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tese andreia matias azevedo 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 
FACULDADE DE LETRAS 
 
DOUTORADO EM LETRAS NEOLATINAS 
 
 
 
PERSPECTIVA DE UMA MEDIAÇÃO CULTURAL CRÍTICA: 
PARA ALÉM DO INTERCULTURAL E DO SABER-FAZER 
 
 
 
ANDRÉIA MATIAS AZEVEDO 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2015 
 
 
 
 
PERSPECTIVA DE UMA MEDIAÇÃO CULTURAL CRÍTICA: 
PARA ALÉM DO INTERCULTURAL E DO SABER-FAZER 
 
 
 
 
ANDRÉIA MATIAS AZEVEDO 
 
 
 
 
 
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal 
do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título 
de Doutor em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos 
Neolatinos — Opção Língua Francesa). 
 
Orientadora: Profa. Doutora Márcia Atálla Pietroluongo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2015 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AZEVEDO, Andréia Matias Azevedo 
Perspectiva de uma mediação cultural crítica: para além do intercultural e do 
saber-fazer/Andréia Matias Azevedo _ Rio de Janeiro: UFRJ/Faculdade de 
Letras, 2015 
 
Orientadora: Márcia Atálla Pietroluongo 
 
Tese (Doutorado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de 
Letras, Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas, 2015. 
 
1. Francês 2. Análise do Discurso. 3 Estudos Linguísticos I. Pietroluongo, 
Márcia Atálla II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Letras Neolatinas. III. 
Título 
 
 
 
 
 
 
 
 
PERSPECTIVA DE UMA MEDIAÇÃO CULTURAL CRÍTICA: PARA ALÉM 
DO INTERCULTURAL E DO SABER-FAZER 
 Andréia Matias Azevedo 
Orientadora: Professora Doutora Márcia Atálla Pietroluongo 
Tese de Doutorado submetida ao programa de Pós-graduação em Letras 
Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro _ UFRJ, como parte dos 
requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em Letras Neolatinas 
(Estudos Neolatinos _ Opção: Língua Francesa. 
Examinado por: 
 
Presidente: Profa. Dra Márcia Atálla Pietroluongo _ Orientadora 
Universidade Federal do Rio de Janeiro _ UFRJ 
 
Prof. Dr. Luiz Carlos Balga Rodrigues 
Universidade Federal do Rio de Janeiro _ UFRJ 
 
 
Profa. Dra. Maria Paula Frota 
Pontífica Universidade Católica do Rio de Janeiro _ PUC 
 
Prof. Dr. Pedro Armando Magalhães 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro _ UERJ 
 
Prof.Dr.Renato Venâncio Sousa 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro _ UERJ 
 
Profa. DraTeresa Dias Carneiro _ Suplente 
Universidade Federal do Rio de Janeiro _ UFRJ 
 
Profa.Dra. Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold _ Suplente 
Universidade Federal do Rio de Janeiro _ UFRJ 
 
 
 
 
 
DEDICATÓRIA 
 
 
Dedico esta tese a meu marido e companheiro, André Amaral. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A verdadeira viagem de descobrimento 
não consiste em procurar novas 
paisagens, e sim em ter novos olhos. 
Marcel Proust 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
À professora Dra. Márcia Atálla Pietroluongo, minha orientadora, que vem me 
acompanhando desde o mestrado, agradeço a confiança em minhas propostas de 
investigação e a liberdade de estudar assuntos pelos quais tenho interesse. Muito 
obrigada. 
À professora Dra. Ângela Correa, que já conhecia da graduação e do mestrado, 
mas com quem tive o prazer de conviver um pouco mais no doutorado, agradeço as 
aulas vivas, capazes de relacionar a teoria com a vida. 
Aos professores Dr. Luiz Carlos Balga Rodrigues e Dra. Maria Paula Frota, que 
participaram de minha qualificação, agradeço a leitura atenta e as orientações feitas, 
permitindo não apenas continuar minha pesquisa, mas enriquecê-la, e vislumbrar novos 
caminhos. 
Às minhas amigas Rosane Mavignier Guedes, Mônica Sardinha, Gladys 
Coutinho, Débora de Castro Barros, Vânia Silva, agradeço a paciência de escutar 
minhas aflições e inquietações durante três anos, além de me trazerem sugestões para 
alcançar meus objetivos. 
Aos meus amigos professores da Aliança Francesa, agradeço o carinho de 
responder ao questionário que faria parte do corpus desta pesquisa, mas os rumos 
tomados inviabilizaram sua exploração nessa etapa do percurso. 
A todos os demais que colaboraram neste trabalho. 
Aos meus irmãos, Vagner e Adriana, e à minha mãe, Maria de Fátima, que estão 
sempre torcendo por mim, agradeço a compreensão de minhas ausências presenciais e o 
conforto contínuo de que tudo dará certo. 
 
 
 
 
Ao meu marido, André Amaral, que me incentivou e compartilhou deste meu 
projeto dia a dia, não apenas como espectador, mas também me ajudando de maneira 
ativa em todas as minhas atividades diárias, agradeço o companheirismo e a paciência. 
À minha avó, Luiza Cordeiro, agradeço a alegria, a firmeza e a sabedoria de 
viver. Suas gargalhadas sempre vão ecoar em minha vida… 
Ao meu pai agradeço o fato de ter me mostrado a importância de dar doçura à 
vida e de não perder a serenidade e o equilíbrio. 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
 
A presente pesquisa objetiva refletir sobre a mediação cultural no ensino de francês 
língua estrangeira (FLE) no Brasil e propor critérios para uma abordagem cultural 
crítica, transcendendo os interesses do mercado de trabalho e das relações diplomáticas. 
Importa dizer que este estudo não desconsidera a atuação do professor de língua 
estrangeira (LE) como mediador intercultural, capaz de agir na promoção da interação 
entre línguas e culturas distintas; todavia, contesta a ideia de que esse papel se sobrepõe 
ao de mediador cultural crítico, cujo princípio filosófico consiste sobretudo em 
despertar nos alunos o interesse pelo questionamento e pela reflexão, a fim de que eles 
não apenas se adaptem ao mundo como ele é, mas também tenham condições de 
transformá-lo e de reagir contra os discursos alienantes, dogmáticos e niilistas. Para essa 
abordagem, a postura relativista só se estabelece quando o indivíduo se põe a pensar, de 
maneira consciente, sobre sua existência e a recriá-la, sem reduzir o Outro ao Mesmo 
(LEVINAS, 2014). Acredita-se que determinadas orientações pedagógicas, embora se 
declarem relativistas em prol da interação, do saber-fazer, podem estar favorecendo uma 
formação do sujeito ainda de natureza “civilizadora”, reprodutora e antiética. Para 
avaliar tais hipóteses, serão analisados o tratamento dado ao componente cultural no 
ensino-aprendizado de FLE e as ideologias subjacentes à formação do professor no 
curso da história, com base, notadamente, nos estudos de Denys Cuche (1996), Newton 
Duarte (2000) e Glaudêncio Frigotto (2011). Além disso, à luz das reflexões filosóficas 
de Cipriano Carlos Luckesi, Max Weber, István Mészáros, Hannah Arendt, entre outros, 
esta pesquisa vai analisar os atos redentores, reprodutores e críticos no ensino-
aprendizado de FLE, notadamente sob a perspectiva da materialidade histórica. 
 
Palavras-chave: Mediadores culturais. Formação do professor de LE. Abordagem 
cultural crítica. 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
 
This research aims to reflect on the cultural mediation in the French foreign language 
education (FLE) in Brazil and propose criteria for a critical cultural approach, 
transcending the interests of the labour market and diplomatic relations. It must be said 
that this study does not disregard the role of the foreign language teacher (LE) as 
intercultural mediator, able toact in promoting interaction between languages and 
different cultures. However, that shares the idea that this role overlaps with the critical 
cultural mediator (whose philosophical principle is primarily to arouse students’ interest 
in questioning and reflection), so that they not only adapt to the world as it is, but also 
are able to transform it and to react against the alienating, dogmatic and nihilistic 
speeches, dogmatic. Taking into account this aproach, the relativist position is only 
established when the individual begins to think consciously about its existence and 
recreate it without reducing the Other to the Same (LEVINAS, 2014). It is believed that 
certain pedagogical guidelines, while declaring themselves in favor of relativistic 
interaction, know-how, may be favoring formation of the subject even of nature 
“civilizing” reproductive and unethical. To evaluate these hypotheses, we will analyze 
the treatment of the cultural component in the teaching-learning FLE and ideologies 
underlying the formation of the teacher in the course of history, based, in particular, the 
studies of Denys Cuche (1996), Newton Duarte (2000) and Glaudêncio Frigotto (2011). 
In addition, in the light of the philosophical reflections of Cipriano Carlos Luckesi, Max 
Weber, István Mészáros, Hannah Arendt, among others, this research will analyze the 
redemptive acts, players and critics in the teaching-learning FLE, especially from the 
perspective of historical materiality. 
 
Keywords: Cultural mediators. LE teacher training. Cultural critical approach. 
 
 
 
 
 
RÉSUMÉ 
 
 
Cette recherche vise à réfléchir sur la médiation culturelle dans l’enseignement du 
Français Langue Étrangère (FLE) au Brésil et à proposer des critères pour une approche 
culturelle critique, transcendant les intérêts du marché du travail et des relations 
diplomatiques. Il convient de signaler que cette étude n’ignore pas le champs d’action 
des enseignants de LE en tant que médiateurs interculturels, capables d’agir en 
favorisant l’interaction entre les langues et les cultures diferentes. Toutefois, on 
s’oppose à l’idée que ce rôle se superpose à celui de médiateur culturel critique, dont le 
principe philosophique consiste surtout à éveiller chez les apprenants l’intérêt pour le 
questionnement et pour la réflexion, de sorte que, non seulement, ils s’adaptent au 
monde tel qu’il est, mais aussi, qu’ils soient capables de le transformer et de réagir 
contre les discours aliénants, dogmatiques et nihilistes. D’après cette approche, la 
position relativiste ne s’établit que lorsque l’individu se tient à penser sciemment à 
propos de son existence et de se reinventer sans réduire l’Autre au Même (Levinas, 
2014). Il est présumé que certaines orientations pédagogiques, tout en se déclarant 
relativistes, en faveur de l’interaction, du savoir-faire, proposent encore au sujet une 
formation de nature “civilisatrice”, reproductrice et non éthique. Pour évaluer ces 
hypothèses, on va analyser le traitement de la composante culturelle dans le FLE et les 
idéologies sous-jacentes à la formation de l’enseignant au cours de l’histoire de 
l’enseignement-apprentissage, sur la base, notamment, des études de Denys Cuche 
(1996), Newton Duarte (2000) et Glaudêncio Frigotto (2011). En outre, à la lumière des 
réflexions philosophiques de Cipriano Carlos Luckesi, Marx Weber, István Mészáros et 
Hannah Arendt, entre autres, cette recherche permettra d’analyser les actes rédempteurs, 
reproducteurs et critiques dans l’enseignement-apprentissage de FLE notamment dans la 
perspective du matérialisme historique. 
 
Mots-clés: Médiateurs culturelles. Formation de l’enseignant de LE. Approche 
culturelle. 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO: O CENÁRIO DA MEDIAÇÃO 
NO ÂMBITO DO ENSINO 12 
 
1 A IDENTIDADE CULTURAL BRASILEIRA E 
O DESEJO DO OUTRO 22 
1.1 A REPRESENTAÇÃO DO COLONIZADOR E DO COLONIZADO 29 
1.2 A CULTURA FRANCESA NO BRASIL E A RELAÇÃO 
FRANCO-BRASILEIRA 33 
1.3 SURGIMENTO DO ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA 38 
1.3.1 A criação do Ministério da Educação e a Reforma 
Francisco de Campos 40 
1.3.2 A Reforma Capanema 42 
1.3.3 As diretrizes do ensino de língua estrangeira de 1961 a 1970 44 
1.3.4 Diretrizes de 1996 e as atuais orientações no ensino de 
língua estrangeira 47 
1.4 O RELATIVISMO CULTURAL NOS PCNS E NO CECR 49 
1.5 A EDUCAÇÃO DO FUTURO SOB AS IDEOLOGIAS E 
DIRETRIZES MORINIANAS 56 
 
2 INVESTIGAÇÃO DAS AÇÕES E DOS PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO 
MODERNA E PÓS-MODERNA À PROCURA DO DEVIR 63 
 
 
 
 
 
2.1 AS IDEOLOGIAS IMPLÍCITAS EM TORNO DO 
MULTI/PLURI/INTER/TRANSDISCIPLINAR 71 
2.2 EDUCAÇÃO COMO REDENÇÃO, REPRODUÇÃO E 
TRANSFORMAÇÃO: OS TIPOS DE AÇÕES MEDIADAS 80 
2.2.1 A educação redentora de Emile Durkheim 85 
2.2.2 O poder ideológico e segregativo da instituição escolar 87 
2.2.3 Propostas e brechas de uma educação para o devir 96 
 
3 PROCEDIMENTOS PARA UMA MEDIAÇÃO CULTURAL CRÍTICA 
EM FLE: ENTRE A PROMESSA DA HARMONIA E 
DO ESPANTO 112 
3.1 A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA NA ABORDAGEM 
INTERCULTURALISTA NO CONTEXTO DE 
ENSINO-APRENDIZADO 117 
3.1.1 O método Écho e o tratamento do componente cultural 122 
3.2.2 Atividades interculturalistas de Christiane Tagliante analisadas 
sob diversos prismas 138 
3.3 MEDIAÇÃO CRÍTICA DO COMPONENTE CULTURAL 155 
3.3.1 Tratamento do componente cultural na perspectiva de uma 
mediação cultural crítica 160 
 
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 173 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 183 
 
 
 
 
 
ANEXOS 198 
 
12 
 
INTRODUÇÃO: O CENÁRIO DA MEDIAÇÃO NO ÂMBITO DO ENSINO 
 
 
Mediação como lugar e ocasião de transição de um mundo a outro, em 
que se organizam intervalos, silêncios propedêuticos, modelos 
provisórios; lugar de passagem, no qual estabelecemos outro olhar 
para os objetos e as pessoas; lugar e instrumento de separação, de 
afastamento, em que nos esforçamos para nos libertarmos das críticas 
enganosas e no qual vão emergir novos conhecimentos. (LÉVY, 2003, 
p. 14)1 
 
Ao ser enunciado o termo “mediação”, a imagem que se tem é, em geral, a de 
um espaço de passagem, de interseção entre dois contextos distintos que o sujeito 
precisa percorrer para adquirir novos saberes. Nesse cenário, é comum imaginar 
igualmente a presença de um mediador, de um terceiro indivíduo, agindo como 
intermediário no acesso ao desconhecido. Todavia, sabe-se que o ato de mediar não é 
neutro e que os indivíduos tendem a enxergar o Outro por sua ótica pessoal, cultural, de 
acordo com seu papel social. 
Com relação à atuação dos mediadores no organismo social, convém dizer que 
há os que procuram manter a ordem da sociedade vigente por meio de ideologias 
reprodutoras e conservadoras, e outros que reagem contra as ações dominadoras. Isso 
significa que as interações nem sempre se estabelecem de modo harmonioso. Ainda que 
determinada cultura predomine sobre outra, há sempre forças de poder que procuram 
desequilibrar determinada hegemonia. 
Contra as visões dogmáticas, o presente estudo verificou a necessidade de 
refletir sobre as ações mediadoras praticadas pelos professores de francês língua 
estrangeira (FLE) ao transmitirem informações culturais. Compreendem-se como 
mediadores culturais os sujeitos capazes de relativizar as diferenças sociais e culturais e 
 
1 Os excertos das obras citadas em francês na bibliografia, sem tradução publicada no Brasil, foram 
traduzidos por mim. 
13 
 
 
 
de refletirde forma contínua sobre suas concepções de mundo, do Outro e de si 
mesmos. Entretanto, essa mentalidade reivindica uma formação do ensino de línguas 
que contemple saberes linguísticos, pragmáticos, discursivos, didáticos e pedagógicos, 
mas também conhecimento proveniente das ciências sociais, da psicologia, da 
antropologia, entre outros campos. 
No que diz respeito ao ensino-aprendizado de língua estrangeira no Brasil, não 
se pode deixar de analisar também que a constituição da identidade brasileira foi 
marcada pela ação colonizadora de Portugal, que objetivava enriquecer com a 
descoberta de tais terras e não tinha interesse em fazer da colônia uma nação próspera. 
Além disso, os índios e os negros que para aqui vieram foram submetidos às culturas do 
colonizador. Com relação aos colonos que vieram para o Brasil na busca de obter uma 
vida melhor, muitos foram explorados pelos proprietários dos cafezais e se 
decepcionaram com a falta de apoio do governo brasileiro (CUCHE, 1996). 
Sobre o aspecto de aculturação, convém ressaltar igualmente que, embora a 
França não tenha colonizado o Brasil, até meados do século XX viver, falar, comer, 
vestir-se como os franceses eram comportamentos que as elites portuguesas admiravam 
e que acabaram por incorporar na cultura brasileira. As famílias abastadas buscavam 
repetir tais costumes, pois simbolizavam poder, elegância e civilidade. 
Posteriormente, a partir de 1950, com o crescimento econômico dos Estados 
Unidos, muitos brasileiros passaram a cobiçar a cultura americana. Entretanto, a 
imagem da nação francesa como o símbolo de “excelência cultural” ainda continua viva 
na memória de muitos. 
Retomando a relação cultural franco-brasileira, cabe ressaltar ainda que a perda 
da hegemonia político-econômica da França no cenário mundial conduziu o Estado a 
convocar agentes culturais capazes de manter seu prestígio. É oportuno salientar que o 
14 
 
 
 
aspecto cultural tem forte peso no funcionamento da sociedade francesa. Na obra 
Cultura e Estado: a política cultural na França 1955-2005 (2012), Teixeira Coelho 
relata que o orçamento reservado à cultura já foi maior que o do Ministério das 
Relações Exteriores. Além disso, menciona que a nação francesa foi a primeira a criar, 
em 1959, o Ministério da Cultura. 
Sobre o ensino de FLE, Maddalena de Carlo (1998) retrata que a concepção da 
França como modelo de civilização pode ser observada de forma nítida em métodos 
como o Mauger bleu, no qual o próprio autor declara que o livro visa ao ensino do 
francês, mas também ao da civilização francesa. Os manuais de FLE demonstram ainda 
um interesse em divulgar sua cultura; porém, com o fim do período colonial, a 
concepção de cultura universalista perdeu espaço para as ideias relativistas. 
Embora o ensino-aprendizado de um idioma tangencie questões delicadas, não 
se pode negligenciar que esse universo permite ao sujeito refletir sobre sua cultura por 
meio de outra e, por sua vez, reavaliar suas certezas e convicções, saindo de certo 
narcisismo. De acordo com Marisa Grigoletto (2006), as identidades se formam na 
alteridade, no jogo entre o Outro e o Eu. 
No atual contexto de globalização e informatização, Marisa Grigoletto (2006) 
destaca que a identidade se mostra ainda mais fragmentada; porém, enfatiza que essa 
fragmentação não representa nenhum caos. Apoiada nas teorias pós-colonialistas de 
Homi Bhabha (2013), um teórico que pensa o pós-colonialismo e os sujeitos colonial e 
pós-colonial, ela defende a importância de o ser humano saber lidar com e gerenciar as 
diferenças culturais, pois concebe o conflito como essencial na construção da identidade 
dos sujeitos. Em contrapartida, condena as ações que visem a aniquilar o conflito. 
Acrescenta, ainda, que a concepção de assimilação ou substituição identitária do 
período colonial já não se mostra mais coerente na atualidade. 
15 
 
 
 
Na obra Retrato do colonizado precedido pelo retrato do colonizador (1967), 
Albert Memmi demonstra que a relação entre colonizado e colonizador se constituiu 
pela desigualdade. Este se concebia como superior e tinha orgulho de sua origem, de sua 
cultura, enquanto o colonizado se sentia inferior e buscava muitas vezes imitar o 
colonizador para que pudesse se tornar “civilizado”. Em outras palavras, havia interesse 
em apagar as diferenças. 
O autor enfatiza que tal atitude do colonizado apenas reforçou durante séculos a 
posição de poder do colonizador e levou o colonizado a uma crise identitária. Porém, ao 
se dar conta de que seu projeto de assimilação fracassou, o colonizado passa a 
revalorizar sua origem, sua cultura e começa a colocar em questão a colonização e a 
lutar contra o colonizador. Isso gera, posteriormente, outro sentimento extremista: o 
xenofobismo. 
Em era de pós-colonialismo, de globalização e de informação, os atuais 
pensadores da modernidade pregam, entretanto, a diversidade cultural e demonstram 
condenar as atitudes de intolerância em seus discursos. Gilvan Müller de Oliveira 
(2010, p. 12) faz esta declaração sobre as atuais políticas linguísticas: “não se postula 
mais, como política de Estado, que a população de um país permaneça ou se torne 
monolíngue”. 
Sobre o conceito de língua, importa ressaltar, ainda, que ela é vista como 
entidade social, e não mais como simples instrumento de comunicação e de promoção 
de um sentimento nacionalista, objetivando instaurar a centralização e a unificação do 
Estado-nação. Danielle Lévy (2003) destaca que a língua francesa, imposta nas colônias 
da África do Norte no lugar do árabe, é utilizada atualmente como um idioma mediador 
para magrebinos que vivem em países romanos. Além disso, muitos não a reconhecem 
16 
 
 
 
mais como uma ameaça identitária, mas como um idioma que favorece o aprendizado 
de outras línguas latinas. 
É óbvio que as ações de poder não desapareceram; entretanto, elas se 
estabelecem atualmente de maneira diferente. Na visão de Albert Memmi (1967), as 
antigas colônias são hoje nações soberanas, que também promovem a segregação racial. 
Com o fim da colonização, as economias mais desenvolvidas passaram muitas vezes a 
dissimular seu etnocentrismo. Em suma, proferem discursos democráticos e defendem a 
diversidade cultural e identitária como estratégia para que o Outro não se oponha à sua 
cultura. 
Com o intuito de defender que o aspecto cultural no ensino de FLE seja tratado 
de forma crítica e de buscar uma proposta de ensino-aprendizado em que o aluno possa 
ressignificar a si mesmo e o mundo, esta pesquisa vai definir, no primeiro capítulo, o 
conceito de cultura, de civilização e abordar a constituição da cultura e da identidade 
brasileiras, destacando, sobretudo, a relação França-Brasil no contexto social e 
educacional ao longo da história. Em face de tal propósito, será necessário discorrer 
sobre as propostas didáticas e pedagógicas e as “políticas linguísticas” realizadas ao 
longo da história, mas também será fundamental recorrer a outros campos, como a 
antropologia, em função da complexidade da temática investigada. Quanto aos 
pensadores de base, vão ser abordadas as teorias de Albert Memmi (1967), Homi K. 
Bhabha (2013), Denys Cuche (1996), Maria José R. F. Coracini (2003), Contardo 
Calligaris (1996), Valnir Chagas (1979), José Carlos P. de Almeida Filho (2008), 
Vilson J. Leffa (1988) e Claude Germain (1993). 
No segundo capítulo, o interesse será verificar se as ações didáticas, 
pedagógicas, sociais e políticas concernentes ao ensino-aprendizado de línguas 
estrangeiras no âmbito da pesquisa e no atual contexto social visariam à formação de 
17 
 
 
 
sujeitos críticos. Inicialmente, vai seranalisado se ainda há a predominância no ensino-
aprendizado de línguas estrangeiras das ações de natureza pragmática ou se essa 
tendência vem, de fato, se modificando com as novas orientações e reflexões 
didatológicas e com a defesa da multi/pluri/inter/transdisciplinaridade para a apreensão 
do conhecimento de forma mais complexa e menos fragmentada. Para tratar de tais 
questões, vale comentar que foram selecionados os artigos e as obras de José Carlos de 
Almeida Filho (2008), Newton Duarte (2000), Luis Paulo Moita Lopes (1996) e 
Glaudêncio Frigotto (2011). 
Como segundo tópico desse capítulo, a presente pesquisa vai procurar analisar as 
ações de caráter redentor, reprodutor, transformador, sobretudo no âmbito das pesquisas 
científicas e nas instituições escolares e acadêmicas, objetivando desmascarar os 
discursos que se declaram transformadores e críticos, mas que agem também com vistas 
à alienação dos sujeitos e, por conseguinte, comprometem o devir humano. Em face 
disso, será feito um estudo sobre as teorias de Cipriano Luckesi, Karl Marx, Emile 
Durkheim, Max Weber, Louis Althusser, Pierre Bourdieu, Jean-Claude Passeron, 
Antonio Gramsci e István Mészáros. 
No terceiro capítulo, o presente estudo propõe critérios para que o professor de 
LE, em específico de FLE, aja como um mediador cultural crítico. Para tanto, serão 
analisadas, inicialmente, as teorias e práticas pedagógicas, interculturalistas e tradutórias 
que abordam a questão cultural, favorecendo a autonomia, a liberdade do sujeito e 
contestando as ações de caráter reprodutor e alienador. No campo da educação, serão 
apresentadas as teorias de Lev Semenovich Vygotsky, Reuven Feuerstein, Silvana 
Serrani e Maddalena de Carlo. No que diz respeito à tradução, serão esboçadas as 
estratégias tradutórias de Lawrence Venuti, Antoine Berman e Friedrich Schleirmacher 
relacionadas com o ato de domesticar e de estrangeirizar. 
18 
 
 
 
Para finalizar, é importante destacar que meu interesse pela mediação cultural no 
ensino de FLE surgiu ao longo do mestrado, cujo tema de pesquisa foi A imagem da 
língua materna e da tradução no ensino de francês língua estrangeira (AZEVEDO, 
2010), visando a analisar o modo como os professores de FLE concebiam o uso da 
língua materna e do ato tradutório nesse espaço, dado o fato de as novas orientações 
didáticas e pedagógicas e de estudiosos sobre o ensino de FLE passarem a reconhecer e 
a incluir a mediação/a tradução entre as atividades linguageiras (CONSEIL DE 
L’EUROPE, 2000; LAVAULT, 1998). 
Na pesquisa de mestrado, verifiquei que, apesar da defesa do plurilinguismo nas 
novas orientações didáticas e pedagógicas, a ação pedagógica dos professores de FLE 
no espaço da Aliança Francesa do município do Rio de Janeiro continuava a manter 
sobretudo uma postura monolinguística. Quanto aos motivos dessas diretrizes, 
identifiquei o desconhecimento da teoria interpretativa no campo do ensino de LE, na 
qual o ato de traduzir se faz em função do sentido, e não mais de forma literal 
(LAVAULT, 1998; LADMIRAL, 1979). 
Constatei também que existem ainda muitas representações e crenças sobre o 
ensino-aprendizado de LEs proferidas não apenas pelo senso comum, mas também por 
educadores e professores de LE. A título de exemplo, a concepção da língua materna 
(LM) é vista como um fator nocivo nas aulas de língua, ainda que muitos teóricos já 
tenham declarado que o confronto de sistemas linguísticos e culturais distintos é 
benéfico, pois permite que o sujeito reavalie suas ideologias, ative e desenvolva sua 
capacidade cognitiva. Sobre o poder das representações no contexto de ensino-
aprendizado, vale dizer que tal fenômeno apontou também para a necessidade de 
analisar as atuais teorias voltadas para professores de LE (MOITA LOPES, 1996; 
CASTELLOTTI, 2001; DABÈNE, 1994; LAVAULT, 1998). 
19 
 
 
 
No que diz respeito às atuais orientações de ensino — a abordagem 
comunicativa (AC), a perspectiva acional (PA) e o Quadro Europeu Comum de 
Referência (CECR) —, observei que a defesa da diversidade linguística e cultural se 
mostrava, sobretudo, de maneira diplomática. Não há, de fato, uma proposta capaz de 
relacionar prática e teoria. Muitos professores demonstram ainda ter dificuldades para 
lidar com os aspectos culturais e as teorias interculturalistas em suas aulas (SERRANI, 
2005). 
Em face disso, indaguei-me como poderia tratar dos clichês e dos estereótipos 
nesses espaços sem mediar “pré-conceitos” e como o professor de LE poderia versar 
sobre o Outro e sobre si mesmo de modo menos superficial, de forma mais densa e 
consistente. Quanto à proposta interculturalista, ela demanda que o professor atue como 
mediador intercultural, como um agente da diplomacia das línguas e das culturas alvo e 
fonte. Convém dizer que sua filosofia parece coadunar com os interesses políticos, 
econômicos e sociais do atual contexto de globalização. 
Não se refutam, aqui, as orientações interculturalistas no processo de ensino-
aprendizado de FLE; todavia, este estudo propõe que a abordagem cultural esteja 
centrada sobretudo em uma mediação de natureza crítica e vá além dos interesses do 
mercado e da diplomacia. Nessa perspectiva, visa a restituir ao professor o papel de 
intelectual crítico, capaz de despertar nos alunos o interesse pelo pensamento filosófico, 
e, por conseguinte, de requestionar o espaço que a ação, o saber-fazer, contempla em 
nossa sociedade. 
De acordo com Jacques Demorgon (2005), há dois fenômenos interculturalistas: 
o voluntário, que acontece de modo espontâneo, factual e que passou a se acentuar com 
os movimentos de imigração e de globalização; e o voluntarista, que surgiu como uma 
forma de ação, visando a resolver ou a amenizar os conflitos culturais. Para o autor, o 
20 
 
 
 
segundo caso tem muitas vezes pretensões idealistas, dada a complexidade do universo 
cultural. 
Para José Yuste Frías (2013), o reconhecimento do multiculturalismo, da 
diversidade cultural e as ações em torno do interculturalismo demonstram uma 
inquietação política, social e identitária de poder delimitar e demarcar os encontros e as 
trocas culturais. O autor acrescenta ainda que tanto o multiculturalismo quanto o 
interculturalismo tratam as identidades culturais de modo homogêneo e procuram 
territorializá-las, como se o fenômeno de mestiçagem dentro e fora de uma cultura não 
existisse. 
É oportuno destacar que Yuste Frías e muitos teóricos das ciências sociais 
concebem a mestiçagem como um fenômeno que se estabelece na confrontação e no 
diálogo das diferenças raciais e identitárias. Portanto, não têm a ideia corrente no senso 
comum de mestiço constituído da simples fusão de culturas distintas, como se os 
elementos que as compusessem desaparecessem e dessem origem a uma entidade única, 
tal como acontecesse com os filhos cujos pais têm biótipos físicos diferentes. 
Sobre o intercultural, Yuste Frías compartilha desta concepção de Jacques 
Demorgon: 
 
O intercultural é […] apenas uma espécie de negociação ajustada entre 
pessoas ou grupos de culturas diferentes, mantida enquanto tal apesar 
dos encontros, trocas, cooperações. Se eles estão juntos é somente a 
serviço de um objetivo externo, como os bons resultados de uma 
empresa.2 (YUSTE FRIAS, 2014, p. 104 apud DEMORGON, 2005, p. 
186) 
 
 
2 No original: “L’interculturel n’est […] qu’une sorte de négociation ajustée entre des personnes ou des 
groupes de culture différente maintenue telle au-delà des rencontres, échanges, coopérations. S’ils sont 
ensemble c’est seulement au service d’un objectif extérieur, par exemple les bons résultats d’uneentreprise.” 
21 
 
 
 
Como tradutor, Frias (2014 apud DEMORGON, 2005, p. 103) diz que “não se 
traduz para buscar sua identidade, mas para perdê-la ao encontrar outra”.3 Nessa 
perspectiva, o autor reivindica a “trans”culturalidade, um movimento para além do 
cultural. Em outras palavras, propõe para quem atua como mediador cultural 
transcender a territorialização, as fronteiras fixadas sobre a formação identitária, que 
visam a enquadrar os sujeitos. 
O presente estudo acredita também que muitos professores e autores de métodos 
didáticos de LE, com o propósito de promover a interação cultural, podem omitir a 
abordagem de determinadas questões culturais em sala de aula na tentativa de evitar 
atitudes de rejeição de sua cultura ou da cultura do Outro. Trata-se de uma formação 
educativa que demonstra privilegiar a ordem do organismo social, condicionando, 
assim, os sujeitos a aceitarem as desigualdades sociais e as injustiças. 
 
 
3 No original: “…on ne traduit pas pour rechercher son identité mais pour la perdre tout en retrouvant 
une autre…”. 
22 
 
 
 
1 A IDENTIDADE CULTURAL BRASILEIRA E O DESEJO DO OUTRO 
 
 
Os relatos sobre o Brasil não deixam de citar sua exuberante e mítica beleza. 
Quanto aos brasileiros, a simpatia e a alegria são, em geral, elencadas como as fortes 
qualidades desse povo. No caso da França, são mencionados como referência os 
monumentos, as construções históricas etc. No que diz respeito aos franceses, eles são 
admirados por seu pensamento cartesiano e sua postura crítica, o que subtende a 
existência de uma formação de caráter cultural. Os estereótipos sobre o Brasil, ainda 
que pareçam positivos, destacam, em geral, sua natureza, remetendo, assim, à ideia do 
paraíso exótico e do “bom selvagem” rousseauniano (MACHADO, 2007; CORACINI, 
2003). 
Segundo Denys Cuche (1996), os iluministas franceses concebiam a formação 
cultural como fundamental na transformação do selvagem em civilizado e culto. O autor 
chama a atenção para o fato de que os franceses compreendiam os termos “civilização” 
e “cultura” quase como sinônimos. Ambos representavam o abandono de atitudes 
instintivas e a adoção de comportamentos educados.4 Estabeleceram que o cultural 
estava atrelado ao indivíduo, à sua “boa maneira” de comer, falar, vestir-se e agir, e o 
conceito de civilizado referia-se à nação, às suas aquisições materiais. 
Todavia, em meados do século XVIII, o projeto nacionalista alemão tentou 
atribuir ao termo “cultura” o sentido de particularização, conferindo à civilização a ideia 
de universalidade. Cuche conta que Johann Gottfried Herder, em 1774, publicou um 
texto intitulado Em nome do gênio nacional de cada povo, no qual se opõe às ações 
 
4 O termo “cultura” tem origem latina e designava cuidado dispensado ao campo ou ao gado. No final do 
século XIII, ganha o sentido de uma parcela da terra cuidada (CUCHE, 1996, p. 19). 
23 
 
 
 
imperialistas francesas e defende a construção da própria cultura alemã. Para Cuche, 
Herder foi o precursor do conceito relativista. 
No século XIX, o cientificismo e as transformações da sociedade capitalista 
favoreceram o advento de duas disciplinas voltadas para o estudo da sociedade: a 
sociologia, que se pôs a entender e a investigar a nova estrutura social e seu 
funcionamento, e a etnologia, que buscou explicações para a diversidade humana por 
meio de uma análise descritiva do aspecto cultural, e não mais de forma normativa, 
como vinha sendo tratada. 
Cuche enfatiza que a concepção de cultura de Taylor (1832-1917) demonstra 
que ela se constitui pela coletividade na sociedade. Dessa forma, rompe com a 
concepção de cultura como um fenômeno biológico, inato, adquirida hereditariamente. 
Como método de análise, ele fazia a comparação de culturas mais e menos “civilizadas” 
com o intuito de traçar a coexistência de costumes ancestrais e de traços culturais 
recentes. 
Taylor desejava provar que a cultura mais “avançada” já tinha sido uma cultura 
“primitiva”; portanto, acreditava que todos os sujeitos eram capazes de vencer o 
“barbarismo” e se tornar mais “civilizados”. Uma concepção que revela uma visão 
etnocêntrica e universalista de cultura, uma vez que não consegue enxergar outra 
possibilidade de cultura que não seja a sua. 
Posteriormente, o etnógrafo alemão Franz Boas (1858-1942) verificou que cada 
povo tinha uma cultura particular, própria, em razão de sua história, de suas 
necessidades. Ele se opunha, portanto, à visão cultural universalista e defendia a 
valorização das diferenças culturais. Concebia a etnologia como uma ciência de 
observação direta. Segundo ele, o pesquisador deveria vivenciar a cultura a ser estudada 
e registrar todos os detalhes observados. Com o intuito de desenvolver sua pesquisa, 
24 
 
 
 
viveu durante um ano no Ártico, onde não apenas se engajou em compreender os 
costumes e hábitos dos esquimós, mas também aprendeu o idioma local. 
Com relação a Boas, Cuche declara: 
 
Cada cultura é dotada de um “estilo” particular que se exprime através 
da língua, das crenças, dos costumes, também da arte, mas não apenas 
desta maneira. Este estilo, este “espírito” próprio a cada cultura influi 
sobre o comportamento dos indivíduos. Boas pensava que a tarefa do 
etnólogo era também elucidar o vínculo que liga o indivíduo à sua 
cultura. (CUCHE, 1996, p. 45) 
 
Para o antropólogo inglês Bronislaw Malinowski (1884-1942), a investigação 
das culturas deveria ser feita de forma sincrônica e se ater a estudar de forma sistêmica 
as instituições econômicas, políticas, jurídicas, educativas etc. Em sua concepção: “Em 
toda cultura, cada costume, cada objeto, cada ideia e cada crença exercem uma certa 
função vital, têm uma certa tarefa a realizar, representam uma parte insubstituível da 
totalidade orgânica” (MALINOWSKI, 1944 apud CUCHE, 1996, p. 71). Com tais 
pressupostos, foi o fundador da teoria funcionalista, segundo a qual as culturas se 
constituem em função das necessidades da sociedade. Como método de pesquisa, 
propôs que o pesquisador convivesse com a comunidade, aprendesse o idioma local e 
confrontasse os dados pesquisados com o relato de quem pertencesse àquela cultura. 
 
O indivíduo sente um certo número de necessidades, e cada cultura 
tem precisamente como função satisfazer à sua maneira essas 
necessidades fundamentais. Cada uma realiza isso elaborando 
instituições (econômicas, políticas, jurídicas, educativas…), 
fornecendo respostas coletivas organizadas, que constituem, cada uma 
a seu modo, soluções originais que permitem atender a essas 
necessidades. (LAPLANTINE, 2012. p. 81) 
 
Malinowski contestou a corrente evolucionista por seu caráter etnocêntrico, bem 
como a tendência difusionista por se debruçar em depreender os empréstimos 
25 
 
 
 
transmitidos de uma cultura a outra. Considerava que os excessos interpretativos de 
alguns difusionistas atomizavam a realidade cultural. Quanto às críticas à sua teoria, 
alguns pensadores questionavam sua concepção otimista da sociedade ao tentar mostrar 
que seu funcionamento não apresentava patologias (CUCHE, 1996; LAPLATINE, 
2012). 
Convém dizer ainda que Malinowski se centrou em estudar o ser humano, 
propondo a articulação do social, do psicológico e do biológico, a fim de compreendê-lo 
melhor. Já Durkheim asseverava que os fatos sociais só poderiam ser explicados por 
outros fatos sociais. Ele pretendia, com esse enfoque, dar à sociologia maior autonomia 
na constituição de seu objeto de estudo. 
Porém, Marcel Mauss (1872-1950)contestou as ideias durkheimianas ao afirmar 
que a sociologia precisa da antropologia para poder se constituir. Apregoava que a 
compreensão do social deveria ser analisada em sua totalidade, e não de forma 
fragmentada. No que diz respeito aos estudos da antropologia francesa, é oportuno 
salientar que apenas a partir da década de 1930, com Marcel Graule, a França vai propor 
uma investigação etnográfica de campo, o que pode revelar certa resistência francesa 
em aceitar a diversidade, a diferença. 
A favor do relativismo, Claude Lévi-Strauss (1908-2009) estabeleceu que as 
diferenças culturais eram fundamentais para a constituição de uma cultura. Dessa forma, 
condenou a ideia de raça pura defendida por Adolph Hittler, bem como a definição de 
povos civilizados e selvagens apoiada no paradigma europeu. Nas tribos indígenas 
brasileiras, observou que a relação dos índios com a natureza era bem menos predatória 
do que nas sociedades que se denominavam civilizadas. 
Quanto à concepção de cultura como sistema simbólico, ela será desenvolvida, 
sobretudo, nos Estados Unidos por Clifford Geertz (1926-2006). Para esse antropólogo, 
26 
 
 
 
todos os homens nascem aptos a viver, a se socializar em qualquer cultura; todavia, 
sinaliza que o contexto tende a restringir tais condições naturais. O mérito de Geertz foi 
mostrar que os símbolos e significados culturais não estavam simplesmente na mente 
das pessoas, mas eram compartilhados entre os membros de determinada cultura. Com 
efeito, propõe o surgimento da antropologia interpretativa e refuta a coleta de dados 
feita pelos antropólogos estruturalistas com base no argumento de que tal método não 
dava conta da complexidade cultural (LARAIA, 1986). 
No que diz respeito a Ruth Benedict (1887-1920), discípula de Boas, ela 
defendia a teoria de que a visão do indivíduo sobre a realidade era atravessada pelos 
costumes adquiridos no meio social. Isso implica dizer que a leitura da realidade não 
está isenta de preconceitos. A autora acrescentava ainda que os costumes adquiridos nos 
ambientes familiar e social serviam para moldar a conduta dos sujeitos. 
É oportuno esclarecer que a abordagem de Benedict pertence à antropologia 
cultural, que investiga os comportamentos particulares e distintivos dos membros de 
determinado grupo; portanto, diverge da corrente antropológica social, cujo objeto de 
análise se detém nas relações sociais estabelecidas entre os grupos. 
Sobre o sentimento etnocêntrico, Roque Laraia (1986, p. 72) escreve que: 
 
O fato de que o homem vê o mundo através de sua cultura tem como 
consequência a propensão em considerar o seu modo de vida como o 
mais correto e o mais natural. Tal tendência, denominada etnocêntrica, 
é responsável em seus casos extremos pela ocorrência de numerosos 
conflitos sociais. 
 
Laraia acrescenta que a dicotomia entre “nós e o Outro” favorece o 
aparecimento de outros sentimentos, como o nacionalismo e, de modo mais extremo, o 
xenofobismo. Muitos ainda enxergam o estrangeiro como o estranho que veio perturbar 
a ordem social. Dessa forma, a referência passa a ser o grupo, e não mais a humanidade. 
27 
 
 
 
No que diz respeito ao etnocentrismo, o autor conta ainda o caso de africanos levados 
para outros continentes que se suicidaram em razão da forte apatia e angústia que 
sentiram ao se confrontarem com povos, línguas e culturas distintos. 
Tendo vivido no período da Segunda Guerra Mundial e sofrido com suas 
mazelas econômicas, sociais, morais e éticas, o filósofo Emmanuel Levinas (2014) 
refletiu sobre a supervalorização do indivíduo e o apagamento do Outro na 
racionalidade filosófica ocidental sob a égide do pensamento universal “penso, logo 
existo”, e defendia que essa centralização do sujeito reduzia o Outro ao Mesmo, 
propondo uma forma de pseudoalteridade e de pseudototalidade. Na concepção 
filosófica de Levinas, conhecer o Outro deve ser um desejo, sem a pretensão de 
assimilá-lo ou de domesticá-lo. 
Isso significa dizer que essa aspiração precisa transcender o pensamento 
ontológico, que transformou o Outro em algo que precisa se apreendido, dominado, para 
que o sujeito alcance seus objetivos, sacie seus prazeres mundanos. Enfatiza ainda que 
 
“A verdadeira vida está ausente.” Mas nós estamos no mundo. A 
metafísica surge e mantém-se nesse álibi. Está voltada para o “outro 
lado”, para o “doutro modo”, para o “outro”. Sob a forma mais geral, 
que revestiu na história do pensamento, ela aparece, de fato, como um 
movimento que parte de um mundo que nos é familiar — sejam quais 
forem as terras ainda desconhecidas —, de uma “nossa casa” que 
habitamos, para um fora-de-si estrangeiro, para um além. (LEVINAS, 
2014, p. 19) 
 
Levinas adverte que a alteridade, de fato, se constrói quando a integridade do 
Outro é preservada. Para tanto, propõe uma razão calcada na ética filosófica, que tem 
como principal objetivo entender a essência humana a partir desse Outro, não como 
forma de completá-lo, mas de lhe abrir ainda mais o “apetite” pelo que é estrangeiro 
(2014, p. 20). 
28 
 
 
 
Na tentativa de fazer uma breve análise das concepções de cultura ao longo da 
história, o presente capítulo depreendeu que a imagem de cultura como parâmetro e 
modelo passou a ser contestada com o advento da formação do Estado-nação (CUCHE, 
1996). Todavia, ainda se observam nos dias atuais concepções etnocêntricas e 
preconceituosas sobre o Outro, que se fazem presentes tanto nas relações sociais quanto 
no pensamento filosófico ocidental. Quem age como mediador cultural sabe que as 
relações entre povos distintos, apesar de se mostrarem mais “civilizadas”, não deixam 
de expressar certo incômodo com o estrangeiro. 
Com base nas leituras realizadas, o presente estudo reconhece ainda que a 
cultura age sobre o indivíduo e molda sua identidade; porém, enxerga que a intervenção 
e a criatividade humana são fundamentais para revitalizá-la. Quanto ao modo de 
transmissão de uma cultura, com base na teoria interpretativa de Clifford Geertz, ela se 
estabelece na e pelas relações sociais por meio de signos. 
A humanização do homem depende, sobretudo, de mediadores que se 
disponham a apresentar às novas gerações os conhecimentos já construídos. No que diz 
respeito à formação sistematizada, ela deve ser capaz não apenas de proporcionar a seus 
discentes a articulação entre os saberes antigos e os novos, mas também de impulsioná-
los para que sejam capazes de agir sobre sua realidade e a das gerações futuras e de 
refletir sobre o mundo, de forma mais crítica, reavaliando as atitudes etnocêntricas que 
os impedem de atuar sobre sua identidade e cultura (ARENDT, 1972). 
Na modernidade, houve todo um movimento em defesa da relativização e do 
reconhecimento das diferenças. Os discursos que ditavam determinadas culturas como 
bárbaras e civilizadas passaram a ser condenados; todavia, a territorialização dos 
sujeitos, de acordo com suas nacionalidades, profissões e classes sociais, fez com que 
eles se centrassem sobretudo nas diferenças. No ensino de línguas, a abordagem do 
29 
 
 
 
Outro parece seguir o mesmo princípio ideológico. O professor e os livros didáticos 
acabam, muitas vezes, por classificar o ser humano de acordo com os estereótipos 
produzidos no senso comum. 
Com relação à abordagem cultural crítica proposta nesta pesquisa, acredita-se 
que o sentimento de alteridade entre os sujeitos só se estabelece quando eles são capazes 
de ultrapassar os limites culturais que lhes são impostos, indo até o Outro. Cabe 
ressaltar ainda que o encontro com esse estrangeiro não é tranquilo, pois instaura 
inicialmente no sujeito questionamentos e reflexõessobre suas referências culturais e 
identitárias. 
 
 
1.1 A REPRESENTAÇÃO DO COLONIZADOR E DO COLONIZADO 
 
 
Segundo Albert Memmi (1967), a imagem produzida do colonizador é a de 
quem visava ao progresso social e econômico; em contrapartida, a do colonizado 
representava a debilidade, a perversidade e o ócio; portanto, precisava da proteção do 
colonizador para defendê-lo de si mesmo. O sentimento de inferioridade e de 
impotência deste contribuiu para que ele se submetesse cada vez mais à cultura do 
colonizador, o que de acordo com o autor contribuiu para sua desumanização. 
Este trecho vem reforçar a concepção sobre o colonizador e o colonizado: 
 
Os preguiçosos, os espíritos lentos, mesmo que tenham as forças 
físicas para cumprir todas as tarefas necessárias, são por natureza 
servos. […] Tais são as nações bárbaras e desumanas, estranhas à vida 
civil e aos costumes pacíficos. E será sempre justo e conforme o 
direito natural que essas pessoas estejam submetidas ao império de 
príncipes e de nações mais cultas e humanas, de modo que, graças à 
virtude destas e à prudência de suas leis, eles abandonem a barbárie e 
30 
 
 
 
se conformem a uma vida mais humana e ao culto da virtude. E se eles 
recusarem esse império, pode-se impô-lo pelo meio das armas, e essa 
guerra será justa, bem como o declara o direito natural que os homens 
honrados, inteligentes, virtuosos e humanos dominem aqueles que não 
têm essas virtudes. (LAPLANTINE, 2012, p. 39) 
 
Com o fim do colonialismo, a escravidão se tornou crime; todavia, após três 
séculos de colonização, observa-se ainda o discurso de “complexo de inferioridade” de 
quem foi “colonizado”. A título de exemplo, determinados brasileiros ainda 
culpabilizam o ócio e a preguiça como heranças indígenas que comprometem o 
desenvolvimento econômico, político e social do Brasil e desconsideram as péssimas 
condições de trabalho, a falta de qualidade de vida, a desigualdade social e a corrupção 
como os fatores que colocam o país em tal posição (CALLIGARIS, 1996). 
Com relação ao complexo de inferioridade do povo do Brasil, o psicanalista 
italiano Contardo Calligaris (1996) relata ter se surpreendido com o número expressivo 
de brasileiros que lhe proferiram sem pudor o enunciado “Este país não presta”, quando 
ele anunciava que pretendia viver no país. Em sua concepção, esse tipo de enunciação 
só seria pertinente se seu enunciador fosse um estrangeiro. Acrescenta que um europeu 
poderia criticar o governo, a situação econômica de seu país, mas não sua terra. É 
pertinente elucidar que a fala de Calligaris não apenas serve para perceber a visão do 
brasileiro sobre sua nação e cultura, mas também a do autor sobre o modo como vê o 
brasileiro, o Brasil e sua cultura. 
Quanto ao complexo de inferioridade do brasileiro, para Calligaris, a explicação 
de tal fenômeno está relacionada com o passado, a constituição histórica do país. 
Menciona que os discursos dos brasileiros se assemelham aos do colono explorado e do 
colonizador explorador. Diz: “O colonizador veio então gozar a América, por isso deve 
esgotá-la, mas sabe que não era a América que queria fazer gozar” (1996, p. 19). A 
respeito dos colonos, comenta que a maioria se constituía em imigrantes que vieram na 
31 
 
 
 
busca de uma nova língua e de um novo “pai”. Todavia, ao chegar aqui, não tiveram a 
acolhida esperada. Na verdade, foram tratados como escravos brancos. 
Ao tentar analisar o sistema de imigração, Calligaris elucida que o governo dos 
Estados Unidos agiu contra a importação de escravos brancos. Os colonos que foram 
para a fronteira norte-americana receberam terras para trabalhar, o que talvez tenha 
favorecido o surgimento de um sentimento de gratidão pela acolhida recebida. 
Calligaris acrescenta que o comportamento do colonizador em relação aos 
brasileiros pode ser depreendido na forma de tratamento atribuído às empregadas 
domésticas. Além dos baixos salários e dos diversos casos de assédio sexual que essas 
profissionais sofreram ao longo da história, ele se surpreendeu com o fato de as crianças 
terem o consentimento dos pais de ordenar e de comandar os funcionários. Em sua 
concepção, isso lhe remete à busca do colonizador de permitir a seus descendentes o 
mesmo prazer e gozo que lhe foi dado. 
No artigo “A celebração do Outro na constituição da identidade” (2003), com 
base na psicanálise lacaniana e nas teorias do discurso, Maria José R. F. Coracini 
assevera que as imagens dos estrangeiros sobre os brasileiros e dos brasileiros sobre si 
mesmos provêm de uma memória histórica. Com o intuito de confirmá-las, a autora se 
valeu de textos publicados na imprensa escrita. 
Com relação aos enunciados dos estrangeiros sobre os brasileiros, Coracini 
depreendeu tais estereótipos: “O brasileiro é desorganizado e indisciplinado”; “O 
brasileiro é desonesto, caloteiro e explora os estrangeiros”; “Os brasileiros confiam no 
‘seu jeitinho’”; “Os brasileiros fogem da responsabilidade”; “O Brasil é um país 
dependente”. Nas falas a seguir, a autora procurou retratar o modo como os brasileiros 
se identificam: “Tudo o que é estrangeiro [americano e europeu] é melhor”; “O 
brasileiro só tem a aprender com o estrangeiro [sobretudo com o americano]”; “É bom 
32 
 
 
 
ser brasileiro, mas seria melhor ser estrangeiro”; “Os Estados Unidos e os americanos 
são bons e solidários”. 
Assim como Bhabha (2013), Coracini enxerga que a identidade subjetiva, social 
e nacional se tece por meio das narrativas, dos discursos pedagógicos que são 
transmitidos aos sujeitos como se fossem verdades inquestionáveis. Os autores 
compartilham da concepção de que a identidade vai se construindo nessa relação 
conflituosa entre o eu e o Outro. 
No artigo “Sujeito entre lugares: o lugar do brasileiro e a produção de 
conhecimento” (2006), Deusa Maria de Souza-Pinheiro Passos, apoiada nas reflexões de 
Mignolo (2000), Melman (2000) e Bhabha (2013) sobre a noção de colonialismo e pós-
colonialismo, versa sobre o “complexo de inferioridade” brasileiro concernente ao saber 
científico. Com o intuito de confirmar a preocupação dos pesquisadores em legitimar 
suas investigações ao saber “de fora”, Passos cita esta enunciação de Orlandi sobre a 
produção científica brasileira: 
 
Intelectualmente, continuamos terra virgem. Nossas ideias são 
nomeadas sem nós. Nas relações de sentidos, na reflexibilidade entre 
textos, são nossos textos que têm de encontrar filiações em cientistas 
de outras línguas, de preferência em inglês. (PASSOS, 2006 apud 
ORLANDI, 2003) 
 
Orlandi acrescenta ainda que essa atitude contribui para que a produção 
intelectual brasileira se realize condicionada, dependente do dizer do Outro. Quanto a 
seu efeito, tem-se uma atuação que coloca o brasileiro como não sujeito da ciência, do 
conhecimento. 
Assim como Calligaris (1996), Passos faz também referências aos estudos 
psicanalíticos, apropriando-se da metáfora paterna na abordagem da identidade 
33 
 
 
 
brasileira e destacando o fato de Portugal ter procedido como um pai, que nomeou o 
Brasil, seu povo e tudo que existe nesta terra. 
Todavia, enfatiza que esse poder não é absoluto. No Brasil, a França já exerceu o 
papel de mestre; no atual contexto histórico, a mídia e o poder econômico têm instituído 
os Estados Unidos nessa função. No que tange à produção do conhecimento, o Brasil 
vem se caracterizando no pós-colonialismo por buscar seu futuro além-mar. Com base 
em Bhabha (2013), Passos conclui sinalizando que há uma cobrança do intelectual 
brasileiro em saber o que se produz e em aplicar as teorias produzidas no Primeiro 
Mundo. 
Quanto à relevânciada abordagem do complexo de inferioridade do brasileiro 
disseminado tanto no senso comum quanto no campo da pesquisa, essas três leituras 
reforçaram a importância de investigar o modo como a mediação cultural se processa no 
ensino de FLE no Brasil ao longo da história, bem como o questionamento quanto à 
posição do professor e do pesquisador brasileiro nesse contexto com o intuito de 
verificar se ambos têm atuado como o intelectual que produz conhecimento ou apenas 
têm absorvido as orientações externas, atribuindo-lhes ainda o papel de mestre. 
 
 
1.2 A CULTURA FRANCESA NO BRASIL E A RELAÇÃO FRANCO-
BRASILEIRA 
 
 
O encontro da cultura francesa com a brasileira trouxe, provavelmente, para os 
brasileiros e franceses um novo olhar sobre o mundo. No Brasil, a cultura francesa está 
materializada, a saber, em nossa arquitetura, na língua portuguesa, na literatura e nas 
34 
 
 
 
ideologias democráticas. No território brasileiro, a presença da cultura francesa 
representou para muitos a possibilidade de salvar o país do “barbarismo”, tendo em 
vista as imagens, as representações do colonizador e do colonizado que foram 
transmitidas e reforçadas ao longo da história. 
Todavia, cabe dizer também que um número expressivo de artistas e intelectuais 
franceses também sofreu influência da cultura brasileira e levou para a França uma 
visão do Brasil com base em suas experiências, colocando em questão as concepções do 
civilizado e do bárbaro, entre outras. 
Com base nas informações da revista História Viva, em uma edição especial 
nomeada A herança francesa, de 2005, constata-se que a relação franco-brasileira se 
iniciou em 1504, com a instalação do capitão Binot Gonneville durante seis meses na 
atual Santa Catarina. Posteriormente, em 1555, apesar de Nicolas Durand de 
Villegaignon ter sido expulso por Mem de Sá, sua vinda para fundar a colônia França 
Antártica no Rio de Janeiro contribuiu para a produção dos relatos História das 
singularidades da França Antártica (1555), de André Thévet, e História de uma viagem 
à terra do Brasil, de Jean de Léry (1972). 
Sobre a obra de Léry, convém destacar que a nudez indígena não é concebida 
como pecado, como uma ofensa a Deus. Ao contrário, o índio passa a ser visto como o 
bom selvagem. Tal concepção vai se fazer presente entre outros pensadores franceses, 
como Montaigne, Voltaire e Rousseau. 
 
[…] coisa não menos estranha e difícil de crer para os que não os 
viram é que andam todos, homens, mulheres e crianças, nus como ao 
saírem do ventre materno. Não só não ocultam nenhuma parte do 
corpo, mas ainda não dão nenhum sinal de pudor ou vergonha […]. 
(LÉRY, 1972, p. 14) 
 
35 
 
 
 
No que diz respeito aos atos indígenas canibalistas, Léry os descreve com 
detalhes, relatando como os índios sacrificavam, matavam e comiam os inimigos. 
Todavia, como vivenciou as revoltas religiosas entre católicos e protestantes na Europa, 
o autor relativiza a violência indígena, salientando ao leitor que o barbarismo também 
era praticado pelos europeus. 
 
Poderia aduzir outros exemplos de crueldade dos selvagens para com 
seus inimigos, mas creio que o que disse já basta para arrepiar os 
cabelos de horror. É útil, entretanto, que ao ler semelhantes 
barbaridades não se esqueçam os leitores do que se pratica entre nós 
[…]. Não abominemos, portanto, demasiado a crueldade dos 
selvagens antropófagos. Existem entre nós criaturas tão abomináveis, 
se não mais, e mais detestáveis do que aqueles que só investem contra 
nações inimigas de que têm vingança a tomar. Não é preciso ir à 
América, nem mesmo sair de nosso país, para ver coisas tão 
monstruosas. (LÉRY, 1972, p. 203) 
 
Retomando as tentativas colonizadoras no Brasil, no século XVII, os franceses 
fracassaram mais uma vez ao tentar implantar uma colônia no atual Maranhão. Porém, 
as narrativas escritas pelos padres capuchinhos e o nome da cidade, São Luís (“Saint 
Louis du Maragnan”), em homenagem ao rei francês, deixaram mais uma vez a marca 
da cultura francesa no Brasil. 
No final do século XVIII, o luxo da corte de Luís XIV, bem como o prestígio da 
literatura e da filosofia, motivou a difusão da cultura francesa no mundo ocidental. No 
que diz respeito à língua francesa, é oportuno ressaltar que o idioma era falado em 
algumas cortes europeias, além de na cidade parisiense. 
A supervalorização da cultura francesa floresceu, de fato, após a Revolução 
Francesa, ancorada na ideologia da “liberdade, igualdade e fraternidade”. Todavia, a 
leitura de filósofos franceses e os ideais revolucionários do país assustavam as 
autoridades coloniais. Na revista História Viva, o historiador João Paulo Pimenta (2005, 
p. 27) afirma o seguinte: “Na crise vivida pelo Império Português no fim do século 
36 
 
 
 
XVIII, o exemplo histórico da Revolução Francesa estimulou tanto movimentos 
separatistas brasileiros, como a Conjuração Baiana, quanto a férrea repressão do poder 
colonial a toda ameaça à ordem estabelecida.” 
Outro momento histórico importante aconteceu em 1816, com a vinda da Missão 
Francesa, composta por artistas como Jean-Baptiste Debret, Grandjean de Montigny e 
Nicolas-Antoine Taunay, que trouxeram para o Brasil o estilo neoclássico e formaram 
novos discípulos de suas artes. Vale salientar que d. Pedro I, objetivando construir a 
identidade brasileira, criou uma bandeira para o país baseada na da França napoleônica. 
Além disso, a frase “Ordem e Progresso” remete à ideologia positivista do filósofo 
francês Auguste Compte. 
No século XX, a presença da cultura francesa era ainda muito forte no Brasil, a 
saber: a Semana de Arte Moderna, um movimento de renovação da arte brasileira, 
inspirou-se nas ideias de artistas franceses. Posteriormente, a fundação da Universidade 
de São Paulo (USP) teve como principais colaboradores os intelectuais Claude Lévi-
Strauss, Roger Bastide e Pierre Monbeig. 
No mundo, a cultura e a língua francesas começaram a perder prestígio para o 
inglês após a Segunda Guerra Mundial. No Brasil, acentuaram-se, entretanto, as ações 
francesas para preservar a imagem da França. O artigo “Intelectuais e artistas nas 
estratégias francesas de ‘propaganda cultural’ no Brasil”, publicado na Revista de 
História número 133, de 1995, expõe que eventos culturais franceses foram acordados 
entre o governo brasileiro e o francês. Além dessa ação, nos anos 1930 professores 
franceses foram enviados ao Brasil para a organização de programas culturais. 
O Comitê Francês de Liberação Nacional (CFLN), após três anos de relação com 
o Brasil, fez, em 1943, esta declaração: 
 
37 
 
 
 
[…] as elites sul-americanas, tão ligadas tradicionalmente à nossa 
cultura, têm continuado a procurar nossos educadores, nossos 
professores, nossos artistas e a esperar as diretrizes do pensamento 
francês. Na maioria desses países, o domínio norte-americano 
aumentou, nos aspectos militar, comercial, financeiro, industrial e, em 
certos casos, cultural. Procurando limitar a extensão desta ação que, 
em muitos casos, lhes é vantajosa ou mesmo indispensável, muitos 
dentre eles desejam, contudo, reservar à ação desinteressada da França 
o domínio do espírito. Nós temos podido promover, graças às 
subvenções de Londres ou de Vichy, a maioria de nossas obras e de 
nossos educadores. Nossas posições são ainda bem sólidas e podem 
servir de ponto de partida a novas influências. 
 
Ainda no século XX, é relevante explanar que as manifestações estudantis e 
operárias de 1968 em Paris influenciaram as organizações de esquerda no Brasil contra 
a ditadura militar. Todavia, na década de 1970, a derrota dos movimentos de resistênciaao governo militar e o contexto econômico-social fizeram surgir uma geração que 
passou a adotar como referência a cultura americana. 
Embora as relações franco-brasileiras não sejam as mesmas do passado, é 
importante salientar que a França e o Brasil ainda mantêm seus laços. Em 1998, o Brasil 
foi homenageado no Salão do Livro de Paris e, em 2005, aconteceu o Ano do Brasil na 
França, apresentando uma extensa programação cultural. Como retribuição, em 2009, o 
Brasil fez uma homenagem à França, com o evento intitulado Ano da França no Brasil. 
Não podemos deixar de dizer que a presença das Alianças Francesas no Brasil se 
torna cada vez mais forte. Como foi mencionado em minha pesquisa de mestrado 
(AZEVEDO, 2010), somente no município do Rio de Janeiro existem oito filiais, 
sediadas nos bairros de Copacabana, Ipanema, Méier, Barra, Recreio, Centro, Botafogo 
e Tijuca, além de cursos ministrados em empresas. 
No que tange ao espaço do ensino-aprendizado da língua francesa, esta pesquisa 
versará, em particular na próxima seção, sobre as ações educativas referentes às línguas 
estrangeiras. O objetivo será demonstrar sobretudo a presença e o papel da língua 
francesa no contexto escolar e social brasileiro, visando a depreender as imagens desse 
38 
 
 
 
idioma no atual contexto, tendo em vista que os vestígios da memória histórica 
construídos no meio social (ORLANDI, 2003) têm papel relevante no momento do 
processo de ensino-aprendizado, de mediação de conhecimentos, de interação aluno-
professor. 
 
 
1.3 SURGIMENTO DO ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA 
 
 
Segundo os estudos realizados por Valnir Chagas (1979), as primeiras ações de 
uma educação sistematizada no Brasil foram vislumbradas pelos jesuítas em torno do 
século XVI, tendo seu principal interesse na catequização dos índios. No que diz 
respeito ao ensino de língua estrangeira (LE), em 1808, no período joanino, foi fundada 
uma escola de educação na qual se ensinava a língua francesa. Entretanto, o autor conta 
que o ensino obrigatório dessa disciplina só ocorreu no século XIX, em 1837, 
concomitantemente ao surgimento do Colégio Pedro II, instituição imperial que visava a 
oferecer uma formação secundária. 
Valnir Chagas explicita, contudo, que a escola brasileira manteve até 1855 uma 
formação baseada nas instruções jesuíticas do século XVI. A saber, no ensino 
secundário, eram adotadas as diretrizes do humanismo clássico da Ratio Studiorum, que 
abrangia “cinco classes” de estudos: a retórica, as humanidades e as gramáticas 
superior, média e inferior. Além disso, o autor salienta que o latim e o grego eram 
concebidos como disciplinas dominantes; em contrapartida, o vernáculo, a história e a 
geografia não tinham um estudo autônomo. 
39 
 
 
 
A partir de 1855, no ministério de Couto Ferraz, o currículo foi modificado, 
visando a adaptá-lo às necessidades da sociedade e da cultura brasileira de um país pré-
republicano. Para tanto, o ensino passou a ser dividido em dois ciclos: os estudos de 
“primeira classe” e os de “segunda classe”, ambos realizados em quatro anos. Quanto às 
LEs, elas passaram a ter um status semelhante ao das línguas clássicas. O francês, o 
inglês e o alemão faziam parte dos estudos obrigatórios, como o grego e o latim. 
Quanto à metodologia de ensino das línguas modernas, Chagas adverte que elas 
eram ensinadas conforme as línguas clássicas, ou seja, o método gramática-tradução era 
o predominante. Caracterizava-se por exercícios gramaticais, leitura, versão e tradução 
nos dois primeiros anos, e pelos estudos de obras clássicas no terceiro ano. 
Em Évolution de l’enseignement des langues: 5000 ans d’histoire (1993), 
Claude Germain explicita que, no método gramática-tradução, o professor é concebido 
como o personagem principal na sala de aula; ele é o detentor do saber e da autoridade. 
No que diz respeito ao aluno, este deve apenas fazer os exercícios escolhidos pelo 
mestre. 
Afirma que, no período da República, a partir de 1915, o grego foi retirado do 
ensino. Com relação aos idiomas vivos, o governo limitou-os ao ensino de duas línguas: 
a francesa e a inglesa ou alemã. O autor faz um panorama do ensino de língua e 
demonstra o declínio de prestígio dessa disciplina, que contemplava, em 1890, o total de 
43 horas semanais — 20 horas destinadas às línguas clássicas: 12 horas de latim e oito 
horas de grego; e 23 horas, às línguas modernas: 12 horas de francês e 11 horas de 
inglês ou alemão. Em 1929, os estudos de língua contemplavam um total de 29 horas 
semanais — o latim manteve-se com 12 horas, a língua francesa passou a ter nove 
horas, e o inglês ou o alemão passou a ser ministrado em oito horas. Importa dizer que, 
nesse momento, os alunos podiam ter duas aulas de italiano como disciplina facultativa. 
40 
 
 
 
Quanto ao francês, cabe elucidar que a primeira Associação da Aliança 
Francesa, visando à difusão da cultura e da língua francesas, foi fundada no Rio de 
Janeiro em 1885, após dois anos de sua criação em Paris. O Brasil, como já foi 
explicitado, tinha a França como modelo de civilização. 
Na República, em 1911, foi criada a Lei Rivadávia, que prescrevia a adoção de 
um ensino mais prático das línguas vivas, permitindo ao aluno, ao término do curso, ser 
capaz de falar e de escrever em duas línguas estrangeiras. Sob tal linha de pensamento 
configuraram-se também as instruções da Reforma C. Maximiliano, de 1915, na qual se 
encontra esta afirmação: “O estudo de línguas vivas estrangeiras será exclusivamente 
prático, de modo que o estudante se torne capaz de falar e ler em francês, inglês ou 
alemão sem vacilar nem recorrer frequentemente ao dicionário” (MOACIR, 1942 apud 
CHAGAS, 1979). Contudo, o ensino ainda se baseava sobretudo em atividades voltadas 
para a tradução, a versão, os exercícios gramaticais e a leitura. 
 
 
1.3.1 A criação do Ministério da Educação e a Reforma Francisco de Campos 
 
 
A partir de 1930, no governo Getúlio Vargas, o caráter elitista do ensino 
proposto no país foi questionado. Vargas almejava, para seu programa de reconstrução 
nacional, a democratização do ensino público brasileiro. Para tanto, criou o Ministério 
dos Negócios, da Educação e Saúde Pública e nomeou Francisco de Campos ministro, 
que instituiu o Conselho Nacional de Educação, instaurando a organização do ensino 
superior e do ensino secundário. 
41 
 
 
 
Cabe explicitar que foi no Ministério Francisco de Campos que se cogitou uma 
formação de nível superior para os professores. Os cursos de bacharelado eram de três 
anos letivos e demandavam mais um ano suplementar de “didática” para a licenciatura. 
Em suma, o objetivo era oferecer uma formação acadêmica, visando aos estudos 
universitários, mas também à promoção de uma formação pragmática, voltada para o 
“fazer”. Valnir Chagas (1979) chama a atenção para o fato de que, com relação às 
línguas, essa reforma destinou seis horas por semana ao ensino do latim. Já os estudos 
de línguas modernas passaram a contemplar 17 horas semanais: nove horas para o 
francês e oito horas para o inglês. 
Na tentativa de alcançar os objetivos pretendidos, foi adotada, então, no ensino, 
a metodologia direta (MD), que se caracterizou sobretudo pelo ensino da LE na própria 
LE, “proibindo” o professor e o aluno de recorrerem à língua materna (LM) e à 
tradução. Porém, legitimou-se o uso de gestos e de imagens em sala e adotou-se a 
abordagem implícita da gramática, com base no modo como as crianças aprendiam a 
LM. Nas salas de aula, os professores passaram, entretanto, a mesclar a metodologia 
tradicional (MT) e a MD, dando origem mais tarde à metodologia ativa (MA), uma 
versãomais eclética e mais parcimoniosa da MD. 
É essencial dizer que o surgimento da MD se deu no início do século XX, 
fundamentado no pragmatismo de John Dewey. Deve-se ressaltar igualmente que a MD 
adotada no Brasil não excluía totalmente o uso da LM no ensino-aprendizado de LE. A 
leitura e a interpretação de autores consagrados ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX 
ainda continuaram a fazer parte do currículo escolar. No Colégio Pedro II, os bons 
resultados obtidos com a MD encorajaram outras instituições a continuar investindo em 
tal proposta de ensino. Contudo, poucos professores de LE tinham, de fato, a 
proficiência de se expressar e falar na LE ensinada. 
42 
 
 
 
1.3.2 A Reforma Capanema 
 
 
Em 1942, na era Vargas, ocorreu a Reforma Capanema, que se caracterizou pelo 
aparecimento dos cursos técnico-profissionalizantes no ensino secundário. Segundo o 
ministro da Educação e da Saúde da época, Gustavo Capanema, a educação deveria 
promover o desenvolvimento de habilidades e valores nos sujeitos, despertando uma 
consciência patriótica e humanística, capaz de contribuir para o bom funcionamento do 
Estado. 
Com relação ao ensino de línguas, Valnir Chagas (1979) explana que a Reforma 
Capanema destinou 35 horas semanais ao ensino de idiomas, representando 19,6% de 
todo o currículo. No ginásio, o latim, o francês e o inglês foram incluídos como 
disciplinas obrigatórias, este último contemplando três anos de aprendizado, enquanto 
os dois primeiros demandavam quatro anos. No colégio, o aprendizado do francês 
passou a ser ministrado com 13 horas; o do inglês, com 12; o do espanhol, com duas; e 
o do latim, com oito horas. 
Nesse contexto, foi mantida a MD no ensino de LEs; portanto, além de ler, 
escrever, compreender o idioma oral e falar, era necessário também que os professores 
transmitissem conhecimentos sobre a civilização estrangeira, com o propósito de que os 
alunos fossem capazes de compreender as tradições de outros povos. Valnir comenta, 
contudo, que, muitas instituições de ensino continuaram a manter a metodologia 
tradicional, com base no “leia e traduza”. 
Para Leffa (1988), o período da Reforma Capanema, nas décadas de 1940 e 
1950, foi o grande momento do ensino de LE. Os alunos estudavam latim, francês, 
inglês e espanhol e eram capazes de ler os clássicos em tais idiomas. Contudo, durante o 
43 
 
 
 
Estado Novo, no período do regime ditatorial instaurado por Getúlio Vargas, as línguas 
de imigração do país, o italiano e o alemão, passaram a ser proibidas. 
Gilvan Müller de Oliveira (2009) relata que, entre 1941 e 1945, o governo 
fechou escolas comunitárias e gráficas de jornais em alemão e italiano, bem como 
prendeu e torturou pessoas que não falassem português. Em Santa Catarina, na gestão 
do governador Nereu Ramos, foram criadas áreas de confinamento para descendentes de 
alemães que se expressassem em sua língua. 
De acordo com Müller, essa atitude do Estado fez com que tais idiomas 
perdessem sua forma escrita e fossem apenas falados nas zonas rurais. Acrescenta ainda 
que o Brasil poderia ter sido um país mais plurilíngue se tivesse preservado as línguas 
indígena, italiana e alemã em sua história. 
Nos anos 1950, tendo em vista as novas demandas sociais e a democratização do 
ensino, os debates sobre o ensino no Congresso Nacional desembocaram no Projeto de 
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), com o qual se visava à 
predominância de um currículo “científico” no lugar do de inspiração “clássica”. 
Todavia, apenas em 1961 essas diretrizes passaram a ser implantadas. 
Importa lembrar que, após a Segunda Guerra Mundial, a relação entre os Estados 
Unidos e o Brasil se estreitou, e inúmeros projetos nas áreas de comunicação, 
comerciais e financeiras foram apoiados pelo governo norte-americano; 
consequentemente, a cultura e a língua americanas começaram a ser incorporadas ao 
cotidiano brasileiro, enquanto a cultura e a língua francesas perderam cada vez mais seu 
prestígio. 
Todavia, o número de Associações da Aliança Francesa não deixou de crescer na 
década de 1960. Segundo Daniel Coste (1976), o governo francês, após a perda de suas 
colônias, passou a investir de forma intensiva em programas culturais e educativos no 
44 
 
 
 
exterior que permitissem a conservação e o desenvolvimento do conhecimento da língua 
e da cultura francesas no mundo. 
 
 
1.3.3 As diretrizes do ensino de língua estrangeira de 1961 a 1970 
 
 
Após 27 anos de debate sobre a regularização do sistema de educação brasileiro, 
em 20 de dezembro de 1961 foi publicada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da 
Educação (LDB), que tem como filosofia predominante os ideais liberalistas. Convém 
citar que, na década de 1950, a qualidade do ensino público brasileiro já estava sendo 
criticada pela sociedade. As famílias que tinham melhores condições financeiras 
começaram a matricular seus filhos em escolas particulares. No período do governo 
militar, de 1964 até 1985, as instituições privadas ganharam ainda mais força, enquanto 
as escolas públicas perderam seu prestígio. 
Com relação ao ensino de LE, nas LDBs de 1961 e de 1971, essa disciplina 
deixou de ser obrigatória e se tornou “complementar” ou “optativa”. Vale destacar que, 
nesse contexto, algumas escolas suprimiram o ensino de LE. Em contrapartida, 
começaram a surgir inúmeros cursos particulares de inglês. As ações neoliberalistas no 
âmbito da educação se impõem cada vez mais, pois os empresários começam a enxergar 
o ensino como um mercado rentável. 
Em Dimensões comunicativas no ensino de línguas (2008), Almeida Filho 
lamenta a predominância do ensino do inglês sobre o francês nos anos 1950, uma vez 
que as técnicas pragmáticas de domínio de conversação básica eram baseadas na teoria 
behaviorista de Skinner e na linguística estruturalista de Leonard Bloomfield, centrando 
45 
 
 
 
o ensino de língua pela língua, por meio de atividades mecânicas. Por sua vez, a leitura 
dos clássicos e a formação humanística eram deixadas à margem. No que diz respeito a 
esse tipo de abordagem, denominada metodologia áudio-oral (MAO), convém 
esclarecer que a expressão e a compreensão oral passaram a ser o objetivo central de 
muitos centros de língua nesse contexto. 
A propósito da questão metodológica, parece relevante mencionar igualmente o 
surgimento da metodologia audiovisual (MAV), fundamentada na teoria da enunciação 
de Charles Bally, F. Brunot e B. Benveniste, que leva em conta a significação das 
palavras e o contexto enunciativo, colocando em questão, por conseguinte, o ensino da 
língua pela língua da MAO. Todavia, o enfoque dessa metodologia também será a 
expressão e a compreensão oral (PUREN, 1998; LEFFA, 1988; GERMAIN, 1993). 
Sobre a MAV, cabe dizer que foi promovida pelo governo francês como forma 
de lutar contra o domínio da língua inglesa. Além dessa ação, vale acrescentar que 
muitos professores brasileiros de francês obtiveram bolsas para estudar na França nesse 
contexto. No Brasil, houve um aumento significativo do número de formações 
destinadas a professores de língua francesa (DE CARLO, 1998). 
No que diz respeito ao papel do professor de LE nessas duas metodologias, 
Claude Germain assevera que, na MAO, o professor era tido como um “chefe de 
orquestra”, “maestro”, visto que deveria atuar no sentido de dirigir, guiar e controlar o 
comportamento linguístico dos alunos. Já na MAV, ele passou a atuar como animador, 
que deveria possibilitar que o aluno se expressasse de maneira espontânea e de forma 
criativa. 
No que diz respeito à abordagem de aspectos culturais, no prefácio do manual 
Voix et images de France

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