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NEAD Núcleo de Educação a Distância Disciplina de Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica NEAD Núcleo de Educação a Distância 2 Sumário (Unidade 2) EXPOSIÇÃO SINTÁTICA DA UNIDADE• HERMENÊUTICA FILOSÓFICA CONTEMPORÂNEA• Hermenêutica Metodológica ou Epistemológica em Schleiermacher e Dilthey1. Hermenêutica Ontológica ou Existencial em Heidegger e Gadamer2. Contribuições de Jean Paul Sartre e Paul Ricoeur3. HERMENÊUTICA FILOSÓFICA NA TEORIA DO CONHECIMENTO• Conhecimento1. Norma, Cultura, Valor e Sentido2. Conhecimento e Interpretação3. Interpretação e Formação Profissional4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS• NEAD Núcleo de Educação a Distância 3 Exposição sintática da unidade Começamos agora a segunda unidade da disciplina de Hermenêuti- ca Jurídica. Durante esta unidade, iremos apresentar, inicialmente, as principais correntes filosóficas da hermenêutica contemporânea, que tiveram influência direta sobre a hermenêutica jurídica. Em seguida, faremos a aplicação destes estudos para a hermenêutica, por ser a in- terpretação algo que faz parte de um ato de conhecimento. Para tanto, iniciaremos abordando o conceito de conhecimento, os vários tipos e graus do conhecimento, suas metodologias, seus sujeito e objetos. Evoluindo para a relação entre conhecimento e cultura, iremos demons- trar que todo conhecimento é uma atividade interpretativa dos fatos, pela qual buscamos compreender os acontecimentos e objetos da vida cotidiana e, através de uma análise cultural, atribuímos a estes os padrões valorativos sociais vigentes. Neste contexto é que surgem a norma jurídica, como dis- ciplinadora desses padrões, e o Direito como estudo sistemático da norma, ambos essencialmente vinculados à sociedade e à cultura. Assim, para que você possa compreender melhor o nosso estudo, faz- se importante conhecer quais são os objetivos desta unidade: Objetivo Analisar as elaborações filosóficas do problema hermenêutico • e suas repercussões no campo jurídico. A hermenêutica jurídica se afirma, assim, como atividade de referência para alcançar a dimensão valorativa dos fatos presentes na cultura, da qual se depreende o sentido conferido às ações humanas, sentido este passível de ser captado pelo exercício da interpretação. A interpretação é uma verdadeira re- criação da norma, no momento concreto de sua aplicação, evidenciando assim o dinamismo do Direito na tentativa de alcançar a contínua evolução social. Desse modo, a seguir examinaremos os momentos constitutivos do ato de interpretar e o modo como atuam nele os elementos objetivos do mun- do jurídico e subjetivos da formação do intérprete. Acompanhe! NEAD Núcleo de Educação a Distância 4 Unidade 2: Hermenêutica filosófica TEMA: HERMENÊUTICA FILOSÓFICA CONTEMPORÂNEA 1 HERMENÊUTICA METODOLÓGICA OU EPISTEMOLÓGICA EM SCHLEIERMACHER E DILTHEY Desde a antiguidade até a era moderna, as teorias da herme- nêutica não tiveram evolução significativa, permanecendo sempre o entendimento da hermenêutica enquanto exegese, ou seja, in- terpretação literal. Foi no âmbito da filosofia contemporânea, por influência do pensamento de Hegel e Schleiermacher, que começa- ram a surgir as novas tendências do estudo da hermenêutica. Hegel contribuiu com o seu novo conceito de razão histórica, conforme foi explicitado na primeira unidade e Schleiermacher fez a adaptação do método histórico-crítico, que era utilizado na teologia protes- tante, para o plano geral do conhecimento científico, aplicando-o primordialmente no processo de compreensão interpessoal. Desse modo, examinemos brevemente a teoria de Schleiermacher. O interesse de Schleiermacher pela hermenêutica surgiu a par- tir da necessidade de fundamentar os procedimentos práticos de tradução e interpretação de textos antigos. Embora esta seja uma atividade humana bastante antiga, ainda não havia sido abordada de uma maneira sistemática, de modo a ser considerada científica. O que havia era um conjunto de princípios e técnicas que verifica- vam apenas o aspecto objetivo, literário, gramatical, sem levar em conta o processo interior mental que se passa no pensamento do intérprete. Ele afirma que é impossível dissociar o que está escrito de quem o escreveu, na medida em que a linguagem escrita de alguém é uma interpretação pessoal dos fatos que são descritos. A hermenêutica visa não apenas a explicação das palavras do texto, mas, também, e principalmente, a apreensão do pensamento que está contido no texto escrito. Então, Schleiermacher iniciou o trabalho de elaboração de uma teoria hermenêutica geral, que não se limitasse a regras e proce- dimentos práticos de interpretação, mas que também e principal- mente demonstrasse as razões implícitas destes procedimentos, tornando a hermenêutica um estudo acerca da compreensão em NEAD Núcleo de Educação a Distância 5 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica geral. Ou seja, em vez de perguntar “como” se interpreta um tex- to, ele pergunta primeiramente o que significa interpretar e com- preender e de que modo isso ocorre na nossa mente. Só depois de esclarecidas estas questões fundamentais, deve-se partir para a parte prática da formação de regras específicas de interpretação. Importante Assim, a atividade da hermenêutica não será mais deter- minada pelo objeto a ser interpretado, mas pelas condições subjetivas daquele que faz a interpretação. Ele desloca a hermenêutica de uma posição essencialmente técnica e científica para um domínio filosófico argumentativo, relacio- nando-a com o fenômeno geral da compreensão humana, estritamente conectada com a arte de pensar e de falar. Visto que a arte de falar é apenas o lado exterior da arte de pensar, será sempre necessário procurar compreender, junto com a linguagem (falada ou escrita) o pensamento elaborado por quem falou ou escreveu. Processo Hermenêutico Interpretação do conteúdo Interpretação do texto (falado ou escrito) apreende descobre duas etapas conjuntas e complementares Interpretação gramatical do texto signos e símbolos linguísticos utilizados pelo autor (aspecto da literalidade) Interpretação da genialidade do autor pensamento desen- volvido pelo autor na produção do texto (processos mentais da produção) NEAD Núcleo de Educação a Distância 6 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica Como visto no esquema, entende-se deste modo que o pro- cesso hermenêutico pode ser distinguido em duas etapas con- juntas e complementares: a interpretação do texto (falado ou escrito) e a interpretação do seu conteúdo. A primeira visa, a apreensão dos signos e símbolos linguísticos utilizados pelo autor, ou seja, o aspecto da literalidade; a segunda procu- ra descobrir o pensamento desenvolvido pelo autor ao produzir aquele texto, os processos mentais envolvidos na sua produção. A primeira é a interpretação gramatical do texto; a segunda é a interpretação da genialidade do autor do texto. Para Schleiermacher, portanto, a interpretação e a compre- ensão (aqui entendidas como sinônimas) deveriam enfocar não apenas as palavras faladas ou escritas, mas a questão do porquê de certas ideias serem expressas de uma maneira e não de outra (compreensão genética). O foco primeiro da compreensão não é a validade do que está sendo dito, mas sua individualidade, en- quanto pensamento de uma pessoa em particular, expressada de uma forma particular, num momento particular. Mas para que isso seja possível, isto é, para que se compreenda a individualidade de quem fala, Schleiermacher acreditava que se deve retroceder até a gênese das ideias, como se pudesse repetir na mente do intér- prete aquilo que se passou no pensamento original do autor. A ênfase na compreensão de produtosmentais individuais trouxe à tona, então, uma nova preocupação: a hermenêutica psicológica. Deve-se notar, entretanto, que o tipo de conheci- mento psicológico em questão não se refere ao conhecimento de uma psicologia experimental, baseada em leis do comporta- mento, mas de uma “psicologia descritiva” de acordo com a qual a mente, a sociedade e os processos históricos são aspectos de um domínio psíquico geral. Esta nova visão do problema herme- nêutico teve grande importância na formação da ciência psicoló- gica, até então vinculada à filosofia. No que diz respeito ao Direito, afirma o Professor Glauco Maga- lhães (2004): Percebemos aqui um intenso psicologismo no método pro- posto. Isto repercutiu posteriormente no Direito, através da ênfase exagerada dada à vontade do legislador como referen- NEAD Núcleo de Educação a Distância 7 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica cial necessário à interpretação correta da lei (subjetivismo), ensino praticamente já superado pelo objetivismo de caráter evolutivo e sociológico, o qual procura o sentido da norma jurídica na vontade nela objetivada e que acompanha a dina- micidade dos fatos sociais (MAGALHÃES, 2004, p.34). Em seguida a Schleiermacher, outro pensador que contribuiu para o desenvolvimento da hermenêutica filosófica foi Wilhelm Dilthey. Ele foi discípulo e biógrafo de Schleiermacher, aprofun- dando-se nas teorias deste, evoluindo, porém, e buscando de- monstrar como a experiência histórica pode tornar-se ciência, ou seja, como é possível a história ser considerada uma ciência. Através do método hermenêutico proposto por Schleiermacher, os estudiosos da psicologia ganharam força para que este es- tudo fosse considerado científico, o que não era até então. Dil- they, então, procurou demonstrar que, pelo mesmo método, a história também poderia ser estudada cientificamente. Afirma Dilthey que todas as manifestações humanas, e não apenas os textos escritos, fazem parte de um grande contexto sócio-temporal, que nós chamamos de cultura. O grande empe- cilho para que os estudos dos fenômenos humanos fossem con- siderados científicos era a falta de um método adequado a eles, já que estes estudos não se enquadravam no método científico clássico, baseado na lógica matemática, como acontecia com as ciências da natureza. As teorias de Hegel, demonstrando a exis- tência de uma racionalidade humana própria presente na histó- rica (razão histórica), já haviam modificado o conceito antigo de história como simples relato de fatos. O método hermenêutico iniciado por Schleiermacher demons- trara a possibilidade de uma análise científica dos fenômenos psicológicos. Considerando que a pessoa humana, enquanto in- divíduo, tem necessariamente uma vida pessoal dentro de um determinado contexto temporal e social (cultura), Dilthey viu que seria possível ampliar o método hermenêutico para alcançar esse contexto mais amplo em que se passa a vida humana e, com isso, se alcançaria o plano da história. NEAD Núcleo de Educação a Distância 8 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica Dilthey Ciências do Espírito Ciências da Natureza Ato de Conhecimento na: Ato de Conhecimento na: Exemplo: se opõem Exemplo: propôs divisão do conhecimento científico Método Analítico Esclarecedor Vida Humana = Compreende-se Natureza = Esclarece-se Ciências Naturais Ciências Humanas ou Sociais Procedimento de Compreensão Descritiva Explicação Compreensão Interpretação Esclarecedora Interpretação Compreensiva Evoluindo NEAD Núcleo de Educação a Distância 9 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica Como visto nesse outro esquema, observamos que com o resultado das suas teorias, Dilthey foi o primeiro pensador a propor a divisão do conhecimento científico entre ciên- cias da natureza e ciências do espírito, que se distin- guem por um método analítico-esclarecedor (as primeiras) e um procedimento de compreensão descritiva (as segun- das). O ato de conhecimento próprio das ciências naturais é a explicação, enquanto o ato de conhecimento próprio das ciências do espírito é a compreensão. Esclarecemos por meio de processos intelectuais, mas compreendemos pela cooperação de todas as forças sentimentais na apre- ensão, pelo mergulhar das forças sentimentais no objeto. Dilthey estabelece assim uma interpretação compreensiva, que se opõe explicitamente à interpretação das ciências naturais, naturalmente esclarecedora. A natureza, nós a esclarecemos, mas a vida humana, nós a compreendemos. Esta distinção entre os grupos de ciências evoluiu poste- riormente para ciências naturais e ciências humanas ou so- ciais, nomenclatura atualmente mais utilizada. Uma das ideias que Dilthey procura deixar clara é que tanto o mundo externo afeta o conteúdo da nossa mente quanto é afetado por ela. Neste sentido, tanto o conhecimen- to quanto as estruturas objetivas do mundo (social, cultural, linguística) devem ser concebidos como um processo histó- rico, e o papel da filosofia e das ciências do espírito deveria ser o de refletir sobre os pressupostos que estão na base do desenvolvimento histórico da consciência, de analisar os da- dos da consciência humana ou, em outros termos, iluminar o processo da vivência. Isto porque, por um lado, a experiência humana é sempre formada por vivências, isto é, por experi- ências de caráter histórico, e, por outro, toda ciência, assim como toda filosofia, deve se referir à experiência. Foi desta maneira que Dilthey procurou justificar a história como ciên- cia, sendo considerado o pai do historicismo. NEAD Núcleo de Educação a Distância 10 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica De acordo com Dilthey, a perspectiva na qual a pergunta pela cientificidade da história é feita é inteiramente distinta daquela na qual se pergunta pela possibilidade da ciência na- tural. A diferença está no seguinte: a ciência natural trata de um mundo exterior ao homem e não produzido por ele, daí que o grande problema da verdade científica é a adequação entre os conceitos e os fatos do mundo natural. Dilthey cha- ma a atenção para o fato da existência de dois mundos: um mundo “dado”, ou seja, que não foi feito pelo ser humano, e outro mundo “construído”, ou seja, produzido pelo homem, seja modificando os aspectos do mundo dado, seja constituído de conteúdos que o próprio homem produz. Importante Se no caso do mundo dado, no qual atua a ciência natu- ral, a verdade científica está na adequação entre o pensa- mento e a realidade externa, no caso da ciência histórica, não é necessário, em princípio, se perguntar pela razão segundo a qual nossos conceitos históricos se adequam ao mundo externo, pois o mundo histórico é um mundo pro- duzido e formado pelo próprio espírito humano. Ou seja, os objetos do mundo da natureza guardam certa distância do ser humano, mas os objetos históricos não, pois o ser humano, que os produziu, está totalmente inserido neles. Assim, será mais acessível ao homem conhecer o mundo histórico do que o mundo natural. As teorias de Dilthey tiveram também ampla repercussão no mundo científico, contribuindo para o reconhecimento dos estudos de humanidades como ciências, tornando-se clássica a distinção entre a compreensão e esclareci- mento, caracterizando a diferença do conhecimento histó- rico ou de ciência do espírito em relação aos métodos de ciências naturais. Esclarecer significa descobrir as relações de causalidade (causa e efeito), enquanto compreender significa penetrar no âmago dos fatos, buscando atingir as suas motivações mais profundas. NEAD Núcleo de Educação a Distância 11 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosóficaEm relação ao Direito, a hermenêutica jurídica moderna, de- senvolvida inicialmente por Savigny e voltada para o Direito Privado, foi influenciada por essas teorias. Assim, teve iní- cio uma hermenêutica metodológica expressa em diversas técnicas de interpretação. A interpretação histórica encon- trava apoio no método histórico-crítico de Schleiermacher. A interpretação sistemática, cujo amadurecimento ocorreu no pensamento de Dilthey, via as produções do espírito na unidade da vida e conhecia a unidade da vida nas produções do espírito, compreendendo o todo pela parte e a parte pelo todo, inspirada na concepção da circularidade hermenêuti- ca. Mais tarde, Ihering explicitou a interpretação teleológica e as escolas sociológicas se reportaram à interpretação so- ciológica, sendo que tanto uma como as outras levaram em conta a evolução do sentido da norma na sociedade. Na próxima unidade, estudaremos as escolas hermenêuti- cas contemporâneas e, assim, esclareceremos melhor so- bre o desenvolvimento dessas teorias da hermenêutica e da filosofia sobre o Direito. 2 HERMENÊUTICA ONTOLÓGICA OU EXISTENCIAL EM HEI- DEGGER E GADAMER Continuando na evolução da hermenêutica filosófica con- temporânea, veremos as contribuições de Heidegger e Gada- mer, que tiveram forte influência sobre a hermenêutica jurídica, especialmente a hermenêutica constitucional. Heidegger discordava dos dois mestres anteriores, enten- dendo que o objetivo da hermenêutica não era pesquisar re- gras e métodos para a compreensão, mas aprofundar a própria compreensão, o compreender em si mesmo, qual a mudança interior que ocorre no ser humano quando ele compreende algo. Ou seja, ele entendia que a compreensão está direta- NEAD Núcleo de Educação a Distância 12 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica mente ligada à existência, porque é na vida concreta que nós a desenvolvemos. Compreender as coisas não é algo que o ser humano pode fazer ou deixar de fazer, ao contrário, o ato da compreensão faz parte da própria essência do homem, porque é com base na compreensão que o homem se forma como ser humano e constitui a sociedade. Assim, a compreensão não trata apenas de regras para me- lhor entendimento de falas ou textos, mas por ela é possível penetrar na essência mais profunda do ser humano. Isso significa que a hermenêutica, para Heidegger, não é ape- nas uma metodologia de conhecimento, mas um esforço de compreensão do próprio ser humano. Desse modo, Heideg- ger transformou a hermenêutica em um estudo ontológico, relacionado com a existência das pessoas. Reflexão Vamos tentar explicar melhor a teoria de Heideg- ger. Segundo ele, quem quer compreender um tex- to não está interessado apenas em técnicas ou regras, mas antes de tudo o leitor faz certo “projeto” de lei- tura. Quem lê um texto tem sempre certas expectati- vas na busca de um determinado sentido que está ali oculto. Ou seja, o leitor de um texto não tem em vista apenas regras gramaticais de ortografia e sintaxe, vai mais além, realiza uma incursão mais profunda no texto tentando encontrar ali uma mensagem de quem o escre- veu. De acordo com Heidegger, a compreensão do tex- to consiste exatamente na realização deste “projeto”, e aquelas expectativas iniciais vão se confirmando ou não, de modo que a tarefa principal da compreensão é a con- firmação ou reforma desse projeto inicial. A essas ex- pectativas, Heidegger chama de pré-opiniões ou pré- conceitos, que serão confirmados ou não, ao passo que vamos aprofundando nosso conhecimento na leitura. ... NEAD Núcleo de Educação a Distância 13 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica ... Com isso, Heideger quer significar que toda compreen- são que passamos a ter de algo é antecedida de certa pré-compreensão (pré-opiniões ou pré-conceitos) acerca daquilo, de modo que o compreender seria exatamente confirmar ou desfazer essa pré-compreensão. Seria, en- tão, o caso de perguntarmos a Heidegger de onde vêm essas nossas pré-opiniões ou pré-conceitos, que for- mam a pré-compreensão? A resposta será: provêm da nossa cultura, as nossas percepções culturais apreendi- das na vida em comunidade são o ponto de partida da nossa pré-compreensão, que por sua vez está na base de toda compreensão de algo que fazemos depois. Nós compreendemos algo sempre de acordo com as expec- tativas da nossa formação cultural, pois é dentro dela que o nosso pensamento se gera e se desenvolve. Cada intérprete, de acordo com o panorama de suas vivências anteriores, tem uma percepção diferenciada das coisas que vê no mundo e entende este mundo de acordo com isso. Segundo Heidegger, cada ser humano tem dentro de si, na sua capacidade racional, uma parcela da racionali- dade geral presente no mundo. Ele chama isto de hori- zonte do Ser, isto é, cada ser humano vive neste cenário em que, ao mesmo tempo em que detecta a razão em si mesmo e nas outras pessoas, capta também certa razoa- bilidade geral que está presente em todas as coisas. Esse cenário fornece as expectativas dos nossos conheci- mentos futuros e nos prepara para a aquisição desses novos conhecimentos. A cultura, como produção coletiva dessa ra- cionalidade humana, é uma forma de manifestação do Ser no mundo, através da existência humana. Desse modo, em cada compreensão de algo haverá sempre, indiretamente, certa compreensão deste Ser, pois a compreensão manifes- ta não apenas o sentido racional presente no objeto conhe- cido, mas vai além e alcança também o nível da racionali- dade geral, que é o Ser. NEAD Núcleo de Educação a Distância 14 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica Evoluindo mais nesta linha de pensamento, Gadamer irá di- zer que a compreensão de um texto é resultado de certo diálogo entre o intérprete e o próprio texto. Não interessa tanto o autor do texto, mas o próprio texto em si mesmo, o qual tem uma ob- jetividade que permite a busca de um sentido no seu conteúdo, já que tem existência autônoma. Desse modo, ao mesmo tempo em que o texto “responde” as perguntas do intérprete, essas respostas se incorporam ao seu campo mental, suscitando novas perguntas que, ao serem respondidas, novamente se incorpo- ram ao patrimônio mental do intérprete, formando uma espécie de movimento circular contínuo e interminável. Importante Com isso, Gadamer desenvolve o conceito de círculo her- menêutico, demonstrando que todo conhecimento nosso sobre qualquer objeto tem como ponto de partida uma pré- compreensão e se desenvolve em busca da compreensão; uma vez atingida a compreensão de um determinado ob- jeto, esta se torna pré-compreensão para a compreensão de outros objetos, de modo que assim o nosso processo compreensivo se constitui num movimento constante de pré-compreensão para a compreensão e posterior retor- no à pré-compreensão, para depois seguir adiante. Con- siderando que um determinado texto é ou pode ter sido compreendido por muitas pessoas, essas compreensões se reúnem e se fundem em um grande cenário interpretativo, que ele chama de horizonte da compreensão. Esta fusão de horizontes demonstra a riqueza de sentido de um tex- to, após sucessivas interpretações no decorrer da história, compreensão esta que se expande sempre mais em cada época histórica e com as ações de novos intérpretes. Cada vez que nós lemos um texto e colocamos nele a nos- sa interpretação, estamos colaborando para que esse horizonte compreensivo se torne cada vez mais ampliado. O resultado dis- so é que o círculo hermenêutico não tem a figura de um círculo geométrico, mas de uma espiral, na medida em que a cada nova NEAD Núcleo de Educação a Distância 15 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica leitura e compreensão o seu sentido vai se manifestando em novas formas, de acordocom a mentalidade dos intérpretes e o momento cultural em que este ato é realizado. Assim entendida, a compreensão de um texto não seria um simples ato intelectual, racional que ocorre na mente do intérprete, mas tem uma implicação com a situação concreta em que isso se realiza, ou seja, a compreensão de um texto não se esgota no ato mental, mas tem sempre uma aplicação prática no nosso mundo existencial. Essa quase identidade entre interpretação e aplicação, defendida por Gadamer, veio esclarecer que a atividade própria da hermenêutica não é ape- nas uma ação teórica, mas um conjunto integrado de ações teóricas e práticas, uma forma de atuação da atividade mental na vida concreta da pessoa. Essas teorias de Heidegger e Gadamer acerca da compreen- são e da sua estrutura circular, aplicadas à hermenêutica jurídi- ca, conduzem à necessidade de que, na interpretação legislati- va, devemos ter sempre em referência o texto constitucional e, num plano mais distante, o todo sociocultural. A interpretação legislativa se faz no horizonte constitucional, onde se delineiam os parâmetros culturais da sociedade que esta constituição re- presenta. Os princípios constitucionais sempre enunciam valores que devem receber atribuição de peso correspondente à intensi- dade com que são vivenciados socialmente. Desse modo, visto que os valores que interessam ao Direi- to são valores intersubjetivos, há a pressuposição de que o jurista, membro da sociedade, terá uma pré-compre- ensão dos valores culturais semelhante àquela que tem o restante da sociedade, o que o tornaria um autêntico in- térprete dos sentimentos e anseios da sociedade que ele representa. É nesse entendimento que a Constituição se torna o ponto de encontro entre o Direito e a Sociedade, reproduzindo, na esfera jurídica, a circularidade do movi- mento hermenêutico da filosofia. NEAD Núcleo de Educação a Distância 16 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica 3 CONTRIBUIÇÕES DE JEAN PAUL SARTRE E PAUL RICOEUR Jean Paul Sartre (1905-1980) foi um filósofo existencia- lista francês do século XX, foi casado com Simone de Beau- voir, muito conhecida pela sua luta em favor do feminismo. Num de seus escritos mais famosos, uma conferência com o título de “O existencialismo é um humanismo”, ele explica os fundamentos dessa doutrina e daí retiraremos suas con- sequências para a hermenêutica. A característica fundamental do existencialismo é a afir- mação de que a existência precede a essência, ou seja, é necessário sempre partir da subjetividade. Esta referência à subjetividade demonstra que o pensamento de Sartre foi for- temente influenciado pela fenomenologia de Husserl e Hei- degger. Ambos criticaram o conceito de subjetividade formal, conforme explicada por Kant, substituindo-o pela subjetivida- de intencional, ou seja, a razão do homem não é predefinida, mas será o que ele fizer com o uso de sua vontade. Exemplo Partindo dessa ideia, Sartre critica o que ele chama de visão técnica do mundo, em função da qual as coisas, antes de existirem, já tiveram sua essência definida. Por exemplo: ao fabricar uma cadeira, o marceneiro se serve de certo modelo mental, o qual ele concretiza num objeto. Desde a antiguidade, esta mesma visão técnica foi aplica- da ao homem, de acordo com a noção de Deus criador, ou seja, os seres humanos foram criados de acordo com uma ideia que existia na mente de Deus. Sartre combate esse entendimento e defende o existencialis- mo ateu, dizendo que não existe um Deus criador, mas o homem é quem cria a si mesmo através de suas decisões e ações durante a sua vida. Portanto, no homem, sua existência vem antes da sua essência. O homem, de princípio, não é nada; só depois ele vai se definindo e, por fim, será o que ele fez de si mesmo. O homem é o que ele faz de si mesmo: este é o princípio do existencialismo. NEAD Núcleo de Educação a Distância 17 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica Importante Diferentemente de uma pedra ou uma mesa, que já es- tão definidos, o homem é aquele ser que se projeta para o futuro e tem consciência disso. Nada existe antes deste projeto. Isto quer dizer que o homem é responsável por aquilo que ele é, responsabilidade total pela sua exis- tência. Ser responsável por si é uma tarefa que não se esgota no indivíduo, porque esta responsabilidade de si se estende a todos os outros homens. Ao criarmos a nós mesmos, estamos simultaneamente criando uma ima- gem ideal de homem tal como julgamos que todo homem deva ser, isto é, um modelo que se aplica a cada um de nós e a todos também. Isto significa que a nossa responsabilidade é muito maior do que a que temos por nós mesmos, porque as nossas es- colhas engajam a humanidade inteira. Por exemplo, ao de- cidir casar-se, o homem está se engajando numa instituição representativa de uma forma da vida humana sob o modelo da monogamia. Se sou cristão ou ateu, a minha escolha me engaja numa linha histórica de compromisso que envolve toda a humanidade. É verdade que nem todas as pessoas têm essa consciên- cia e essa preocupação, mas Sartre diz que, muitas vezes, essas pessoas mascaram a responsabilidade para não enca- rá-la de frente. Tais pessoas não podem ter paz na consci- ência, porque vivem na mentira e o fato de mentir implica atribuir à mentira um valor universal, que ela não tem. Reflexão O homem se constrói num processo que dura toda a vida, através das decisões que ele toma no decorrer da sua exis- tência, ao escolher essas ou aquelas situações que lhe são postas. A escolha é sempre possível, o que não é possí- vel é não escolher. Eu devo escolher sempre e devo estar ... NEAD Núcleo de Educação a Distância 18 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica ... ciente de que, mesmo não escolhendo, assim mesmo eu escolho. Esta escolha/invenção também acontece no campo da moralidade, onde não há regras prévias. O homem se constrói fazendo a sua própria moral. É a li- berdade como fundamento de todos os valores. Mas isso não significa fazer o que se quer, porque a nossa liber- dade depende integralmente da liberdade dos outros, assim como a liberdade dos outros depende da nossa. Em outras palavras, isso significa que a vida não tem um sentido a priori. A vida em si mesma não é nada, é quem vive que deve dar sentido à vida. E o valor nada mais é do que este sentido escolhido. Assim se explica porque o existencialismo é um humanismo. As consequências dessa teoria para a hermenêutica partem da afirmação de que não existe nada ‘a priori’, ou seja, desvin- culado das condições concretas da existência. Isso quer dizer que os significados que as coisas têm estão relacionados com um tempo e um lugar determinados, não existindo ideias ab- solutas e desligadas do momento histórico. Com o passar do tempo, as coisas vão mudando de significado, os valores vão se transformando, e assim a interpretação é dinâmica e está sempre se modificando também. Ao construir a sua essência no decorrer de sua existência, o homem constrói também os diversos significados das coisas que ele realiza, isso se reflete nos campos da moral, da filoso- fia, da vida social, de modo que não existe um sentido perma- nente e imutável, mas tudo está em constante transformação. A interpretação dos fatos, assim, não possui uma regra fixa ou uma fórmula constante, mas vai também se construindo e se aperfeiçoando ao longo do tempo. NEAD Núcleo de Educação a Distância 19 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica Importante As influências dessas ideias sobre o Direito são no senti- do de que as normas devem ser entendidas dentro des- se constante movimento de mudança e construção da vida humana na sociedade. Assim, as normas não são realidades abstratas e atemporais,produtos da racio- nalidade pura como quer o positivismo, mas elas estão relacionadas com um momento determinado no tempo e no espaço e o seu significado também não é fixo, mas evolutivo. Desse modo, a hermenêutica jurídica não é uma simples operação de lógica dedutiva, mas um es- forço produtivo de construção de um novo significado (valor) a cada vez que a norma deve ser aplicada a um fato concreto, considerando sempre a dimensão espa- cial e temporal de ambos. Paul Ricoeur (1913-2005) foi um pensador francês, con- temporâneo de Sartre, que desenvolveu estudos nas áreas de psicanálise, linguística e hermenêutica, dedicando-se es- pecialmente a textos clássicos do cristianismo. A sua con- tribuição à hermenêutica, portanto, situa-se na análise e crítica dos textos escritos. Ricoeur contesta os pensadores do seu tempo que vin- culavam a interpretação de um texto à compreensão do seu autor ou do momento histórico, pois, segundo ele, os textos escritos vão além disso, eles acrescentam um conjunto pró- prio de significados que ultrapassa o contexto sociocultural do seu autor ou de sua época, envolvendo também a pessoa do intérprete. Assim, a intenção do autor nunca é imedia- tamente dada, ao contrário do que pensava a hermenêutica romântica, nem os signos são reflexos puros das condições e fatos empíricos da época e situações em que foram escri- tos, contrariando a interpretação historicista. NEAD Núcleo de Educação a Distância 20 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica Importante Portanto, o objeto da hermenêutica é a própria narrativa, o próprio texto, que precisa ter reconhecida a sua autonomia, devendo o intérprete concentrar-se nas categorias do discur- so, da linguagem e voltar-se sobre o seu conjunto de signi- ficados semânticos. Ricoeur chama isso passar da “língua” para a “palavra”, ou seja, da linguística para o discurso, a narrativa. É neste particular que deve ater-se o intérprete. Nesse sentido, realiza-se uma espécie de diálogo entre o texto e o intérprete, através do qual as polissemias manifestam seu sentido, pois o hermeneuta investiga a intencionalidade presente na narrativa, e não os símbolos e signos linguísticos. Com isso, abre-se um novo campo de atividade, onde interagem o fato narrado, o autor e o intérprete, surgindo daí a sua interpretação. Para que isso ocorra da melhor forma, Ricoeur considera que é necessário fazer uma despsicologização, uma desistorização e uma desabsolutização do texto. Desse modo, chega-se à autonomia do texto, pois o seu verdadeiro significado não se encontra nem dentro nem fora dele, mas num movimento circular compreensivo que envolve o próprio texto, o autor, o leitor, a história e a sociedade. Ricoeur chama a isso uma multiplicidade de canais por meio dos quais flui o significado do texto. Por isso, nunca será pos- sível chegar a uma conclusão definitiva, a uma interpretação completa e terminativa, mas o que se consegue perceber são sempre mediações parciais que nos dão várias perspectivas da obra, mas nunca a sua totalidade de significados. Tal como uma obra de arte abstrata que a cada nova visão do observa- dor manifesta novas formas e percepções, a leitura do texto também confere ao seu intérprete significados e visões novas em cada nova apreciação. A hermenêutica de Ricoeur defende uma ideia de signifi- cação em que o sentido da obra escrita não se encontra nem nos mundos físico, psíquico, histórico, social, ou particular do leitor, mas no mundo próprio do texto, e nesse sentido, o con- Despsicologização significa deixar de lado a preocupação com o aspecto psico- lógico do texto e não levar em conta o en- tendimento do autor do texto na hora de interpretá-lo. Desistorização signi- fica deixar de lado a preocupação com o caráter histórico do texto e não levar em conta as influências do momento históri- co sobre o autor do texto. Desabsolut ização significa considerar o texto escrito como algo que possui um sentido mutá- vel, não um sentido único que teria sido posto pelo autor ao escrever. NEAD Núcleo de Educação a Distância 21 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica junto de significados que ele possibilita encontra-se sempre aberto e inconcluso. Todas as várias interpretações já produzi- das não esgotam esses significados e nem levam a uma mesma e imutável conclusão, permanecendo sempre a possibilidade de novas e diferentes interpretações, dentro da ideia hege- liana da pluralidade e da inesgotabilidade do sentido. Cada interpretação de um texto é uma espécie de apropriação, pelo leitor, do seu sentido atual, com a consciência de que sempre novos sentidos são possíveis. Ricoeur contesta também a famosa divisão feita por Dilthey entre ciências da natureza, que buscam a explicação dos fenômenos, e ciências do espírito, que buscam a compre- ensão. Segundo ele, a hermenêutica é uma atividade que circula entre o modo explicativo e o modo compreensi- vo, não se encontrando totalmente nem no primeiro nem no segundo. Tanto a explicação quanto a compreensão são necessárias e se completam. Sem a explicação, só temos uma compreensão mística; sem a compreensão, a explica- ção não alcança seu significado mais adequado. Embora a compreensão tenha prioridade na hermenêutica, esta pre- cisa da intermediação da explicação. Pode-se perceber que as ciências humanas (compreensivas) utilizam procedimentos explicativos com muita propriedade; por outro lado, pode-se ver também que a intuição e a sensi- bilidade também fazem parte do trabalho do cientista da na- tureza. Não se trata, portanto, de escolher um ou outro dos procedimentos, mas adotá-los com critério e ponderação. A importância dessa teoria para o Direito encontra-se em dois pontos. Em primeiro lugar, na defesa da autonomia do texto, o que vem reforçar a corrente objetivista da interpretação, isto é, a interpretação segundo a mens legis, pela qual o próprio texto da norma possui um sentido próprio e autônomo, desvinculando- se da intenção original do legislador e podendo o seu sentido ser encontrado no conjunto da sua própria configuração linguística. Em segundo lugar, na indicação de que toda interpretação de NEAD Núcleo de Educação a Distância 22 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica um texto é sempre parcial e incompleta, assim a interpretação e aplicação da norma se renova a cada aplicação ao caso concreto, não havendo um sentido único e imutável para ser aplicado a to- dos os casos. A ideia de uma interpretação sempre incompleta e sempre em processo de construção leva à compreensão da nor- ma como um texto capaz de produzir uma interpretação sempre renovada e sem repetição, de modo que cada interpretação que já foi realizada servirá como mediação ou instrumento para as novas interpretações que ainda serão construídas no futuro. Este novo conceito da hermenêutica produtiva vem superar a noção de hermenêutica reprodutiva, do positivismo jurídico, pela qual a interpretação era entendida como uma técnica de subsunção do fato à norma, por um processo lógico racional e silogístico. A hermenêutica produtiva possibilita que, na análise valorativa, a subsunção do fato à norma se faça por um processo criativo e renovador, buscando sempre descobrir a melhor reali- zação da justiça. NEAD Núcleo de Educação a Distância 23 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica TEMA: HERMENÊUTICA FILOSÓFICA NA TEORIA DO CONHECIMENTO Importante Pelo que pudemos observar, a hermenêutica está inserida num processo de conhecimento, apoiando-se naquilo que a filosofia chama de teoria do conhecimento. Todo ato interpretativo está determinado por certa compreensão e esta está comprometida com o conjunto dos conhecimen- tos prévios dointérprete (pré-compreensão). Desse modo, para um melhor esclarecimento da importância que tem a hermenêutica filosófica para o Direito, faremos um estudo resumido da teoria filosófica do conhecimento. Acompanhe! 1 O CONHECIMENTO Todos nós praticamos essa atividade básica humana, que se chama conhecimento. Aristóteles já dizia, no início de sua metafísica, que “todos os homens desejam ardentemente conhecer” (Aristóteles, Metafísica, I, 1). Mas, o que é o co- nhecimento? Para responder a esta pergunta, utilizaremos duas metáforas: 1.Conhecimento é a fabricação do ideal sobre a terra. 2.Conhecimento é o caminho de busca e de regresso à tenda de convivência com todos os seres. Agora, vamos compreender o que significa “fabricação do ideal”? O que é o “ideal”? Esta palavra remete, de imediato, ao conceito de algo perfeito, algo longínquo que se pretende, um dia, alcançar. Mas não é neste sentido que aqui empre- gamos. Ideal é aquilo que pertence ao campo das ideias. As- sim, fabricação do ideal significa produção de ideias novas. ... NEAD Núcleo de Educação a Distância 24 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica ... Toda vez que adquirimos um novo conhecimento, a nossa men- te fabrica novas ideias. Essa fábrica não para nunca, trabalha em cada um de nós durante a vida inteira. Assim, conhecer algo ou alguém é sempre fabricar conceitos, produzir ideias, trans- formar um ser do mundo material em representações mentais. Dessa forma, como se dá o caminho de busca e regresso à ten- da comum? Toda vez que procuramos conhecer algo, precisamos sair de nós mesmos em busca de novos objetos do mundo exterior. Esta é a primeira parte do caminho: a busca. Ao encontrarmos o objeto procurado, nós o transformamos em conceito, ou seja, fa- zemos o retorno ao nosso próprio interior, ao nosso mundo mental. Esta é a segunda parte do caminho: o regresso. Ora, conhecer algo do mundo exterior leva sempre a um conhecimento indireto de nós mesmos, da nossa subjetividade. A tenda de convivência de todos os seres é, assim, a consciência que o homem adquire de si mesmo, toda vez que conhece algo. Quando nós conhecemos um objeto, percebemos também que ele se distingue de nós mesmos, ou seja, o conhecimento de algo exterior a nós é também um co- nhecimento indireto do nosso próprio ser. Este pensamento reflexo produz a nossa consciência de “ser-no- mundo”, de fazer parte de um determinado mundo físico e social, no qual convivemos com objetos, pessoas, costumes, instituições, valores, espíritos e significados. Esta é a tenda da convivência comum, onde nós e outros seres do mundo nos encontramos ins- talados. Por isso, conhecer o mundo é sempre conhecer também, indiretamente, a nós mesmos. Mas como se produz o conhecimento, isto é, de que modo o conhecimento se processa na nossa mente? Dizemos que o conhecimento se perfaz em etapas sucessivas, denominadas: • Intuição sensível • Memória • Experiência NEAD Núcleo de Educação a Distância 25 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica O primeiro momento é a captação das “coisas”’ (objetos, pesso- as, comportamentos, valores, costumes etc.). A intuição sensível é o ato de apreensão ou de percepção da realidade. Não cria a realidade, recebe-a do mundo exterior, através dos nossos órgãos sensoriais. Por isso, a intuição sensível é sempre receptiva e passiva. Por conseguinte, a sensibilidade desempenha um papel de mediação indispensável entre o nosso interior e o mundo fora de nós. O segundo momento do ato do conhecimento está na me- mória. Sua função é conservar e lembrar o que já esteve ao alcance da intuição sensível. Se não existisse a memória, não haveria acúmulo de percepções e, portanto, todos os conheci- mentos chegariam até nós sempre como se fosse a primeira vez. É a memória que permite a contínua construção do conhe- cimento. “A memória é o tesouro e o lugar de conservação das imagens” (S. Tomás, Sum. Th., I, q. 29, 7)1. O terceiro passo constituinte do conhecimento está na experiên- cia: esta é a síntese ordenada do material captado nas intui- ções sensíveis e depositado na memória. É ponto de partida para conhecimentos mais elaborados, como são as artes e as ciências. Importante Assim, nota-se que este fenômeno chamado de conhecimento ocorre em todos os seres humanos, através de um exercício espontâneo da inteligência natural, independentemente de fre- quência a uma escola ou de leitura nos livros. É o conhecimento como ato existencial. A vida é um contínuo processo de percep- ção e acumulação de conhecimentos. Pelo simples fato de vi- vermos, estamos a todo o momento adquirindo novos saberes. Por isso, mesmo as pessoas analfabetas têm a sua produção de conhecimentos e, algumas vezes, até se destacam com a sua sapiência natural. Todos conhecem as figuras, por exemplo, do cego Aderaldo, do Patativa de Assaré, que são pessoas simples, de pouca instrução e mestres do saber popular. 1 Expressão: S. Tomás, Summa Theologica, pars prima, quaestio 29, articulum 7 (Suma Teológica, primeira parte, questão 29, inciso 7). NEAD Núcleo de Educação a Distância 26 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica Nesse sentido, coloca-se aqui também a utilização prática do saber popular na produção de receitas típicas regionais, na pro- dução de medicamentos com raízes, frutos e folhas, na produção do artesanato, na técnica rudimentar dos sertanejos que atuam na agricultura, sem nunca terem estudado agronomia, dos jan- gadeiros que pilotam embarcações sem nunca terem estudado navegação, dentre outros. Todas essas manifestações exempla- res da nossa cultura popular nordestina são confirmações da existência desse conhecimento espontâneo, que provém do uso natural da inteligência e que, em todos os lugares e em todas as épocas, os seres humanos sempre foram capazes de desenvol- ver, interagindo com o seu meio ambiente. O primeiro conhecimento produzido pelo homem é o mito, que já foi estudado na primeira unidade. Dos mitos primitivos se originaram os diversos saberes humanos, inclusive esse tipo especial de conhecimento chamado de ciência. O conceito original de ciência era bem diferente do que hoje se tem. Na Grécia, no século VII a.C., a mitologia começou a ser subs- tituída pelo pensamento racional dos primeiros filósofos, que utilizavam a matemática para explicar os fenômenos do mun- do. Naquela época, ciência era sinônimo de filosofia e assim continuou durante toda a Idade Média. Curiosidade Para se ter uma noção do conceito antigo de ciência, quan- do esta era sinônimo de filosofia, podemos tomar o exem- plo de Tales. É comum os historiadores da filosofia apon- tarem Tales de Mileto como o primeiro pensador ao qual se atribui o qualificativo de “filósofo”. Mas se estivéssemos estudando a história da astronomia, verificaríamos que Ta- les foi também o primeiro “astrônomo” do Ocidente, por ter previsto através de cálculos um eclipse solar (aproxi- madamente 585 a.C.). Já nos livros colegiais de geometria, há sempre a referência a um famoso teorema atribuído a Tales, o que o faz também um “geômetra”. Tales foi ainda a primeira pessoa a medir a altura das pirâmides do Egito, e o raio da terra, o que faz dele também um “matemático”. NEAD Núcleo de Educação a Distância 27 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica O que se observa disso tudo é que Tales não era um “es- pecialista” em um determinado conhecimento, como hoje costuma ocorrer. Na verdade, ao fazer suas extraordinárias descobertas, Tales estava exercitando um conhecimento generalista, porque naquela época os campos do conheci- mento eram todos integrados: ao exercer astronomia, ele também exercia a geometria, era também matemático e fi- lósofo, tudo ao mesmo tempo. Somente nos tempos moder-nos, com a busca de maior precisão do conhecimento, os estudiosos vieram a particularizar cada vez mais, distinguir sempre mais, diferenciar cada vez mais os ramos do saber, afastando-se dessa experiência universalizante dos gregos, modificada pelo Renascimento e que o pensamento contem- porâneo procura historicamente reconstruir. O exemplo de Tales nos ajuda a compreender o surgi- mento histórico do saber filosófico-científico. Na sua época, era costume atribuir-se a origem dos fenôme- nos a feitos grandiosos de heróis e deuses, cujos desíg- nios escapam ao controle dos homens e são governa- dos por forças sobre-humanas. Com Tales, inaugura-se uma nova visão desses fatos, que podem ser medidos e previstos. Com ele, a mitologia foi substituída pela matemática, o irracional pelo racional. A previsão ca- racteriza o saber que surge com Tales: o saber medir, que em nossos dias caracteriza mais a ciência do que a filosofia. Esta mudança de mentalidade introduzida por Tales, que chamaremos de princípio da medida, foi o grande diferencial histórico que marca o início da filo- sofia grega e, a partir dele, de todo o pensar filosófico e científico no mundo ocidental. NEAD Núcleo de Educação a Distância 28 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica Pelo conhecimento científico comum: Ciências Filosóficas Ciências Naturais Ciências Sociais A solução dos problemas é o resultado da articulação de algum MÉTODO Física ou Filosofia da Natureza Metafísica ou Filosofia das Coisas Sobrenaturais Ciências Sociais Atualidade administram: Conhecimentos diferentes e importantes Física ou Filosofia da Natureza Metafísica ou Filosofia das Coisas Sobrenaturais Ciências Sociais Além das Ciências Físicas agregou: A partir do século XIX A partir do Renascimento (século XV) Com o tempo pas- sou a se chamar: Explicação Física ou Filosofia da Natureza Metafísica ou Filosofia das Coisas Sobrenaturais Ciência Natural FilosofiaCom o tempo pas- sou a se chamar: se divide: NEAD Núcleo de Educação a Distância 29 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica Como podemos verificar no esquema acima, a partir do Re- nascimento (séc. XV), surgiu uma divisão da filosofia em duas partes: a física (physica ou filosofia da natureza) e a metafí- sica (metaphysica ou filosofia das coisas que estão para além da natureza). Esta filosofia física (depois chamada de ciência natural) foi cada vez mais se distanciando da filosofia me- tafísica (que depois também foi chamada simplesmente de filosofia). A partir do séc. XIX, agregou-se paralelamente às ciências físicas outro grupo de conhecimentos, que são os conhecimentos sobre a sociedade, as chamadas ciências so- ciais (contribuição de Dilthey, na qual já estudamos antes). Hoje, portanto, esses três grupos administram conhecimen- tos diferentes e importantes, porque todas as valorações da vida passam, necessariamente, pelo crivo da filosofia e das ciências. Na linguagem atual, aplicando um conceito genérico de conhecimento científico, esses três grupos denominam-se: ciências filosóficas, ciências naturais e ciências sociais. O que há de comum entre todas as formas do conheci- mento científico é que a solução de problemas é sempre o resultado da articulação de algum método, ou seja, de algum mecanismo ou instrumental, que possa determi- nar os critérios da veracidade ou falsidade. Entretanto, deve-se considerar que, em todas as áreas do saber, ain- da há muitos problemas para os quais não temos nem so- lução, nem método para obter uma solução. Aliás, méto- dos que servem para solucionar um conjunto de problemas podem ser totalmente inoperantes para solucionar outros. Nesse sentido, vários métodos têm surgido no decorrer dos séculos, mas há algumas constantes que sempre aparecem nes- sa variedade de métodos. Dizemos que o fundamento e a base de todos os métodos é o bom senso, a razão natural, o conheci- mento compartilhado por todos, aquele que aprendemos no meio em que vivemos e que forma a nossa identidade cultural. Esta é a fonte do conhecimento mais fundamental, o ponto de partida de toda reflexão. Podemos aprimorá-lo, mesmo ultrapassá-lo, porém nunca dispensá-lo. NEAD Núcleo de Educação a Distância 30 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica Porém, o bom senso por si só não basta, sendo necessário um suporte para a razão natural, de modo que seja possível alcançar as evidências das coisas. Todo método sempre se apoia numa evidência. Evidência é aquela situação em que a nossa mente sen- te completa segurança diante dos resultados do conhecimento. Um conhecimento evidente é aquele que está livre de dúvidas. Exemplo Quando, por exemplo, medimos uma distância utilizando ape- nas a visão, temos um resultado impreciso e inseguro, mas quando utilizamos uma fita métrica, temos um resultado pre- ciso e seguro. Esta segurança é proporcionada pelo instru- mento utilizado (a fita métrica), que nos traz maior certeza. Isso é resultado da evidência. Havendo evidência a favor de uma ideia, o pensador assume a atitude de mantê-la; haven- do evidência contrária, a atitude de revê-la ou rejeitá-la; e na falta de evidência a favor ou contra, assume a atitude de dú- vida, continuando assim na sua busca de dados evidentes. A busca da evidência através dos processos de raciocínio se reali- za através de dois caminhos ou métodos opostos e complementares. Esses caminhos foram estabelecidos ainda por Aristóteles, no séc. IV a. C. e são reconhecidos por todos os pensadores desde a antiguidade até hoje. São as duas formas básicas de o nosso pensamento evoluir: A primeira, partindo de ideias gerais que vão sendo simplifica-• das por um processo de divisões e subdivisões até chegar aos fatos concretos. A isso se chama dedução ou pensamento dedutivo. É o método comum utilizado nas ciências teóricas, tendo sua aplicação mais perfeita nas matemáticas; e A segunda forma é aquela que parte dos fatos • concretos e, por um processo de generalização com base nas semelhanças encontradas, procura formular princípios gerais ou hipóteses, que necessitam de comprovação através da experiência. A isso se chama indução ou pensamento indutivo. É o método utilizado nas ciências da natureza e ciências aplicadas. NEAD Núcleo de Educação a Distância 31 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica Nas ciências sociais, pratica-se uma metodologia mais com- plexa, resultado de uma síntese entre dedução e indução, in- tegrada com referências de caráter histórico e cultural, motivo pelo qual os seus resultados não são apresentados em termos absolutos, mas sempre dentro de parâmetros flexíveis, onde predomina mais a probabilidade do que a certeza. No que diz respeito à ciência jurídica, a questão do método ainda é polêmica. Há aqueles que defendem a estruturação do saber jurídico de acordo com o padrão das ciências da nature- za, atribuindo-lhe excessivo rigor lógico e exagerado formalis- mo, como é o caso do positivismo jurídico. Por outro lado, há aqueles que defendem uma maior aproximação entre o Direito e as ciências sociais, conferindo-lhe maior flexibilidade, com a aplicação de padrões valorativos relacionados com a cultura, como é o caso da sociologia jurídica. Da nossa parte, dize- mos que a ciência jurídica tanto pode adotar o rigor lógico e formal das ciências da natureza quanto a flexibilidade valorati- va das ciências sociais, dependendo da matéria em questão. Assim, por exemplo, nas questões tributárias e outras que envolvem conhecimentos técnicos, deve-se priorizar uma me- todologia com maior rigor lógico formal; já nas questões que envolvem direitos pessoais subjetivos ou coletivos, a prioridade deveser para a metodologia aberta das ciências sociais, consi- derando o contexto fático sociocultural. Até aqui, fizemos uma análise conceitual e histórica acerca do conhecimento humano. Passemos, então, a considerar o conhe- cimento sob o aspecto que mais interessa à hermenêutica, isto é, o conhecimento visto dentro de um sistema interpretativo, aproximando assim os conceitos relacionados ao conhecimento com uma teoria da interpretação, uma vez que o conhecimento não se realiza de forma isolada, mas faz parte de um conjunto de ações corporais e mentais, integradas à vida do ser humano. NEAD Núcleo de Educação a Distância 32 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica Diz-se que o conhecimento é um processo, isto é, uma ação que se realiza numa série de etapas e não se faz de uma única vez. Além disso, sempre que se ocorre um ato de conheci- mento, tem-se a presença de três elementos necessários: o EU (sujeito) que conhece, a ATIVIDADE em si mesma e o OBJETO a que se dirige a atividade desenvolvida. O conhecimento é uma ação. Isso quer dizer que não é algo estático, mas essencialmente dinâmico, em movimento. Já a ativi- dade é o próprio motor do processo do conhecimento. O sujeito é sempre o ser humano, o eu pensante, a consciência cognoscente, a pessoa dotada de racionalidade, a realidade subjetiva. E o objeto é tudo aquilo que está ao alcance da atitude consciente do eu pen- sante, tudo aquilo acerca do qual se possa elaborar uma explicação, um raciocínio lógico. Resumidamente, o sujeito é o eu (indivíduo), o objeto é o mundo. Até o próprio eu pode ser objeto da atividade cognoscente, num processo que se chama de autoconhecimento. O sujeito do conhecimento, portanto, é singular. O objeto, porém, é plural e complexo, podendo assumir variadas for- mas, as quais são agrupadas em quatro grandes classifica- ções: objetos naturais, ideais, culturais e metafísicos. Os objetos naturais são os que têm existência no tempo e no espaço e que se apresentam à nossa experiência, sendo captados pelos nossos órgãos sensíveis. Essa captura se dá por meio da intuição fundada em critérios empíricos, isto é, a intui- ção sensível. São os seres da natureza física, tais como existem no mundo, sem interferência do homem. Objetos ideais são aqueles que não têm existência no mun- do físico, podendo ser apreendidos apenas racionalmente. São puros conceitos formados pela nossa razão. Por exemplo, os números e as relações matemáticas (maior do que, menor do que), os conceitos geométricos (esfera, cone, retângulo) são objetos ideais. São expressões simbólicas, que são representa- das em figuras desenhadas ou corpos materiais, para efeito de comunicação entre os homens. NEAD Núcleo de Educação a Distância 33 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica Os objetos culturais também têm existência no tempo e no espaço e são acessíveis à experiência sensível. Diferem, po- rém, dos objetos naturais porque são moldados pela mão e/ ou pela inteligência do homem. Podemos dizer que são aqueles objetos em princípio naturais, mas aos quais a ação do homem agrega um determinado valor com o seu trabalho muscular ou intelectual. O valor está presente na essência dos objetos cul- turais, uma vez que se pode observar neles uma característica supra sensível ou um sentido que a ação do homem faz aderir a eles. Todas as produções humanas, materiais ou imateriais, realizadas ao longo da história, formam o acervo de objetos culturais, dos quais hoje somos guardiães. E os objetos metafísicos, tais como os objetos ideais, também só podem ser alcançados pelo pensamento racional, todavia diferem destes por serem entes puramente racionais, de representação material ou gráfica impossível. Existem ape- nas na mente e não podem ser materializados. Assim são os conceitos tradicionais de divindade, liberdade, de imortalida- de, de verdade, de bondade, equidade, de justiça, de valor, dentre outros. São entes de pura razão, cujo conteúdo nos é transmitido sociologicamente e cuja existência se verifica em todos os povos de todas as épocas, razão pela qual outro- ra eram classificados como conceitos absolutos, universais e imutáveis. Atualmente, está superado esse entendimento, que foi substituído por uma visão histórica e evolutiva deles, de acordo com os parâmetros desenvolvidos e aceitos na socie- dade em contínuo desenvolvimento. Importante A partir do que foi dito anteriormente, classifica-se a nor- ma jurídica como um objeto cultural. Ela faz uma altera- ção sobre a conduta natural do homem, limitando volun- tariamente a sua liberdade inerente à própria natureza, através do uso da racionalidade. Na sua liberdade natural, o ser humano pode, em princípio, fazer tudo que quiser, no entanto, pela racionalidade, ele tem a capacidade de eleger suas próprias alternativas de conduta; a possibilidade de ... NEAD Núcleo de Educação a Distância 34 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica ... escolher por livre arbítrio o comportamento consciente a ser seguido. A vida na sociedade só é possível se o homem im- puser limites à sua liberdade, em prol do bem de todos. Isso é feito através das regras de conduta, das normas de com- portamento e ação social. A norma jurídica faz parte deste conjunto de normas, sendo assim um produto cultural. Assim se classifica a norma jurídica pelo fato de que ela tem uma forma cultural de expressão e exprime um conteúdo também cultural de caráter linguístico. Desta maneira, tanto a norma enquanto regra de conduta, quanto a sua expressão escrita, são objetos culturais. Como todos os objetos cultu- rais, a ela está agregado um potencial de valor, que é o ele- mento axiológico contido na norma. Em consequência disso, o Direito, que tem por finalidade de estudo a norma jurídica, é também cultural. Não há um Direito eterno e imutável, válido para todo o sempre, mas é sempre mutável e evolutivo, assim como a sociedade. Mais do que isso, na verdade, ao debruçar- se sobre a norma, o Direito é cultura sobre cultura, porque é cultura que trata da cultura. Em resumo, o Direito é uma sobre-cultura ou uma meta-cultura. 2 NORMA, CULTURA, VALOR E SENTIDO Na qualidade de objeto cultural presente na sociedade, a norma jurídica encontra-se sempre referenciada a valores, na medida em que ela protege e estimula os comportamentos atinentes à consecução das mais elevadas finalidades sociais, ou seja, os valores mais importantes para a sociedade. As- sim, deve entender-se que a norma associa-se sempre uma situação de natureza valorativa, que deve ser interpretada e compreendida. O Direito é comprometido com valores e a nor- ma jurídica, trabalhada através do processo de interpretação, encontra-se relacionada a uma situação histórica da qual fa- zem parte tanto o sujeito (intérprete) quanto o objeto a ser interpretado (fato e norma). NEAD Núcleo de Educação a Distância 35 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica Por isso, podemos afirmar que todo processo de interpretação e aplicação das leis corresponde a uma situação hermenêutica, ou seja, a uma apreensão de um sentido referenciado a um valor, cujo resultado se expressa no fenômeno da compreensão. Por conseguinte, toda conduta é axiológica, está ligada a valores, depende deles, e não existe sem esta ligação es- treita e intrínseca a algum tipo de valor. A palavra “conduta” vem do verbo latino ducere (conduzir) associado à preposição cum (com), ou seja, cum + ducere, através do seu particípio passado (cum+ductum - conduzido com), assumindo na lín- gua portuguesa a forma de substantivo feminino. Isso signifi- ca que não existe ser humano que não se conduza e não existe homem sem conduta. Preposição cum (com) Verbo ducere (conduzir) se origina de:através de: + Particípio Passado cum + ductum (conduzir com) CONDUTA Por isso, não há ser humano indiferente ao valor. Se a con- duta é axiológica, o homem é um ser axiológico. Sendo racional, o homem possui em si a aptidão de eleger racionalmente alter- nativas de conduta. Mas quando o faz concretamente, isto é, quando se conduz, quando se realiza concretamente, sempre o faz movido por valorações. NEAD Núcleo de Educação a Distância 36 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica Por outro lado, se a cultura é uma das consequências da conduta, e se a conduta contém necessariamente valor, afir- mamos que os objetos culturais possuem um valor intrínseco, de sorte que a norma jurídica e o Direito, enquanto objetos culturais, são carregados de valores como consequência de sua existência social. Em toda norma e em toda conduta re- grada, existe sempre um valor subjacente, funcionando como determinação e matiz da sua natureza. Ao agir, consciente- mente ou não, o homem sempre o faz em função de um valor, que confere sentido a este agir. Podemos agora desenhar o seguinte esquema: onde se encontra o homem, ali está o valor; onde está o valor, dali brota um sentido; da busca pelo sentido inerente ao valor vem a interpretação. Portanto, concluímos: onde está o homem, está a interpretação. Tendo em vista o dinamismo dos objetos culturais, e, portanto, dos valo- res agregados, deduz-se que o sentido também acom- panha esse dinamismo, reformulando-se continuamente. Assim, a interpretação, enquanto atividade que busca captar este sentido, será assim também essencialmente dinâmica e interminável. Toda manifestação de um sentido não se faz ao acaso, mas é orientada por uma espécie de “farol social” que é toma- do como referência para dimensionar graus de intensidade de sua claridade, o que faz com que algumas coisas apresentem uma variação de luminescência no referencial do sentido que indicam, tornando-se algumas delas mais atrativas, preferen- cialmente às outras. Este referencial é o que chamamos de valor. Isto quer dizer que quanto mais “luminoso” for um de- terminado fato social, quanto maior o interesse que ele provo- ca, quanto mais forte for o seu significado social, maior será o valor que ele porta. O valor é um conceito indefinível, que representa uma espécie de vivência. NEAD Núcleo de Educação a Distância 37 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica Quanto mais nos inserimos na vida social, mais aprende- mos a reconhecer os valores que ali estão presentes. E, em- bora não conseguindo definir claramente o que seja, todos nós estamos constantemente tomando decisões em nossas vidas e o que orienta qualquer decisão é a noção de va- lor que temos. Decidir é valorar. Quando decidimos algo, assumimos que a nossa escolha contém um valor de gran- de importância. Quanto preferimos uma coisa em relação à outra, estamos reconhecendo naquele objeto preferido um maior valor do que o rejeitado. Assim, se onde há o homem, há interpretação, da mesma forma, onde há homem e in- terpretação, há valor. Toda decisão humana é inerente ao reconhecimento de uma determinada faceta valorativa, sob a qual o sentido se nos apresenta. Embora não seja uma definição adequada do valor, podemos reconhecê-lo como uma energia que produz no homem uma atração irresistível por algo determinado, gerando assim os sen- timentos e reações de aproximação, aceitação, adesão, quan- do identificamos valores positivos, assim como também os seus opostos de afastamento e recusa, quando há uma contradição entre o que é esperado e o que nos é oferecido. Inegavelmen- te, o valor é uma força de natureza espiritual que o homem não consegue definir claramente com postulados racionais, mas que é capaz de percebê-lo sem qualquer relutância toda vez que diante dele se apresenta. É, assim, mais fácil classificar o valor do que defini-lo. Costu- ma-se classificá-los quanto ao seu alcance, à sua duração, à sua legitimidade e à sua matéria. Acompanhe cada uma delas: Quanto ao seu alcance• , há os valores universais, aqueles que exercem sua atração sobre os homens em qualquer lugar onde estes estejam, e os valores indi- viduais, isto é, aqueles que uma pessoa elege como diretriz de sua existência. Atualmente, a sociedade tem dificuldade em aceitar valores que seriam imutáveis e permanentemente válidos, preferindo reconhecê-los NEAD Núcleo de Educação a Distância 38 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica como realidades mutáveis de acordo com o momento cultural. Mesmo reconhecendo a universalidade de cer- tos valores, admite-se uma relativização histórica e so- cial, considerando-se os alvitres das variadas culturas e a inevitável influência dos fatores temporais. É a uni- versalidade possível dentro da historicidade humana. Quanto à sua duração• , os valores podem classificar- se como permanentes, duradouros ou passageiros. Os permanentes se confundem com os universais citados acima, aqueles que acompanham constantemente a humanidade desde sempre, embora com os compre- ensíveis percalços da historicidade. Isso não quer dizer que sejam eternos, porque são humanos. Os duradou- ros são aqueles que, mesmo não permanentes, acom- panham a humanidade por longos decursos temporais, exercendo sua influência de forma marcante enquanto persistem. E há os valores passageiros, efêmeros, de duração mais curta, como os modismos, que passam muitas vezes sem fincar a sua marca. Quanto à sua legitimidade• , os valores classificam- se como positivos ou negativos. Pode parecer contras- senso falar-se em valores negativos. Mas esta positi- vação e negativação têm como referência o todo da sociedade, ou seja, o ser humano genérico, não o in- divíduo. Positivos são os valores que contribuem para a manutenção, a melhoria, o aperfeiçoamento da vida social e os negativos são aqueles que, ao invés, levam à desagregação e à insegurança. O trabalho hones- to, por exemplo, é valor positivo e permanente, na medida em que contribui tanto para o bem-estar do próprio homem, quanto para o progresso do todo so- cial. A atividade ilícita, por outro lado, conquanto seja proveitosa para um indivíduo ou um grupo, lesa as outras pessoas e produz revolta e insegurança social, tornando-se um valor negativo. Quando à sua matéria• , os valores se classificam de acordo com a área social em que se situam. Há os va- NEAD Núcleo de Educação a Distância 39 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica lores éticos, jurídicos, religiosos, políticos, econômicos, históricos, nacionais, regionais e locais, referindo-se todos como desdobramentos dos valores humanos e sociais em geral, sedimentados na atividade humana e presentes em todas as épocas históricas. Conclui-se, portanto, que em qualquer lugar onde esteja presente o homem, ali estará também o valor. 3 CONHECIMENTO E INTERPRETAÇÃO A interpretação decorre do livre exercício da razão. A este livre exercício da razão chama-se pensamento. Portan- to, pensar é interpretar. O ser humano naturalmente pen- sa, por isso, naturalmente sempre interpreta. Nas rotinas do dia-a-dia, nas relações sociais, familiares, laborativas, o homem está sempre revelando um sentido. Não é pos- sível a identidade humana sem esta interpretação, por- que o homem só toma consciência de si mesmo interpre- tando. É por intermédio da interpretação do outro e de si próprio que o ser humano se apercebe de sua própria realidade e da realidade do mundo. A interpretação é ne- cessária ao homem, faz parte da sua natureza humana. Por causa dessa necessidade da natureza humana é que, des- de a mais remota antiguidade, o homem interpreta. As varia- das formas de interpretação, criadas pela atividade incessante do homem, produziramos vários conceitos de hermenêutica, apresentados pelos estudiosos ao longo dos tempos. Fazemos, assim, uma diferença entre interpretação e hermenêutica, que não são sinônimas. Interpretação é atividade prática, enquan- to que a Hermenêutica é modelo teórico. Os procedimentos interpretativos fundamentam as várias escolas de hermenêutica e os vários conceitos de hermenêutica orientam formas diversas de interpretação. Aliás, os próprios conceitos diferenciados de hermenêutica são prova da capacidade interpretativa humana. NEAD Núcleo de Educação a Distância 40 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica Exemplo Explicando com exemplos. Quando alguém quer obter sua carteira de motorista, antes vai precisar submeter-se a uma série de exigências prévias (exames de saúde, aulas de legislação do trânsito, lições elementares de mecânica de veículos) e somente depois se sentará no banco do motorista, para colocar em prática os ensinamentos teóricos. Quando alguém adquire um novo aparelho eletroeletrônico, deve fazer uma leitura do manual de instruções, para entender as diversas funções do aparelho e somente depois vai operá-lo. Num exemplo mais simples, quando alguém quer aprender andar de bicicleta, vai precisar que alguém lhe dê orientações sobre os movimentos do guidão, das alavancas e dos pedais, somente depois irá tentar equilibrar-se nas duas rodas. Nos exemplos citados, o primeiro momento é o conceitual ou teórico, no qual o interessado aprende os requisitos básicos da atividade que vai desenvolver. O segundo momento é a execução prática das orientações conceituais prévias. Trazendo para o tema em pauta, a hermenêutica corresponde aos procedimentos conceituais, teóricos prévios, que servirão de roteiro e orientação para as atividades práticas de interpretação. As duas estão inteiramente vinculadas, mas constituem atividades distintas que não se confundem entre si. Os vários conceitos e escolas hermenêuticas ocorridas no decorrer da história são fru- to de diferentes maneiras de conceber e realizar a interpretação, sendo esta a atividade que se apresenta em todas elas. Importante O estudo da hermenêutica é, portanto, uma atividade teóri- ca. Neste estudo, são analisados e discutidos os requisitos necessários para o ato de interpretar. Antes de nos entre- garmos a tal atividade, precisamos nos instrumentalizar e ... NEAD Núcleo de Educação a Distância 41 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica ... nos familiarizar com princípios, procedimentos e técnicas que nos permitam a realização de um trabalho competente e seguro. Devemos, porém, estar conscientes de que, dada a constante evolução histórica e consequente transforma- ção da sociedade, não existem receitas infalíveis nem roti- nas prontas, mas apenas indicações e propostas. Algumas delas já foram utilizadas por longo tempo e continuam vá- lidas. Obviamente, passaram por processos de refinamento e atualização permanentes. Outras estão sendo, a todo o momento, tentadas com maior ou menor eficiência, con- quistando adeptos ou adversários. Por seu turno, a sociedade está em incessante movimen- to evolutivo, com substanciais interferências sobre a cul- tura e a mentalidade das pessoas. Aquilo que tem sentido e valor numa determinada época, pode dali a pouco sofrer mutações. Novos padrões culturais e valorativos estão se manifestando a todo momento. Disso tudo resulta que a ta- refa humana de interpretar é historicamente inesgotável, na medida em que a interpretação é a busca do sentido e este constantemente se transforma. A hermenêutica, enquanto ciência e arte da interpretação, é entendida assim como uma atividade perene e incompleta. Costuma dizer-se que “onde está a sociedade, aí está o Direito”. Em todas as épocas, sempre onde houve grupos hu- manos reunidos num mesmo território, houve algum tipo de norma disciplinadora de sua conduta, por mais rudimentar que tenha sido. De acordo com o Prof. Raimundo Falcão (2004), esta frase deveria ser “onde está o homem, aí está o Direito”, considerando que não é a sociedade um sujeito concreto de direitos, e sim a pessoa. A importância da sociedade deriva da importância das pessoas que a formam. A referência à sociedade tem apenas a vantagem de chamar atenção para o fato de que o Direito se realiza na convivência social. Melhor ainda seria adaptarmos a frase dentro do contexto delineado nos tópicos anteriores, no qual demonstramos que a vida do homem na sociedade é um constante exercício interpretativo, NEAD Núcleo de Educação a Distância 42 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica para dizermos “onde está o homem, aí está a interpretação”. O Direito, como todos os objetos culturais, não se desenvol- ve sem a atividade do intérprete, não permanece vivo sem o contínuo trabalho da interpretação. Historicamente, foi assim que aconteceu nas origens do Di- reito, em Roma. Foi a atividade interpretativa dos juristas que deu alma e vida ao Direito Romano, cujo legado chega até nós. Os jurisprudentes romanos foram os pioneiros na ciência e na arte de transformar a norma numa criação permanentemente viva, fertilizando-a com suas experiências de vida e com seu apurado senso de percepção da evolução da sociedade do seu tempo. Mesmo sem teorizar a respeito desta vital atividade jurídica, eles nos deixaram exemplos práticos e concretos de elaboração da ciência jurídica, a partir da sua capacidade de sempre interpretar de maneira nova antigos costumes e prá- ticas, o que os transforma em referência permanente para o estudo do Direito em todos os tempos. Importante Filosoficamente, a interpretação é um processo que faz parte do próprio ato essencial, a partir do qual o homem se identifica ontologicamente como ser pensante e atuante no mundo, tornando-se capaz de conhecê-lo e de transformá- lo. A capacidade racional do ser humano se manifesta de forma mais expressiva exatamente na atividade interpreta- tiva. Não há racionalidade sem interpretação. Quer seja de forma consciente ou inconsciente, é na atividade racional interpretativa que o homem conhece a si mesmo, conhece o outro e conhece o mundo, ou seja, é através da interpre- tação que o homem chega à consciência de si mesmo e dos outros, o que torna a interpretação uma ação necessária, indispensável ao homem. A essência do ato de interpretar é o esforço de captação de um sentido. Este sentido, enquanto epifania do absoluto, apresenta- se de infinitos modos nas coisas, nas pessoas, nos acontecimen- tos, e sempre sem repetição, o que torna o sentido potencial- NEAD Núcleo de Educação a Distância 43 Hermenêutica Jurídica Unidade II - Hermenêutica filosófica mente inesgotável. Por ser dotado da capacidade de perceber a sua presença, o homem pode ser considerado o portal do sentido do mundo, entendendo-se com isso que todas as demais coisas existentes têm acesso ao sentido através do homem. Esse enten- dimento transforma a atividade interpretativa na tarefa humana por excelência, conferindo-lhe um lugar central entre todos os existentes e a responsabilidade pela exuberância interminável dos infinitos desdobramentos nos quais o sentido se manifesta. Por isso, onde está o homem, aí está a interpretação. Podemos concluir, então, que a interpretação é um momento constitutivo dessa realidade humana chamada de conheci- mento. A interpretação é o momento dinâmico do conheci- mento da realidade, é o ato de apreendê-la racionalmen- te, tal qual ela se apresenta à nossa percepção subjetiva. A hermenêutica, enquanto conjunto de teorias formadas a partir da prática interpretativa desenvolvida pelos estudio- sos ao longo da história, é o momento teórico da atividade interpretativa. Ao estudar a hermenêutica, estaremos re- passando as tentativas
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