e grupos que pertencem a universos culturais diferentes. Neste sentido, trata-se de um
processo permanente, sempre inacabado, marcado por uma deliberada intenção de
promover uma relação dialógica e democrática entre as culturas e os grupos involucrados
e não unicamente de uma coexistência pacífica num mesmo território. Esta seria a
condição fundamental para qualquer processo ser qualificado de intercultural.
Educação Intercultural: o que é e o que não é
Tendo presente as reflexões acima realizadas, podemos afirmar com Jordán (96) que a
educação intercultural no âmbito escolar não pode ser reduzida:
- a um desejável horizonte democrático e a um ideal pedagógico com pouca incidência na
prática cotidiana, limitado à introdução de um conjunto da atividades esporádicas sem
integração com o currículo escolar, a uma série de apresentações de palestras,
espetáculos musicais, comidas, danças, videos, etc, sobre diferentes culturas;
- a um conjunto de atividades ou mesmo a um currículo específico dirigido exclusivamente
a determinados grupos sócio-culturais e/ou escolas onde há uma presença significativa de
alunos/as "diferentes"; neste caso, facilmente terminaria por adotar a abordagem da
educação compensatória, interpretando a diferença como déficit, particularmente na área
acadêmica;
- a uma preocupação exclusiva de determinadas áreas curriculares , consideradas mais
afins a este tipo de preocupação como as ciências sociais, filosofia, língua materna,
atividades artísticas, etc;
Muitos têm sido os modelos educativos desenvolvidos na perspectiva da promoção de
uma educação intercultural.
Em um "Taller Nacional" sobre "Educação Popular e Pedagogia da Diversidade", realizado
em Cochabamba (Bolívia), de 12 a 15 de julho de 1996, partindo-se da afirmação de uma
relação dinâmica entre contexto e cultura que foi assim expressada:
"Todas as culturas são dinâmicas e vão recreando-se e modificando-se de acordo com
seus marcos de regeneração e/ou reprodução. Deste modo todas as culturas possuem
processos internos que lhes permitem manter-se como diferentes e singulares, ao mesmo
tempo que estabelecem relações e vínculos com outras culturas através de negociações
que lhes permitem seguir vivendo no meio de outras ou da assimilação e acomodação de
elementos destas culturas para sua vida própria. Esta dupla dimensão de relações
internas e externas se dá em relação ao contexto e ao espaço em que se desenvolve
cada cultura" (p.19),
Os participantes diferenciaram duas tendências a partir da análise de diferentes
experiências educativas que se propõem trabalhar a diversidade a partir da perspectiva
cultural. A primeira, "proposta única que se adapta à diferença", parte de uma proposta
global, de caráter geral, que vai se adaptando na prática às diferenças. Quanto á
segunda, "proposta a partir da diferença", inverte este movimento e tem como ponto de
partida o reconhecimento da diferença como base para qualquer trabalho educativo. "Não
se trata de adaptar uma visão e ação únicas e sim de desenvolver ações diferentes em
cada contexto cultural diferente" (p.21).
Esta tensão dialética entre o comum e o diferente é inerente à perspectiva da educação
intercultural e é possível distinguir e agrupar as diferentes propostas a partir de como se
situam e trabalham esta tensão.
Para Bartolomé Pina (97), o critério fundamental que identifica as diferentes tendências é
sua finalidade última, o que se pretende potenciar através da ação educativa. Surgem
então, a partir da análise de programas concretos, cinco grandes opções: manter a cultura
hegemônica de uma sociedade determinada, reconhecer a existência de uma sociedade
multicultural, fomentar a solidariedade e reciprocidade entre culturas, denunciar a injustiça
provocada pela assimetria cultural e lutar contra ela e avançar em direção a um projeto
educativo global que inclua a opção intercultural e a luta contra todas as formas de
discriminação. Somente os modelos orientados pelas três últimas finalidades assinaladas
poderiam, segundo esta autora, ser considerados como adotando de alguma forma ou em
algum grau, mesmo com caráter limitado, uma perspectiva intercultural.
Quais seriam, então, os critérios básicos para se promover processos educativos em uma
perspectiva intercultural? Enumeramos a seguir alguns que consideramos fundamentais:
- o ponto de partida deve ser uma perspectiva em que a educação é vista como uma
prática social em íntima relação com as diferentes dinâmicas presentes numa sociedade
concreta:
"A pedagogia intercultural é tanto escolar como social. A sociedade e a escola têm de unir
suas ações no processo de educação intercultural. Consequentemente, não seria
arriscado afirmar que a pedagogia intercultural tem um 50 por 100 de pedagogia escolar e
outro 50 por 100 de pedagogia social". (Merino y Muñoz, 95, p.133)
- é importante articular a nível das políticas educativas, assim como das práticas
pedagógicas, o reconhecimento e valorização da diversidade cultural com as questões
relativas á igualdade e ao direito à educação como direito de todos/as. Estas duas
exigências mutuamente se reclamam e não podem ser vistas como contrapostas. A
atenção às diferentes identidades é inerente a construçãoda igualdade e da democracia;
- a educação intercultural não pode ser reduzida a algumas situações e/ou atividades
realizadas em momentos específicos ou por determinadas áreas curriculares, nem focalizr
sua atenção exclusivamente em determinados grupos sociais. Trata-se de um enfoque
global que deve afetar a cultura escolar e a cultura da escola como um todo, a todos os
atores e a todas as dimensões do processo educativo, assim como a cada uma das
escolas e ao sistema de ensino como um todo;
- esta perspectiva questiona o etnocentrismo que, explícita ou implicitamente está
presente na escola e nas políticas educativas e coloca uma questão radical: que critérios
utilizar para selecionar e justificar os conteúdos "no sentido amplo", que não pode ser
reduzido aos aspectos cognitivos- da educação escolar?
- a educação intercultural afeta não somente aos diferentes aspectos do currículo
explícito, objetivos, conteúdos propostos, métodos e estilos de ensino, materiais didáticos
utilizados, etc, como também o currículo oculto e as relações entre os diferentes agentes
do processo educativo professores/as, alunos/as, coordenadores/as, pais, agentes
comunitários, etc. Neste sentido, trabalhar os ritos, símbolos, imagens, etc, presentes no
dia a dia da escola e a auto-estima dos diferentes sujeitos e construir relações
democrática que superem o autoritarismo e o machismo tão fortemente arraigados nas
culturas latino-americanas, constituem desafios iniludíveis.
A perspectiva da educação intercultural apresenta uma grande complexidade e nos
convida a repensar os diferentes aspectos e componentes da cultura escolar e da cultura
da escola eo sistema de ensino como um todo. Não pode ser trivializada. Coloca
questões radicais que têm que ver com o papel da escola hoje e no próximo milênio.
 Todos os educadores e educadoras estamos convidados a ressituar nossas teorias e
nossas práticas a partir dos desafios que ela nos coloca.
Referências Bibliográficas
•BARTOLOMÉ PINA, M. Diagnóstico a la escuela multicultural Barcelona: Cedecs
Edit., 1997.
•BURGOS, E. Me llamo Rigoberta Menchú y así me nació la conciencia Barcelona:
Argos Vergara, 1983.
•DAYRELL, J. A escola como espaço sócio-cultural ; in: Dayrell, J. Múltiplos Olhares
sobre Educação e Cultura Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1996.
•GARCIA CANCLINI, N. Culturas Híbridas México: Grijalbo, 1990.
•GIMENO SACRISTÁN, J. Currículo e diversidade cultural; in: Silva, T.T. e Moreira,
A. (org) Territórios Contestados Rio de Janeiro: Vozes, 1995.
•GIROUX, H. Praticando Estudos Culturais nas Faculdades de Educação; in: Silva,
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•JORDÁN, J. A. Propuestas de Educación Intercultural Barcelona: CEAC,1996.
•MERINO, J. e MUÑOZ, A. Ejes de debate y propuestas de acción para una
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•MEPB (Movimiento de Educadores Populares de Bolívia) Educación Popular y
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•MUÑOZ SEDANO, A. Educación Intercultural: teoria y practica. Madrid: Edit.
Escuela Española, 1997.
•ZÚÑIGA CASTILLO, M. e ANSIÓN MALLET, J. Interculturalidad y Educaciön en el
Peru Lima: Foro Educativo, 1997.

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