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Liberdades Fundamentais Casos Práticos Caso Prático 1 A Autoeuropa está a desenvolver um novo modelo de automóvel. Pretende, para isso, importar da China o chassis do modelo, no qual montará os restantes componentes. Nestes, contam-se um guiador fabricado em Itália e um autorrádio que irá adquirir a uma empresa espanhola que o havia importado do Japão. Estas operações vêm-se dificultadas por algumas circunstâncias: 1) O Estado português determinou que o autorrádio, por não ter origem comunitária, teria de pagar o correspondente a 10% do seu valor aquando da introdução no mercado nacional. 2) O Município de Palmela determinou que os produtos automóveis aí produzidos estariam sujeitos ao pagamento de uma taxa de 100€ por unidade, quando saíssem do respectivo território. 3) O Governo português estabeleceu que em Portugal só poderiam ser produzidos automóveis cujos volantes fossem revestidos em pele de vaca barrosã, o que favoreceria a segurança na condução. Ao abrigo de tal norma, a Autoeuropa ver-se-ia impedida de importar e utilizar o volante italiano que desejava e que, de resto, cumpria as regras de segurança exigidas pelas autoridades italianas para a respectiva homologação. Estas medidas são compatíveis com o DUE? Caso 1 – tópicos de resolução • A União Europeia foi construída na base de um processo de integração económica, do qual desde o início fazia parte o objectivo de constituição de uma União Aduaneira e um Mercado Comum • União Aduaneira: fase do processo de integração económica que se caracteriza pela abolição de direitos aduaneiros e outras regulamentações comerciais restritivas no interior dos territórios pertencentes à União e pela adopção de uma pauta alfandegária comum face ao exterior • Regulamento (CE) n.º 450/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho • Mercado comum: fase do processo de integração económica que se caracteriza pela fusão dos mercados inicialmente separados, abrangendo a livre circulação dos factores de produção e a fixação de condições normais de concorrência e o desenvolvimento harmonioso do conjunto das economias, através da remoção dos obstáculos às trocas e implicando a harmonização de algumas políticas • Foi neste quadro que, logo no Tratado de Roma, se instituiu a liberdade de circulação de mercadorias. As várias liberdades fundamentais são hoje perspectivadas, também, como direitos fundamentais. Caso 1 – tópicos de resolução • Concretizações / Dimensões da Liberdade de circulação de mercadorias: • Proibição de tributos aduaneiros e de encargos de efeito equivalente • Proibição de restrições quantitativas e medidas de efeito equivalente • Princípio do mútuo reconhecimento (ou princípio da terra de origem limitado) • Proibição de discriminação dos participantes no mercado através de monopólios nacionais de natureza comercial (37.º TFUE) * Proibição de discriminação através da tributação nacional Caso 1 – tópicos de resolução • Teremos, pois, de verificar: A) Se aquelas medidas incidem sobre mercadorias abrangidas pela liberdade de circulação; B) Se as medidas restringem alguma das dimensões da liberdade de circulação de mercadorias – e qual; C) Se as medidas cumprem os requisitos das restrições permitidas. A) CONCEITO DE MERCADORIA • Qualquer produto, apreciável em dinheiro e susceptível de ser objecto de transacção comercial, independentemente da sua natureza, modo de utilização, utilidade ou qualidades particulares • Susceptível de transacção comercial: o problema dos bens fora do comércio jurídico • Conceito de desenvolvimento jurisprudencial Caso 1 – tópicos de resolução Mercadorias em livre circulação: • Produtos originários dos Estados-membros • Produtos totalmente produzidos, fabricados ou colhidos em Estados membros • Produtos cuja última transformação ou operação substancial de complemento de fabrico, que conduza a um produto novo e original (qualidades específicas ou aumento significativo do valor), ocorra no território da União • Produtos não originários dos Estados membros, mas que já se encontrem em livre prática, o que ocorre quando as mesmas: • Já tenham cumprido as formalidades de importação • Já tenham pago os direitos estabelecidos na pauta aduaneira comum • Não tenham beneficiado de draubaque total ou parcial desses encargos (quando aplicável) • Draubaque: reembolso dos direitos aduaneiros pagos pela importação de um produto a transformar e exportar para fora do espaço comunitário • Mecanismo previsto na Convenção Internacional para a Simplificação e Harmonização dos Regimes Aduaneiros (1973-1974) Caso 1 – tópicos de resolução No nosso caso: • O volante é um produto originário da UE (parece ter sido totalmente produzido em Itália) • O automóvel, concluído, é um produto originário da UE • A última transformação ou operação substancial de complemento de fabrico, que conduziu a um produto novo e original (o automóvel, utilizável pelo consumidor final), ocorreu no território de um Estado membro • O autorrádio será um produto em livre prática: • É um produto com origem extracomunitária • Terá pago os respectivos direitos aduaneiros, fixados pela União na Pauta Aduaneira Comum, aquando da sua introdução no mercado europeu (quando foi importado para Espanha) • Uma vez que não parece ter sido transformado e exportado para fora da UE, não terá havido draubaque • ASSIM, todos os produtos parecem ser “mercadorias”: são objectos susceptíveis de avaliação pecuniária e comercialização, produzidos na UE ou em livre prática Caso 1 – tópicos de resolução B) Restrição a uma das dimensões da livre circulação B1) Proibição de tributos aduaneiros e de encargos com efeito equivalente • Direito aduaneiro: tributo pecuniário que incide sobre os produtos importados ou exportados, no momento de colocação num mercado nacional (desalfandegamento), sem que haja esta imposição de tributo idêntico a uma mercadoria de um Estado membro • Ad valorem: o valor do tributo baseia-se no valor da mercadoria • Específico: o valor do tributo baseia-se nas características do produto • Encargos com efeito equivalente: encargo pecuniário, imposto unilateralmente, que incida sobre mercadorias nacionais ou estrangeiras (comunitárias ou não) pelo facto de estas transporem uma fronteira, independentemente da designação, técnica ou momento da cobrança e que provoque um efeito restritivo, prejudicando a realização do mercado comum, ainda que não seja cobrado em proveito do Estado e não produza efeito discriminatório Caso 1 – tópicos de resolução B2) Proibição de restrições quantitativas e medidas de efeito equivalente • Restrição quantitativa: medida que limite a quantidade ou valor de trocas com o exterior • Medidas de efeito equivalente: medida (sentido amplo) que tenha como consequência, directa ou indirecta, actual ou potencial, restringir o comércio intracomunitário, independentemente de afectar mais as importações do que as exportações • Medidas discriminatórias / medidas não discriminatórias • As medidas não discriminatórias podem ser proibidas, por limitarem a actividade económica e a oferta aos consumidores • Restrições à circulação (fixação de requisitos nacionais adicionais relativos ao produto) / discriminações na circulação (regulação das condições de venda de produto) • As condições relativas à venda de produto só são proibidas se forem (directa ou indirectamente discriminatórias) • Exemplos: • Imposição de obtenção de uma licença para comercialização dos produtos importados • Imposição de exigências relativas à comercialização de produtos • Concessão de incentivos à aquisição de produtos nacionais • Restrições à publicidade de produtos estrangeiros • Concessão de vantagens às produções nacionais • Aplicação de sanções aduaneiras desproporcionadas • Exigência de conformidade de um produto a umanorma técnica nacional Caso 1 – tópicos de resolução • Princípio do mútuo reconhecimento (ou princípio da terra de origem limitado) • Decorre da proibição da criação de entraves às trocas que, em princípio, um produto que seja introduzido legalmente no território de um Estado membro poderá ser comercializado nos restantes • Existem normas europeias que procuram aproximar as legislações dos Estados membros quanto às características dos produtos (ex.: directiva 107/1989 relativa aos aditivos que podem ser utilizados nos géneros destinados à alimentação humana). • Os Estados membros podem formular requisitos adicionais – MAS teremos de ver se é uma medida restritiva admissível! • Este princípio foi consagrado no Ac. Cassis de Dijon, C-120/78 B3) Proibição de discriminação dos participantes no mercado através de monopólios nacionais de natureza comercial (37º TFUE) Caso 1 – tópicos de resolução B4) * Proibição de discriminação através da tributação nacional • Medida estadual prevista nos tratados não a propósito da liberdade de circulação de mercadorias, mas das regras comuns relativas à fiscalidade (110.º TFUE) • NOTA: o artigo 110.º NÃO se aplica aos direitos aduaneiros, mas aos restantes impostos. • Neste âmbito da política fiscal, a competência é (em regra) dos Estados, sendo estes e não a UE que fixam os impostos (diferentemente do que sucede com os tributos aduaneiros). A União limita-se a estabelecer certos limites ao exercício da competência pelos Estados. • “Nenhum Estado membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos de outros Estados membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares. Além disso, nenhum Estado membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados membros imposições internas de modo a proteger indirectamente outras produções” • Tributação directa ou indirecta: pode incidir sobre qualquer fase da cadeia produtiva • Discriminação: • Não pode haver um tratamento desigual • Engloba vários aspectos: incidência, taxa, isenções, benefícios fiscais, liquidação e cobrança • As diferenciações entre produtos têm de ser objectivas e compatíveis com o DUE e não podem ser discriminatórios • Produtos similares e protecção de outras produções: • Proíbe-se, no §1 a discriminação entre produtos similares: produtos iguais e produtos que concorrem entre si em virtude das semelhanças estruturais e funcionais (têm características semelhantes e satisfazem as mesmas necessidades dos consumidores) • O §2 proíbe as distinções entre produtos que não possam ser considerado similares, mas que ainda estabelecem uma relação de concorrência Caso 1 – Tópicos de resolução • B) Restrição a uma das dimensões da livre circulação • Restrição de liberdades fundamentais: • Conceito de restrição (fórmula Dassonville) : “Toda e qualquer medida susceptível de dificultar, directa ou indirectamente, actual ou potencialmente, o comércio intracomunitário” • Entraves discriminatórios E entraves não discriminatórios • Os entraves não discriminatórios, mesmo que insusceptíveis de distorcer a concorrência, podem limitar a actividade económica e a oferta de bens junto dos consumidores • Restrições à circulação E restrições na circulação (Ac. Keck / Mithouard) • Restrições à circulação: medidas que representam uma perturbação para o comércio entre Estados, através da previsão de requisitos nacionais adicionais à entrada do bem no seu território (requisitos do produto) • Discriminações na circulação: discriminação expressa ou tácita dos operadores económicos, no seu acesso ao mercado (modalidades de venda) • A posição mais recente da jurisprudência europeia vai no sentido de só limitar as discriminações na circulação se as mesmas tiveram carácter discriminatório (directa ou indirectametne) Caso 1 – Tópicos de resolução • Serão admitidas, as restrições que cumpram os seguintes requisitos: 1. Fundamento nos Tratados • Medidas que se aplicam distintamente em função da nacionalidade • Devem enquadrar-se num fundamento explícito nos Tratados – 36.º • Medidas que se aplicam indistintamente • Admite-se o recurso a limites implícitos aos Tratados, como, por exemplo: combate à concorrência desleal, transparência comercial, protecção do consumidor, encerramento do comércio ao Domingo, protecção do ambiente, protecção do sistema de segurança socia, protecção de direitos fundamentais • A evolução aponta no sentido da diluição das fronteiras entre fundamentos escritos e não escritos 2. Inexistência de direito secundário contrário à restrição (resolução do conflito pelo princípio do primado) 3. Não discriminação 4. Princípio da proporcionalidade Caso 1 – tópicos de resolução No nosso caso: • A imposição portuguesa do pagamento de um tributo correspondente a 10% do valor do autorradio é um direito aduaneiro. É proibida. • A imposição do município de Palmela será um encargo de efeito equivalente: • “o próprio princípio da união aduaneira […] exige que seja assegurada de modo geral a livre circulação das mercadorias não apenas no âmbito do comércio interestadual mas, de forma mais geral, no conjunto do território da união aduaneira. Se os artigos 23.° CE e 25.° CE só visam expressamente as trocas entre os Estados-Membros, é porque os autores do Tratado pressupuseram a inexistência de imposições com as características de um direito aduaneiro no interior destes Estados” […] “Uma vez que os artigos 23.° CE e seguintes devem ser lidos em conjugação com o artigo 14.°, n.° 2, CE, a ausência de imposições – tanto interestatais como intra-estatais – que apresentem as características de um direito aduaneiro ou de um encargo de efeito equivalente constitui uma condição prévia indispensável à realização de uma união aduaneira na qual seja assegurada a livre circulação das mercadorias.” • A medida relativa aos materiais do volante é enquadrável no conceito de medida de efeito equivalente às restrições quantitativas • É uma medida de carácter geral (também poderia ser individual) que tem por efeito, pelo menos potencial, limitar as trocas entre os Estados membros • É uma medida indirectamente discriminatória • É uma medida de sentido contrário ao princípio do mútuo reconhecimento C) É ainda necessário verificar se esta medida restritiva é ou não admissível! • Requisitos: • Fundamento no Tratado – 36.º, 346.º, 347.º • Não discriminatória • Proporcional • Necessidade de comunicação • Fundamentos do artigo 347.º • Graves perturbações que afectem a ordem pública • Guerra ou tensão internacional que constitua ameaça de guerra; • Necessidade de fazer face a compromissos assumidos pelo Estado para manutenção da paz e da segurança internacionais • NOTA: permite afastar várias medidas, mas deverão afectar o mínimo possível o funcionamento do mercado interno • O artigo 346.º permitirá ainda afastar a liberdade de circulação no que respeita à produção e comércio de armas, munições e material de guerra • Fundamentos do artigo 36.º • Moralidade pública – maior liberdade de definição pelo Estado membro, em função da sua própria escala de valores • Ordem e segurança pública • Protecção da saúde e vida das pessoas e animais • Protecção do ambiente • Protecção da propriedade industrial e comercial • NOTA: o artigo 36.º permite apenas afastar a proibição de restrições quantitativas e equivalentes (só afasta os artigos 34.º e 35.º), não permitindo criar tributos aduaneiros (nem equivalentes) Caso 1 – tópicos de resolução C) Admissibilidade da medida restritiva • Com vista à salvaguarda de um interesse relevante, no contexto do Tratado (lista não taxativa do art. 36.º TFUE - moralidade pública, ordem pública, segurançapública, protecção da saúde e da vida de pessoas e animais ou preservação das plantas, de protecção do património nacional de valor artístico, histórico ou arqueológico, ou de protecção da propriedade industrial e comercial • Medida não discriminatória • Medida proporcional • Inexistência de conflito com norma de direito secundário da UE No caso: • A medida poderia ser apresentada como medida de salvaguarda de um interesse de protecção de confiança dos consumidores, ou de protecção da vida de pessoas (36.º); • MAS será discriminatória e desproporcional: • Haverá uma discriminação indirecta, pois as vacas barrosãs são próprias do Nordeste português; • Não há qualquer verosimilhança de um impacto significativo da opção por este tipo de revestimento e a diminuição da sinistralidade rodoviária! Caso 1 - B • Considerando as medidas incompatíveis com os Tratados, que consequências poderão advir para o Estado? • Serem-lhe contrapostas as normas do Tratado, que gozam de efeito directo; • Ter de pagar uma indemnização pelos danos causados – responsabilidade do Estado por violação do direito da União Europeia; • Ser alvo de uma acção por incumprimento. Caso 2 Aprecie a compatibilidade com o Direito da União Europeia das seguintes medidas, que o Governo português pretende adoptar: 1. Baixar o IVA sobre os vinhos nacionais vendidos em restaurantes para 13%, mantendo a taxa relativa a vinhos estrangeiros nos 23%; 2. Impor um preço mínimo por quilograma de laranja (que se prova ser equivalente ao custo médio de produção da laranja do Algarve acrescido de 50%, e que é muito superior ao custo de produção da laranja espanhola); 3. Determinar o pagamento de 100€ por cada operação de desalfandegamento de bens, bem como a previsão de uma sanção de 1 milhão de euros sempre que se verifique algum desvio às normas de transporte de mercadorias; 4. Exigir a rotulagem de detergentes em português. 2.1) A medida tem natureza fiscal, mas é discriminatória. É contrária ao artigo 110.º TFUE. 2.2) Temos uma medida que pode influir sobre as trocas, podendo, eventualmente, ser considerada uma medida de efeito equivalente a uma limitação quantitativa • É uma medida não directamente discriminatória, relativa às condições de venda. • MAS, na prática, esta medida afecta mais as mercadorias importadas do que as mercadorias nacionais – é indirectamente discriminatória. • Só poderia ser admitida se enquadrável nos artigos 36.º, 347.º, o que não se verifica. 2.3.1) A previsão da cobrança de uma taxa pelo desalfandegamento parece ser uma medida de efeito equivalente a um tributo aduaneiro. • Estas medidas são admissíveis, se constituírem o pagamento de um serviço efectivamente prestado pelo Estado; se forem uma forma dissimulada de impor um tributo aduaneiro, são proibidas. • Na apreciação destes casos, a Comissão tem utilizado como indício o método de cálculo do “tributo”: • Se o valor é fixado em função do valor mercadoria, estaremos perante um encargo de efeito equivalente; • Se o valor é fixado em função do serviço prestado pelas Autoridades nacionais, estaremos perante um preço, permitido. 2.3.2) A previsão da sanção é, indirectamente, discriminatória e, por isso, proibida. • é uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa 2.3.4) Rotulagem em português • É uma medida que se aplica a todos os produtos, por isso, não é directamente discriminatória • Visa salvaguardar um interesse relevante: a protecção do consumidor • É proporcional • É uma medida admissível Liberdade de Circulação de Trabalhadores Caso António é um enfermeiro português que decidiu candidatar- se a uma vaga num hospital público belga, tendo sido excluído do concurso porque a lei daquele Estado prevê: 1) Que só possam ser trabalhadores da Administração Pública belga cidadãos com essa nacionalidade; 2) Que apenas enfermeiros formados em escolas belgas possam desenvolver aí essa actividade; 3) Que apenas pessoas que falem francês podem trabalhar em profissões de saúde que impliquem o contacto directo com o público. Estas medidas são compatíveis com o Direito da União Europeia? Tópicos de Resolução • O caso remete para uma situação em que é afectada a liberdade de circulação de trabalhadores. • Como solucionar? 1. Verificar se estamos perante um trabalhador; 2. Verificar se é afectado, em termos proibidos, o conteúdo da liberdade de circulação de trabalhadores 1. Conteúdo 2. Âmbito 3. Excepções admitidas Conceito de trabalhador • É um conceito autónomo de direito europeu, distinto dos eventuais conceitos vigentes em cada um dos Estados membros • Vale um conceito amplo de trabalhador, desenvolvido pela jurisprudência do TJUE (Ac. Walrave (1974), Lawrie-Blum (1986)) • Trabalhador é a pessoa física que exerceu, exerce ou pretende exercer uma actividade económica assalariada em benefício de outra pessoa e sob sua direcção • Implica uma nota de subordinação na realização da tarefa que permite distinguir a liberdade de circulação de trabalhadores da liberdade de estabelecimento (livre prestação de serviços) • Só gozam da liberdade de circulação dos trabalhadores os NACIONAIS dos Estados Membros • E gozam desta liberdade quer residam ou não no território da UE • Por vezes, o direito secundário faz aplicar aos trabalhadores nacionais de Estados terceiros algumas normas previstas para a liberdade de circulação de trabalhadores. MAS, mesmo que o nacional de um Estado terceiro seja reconhecido como trabalhador num dos Estados membros, não goza liberdade de circulação dos trabalhadores • O direito secundário (directiva 38/2004) estende aos familiares do trabalhador o direito de o acompanharem Conceito de trabalhador • O conceito de trabalhador abrange: • A procura de emprego – 14.º/4/b da directiva 38/2004 • O período de duração do trabalho • O período de permanência num outro Estado membro, após o fim do vínculo laboral • O estatuto de trabalhador mantém-se nos seguintes casos: • Incapacidade temporária de trabalho, em virtude de doença o acidente; • Situação de desemprego involuntário, no caso de o trabalhador já ter trabalhador mais de um ano e estar inscrito num centro de emprego • Aposentação do trabalhador • O conceito de trabalhador tem sido entendido em sentido amplo, não se fazendo distinção em função: • Da actividade desempenhada (desde que o seja em regime de subordinação); • Do tempo de trabalho; • Do rendimento obtido. António é um trabalhador: É nacional de um Estado membro; Está à procura de emprego, para desenvolver uma actividade económica assalariada sob direcção de outrem. Conceito de trabalhador Âmbito da liberdade de circulação de trabalhadores • Os direitos da liberdade circulação não valem para situações puramente internas (aquelas que só tenham conexão com um único Estado membro) • O número 4 do artigo 45.º TFUE afirma a inaplicabilidade dos direitos aí consagrados quando estiverem em causa empregos na Administração Pública • Conceito autónomo de função pública : “empregos que comportem uma participação, directa ou indirecta, no exercício do poder público em funções que tenham por objecto a salvaguarda de interesses gerais do Estado ou de outras colectividades públicas” (C-149/79) • Actividade que implique o exercício de prerrogativas estaduais e a salvaguarda de interesses gerais do Estado, bem como um dever de especial lealdade para com este • Não basta um contacto ou prática esporádica de actos de autoridade pública • A forma do vínculo é irrelevante • MAS se o Estado membro permitir o acesso à função pública, deverá fazê-lo em condições não discriminatórias em termos de remuneração e condições de trabalho (C - 225/85) António está numa situação transnacional – é um português àprocura de trabalho num outro Estado membro O conceito autónomo de função pública, desenvolvido pelo TJUE não abarca o emprego como enfermeiro num hospital público ASSIM: António poderá invocar os direitos que lhe são conferidos pela liberdade de circulação de trabalhadores Conteúdo da liberdade de circulação de trabalhadores A liberdade de circulação de trabalhadores traduz-se num conjunto de direitos que podemos agrupar em Direitos de Liberdade e Direitos de Igualdade. Direitos de liberdade • Os trabalhadores podem deslocar-se e permanecer num Estado que não o da sua nacionalidade, para aí procurarem emprego, para realizarem uma actividade subordinada ou aí permanecerem após terem sido empregados. • Direito de circular, de residir e de permanecer • Constitui um regime mais favorável do que o da liberdade de circulação em geral pois, pelo menos actualmente, dispensa-se a prova de recursos suficientes (para o trabalhador que esteja a desenvolver a sua actividade): • Se A, português, trabalha em part-time em França, poderá aí residir, mesmo que o rendimento que obtém não seja suficiente para garantir a sua subsistência. Poderá, neste caso, recorrer aos apoios sociais prestados pelo Estado francês, em condições de igualdade com os respectivos nacionais. Direitos de igualdade • Qualquer trabalhador europeu goza de um direito de não discriminação, nos domínios: • Do acesso ao emprego; • Das condições de emprego • Remuneração e outras condições de trabalho; • Vantagens sociais e fiscais • A necessidade de garantir esta igualdade levou, também, ao desenvolvimento de um sistema de reconhecimento de habilitações académicas e profissionais Conteúdo da liberdade de circulação de trabalhadores Restrições • A liberdade de circulação de trabalhadores não impede a regulamentação do mercado de trabalho, mas sim que se adoptem medidas que dificultem que um nacional de um Estado membro se desloque para um outro, para aí exercer uma actividade assalariada • Condições da admissibilidade das restrições: • Fim legítimo • Segurança, ordem pública, saúde pública • Exigência de ameaça real e com base no comportamento pessoal do indivíduo • Outros fins legítimos • Proporcionalidade • Não discriminação • No nosso caso, vimos já que o argumento de que se trata de um emprego público não permite afastar o regime da liberdade de circulação de trabalhadores. • Resta, pois, enquadrar e a avaliar as outras duas exigências. • O não reconhecimento de licenciaturas estrangeiras e a exigência de que se fale uma das línguas do país de trabalho podem ser medidas que visem favorecer os nacionais desse estado, constituindo discriminações proibidas pelo artigo 45.º TFUE. • O reconhecimento de habilitações académicas (ex.: licenciatura) ou profissionais (inscrição numa ordem profissional) é um dos aspectos essenciais para a efectiva não discriminação dos trabalhadores e para a efectiva liberdade de circulação • Assim: • A UE procurou harmonizar algumas destas disposições • Na medida em que o reconhecimento não esteja harmonizado, os Estados membros podem estabelecer requisitos de acesso a certas profissões • Na medida em que o reconhecimento não esteja harmonizado, os Estados membros podem estabelecer requisitos de acesso a certas profissões • MAS, mesmos nesses casos, os Estados membros devem dispor de mecanismos que permitam ter em consideração os conhecimentos e as habilitações já adquiridas pelo interessado noutro Estado-membro • A inexistência de efectivos mecanismos de reconhecimento é contrária à liberdade de circulação de trabalhadores (e também à liberdade de prestação de serviços) • Não se impõe, assim, um reconhecimento automático, nem se impõe que todos os pedidos de reconhecimento sejam deferidos • O que o DUE exige é que os Estados membros tenham mecanismos permitam uma avaliação justa dos conhecimentos e habilitações adquiridas pelo interessado noutro Estado membro • A ausência destes mecanismos de reconhecimento consubstancia uma forma de discriminação (Ac. Heylens C-222/86) A imposição de conhecimentos linguísticos • O Direito da União considera que não é discriminatória a exigência de condições relativas a conhecimentos linguísticos que sejam exigidos pela natureza do emprego a preencher(3.ºReg.492/2011) • No nosso caso, parece que a exigência de conhecimento da língua francesa é justificada. • O TJUE já considerou justificada a exigência de conhecimento de língua para sua divulgação, quando estivesse em causa o acesso à actividade de professor e mesmo que, na prática, não fosse essa a língua da lecionação. Caso 2 Face à crise vivida no País nos últimos anos, um partido político candidata-se às próximas eleições legislativas comprometendo- se a fazer aprovar as seguintes medidas de apoio aos trabalhadores nacionais: 1) Atribuição de um subsídio estatal a qualquer empresa cujos trabalhadores estrangeiros representem menos de 2% da força de trabalho; 2) Aumento, em 5 %, do valor do salário mínimo para trabalhadores nacionais, mantendo-se igual o dos estrangeiros. 3) Não atribuição do subsídio de desemprego aos cidadãos não nacionais que tenham trabalhado no Estado durante menos de 2 anos (sendo tal prestação concedida a nacionais que tenham trabalhado 1 ano). 4) Proibir a entrada no território nacional de estrangeiros para realização de entrevistas de emprego. • Avalie a compatibilidade destas medidas com o Direito da União Europeia. Caso 3 O Luxemburgo atribui a certos sujeitos um “auxílio financeiro do Estado para estudos “, concedido sob a forma de uma bolsa e de um empréstimo, que pode ser solicitado seja qual for o Estado onde o requerente pretenda prosseguir os seus estudos superiores. O benefício foi concedido de modo a aumentar a percentagem de residentes no Luxemburgo com estudos superiores. Como requisito para o benefício, a lei luxemburguesa estabelece: • ser nacional luxemburguês ou membro da família de um nacional luxemburguês e estar domiciliado no Grão-Ducado do Luxemburgo, ou • ser nacional de outro Estado-Membro da União Europeia […] e residir no Grão-Ducado do Luxemburgo enquanto trabalhador assalariado, trabalhador não assalariado, pessoa que mantém esse estatuto ou membro da família de uma das categorias de pessoas anteriores, ou ter adquirido um direito de residência permanente. Pièrre reside na Bélgica, mas trabalha no Luxemburgo. A sua filha Marie requereu a concessão daquele apoio, o que foi indeferido por a mesma não preencher aqueles requisitos. A lei belga é compatível com a liberdade de circulação de trabalhadores? Caso 3 – tópicos de resolução • Pièrre goza da liberdade de circulação de trabalhadores: • É uma pessoa física que desenvolve uma actividade assalariada em benefício e sob direcção de outrem • Tem nacionalidade de um Estado membro, encontra-se numa situação transfronteiriça • A liberdade de circulação de trabalhadores comporta diversas dimensões: • Liberdade de deslocação • Não discriminação Caso 3 – tópicos de resolução • O princípio da não discriminação de trabalhadores abrange: • O acesso ao emprego (não pode haver uma prefêrencia na atribuição do posto de trabalho baseado na nacionalidade) • As condições de trabalho • As vantagens sociais • Qualquer vantagem geralmente reconhecida aos trabalhadores nacionais, mesmo que apenas devido à sua residência no território nacional e estejam ou não ligadas a um contrato de trabalho • Hartmann (C-212/05): “um financiamento de estudos concedido por um Estado-Membro aos filhos dos trabalhadores constitui, para um trabalhador migrante ou para um trabalhador fronteiriço, uma vantagem social na aceção do artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1612/68, quando o trabalhador continua a prover ao sustento do filho em causa.” • Os membros da famíliade um trabalhador migrante são beneficiários indiretos da igualdade de tratamento concedida a esse trabalhador • o próprio filho pode invocar aquela disposição para obter um direito que seja atribuído directamente ao estudante Caso 3 – Tópicos de correcção • Há uma discriminação? • A discriminação proibida é a discriminação em razão da nacionalidade. • Todavia, são também proibidas todas as formas dissimuladas de discriminação que, por aplicação de critérios de distinção diferentes dos assentes na nacionalidade, conduzam ao mesmo resultado • A exigência de residência pode ser considerada discriminatória, pois é um requisito suscetível de ser mais facilmente preenchido pelos cidadãos nacionais • O TJUE considera que é indiferente que a medida controvertida afete tanto os nacionais que não podem cumprir esse critério como os nacionais dos outros Estados-Membros. Para que uma medida possa ser qualificada de indiretamente discriminatória, não é necessário que tenha por efeito favorecer todos os nacionais ou desfavorecer apenas os nacionais dos outros Estados-Membros, com exclusão dos nacionais • Admitem-se as distinções, desde que: • Baseadas em considerações objectivas, independentes da nacionalidade das pessoas em causa • Com vista a alcançar um interesse legítimo (pode ser um interesse nacional) • Proporcionais • Adequação • Necessidade • Com vista a alcançar um interesse legítimo (pode ser um interesse nacional) • uma ação empreendida por um Estado-Membro para assegurar um nível elevado de formação da sua população residente e promover o desenvolvimento da sua economia prossegue um objetivo legítimo suscetível de justificar uma discriminação indireta com base na nacionalidade. • Adequação: a residência como critério de integração / maior probabilidade de futura residência • O TJUE “declarou que os trabalhadores migrantes e fronteiriços, uma vez que acederam ao mercado de trabalho de um Estado-Membro, criaram, em princípio, um vínculo de integração suficiente na sociedade desse Estado, que lhes permite aí beneficiar do princípio da igualdade de tratamento em relação, respetivamente, aos trabalhadores nacionais e aos trabalhadores residentes. O laço de integração resulta, nomeadamente, do facto de, com as contribuições fiscais que pagam no Estado-Membro de acolhimento em virtude da atividade assalariada que aí exercem, os trabalhadores migrantes e fronteiriços contribuírem também para o financiamento das políticas sociais deste Estado” • MAS “admitiu certos motivos de justificação no que diz respeito às legislações que estabelecem uma distinção entre residentes e não residentes que exercem uma atividade profissional no Estado em questão, consoante o seu grau de integração na sociedade desse Estado-Membro ou a sua conexão com este” • “há que concluir que o requisito de residência […] é adequado a realizar o objetivo de promover o prosseguimento de estudos superiores e de aumentar, de forma significativa, a proporção de titulares de um diploma de ensino superior residentes no Luxemburgo. • Necessidade: • Há outras circunstâncias, diferentes da residência, que garantem a probabilidade de retorno ao Grão-Ducado: decorre igualmente do facto de esse estudante residir sozinho, ou com os pais, num Estado-Membro limítrofe do Grão-Ducado de Luxemburgo e de os seus progenitores trabalharem no Grão-Ducado do Luxemburgo e viverem próximo deste Estado-Membro há um período de tempo significativo. • Uma medida admitida pelo TJUE seria, na medida em que o auxílio concedido é constituído por um empréstimo, um sistema de financiamento que subordine a concessão desse empréstimo ou mesmo do seu saldo, ou o seu não reembolso, à condição de o estudante que dele beneficia regressar ao Luxemburgo • A medida não é necessária • O TJUE apontou no sentido de a medida ser contrária ao DUE Liberdade de prestação de serviços / Direito de estabelecimento Caso 1 Vitória, brasileira, e Guiomar, moçambicana, constituíram, à luz do direito português, uma sociedade por quotas (Q), que tem por objecto a comercialização de produtos regionais. Depois de terem aberto uma loja em Elvas, pretendem agora abrir uma nova loja em Badajoz. As autoridades espanholas exigem que esta empresa se registe na “Junta do Comércio Tradicional”, pagando uma taxa de 100€. Este registo e pagamento não é exigido às empresas espanholas. Vitória e Guiomar contra-argumentam que o Direito da União concede aos agentes económicos a liberdade de prestação de serviços e que, ao abrigo desta, podem exercer actividades económicas em qualquer Estado membro, em condições de igualdade com os nacionais desse mesmo Estado. Pronuncie-se sobre a posição das autoridades espanholas e sobre os argumentos apresentados por Vitória e Guiomar. • No quadro dos objectivos de integração económica europeia foi consagrada a liberdade de circulação de serviços e a liberdade de estabelecimentos • Podemos referir as duas liberdades como “liberdade de prestação de serviços” em sentido amplo, mas é necessário distingui-las, pois há especificidades de regime: • Liberdade de circulação de serviços: liberdade de uma pessoa, singular ou colectiva, realizar em qualquer Estado membro e sem sofrer discriminações em razão da nacionalidade, uma prestação, em geral realizada mediante remuneração, sem implicar o estabelecimento estável nesse Estado • Liberdade de estabelecimento: liberdade de uma pessoa, singular ou colectiva, desenvolver em qualquer Estado membro e sem sofrer discriminações em razão da nacionalidade, o exercício de uma actividade económica autónoma (não subordinada) e com carácter de estabilidade Teremos de fazer o correcto enquadramento da posição de Vitória e Guiomar A abertura de uma loja em Espanha enquadrar-se-á no direito de estabelecimento, uma vez que se trata do desenvolvimento de uma actividade económica com carácter de estabilidade Importa, agora, verificar se, à luz do direito de estabelecimento, Espanha poderia impor aquelas medidas! Titulares de do direito de estabelecimento • Pessoas singulares que sejam nacionais dos Estados membros • Pessoas colectivas, com exclusão das que não têm fim lucrativo, que tenham sido constituídas em conformidade com a legislação de um Estado-membro e que tenham a sua sede, administração central ou estabelecimento principal na comunidade, mesmo os sócios não tenham a nacionalidade dos Estados membros • Se a sociedade tiver na União apenas a sua sede social, a actividade terá também de ter uma ligação estável com um dos Estados membros • Assim, Vitória e Guiomar, porque não são nacionais dos Estados membros, não gozam do direito de estabelecimento • MAS a sociedade Q tem direito de estabelecimento, pois foi constituída de acordo com o direito português e desenvolve a sua actividade em Elvas e, por isso, no território de um Estado membro • Liberdade de estabelecimento: • Possibilita a constituição, num Estado membro que não o de origem, de estabelecimentos principais ou secundários • Direito de acesso a actividades não assalariadas • Constituição e gestão de empresas e sociedades • Criação de agências, sucursais ou filiais de empresas já constituídas noutro EM • Proibição da discriminação em razão da nacionalidade • Progressiva harmonização das regras relativas: • Acesso e exercício das actividades num Estado membro • Reconhecimento mútuo de certificados, diplomas e outros títulos MAS, antes de uma conclusão definitiva, devemos atender a que: 1) Tal como acontece quanto às restantes liberdades, a liberdade de estabelecimento pode ser limitada pelos Estados membros, para salvaguarda da saúde, segurança e ordem públicas 2) Além disso, a liberdade de estabelecimento nem sequer se aplica: • No caso de actividades que se liguem, ainda que ocasionalmente,ao exercício da autoridade pública • MAS apenas no caso de se tratar de uma participação directa e específica (ainda que ocasional) naquele exercício • No caso de actividades que o Parlamento e o Conselho expressamente prevejam excluir desta liberdade No caso não há qualquer indício de que estejamos perante uma destas situações, pelo que deveremos considerar que aquela medida espanhola é contrária ao direito de estabelecimento Caso 2 Anabela, Bernardo, Cláudia e Diana são portugueses e advogados. Anabela reside há 10 anos no Brasil, onde desempenha a sua actividade. Quer agora, invocando a liberdade de prestação de serviços, acompanhar a empresa Metalíssima, SA, numa acção que lhe foi movida em Espanha. As autoridades Espanholas entendem que Anabela não pode invocar aquela liberdade. Têm fundamento para o fazer? Cláudia tem há 10 anos um escritório em Cantanhede. Pretende agora mudar-se para Madrid e aí viver e desenvolver a sua actividade. A lei espanhola prevê, contudo, que só espanhóis possam exercer advocacia nesse país, por se tratar de um actividade ligada ao exercício de poderes públicos. Pode Cláudia reagir? Bernardo e Diana, que partilham há 15 anos um escritório em Coimbra têm sido contactados por muitos franceses. Por isso mesmo, Bernardo precisa de se deslocar a França, para acompanhar o processo de Mm. Deschamps. Já Diana, está a pensar mudar-se definitivamente para França. As autoridades francesas exigem que tanto Diana como Bernardo se inscrevam na Ordem dos Advogados Franceses, sujeitando-se aos respectivos exames e período de estágio. Podem fazê-lo? Caso 2 – Tópicos de resolução • Que liberdade pretendem exercer? • Dentro da liberdade de prestação de serviços, em sentido amplo, distinguimos a liberdade de prestação de serviços em sentido estrito e a liberdade de estabelecimento • Ambas respeitam ao desenvolvimento autónomo (não subordinado) de uma actividade económica • MAS a liberdade de estabelecimento envolve o desenvolvimento dessa actividade com um carácter de permanência num outro Estado membro, que se torna um centro dessa actividade, enquanto que a liberdade de prestação de serviços envolve uma prestação com carácter ocasional ou temporário (permanecendo o centro da actividade num outro Estado) • Anabela e Bernardo: prestação de serviços • Diana e Cláudia: direito de estabelecimento Caso 2 – Tópicos de Resolução • Anabela – liberdade de prestação de serviços • Sujeitos que gozam desta liberdade: • Os nacionais da UE que estejam estabelecidos num Estado membros • Os nacionais de estados terceiros que estejam estabelecidos num Estado membros, se tal for previsto no direito secundário Anabela não goza desta liberdade! • Cláudia – direito de estabelecimento • A exigência da nacionalidade seria uma medida discriminatória, uma restrição proibida à liberdade de estabelecimento • MAS o art. 58.º TFUE estipula que o direito de estabelecimento não é aplicável “às actividades que, num Estado membro, estejam ligadas, mesmo ocasionalmente, ao exercício da autoridade pública” Caso 2 – Tópicos de resolução • O TJUE já se pronunciou sobre o sentido desta exclusão, designadamente no Ac. Reyners (C-2/74): • A derrogação tem de se interpretar estritamente, só valendo quanto “às actividades que, por si só consideradas, constituem uma participação directa e específica no exercício da autoridade pública.” • A extensão da derrogação […] a toda uma profissão apenas seria admissível no caso em que as actividades […] se encontrassem de tal forma ligadas a esse exercício que a liberalização do estabelecimento teria por efeito impor ao Estado-membro interessado a obrigação de admitir o exercício, mesmo ocasional, por parte de não nacionais, de funções inerentes à autoridade pública. • As prestações profissionais que impliquem contactos, mesmo regulares e orgânicos, com os órgãos jurisdicionais, mediante a participação, mesmo obrigatória, no seu funcionamento, não constituem, porém, uma participação no exercício cia autoridade pública. […] Em particular, não se poderão considerar como uma participação nessa autoridade as actividades mais típicas da profissão de advogado, tais como a consultadoria e a assistência jurídica, assim como a representação e a defesa das partes em juízo, mesmo quando a intervenção ou a assistência do advogado são obrigatórias, ou constituem objecto de uma exclusividade estabelecida pela lei. […] Com efeito, o exercício destas actividades não interfere com a apreciação da autoridade judicial e o livre exercício do poder jurisdicional.” Esta excepção não podia ser invocada pelas autoridades espanholas! Caso 2 – Tópicos de resolução • Bernardo e Diana • A liberdade de estabelecimento e a liberdade de prestação de serviços não impedem os Estados de regulamentarem o exercício de certas actividades • MAS têm de respeitar certos limites: • Fundamento num interesse legítimo • Não discriminação • Proporcionalidade • Podem os Estados de acolhimento exigir que os prestadores de serviços (em sentido amplo) respeitem as regras aí previstas para essa actividade? • O direito da União reconhece a necessidade desta regulação: • Para facilitar que esta regulação se faça com respeito pela não discriminação, o próprio Tratado prevê a necessidade de a UE adoptar directivas em matéria: • Reconhecimento Internacional de diplomas, certificados e outros títulos • Casos em que já estão previstas as condições de reconhecimento, que pode ser automático • Casos em que não há harmonização – o Estado é sempre obrigado a ter um procedimento de apreciação das qualificações • No caso da prestação de serviços não é necessário o reconhecimento, basta uma comunicação, aquando da primeira deslocação: à autoridade competente para o reconhecimento, nacionalidade, títulos profissionais e certificado quanto ao estabelecimento • Coordenação e Harmonização das leis nacionais sobre acesso e exercício das actividades económicas • Coordenação e Harmonização das leis nacionais sobre acesso e exercício das actividades económicas • Directiva 123/2006 • Harmonização e simplificação dos procedimentos administrativos nacionais (através de meios electrónicos, por exemplo) • Informação acessível sobre as regras aplicáveis à prestação de serviços • Reconhecimento automático de certificados ou outros documentos de outro Estado membro • Procedimentos autorizativos - claros, não dissuasivos, necessários, proporcionais e não discriminatórios. • As derrogações às regras gerais são apenas permitidas em casos bem definidos ordem pública, segurança pública, saúde pública ou protecção do ambiente • Possibilidade de serem adoptados requisitos específicos em profissões reguladas de modo a preservar a sua imparcialidade, independência e integridade. • Regulação sectorial – por exemplo, quanto ao exercício da advocacia • Nos aspectos não disciplinados pelo direito secundário, pode impor-se o respeito pelas normas do Estado da prestação? • Depende! • No caso do estabelecimento, sim. • O Estado pode exigir que o sujeito que pretende exercer a liberdade de estabelecimento cumpra a lei desse mesmo estado, desde que esta não seja discriminatória. • No caso do exercício da liberdade de prestação de serviços, em princípio, não. Basta que o sujeito já cumpra as normas no seu Estado de origem. • Não tem de se inscrever em ordens profissionais • Não tem de se inscrever na segurança social No caso dos advogados: Prestação de serviços – Directiva 77/249 • Título no Estado de origem (possibilidade de exigência de prova) • Sujeição às regras do Estado de acolhimento (e de origem) quanto à actividade que envolva representação em juízo ou perante autoridades públicas • Os Estados podem ainda impor requisitos adicionais • Em relação às outras actividades, sujeição às regrasdo Estado de origem • Impossibilidade de se estabelecerem requisitos de residência ou inscrição em ordem profissional desse Estado Direito de estabelecimento – directiva 5/98 • Exercício com o título do Estado de origem • Sujeição às regras do Estado de acolhimento • Indicação do título estrangeiro • Possibilidade de ser restringirem certas actividades • Acesso ao exercício como advogado do Estado de acolhimento • Exercício durante 3 anos no Estado de acolhimento – Directiva 5/98 • Estabelecimento automático – Directiva 2005/36 • Possibilidade de imposição de realização de prova de aptidão ou estágio – 14.º/1/a
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