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ESTADO E SOCIEDADE 1º Sem 2014 Item 1doc 1391796610

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ESTADO E SOCIEDADE
Unidade I
A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE SOCIAL
1.1. As Ciências Sociais: Os objetos de estudo da Antropologia, Sociologia e Ciência Política
1. Antropologia
Há cerca de três milhões de anos, alguns macacos africanos que viviam nas árvores desceram para o chão. Não havia nada de especial nestes macacos. Seus cérebros eram pequenos e eles não eram especialmente inteligentes. Não tinham garras nem dentes afiados. Não eram fortes ou rápidos. Certamente não estavam preparados para enfrentar um leopardo. Mas, como eram pequenos, começaram a andar a pé para poder ver acima da alta relva africana. No início, apenas macacos comuns, olhando por cima da relva...
(Michael Crichton - The Lost World. In: FLAMMARION, Camille. Urânia. 8a ed., São Paulo: FEB, 1998).
1.1
Abordagens Antropológicas
O homem nunca parou de interrogar-se sobre si mesmo. Em todas as sociedades existiram homens que observavam homens. A reflexão do homem sobre o homem e sua sociedade, e a elaboração de um saber são, portanto, tão antigos quanto a humanidade, e se deram tanto na Ásia como na África, na América, na Oceania ou na Europa. Mas o projeto de​ fundar uma ciência do homem - uma Antropologia - é, ao contrário, muito recente. De fato, apenas no final do século XVIII é que começa a se constituir um saber científico (ou pretensamente científico) que toma o homem como objeto de conhecimento. 
A antropologia não é apenas o estudo de tudo que compõem uma sociedade. Ela é o estudo de todas as sociedades humanas (a nossa inclusive), ou seja, das culturas da humanidade como um todo em suas diversidades históricas e geográficas.
Visando constituir os “arquivos” da humanidade em suas diferenças significativas, ela inicialmente privilegiou claramente as áreas de civilização exteriores à nossa. 
Além disso, apenas a distância em relação a nossa sociedade nos permite fazer esta descoberta: aquilo que tomávamos por natural em nós mesmos é, de fato, cultural. 
Disso decorre a necessidade, na formação antropológica, daquilo que não hesitarei em chamar de "estranhamento" (depaysement), a perplexidade provo​cada pelo encontro das culturas que são para nós as mais distantes, e cujo encontro vai levar a uma modificação do olhar que tínhamos sobre nos mesmos. 
De fato, presos a uma única cultura, somos não apenas cegos à dos outros, mas míopes quando se trata da nossa. A experiência da alteridade (e a elaboração dessa experiência) leva-nos a ver aquilo que nem teríamos conseguido imaginar, dada a nossa dificuldade em fixar nossa atenção no que nos é habitual, familiar, cotidiano, e que consideramos “evidentes”. 
Aos poucos, notamos que o menor dos nossos comportamentos (gestos, mímicas, posturas, reações afetivas) não tem realmente nada de "natural". 
O conhecimento antropológico da nossa cultura passa inevitavelmente pelo conhecimento das outras culturas. E devemos, sob a égide da alteridade, reconhecer que somos uma cultura possível entre tantas outras, mas não a única.
Aquilo que, de fato, caracteriza a unidade do homem, de que a antropologia, faz tanta questão, é sua aptidão praticamente infinita para inventar modos de vida e formas de organização social extremamente diversos. E, a meu ver, apenas a Antropologia permite notar, com a maior proximidade possível, que essas formas de comportamento e de vida em sociedade que tomávamos todos espontaneamente por inatas (nossas maneiras de andar, dormir, nos encontrar, nos emocionar, comemorar os eventos de nossa existência...) são, na realidade, o produto de escolhas culturais. Ou seja, aquilo que os seres humanos têm em comum é sua capacidade para se diferenciar uns dos outros, para elaborar costumes, línguas, modos de conhecimento, instituições, jogos profunda​mente diversos: pois se há algo natural nessa espécie particular que é a espécie humana, é sua aptidão à variação cultural. (...)
A abordagem antropológica provoca, assim, uma verdadeira revolução epistemológica, que começa por uma revolução do olhar. Ela implica um descentramento radical, uma ruptura com a idéia etnocêntrica de que existe um "centro do mundo", e, correlativamente, uma ampliação do saber e uma mutação de si mesmo. 
O pensamento antropológico considera que, assim como uma civilização adulta deve aceitar que seus membros se tornem adultos diferentes entre si, ela deve igualmente aceitar a diversidade das culturas, também adultas. 
Estamos, evidentemente, no direito de nos perguntar como a humanidade pôde permanecer por tanto tempo cega para consigo mesma, amputando parte de si própria e fazendo de tudo que não integrava suas ideologias dominantes, um objeto de exclusão.
 Essa tendência dominante de nossa sociedade - o expansionismo ocidental sob todas as suas formas econômicas, políticas, intelectuais - deve ser sempre retomada e questionada. 
 O que não significa, de forma alguma, que o antropólogo esteja destinado, por alguma crise de identidade, a adotar ipso facto a lógica das outras sociedades e a censurar de modo peremptório a sua própria sociedade.
(Adaptado de: LAPLANTE, François. Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2003.)
1.2. 
A Antropologia Jurídica
Para examinarmos os conceitos de antropologia legal, devemos discutir primeiro o problema do Direito em si. Para um estudante do Direito, a questão é relativamente simples: uma lei é uma regra proposta pelas organizações próprias ao Estado. Geralmente é uma legislação com aprovação do Executivo e dos poderes judiciários. Para o antropólogo e o sociólogo, a lei é algo muito mais complexo. O cientista social não está interessado apenas nas regras formais específicas e nas instituições do Estado, porém em todo o padrão das normas, e nas sanções que mantêm a ordem social e que permitem a uma sociedade funcionar. As leis formais do Estado são somente um elemento desse padrão. 
De fato, o assunto da antropologia legal clássica é exatamente o do Direito “primitivo”: As leis nas sociedades simples e sem escrita, onde o Estado é ausente ou muito distante.
Thomas Hobbes e muitos doutores da lei ensinaram que o Estado é um elemento necessário para garantir a ordem social. De acordo com a filosofia de Hobbes (“Leviathan”), sem o poder coercitivo do Estado a vida seria “grosseira, bruta e breve” na “guerra de todos contra todos”. A antropologia moderna provou que esta visão da sociedade é em grande parte falsa. Muitas sociedades existiram e ainda existem sem quaisquer leis escritas, ou poder burocrático, ou violência organizada do Estado. Isto não significa que essas sociedades não tenham regras ou normas sociais, nem quer dizer que não há mecanismo de controle social ou sanções contra aqueles que infringem essas regras. Todavia esses mecanismos existem em outras instituições que não o Estado e, o que é ainda mais importante, estas instituições continuam a funcionar mesmo na moderna sociedade urbana.
Há muitas regras e costumes dentro de qualquer sociedade, que não são leis formais mas que mesmo assim as pessoas obedecem. Isto é, normas e hábitos que têm efeito real na ordem social ainda que não sejam escritos em códigos ou livros de Direito. 
Para melhor compreensão deste assunto, tomaremos como exemplo os esquimós (Inuit) do Alasca, Canadá e Groenlândia que sobreviveram por cerca de 3.000 anos sem vestígio qualquer de Estado. “É difícil imaginar um povo que seja mais anárquico”, disse um observador. 
Os esquimós vivem numa região onde, na época do inverno, o frio mata uma pessoa em cinco minutos se ela não estiver adequadamente vestida. Eles têm sido tradicionalmente caçadores e muitos ainda o são e, no inverno, essa atividade torna-se bastante árdua. Partindo desse fator geográfico, os esquimós desenvolveram durante muitos séculos uma série de leis que lhes permite sobreviver num dos ambientes mais hostis da terra. 
Uma dessas leis é: quem tem um excesso de carne ou outro alimentodeve reparti-lo com os outros. Armazenar comida é um crime mortal na visão desse povo. Em seu ponto de vista, é natural as pessoas dividirem seus bens. Devido a essa crença, os primeiros comerciantes ingleses nunca puderam instalar um posto comercial em território esquimó. Os esquimós sempre estavam dispostos a repartir suas peles e alimentos com os ingleses, porém nunca conseguiram entender porque estes mantinham um estoque enorme de mantimentos sem dividi-lo. Tal procedimento não lhes era natural ou, melhor, era um “crime”. Por três vezes os ingleses estabeleceram postos comerciais no território esquimó no século passado e por três vezes, após algumas discussões sobre justiça e divisão, as comunidades esquimós simplesmente mataram os comerciantes ingleses e distribuíram seus alimentos. Isto foi “justo” para o direito esquimó, já que, para eles, o crime mortal não era o roubo, mas sim a ganância.
Outra lei esquimó foi relatada pelo antropólogo Knud Rasmussen (Intellectual culture of the Igulik eskimos. In: Reports of the Fifit Thule Expedition – 1921-1924): uma regra geral de todas as sociedades esquimós é que em épocas de provações e falta de alimentos, geralmente no inverno, os indivíduos que não podem mais produzir ou caçar não devem comer. Este era um dos mais sagrados deveres dos idosos: devido aos rigores do inverno e à escassez de alimentos, eles deviam sacrificar-se para que os demais membros do grupo pudessem sobreviver. Era bem possível, em tais casos, que os velhos perambulassem pela neve e desaparecessem. Porém Rasmussem informou que era mais correto e honroso para o filho mais velho ajudar seus pais a cometerem o suicídio. Qualquer outra coisa era sinal de desrespeito. Ele conta o caso de uma família com quem estava viajando em pleno inverno de 1921, em que a velha mãe da família decidiu que não mais poderia continuar viajando. Para honrá-la, o filho construiu-lhe um iglu sem saída e ela sentou-se dentro dele, confortavelmente. Depois disto, a família inteira cantou músicas de despedida ao redor do iglu durante toda a noite e continuou a viagem na manhã seguinte. Isto é homicídio na visão ocidental, mas é um ato de justiça para os esquimós.
Este é, então, um postulado básico da antropologia legal: As regras são feitas a partir de bases sociais e econômicas e precisam ser vistas em seu conteúdo social. Além disso, de acordo com Sally Falk Moore (Law as process, as anthropological approach, 1978) e outros antropólogos jurídicos, as sociedades sem Estado, “primitivas”, raramente têm leis nocivas ou inúteis. Sem um instrumento para fazê-las cumprir e sem maneira de escrevê-las, as leis desnecessárias serão geralmente esquecidas dentro de poucos anos. Desse modo, as leis dos povos “primitivos” são freqüentemente muito mais verdadeiras do que as das sociedades modernas, além de serem geralmente conhecidas por quase todos os membros da sociedade. Assim, é possível falar de uma “cultura legal” como aquela estrutura e hierarquia de normas e valores que permitem a uma pessoa sobreviver em seu ambiente, em sua sociedade. Além disso, as leis que compõem o padrão legal das sociedades simples devem ser relativamente poucas, já que não as há escritas e poucos são os especialistas em Direito (se é que há algum) para elaborá-las. 
(SHIRLEY, Robert Weaver. Antropologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 1987.)
1.3
A Antropologia Jurídica no Brasil
Do ponto de vista da ciência pura e da lógica técnica formal de elaboração das leis, o Brasil pode ser considerado um país desenvolvido. É na aplicação das leis, entretanto, que surgem os problemas. 
Algumas leis no Brasil são escritas para atingir o objetivo tencionado pelo legislador ou pelo governo, e para fazer cumpri-las é montado um sistema de aplicação de leis adequado. Outras são escritas com fins de propaganda, para satisfazer oficialmente a alguns grupos de interesses; “para inglês ver”, como diz o velho ditado. Neste caso, não há providências para a execução da lei, e esta simplesmente não surtirá efeito ou, no máximo, atingirá uma pequena minoria da população. Contudo, outras leis são aprovadas mesmo sabendo-se que na situação brasileira e com o sistema jurídico existente terão um resultado bem diferente daquele determinado. Essa lacuna entre o Direito formal e o aplicado é real em todos os países, mas no Brasil alcançou proporções quase surrealistas. Os brasileiros em geral simplesmente não acreditam na lei. Crêem, sim, numa estrutura de poder e em mediadores do poder que se movem paralelamente à ordenação formal das leis substantivas do País. A lei lá está para ser usada seletivamente: para nossos amigos, a amizade; para nossos inimigos, a lei.
É por isso que a maioria das pessoas evita tanto quanto possível a estrutura jurídica formal. Se puderem resolver suas disputas ou problemas utilizando o sistema informal, isto é, o “jeitinho” brasileiro, as pessoas o farão. Caso contrário, geralmente sentirão receio de se aproximar do sistema formal, temendo perder de qualquer maneira. 
Há exceções, e estas são importantes, pois podem revelar uma nova tendência no Direito brasileiro. Nós observamos em mais de uma ocasião, quando da pesquisa do papel do Judiciário nas regiões rurais do Brasil, que alguns juízes constantemente defendem os direitos legais dos pobres da zona rural, como seu direito de posse da terra, de receber pelo menos um salário mínimo, e os numerosos direitos formais que deveria ter um agregado brasileiro, porém que geralmente não são cumpridos. Qualquer juiz que faça cumprir continuamente esses direitos se legitimará aos olhos da população local. É interessante observar, todavia, que esta fé, esta legitimação, é, muitas vezes, pessoal. O juiz se torna, de certo modo, um bom patrão e como tal será logo amplamente respeitado pela população de sua comunidade. Infelizmente, ele também poderá fazer inimigos entre os importantes e ricos, que poderão prejudicá-lo na sua carreira. Mais ainda, é só recentemente que há indicações de uma legitimação além da pessoal: a legitimação da instituição.
Essa espécie de legitimação individual não se estende às grandes cidades. Numa metrópole como São Paulo, que tem várias centenas de Varas, é difícil para um juiz conhecer a população pessoalmente, e, ainda que isso fosse possível, não há nenhuma garantia de que qualquer processo particular seja encaminhado ao seu tribunal. Portanto, o tipo de legitimação jurídica que às vezes aparece nas comarcas rurais desaparece nas cidades.(...)
Outra instituição jurídica, o Ministério Público, pode operar como agente de uma pequena elite dominante ou servir como força de legitimação, fiscalizando a função e o equilíbrio do processo jurídico em geral.
Esta dualidade de repressão versus legitimação é verdadeira mesmo em se tratando da Polícia, que no Brasil é uma instituição amplamente temida por todas as classes sociais, especialmente a classe operária dos subúrbios das grandes cidades. Um temor que a própria Polícia criou enquanto agente, muitas vezes arbitrário, da elite dominante. 
Porém não se deve esquecer que o papel original da “Polícia” – os representantes da “polis” – era o serviço público. O agente de Polícia rural inglês, o constable, não era uma figura temida de repressão, mas um cidadão comum, eleito por um ano para fiscalizar as atividades da comunidade nos serviços públicos e para despertar o povo através de hue-and-cry – o chamado para a assistência comunitária – se fosse cometido um crime ou em caso de incêndio, especialmente à noite. Ele também era uma figura judicial importante, por decidir as disputas menores e as brigas na zona rural, bem como controlar os problemas crônicos da comunidade, auxiliando os débeis mentais e os bêbados. Esta tarefa pode parecer idílica, porém era realmente o papel do antigo policial inglês.
No Japão, a Polícia tem um forte papel de legitimação. Em muitas cidades, o policial mora e trabalha em seu distrito e ali conhece a maioria das pessoas pelo nome. Os forasteiros nãosão interrogados diretamente, porém estão sempre sendo observados e sua presença é informada à delegacia central, em caso de que algo fora do comum possa acontecer. Duas vezes ao ano, a Polícia local visita cada família do distrito para tomar chá e ouvir qualquer queixa que os cidadãos da localidade tenham contra eles ou contra os serviços do governo em geral. Tais reclamações são sempre registradas e informadas ao governo. A Polícia japonesa é uma força de vigorosa legitimação, por acreditar ter um dever quase que sagrado de manter a ordem e ajudar os fracos. Os policiais agem como agentes da “polis”. Assim, há sociedades de assistência policial em todo o Japão. Tudo isso provavelmente ajuda a explicar por que a cidade de Tóquio apresenta um dos mais baixos índices de criminalidade no mundo. (Aqui, “crime” não significa “atividade não-legal”. Tóquio tem um sólido submundo de atividades ilegais, como a prostituição, mas que são “toleradas” pelo governo e pela Polícia).
O problema do Brasil está na própria estrutura da sociedade. Não há o que faça uma força policial ou um sistema jurídico de Estado se legitimar se eles operam principalmente como força repressiva contra o povo, na defesa dos direitos e propriedades de uma pequena classe dominante, ou mesmo de interesses exteriores à nação.
(SHIRLEY, Robert Weaver. Op. Cit.)
2. Sociologia 
2.1
Origens e Fundamentos
Podemos entender a sociologia como uma das manifestações do pensamento moderno. A evolução do pensamento científico, que vinha se constituindo desde Copérnico, passa a cobrir, com a sociologia, uma nova área do conhecimento ainda não incorporada ao saber científico, ou seja, o mundo social. Surge posteriormente à constituição das ciências naturais e de diversas ciências sociais.
A sua formação constitui um acontecimento complexo para o qual concorre uma constelação de circunstâncias, históricas e intelectuais, e determinadas intenções práticas. O seu surgimento ocorre num contexto histórico específico, que coincide com os derradeiros momentos da desagregação da sociedade feudal e da consolidação da civilização capitalista. A sua criação não é obra de um único filósofo ou cientista, mas representa o resultado da elaboração de um conjunto de pensadores que se empenharam em compreender as novas situações de existência que estavam em curso.
O século XVIII constitui um marco importante para a história do pensamento ocidental e para o surgimento da sociologia. As transformações econômicas, políticas e culturais que se aceleram a partir dessa época colocarão problemas inéditos para os homens que experimentavam as mudanças que ocorriam no ocidente europeu. A dupla revolução que este século testemunha - a industrial e a francesa - constituía os dois lados de um mesmo processo, qual seja, a instalação definitiva da sociedade capitalista. A palavra sociologia apareceria somente um século depois, por volta de 1830, mas são os acontecimentos desencadeados pela dupla revolução que a precipitam e a tornam possível. (...)
As conseqüências da rápida industrialização e urbanização levadas a cabo pelo sistema capitalista foram tão visíveis quanto trágicas: aumento assustador da prostituição, do suicídio, do alcoolismo, do infanticídio, da criminalidade, da violência, de surtos de epidemia de tifo e cólera que dizimaram a população etc. É evidente que a situação de miséria também atingia o campo, principalmente os trabalhadores assalariados, mas o seu epicentro ficava, sem dúvida, nas cidades industriais. (...)
O surgimento da sociologia prende-se, portanto, aos abalos provocados pela revolução industrial, pelas novas condições de existência por ela criadas. Mas uma outra circunstância concorreria também para a sua formação. Trata-se das modificações que vinham ocorrendo nas formas de pensamento. As transformações econômicas, que se achavam em curso no ocidente europeu desde o século XVI, não poderiam deixar de provocar modificações na forma de conhecer a natureza e a cultura.
A partir daquele momento, o pensamento paulatinamente vai renunciando a uma visão sobrenatural para explicar os fatos e substituindo-a por uma indagação racional. A aplicação da observação e da experimentação, ou seja, do método científico para a explicação da natureza, conhecia uma fase de grandes progressos. Num espaço de cento e cinqüenta anos, ou seja, de Copérnico a Newton, a ciência passou por um notável progresso, mudando até mesmo a localização do planeta Terra no cosmo. (...)
O emprego sistemático da razão, do livre exame da realidade - traço que caracterizava os pensa​dores do século XVII, os chamados racionalistas - representou um grande avanço para libertar o conhecimento do controle teológico, da tradição, da "revelação" e, conseqüentemente, para a formulação de uma nova atitude intelectual diante dos fenômenos da natureza e da cultura. (...)
No entanto, é entre os pensadores franceses do século XVIII que encontramos um grupo de filósofos que procurava transformar não apenas as velhas formas de conhecimento, baseadas na tradição e na autoridade, mas a própria sociedade. Os iluministas, enquanto ideólogos da burguesia, que nesta época posicionava-se de forma revolucionária, atacaram com veemência os fundamentos da sociedade feudal, os privilégios de sua classe dominante e as restrições que esta impunha aos interesses econômicos e políticos da burguesia. (...)
À investida da burguesia rumo ao poder, sucedeu-se uma liquidação sistemática do velho regime. A revolução francesa ainda não completara um ano de existência, mas fora suficientemente intempestiva para liquidar a velha estrutura feudal e o Estado monárquico.
O objetivo da revolução de 1789 não era apenas mudar a estrutura do Estado, mas abolir radical​mente a antiga forma de sociedade, com suas instituições tradicionais, seus costumes e hábitos arraigados, e ao mesmo tempo promover profundas inovações na economia, na política, na vida cultural etc. (...).
Durkheim, por exemplo, um dos funda​dores da sociologia, afirmou certa vez que a partir do momento em que “a tempestade revolucionária passou, constituiu-se como que por encanto a noção de ciência social”. O fato é que pensadores franceses da época, como Saint-Simon, Comte, Le Play e alguns outros, concentrarão suas reflexões sobre a natureza e as conseqüências da revolução. Em seus trabalhos, utilizarão expressões como "anarquia", "perturbação", "crise", "desordem", para julgar a nova realidade provocada pela revolução. Nutriam em geral esses pensadores um certo rancor pela revolução, principalmente por aquilo que eles designavam como "os seus falsos dogmas", como o seu ideal de igualdade, de liberdade, e a importância conferida ao indivíduo em face das instituições existentes.
A tarefa que esses pensadores se propõem é a de racionalizar a nova ordem, encontrando soluções para o estado de "desorganização" então existente. ​Mas para restabelecer a ordem e a paz, pois é a esta missão que esses pensadores se entregam, para encontrar um estado de equilíbrio na nova sociedade, seria necessário, segundo eles, conhecer as leis que regem os fatos sociais, instituindo, portanto, uma ciência da sociedade. (...) A tarefa que os fundadores da sociologia assumem é, portanto, a de estabilização da nova ordem. Comte é muito claro quanto a essa questão. Para ele, a nova teoria da sociedade, que ele denominava de “positiva”, deveria ensinar os homens a aceitar a ordem existente, deixando de lado a sua negação. (...)
A partir da terceira década do século XIX, intensificam-se na sociedade francesa as crises econômicas e as lutas de classes. A contestação da ordem capitalista, levada a cabo pela classe trabalhadora, passa a ser reprimida com violência, como em 1848, quando a burguesia utiliza os aparatos do Estado, por ela dominado, para sufocar as pressões populares. Cada vez mais ficava claro para a burguesia e seus representantes intelectuais que a filosofia iluminista, que passava a ser designada por eles como "metafísica”,“atividade crítica inconseqüente”, não seria capaz de interromper aquilo que denominavam estado de “desorganização”, de "anarquia política" e criar uma ordem social estável.
Determinados pensadores da época estavam imbuídos da crença de que para introduzir uma "higiene" na sociedade, para “reorganizá-la”, seria necessário fundar uma nova ciência. Durkheim, ao discutir a formação da sociologia na França do século XIX, refere-se a Saint-Simon da seguinte forma: “o desmoronamento do antigo sistema social, ao instigar a reflexão na busca de um remédio para os males de que a sociedade padecia, incitava-o por isso mesmo a aplicar-se às coisas coletivas. Partindo da idéia de que a perturbação que atingia as sociedades européias resultava do seu estado de desorganização intelectual, ele entregou-se à tarefa de pôr termo a isto. Para refazer uma consciência nas sociedades, são estas que importa, antes de tudo, conhecer. Ora, esta ciência das sociedades, a mais importante de todas, não existia; era necessário, portanto, num interesse prático, fundá-la sem demora”.
Como se percebe pela afirmação de Durkheim, esta ciência surge com interesses práticos e não “como que por encanto”, como certa vez afirmara. (...)
Na concepção de um de seus fundadores, Comte, a sociologia deveria orientar-se no sentido de conhecer e estabelecer aquilo que ele denominava leis imutáveis da vida social, abstende-se de qualquer consideração crítica, eliminando também qualquer discussão sobre a realidade existente, deixando de abordar, por exemplo, a questão da igualdade, da justiça, da liberdade. Vejamos como ele a define e quais objetivos deveriam ela perseguir, na sua concepção:
"Entendo por física social a ciência que tem por objeto próprio o estudo dos fenômenos sociais, segundo o mesmo espírito com que são considerados os fenômenos astronômicos, físicos, químicos e fisiológicos, isto é, submetidos a leis invariáveis,cuja descoberta é o objetivo de suas pesquisas. Os resultados de suas pesquisas tornam-se o ponto de partida positivo dos trabalhos do homem de Estado, que só tem, por assim dizer, como objetivo real descobrir e instituir as formas práticas correspondentes a esses dados fundamentais, a fim de evitar ou pelo menos mitigar, quanto possível, as crises mais ou menos graves que um movimento espontâneo determina, quando não foi previsto. Numa palavra, a ciência conduz à previdência, e a previdência permite regular a ação".
Não deixa de ser sugestivo o termo “física social”, utilizado por Comte para referir-se à nova ciência, uma vez que ele expressa o desejo de construí-la a partir dos modelos das ciências físico-naturais. A oficialização da sociologia foi, portanto, em larga medida uma criação do positivismo, e uma vez assim constituída procurará realizar a legitimação intelectual do novo regime.
Esta sociologia de inspiração positivista procurará construir uma teoria social separada não apenas da filosofia, mas também da economia política como base para o conhecimento da realidade social. Separando a filosofia e a economia política, isolando-as do estudo da sociedade, esta sociologia procura criar um objeto autônomo, o social, postulando uma independência dos fenômenos sociais em face dos econômicos.
Não será esta sociologia, criada e moldada pelo espírito positivista, que colocará em questão os fundamentos da sociedade capitalista, já então plenamente configurada. Também não será nela que o proletariado encontrará a sua expressão teórica e a orientação para suas lutas práticas. É no pensamento socialista, em seus diferentes matizes, que o proletariado, esse rebento da revolução industrial, buscará seu referencial teórico para levar adiante as suas lutas na sociedade de classes. É neste contexto que a sociologia vincula-se ao socialismo e a nova teoria crítica da sociedade passa a estar ao lado aos interesses da classe trabalhadora.
Texto adaptado de "O que é Sociologia" de Carlos Benedito Martins - 38ª ed. - São Paulo Brasiliense, 1994.
2.2
A Sociedade como fruto da Interação
O conceito fundamental da Sociologia é a interação: “ação recíproca entre os indivíduos”. Nessa visão, a sociedade não é uma coisa fixa nem acabada, mas um processo, o resultado das interações sociais. As “formas sociais” são configurações momentâneas de um complexo de movimentos. A perspectiva sociológica está fundada na compreensão de que o homem “em todo o seu ser e em todas as suas manifestações define-se por viver em interação com outros homens”.
A Sociedade é fruto de interações: com diferentes graus de intimidade e de anonimato; formais ou ritualizadas e cotidianas e informais; conflituosas, de cooperação, de competição, de submissão etc.
As formas sociais de interação constituem o objeto central de estudo da Sociologia. Os homens interagem de diversas formas para satisfazer suas necessidades, atingir seus objetivos, construir seus conteúdos (Estado, sistema jurídico, religiões etc). Detalhe: homens interagem de formas diferentes, às vezes antagônicas, buscando objetivos semelhantes; da mesma forma, podem interagir de modo semelhante buscando objetivos totalmente distintos.
(SIMMEL, Georg. Questões fundamentais da Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006).
2.3
As Ações Sociais
Para Max Weber, o objeto fundamental das análises sociológicas seriam as “Ações Sociais”. Na concepção weberiana, ação social inclui todo comportamento, pratica ou visão de mundo que tem seu sentido relacionado às ações sociais dos outros atores sociais.
Nesse sentido, Weber construiu quatro (4) tipologias de ação social que auxiliam a compreensão dos comportamentos coletivos:
- Ação social racional com relação a fins. Faz-se presente quando o indivíduo orienta suas práticas e comportamentos a partir de um cálculo racional que envolve as estratégias e meios necessários para atingir os objetivos desejados. É o tipo de ação social mais comum na sociedade capitalista.
- Ação social racional com relação a valores. Manifesta-se quando o indivíduo age movido pela crença consciente em determinados valores (éticos, políticos e religiosos) por ele considerados relevantes, independentemente da opinião do conjunto da sociedade.
- Ação social afetiva. Mostra-se presente quando a ação do indivíduo é orientada por sentimentos não racionais e repletos de carga emocional, tais como a paixão, o ódio, o amor, a vingança etc.
- Ação social tradicional. Manifesta-se quando a ação social foi determinada pela força da tradição, dos hábitos e dos costumes. As ações sociais tradicionais encontram-se fortemente arraigadas no universo cultural do indivíduo que as pratica.
(Adaptado de: Robson dos Santos; SOCIOLOGIA – Ciência & Vida; ano III, nº. 24, p. 60 -1)
3. Ciência Política
A expressão Ciência política pode ser usada em sentido amplo e não técnico para indicar qualquer estudo dos fenômenos e das estruturas políticas, conduzido sistematicamente e com rigor, apoiado num amplo e cuidadoso exame dos fatos expostos com argumentos racionais. Nesta acepção, o termo "ciência" é utilizado dentro do significado tradicional como oposto a "opinião". Assim, "ocupar-se cientificamente de política" significa não se abandonar a opiniões e crenças do vulgo, não formular juízos com base em dados imprecisos, mas apoiar-se nas provas dos fatos.
(...)
Embora a constituição da Ciência política em ciência empírica como empreendimento coletivo e cumulativo seja relativamente recente, podem ser consideradas obras de Ciência política, ao menos em parte, e na sua inspiração fundamental, também no sentido limitado e técnico da palavra, algumas obras clássicas, como as de Aristóteles, Maquiavel, Montesquieu, Tocqueville, enquanto elas tendem à formulação de tipologias, de generalizações, de teorias gerais, de leis, relativas aos fenômenos políticos, fundamentadas, porém, no estudo da história, ou seja, apoiando-se na análise dos fatos.
É verdade, todavia, que a Ciência política, como disciplinae como instituição, nasceu na metade do século passado; ela representa um momento e uma determinação específica do desenvolvimento das ciências sociais, que caracterizou justamente o progresso científico do século XIX e teve suas expressões mais relevantes e influentes no positivismo de Saint-Simon e Comte, no marxismo e, no darwinismo social. Enquanto momento e determinação específica do desenvolvimento das ciências sociais, o nascimento da Ciência política moderna se processa através do distanciamento dos estudos políticos da matriz tradicional do direito (particularmente do direito público). Não devemos esquecer que a filosofia política moderna, a partir de Hobbes até Kant, apresenta-se como parte, não mais do que uma parte, do desenvolvimento do direito natural, no qual o Estado aparece como uma entidade jurídica, criada através de um ato jurídico (como o contrato ou os contratos, que constituem o fundamento de sua legitimidade), e criador ele mesmo, uma vez instituído de direito (o direito positivo). Este distanciamento da matriz jurídica é evidente e declarado nos dois autores, que mais do que quaisquer outros, podem ser considerados, a meu ver, como iniciadores da Ciência política moderna: Ludwig Gumplowicz, cuja obra Die soziologische Staatsidee é de 1892 e Gaetano Mosca, que publicou a primeira edição dos Elementi di scienza política, em 1896.
No nosso século, o desenvolvimento da Ciência política acompanha de perto a sorte das ciências sociais e sofre influência, seja no que se refere ao modo de aproximar-se da análise do fenômeno político (approach), seja no que se refere ao uso de certas técnicas de pesquisa. O país no qual a Ciência política como ciência empírica foi mais cultivada, os Estados Unidos, foi justamente aquele no qual as ciências sociais tiveram, nos últimos cinquenta anos, o maior desenvolvimento. Com referência ao approach, que surgiu com particular intensidade nos últimos vinte anos (embora o seu início remonte ao artigo de Charles E. Merriam, The present state of the study of politics, de 1921), a passagem do ponto de vista institucional, dominado ainda pela matriz jurídica tradicional dos estudos políticos, para o ponto de vista "comportamental", segundo o qual o elemento simples, que deve iniciar o estudo político com pretensões ao uso, legítimo e fecundo, da metodologia das ciências empíricas, é o comportamento do indivíduo e dos grupos que têm ação política. Para exemplificá-lo, bastará lembrar o voto, a participação na vida de um partido, a busca de uma clientela eleitoral, a formação do processo de decisão nos mais diversos níveis. Com referência às técnicas de pesquisa, aconteceu uma mudança igualmente decisiva a partir do uso exclusivo baseado na coleta de dados da documentação histórica, da qual se valeram estudiosos políticos do passado, desde Aristóteles até Maquiavel, de Montesquieu até Mosca, do emprego sempre mais frequente da observação direta ou da pesquisa de campo, através de técnicas tiradas da sociologia, da investigação por sondagem ou por entrevista. Isto foi possível em consequência da aproximação comportamental. Esta transformação teve como resultado um enorme aumento de dados à disposição do pesquisador, que exigiu por sua vez, para a sua padronização, e, portanto, para uma utilização mais profícua, o uso sempre crescente de métodos quantitativos. A aplicação cada vez mais extensiva dos métodos quantitativos nas ciências sociais, repercutindo-se na Ciência política, embora por vezes depreciada e na prática nem sempre proveitosa, aparece inevitavelmente pela transformação acontecida no objeto da pesquisa; isto, porém, não significa que seja, ou que chegue a ser exclusiva e exaustiva.
(Dicionário de Política. I. Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino; trad. Carmen C, Varriale et ai.; coord. trad. João Ferreira; rev. geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. - Brasília : Editora Universidade de Brasília, 1 ed., 1998.)
4. A Superação do medievo e as bases sociais e políticas da modernidade 
4.1. O Sistema Feudal e sua Desagregação
Com a queda do Império Romano, no ano 476, teve início uma importante fase da história da humanidade, conhecida por Idade Média. Esse longo período, que perdurou por dez séculos, ou mil anos, foi um dos mais importantes, pois do ano 500 ao ano 1500 ocorreu a junção das culturas de muitos povos, bárbaros ou civilizados, que afluíram para o Império Romano já em ostensivo declínio. Enquanto visigodos, ostrogodos, teutões ou germanos e os francos localizavam-se na parte ocidental da Europa, a parte sul era conquistada pelos mulçumanos, que fecharam o Mediterrâneo às populações ocidentais. (...)
Na verdade ocorreu um retorno à atividade rural. A Igreja, por intermédio dos seus conventos e mosteiros, tornou-se proprietária de grandes áreas. Além de centros de estudos e de meditação, os mosteiros representaram núcleos de preservação da cultura, em torno dos quais surgiam muitas cidades.
A terra transformou-se na riqueza por excelência. Retornava-se à economia agrária, acentuada a partir do século VIII. Nascia o regime feudal, caracterizado por propriedades onde os senhores e os trabalhadores viviam do produto da terra. Eram grandes propriedades rurais, denominadas feudos, que buscavam ser auto-suficientes econômica e politicamente, obedientes à autoridade do senhor feudal (proprietário) e nas quais os servos exerciam suas atividades agrícolas ou artesanais. Eram nobres os senhores, daí denominarem-se os feudos de “baronias”, “marcas”, “condados” ou “ducados”. O soberano – Rei – embora simbolicamente dirigisse o Estado (Monarquias), na prática não possuía influência ou poder de decisão nos feudos, onde a autoridade máxima era a do senhor feudal e onde trabalhavam os seus servos. (...)
Foi no final da Idade Média, conhecida por Era Medieval, com prevalência do sistema feudal (feudalismo), que nasceu o capitalismo. Em sua primeira fase, caracteristicamente de natureza agrária, não se observaram grandes surtos econômicos. A produção “industrial” era manufatureira, estando a cargo dos artífices ou artesãos. Pelas dificuldades de transporte, os agrupamentos sociais exercitavam uma economia de auto-suficiência, não havendo grande preocupação com o acúmulo de riquezas, pois a rígida moral religiosa continha os excessos de bens e a ostentação.
O rompimento do domínio mulçumano sobre o Mediterrâneo, a partir das Cruzadas, ampliou as possibilidades de comércio daquelas unidades políticas e econômicas representadas pelos feudos. Os servos da gleba passavam à condição de arrendatários, a produção começou a apresentar excedentes, as vias de comunicação ampliaram-se, facilitando o intercâmbio entre os feudos, surgiram novas cidades, e a economia urbana, na segunda fase medieval, a partir do ano 1000, multiplicava a produção e a especialização de funções pelo incremento da divisão do trabalho. A economia monetária substituía a economia natural, das trocas diretas. O trabalho também assumia suas características atuais, passando a ser gradativamente remunerado por uma contraprestação em dinheiro. 
(GASTALDI, J. Petrelli. Elementos de Economia Política. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2003).
4.2. Linhagens do Estado Absolutista
Entender a natureza social do absolutismo é vital para compreender a passagem do feudalismo para o capitalismo na Europa e dos sistemas políticos que a diferenciaram.
A fim de facilitar a compreensão, o autor trabalha com a proposta de comparar o Estado absolutista da Europa Ocidental e da Oriental.
Anderson demonstra que durante os séculos XIV e XV um período de crise no modo de produção feudal teve por conseqüência a ruptura com a soberania piramidal que viria a facilitar o surgimento do Estado absolutista no Ocidente.
As monarquias absolutas introduziram os exércitos regulares, uma burocracia permanente, o sistema tributário nacional, a codificação do direito e os primórdios de um mercado unificado.
Na verdade a nobreza no absolutismonão foi desalojada do seu poder político, ou seja, o absolutismo era um aparelho de dominação feudal recolocado e reforçado, destinado a sujeitar as massas camponesas á sua posição social tradicional. 
Porém para o autor, o Estado possuía características capitalistas, mas a autoridade política permanecerá a mesma do antigo sistema feudal, ou seja, ela não fora desalojada do seu domínio político.
(...) O Estado absolutista nunca foi um árbitro entre a aristocracia e a burguesia e menos ainda um instrumento da burguesia nascente contra a aristocracia: ele era a nova capacidade política de uma nobreza atemorizada. (ANDERSON; 1965 p.18).
Porém a cidade medieval foi capaz de se desenvolver, porque cada vez mais as economias urbanas se libertavam da dominação direta de uma classe dirigente rural.
O Estado absolutista do Leste, foi uma máquina repressiva de uma classe feudal que acabara de suprimir as tradicionais liberdades comunais da população pobre, ou seja, foi um mecanismo para a consolidação da servidão num ambiente onde não existiam cidades autônomas ou uma resistência urbana.
As cidades do Leste não tinham investimentos estrangeiros, o seu comércio externo era insignificante. Desse modo era inviável qualquer integração em bloco do Leste em um circuito econômico com a Europa Ocidental. O desenvolvimento desigual sujeitou o Leste a adotar investimentos militares em defesa das investidas do Ocidente e também uma máquina de Estado identicamente centralizada para poder sobreviver. 
O Estado centralizado do Leste tinha função de defender a posição de classe da nobreza feudal ao mesmo tempo contra os seus rivais estrangeiros e os seus camponeses dentro do país, ou seja, a missão do absolutismo era criar um aparelho repressivo impiedosamente centralizado e unitário. 
Em suma o Estado absolutista representava um aparelho para a proteção da propriedade e dos privilégios aristocráticos, embora, ao mesmo tempo, assegura os interesses básicos das classes mercantis e manufatureiras. 
Fonte: 
ANDERSON, Perry. O Estado absolutista no Ocidente In: Linhagens do Estado absolutista. Parte I, cap. 1,pp.13-45.
______. O absolutismo no Leste In: Linhagens do Estado absolutista. Parte II, cap. 2,pp.227-257.
http://www.cienciashumanas.com.br/resumo_artigo_5535/artigo_sobre_linhagens_do_estado_absolutista
5. A Construção Social da Realidade: Socialização e Tipificação 
5.1. Socialização
O processo pelo qual um indivíduo se torna membro da sociedade (na verdade, de uma sociedade) é chamado de socialização.
A socialização primária é a primeira socialização que o indivíduo experimenta, na infância. É a mais importante para o indivíduo, por ser a primeira e mais fundamental.
É de responsabilidade dos “outros significativos” do indivíduo, que ele já encontra quando vem ao mundo (exemplo: pais, avós, irmãos, etc.). A linguagem é o mais importante instrumento de socialização primária.
O conteúdo da socialização primária varia em função da localização desses “outros significativos” na estrutura social (exemplo: a classe social a que pertencem).
A socialização primária não envolve apenas aprendizado cognitivo (inerente ao raciocínio): implica também alto grau de emoções. 
Daí surge a identificação da criança com seus “outros significativos”: ela absorve seus papéis e atitudes, interiorizando-os. Toda criança recebe um mundo social “filtrado” pelos seus familiares (os “outros significativos”). Essa “filtragem” tem a ver com a localização social e com as biografias de cada um dos adultos encarregados de sua socialização primária. 
Aos poucos a criança assume uma identidade “própria”: passa a localizar-se dentro de um mundo social, dentro do qual lhe é atribuído um lugar específico.
A criança vai progressivamente abstraindo os papéis e atitudes dos “outros significativos”, passando a relacionar-se com os “outros generalizados” e a apreender normas gerais. Com isso, ela passa a perceber-se como membro de uma sociedade.
Uma característica importante da socialização primária é que nela o indivíduo não escolhe seus “outros significativos”: eles lhe são dados e são aqueles que estabelecem as “regras do jogo”. O mundo social que é interiorizado durante a socialização primária é percebido como o mundo, e não como um dentre outros possíveis. Essa percepção (e as dúvidas que acarreta) só virão mais tarde.
Por essas razões é que o mundo interiorizado na socialização primária permanece mais firmemente marcado na consciência, e é mais difícil de ser alterado.
A socialização secundária é qualquer processo posterior que introduz o indivíduo já socializado em novos setores de sua sociedade.
A socialização secundária ocorre quando há a interiorização de “submundos” institucionais ou baseados em instituições. Consiste na “aquisição do conhecimento de funções específicas, funções direta ou indiretamente com raízes na divisão do trabalho”. 
Os “submundos” interiorizados na socialização secundária são, contrastados com o mundo da socialização primária. Na escola, no clube, na igreja, no local de trabalho, o indivíduo se depara com outras realidades, com outros mundos, às vezes muito diferentes do que encontrou em casa. Muitas das crises de identidade acontecem quando o indivíduo percebe que o mundo dos pais não é o único mundo existente, mas que tem uma conotação social própria. 
Diferentemente da socialização primária, que pressupõe alto grau de identificação (cognitiva e emocional) com os “outros significativos” da criança, nos processos de socialização secundária pode haver menos identificação e maior “distanciamento do papel” social.
5.2. Tipificação
A interação social reveste-se de um caráter subjetivo para os indivíduos. A realidade é continuamente interpretada pelos diferentes atores sociais. Muitas vezes, no entanto, não há consenso, nem correspondência entre os significados que são partilhados - a divergência e o conflito são constitutivos da vida social.
O “outro” é apreendido por meio de tipificações, que “padronizam” aquilo que ocorre dentro da rotina da vida cotidiana. Exemplos: “homem”, “mulher”, “jovem”, “conservador” etc.
Involuntariamente estamos permanentemente tipificando os atores com os quais compartilhamos o palco social. Essa tipificação é imprescindível para estabelecermos estratégias de convivência, para definirmos como vamos “lidar” com o outro.
Os esquemas tipificadores afetam continuamente nossa interação com os outros. Ao mesmo tempo, essas tipificações podem ser modificadas na interação. Essa modificação é recíproca, pois os outros também nos percebem de maneira tipificada. Nesse sentido, a realidade social é permanentemente “negociada” e “construída” na interação entre os indivíduos.
A interação face-a-face é aquela em que a subjetividade do outro nos é mais acessível e percebida como real. As relações estabelecidas na interação face-a-face são flexíveis, difíceis de serem rigidamente enquadradas em padrões fixos.
À medida que as interações se afastam da situação face-a-face, as tipificações se tornam progressivamente anônimas. Passam a referir-se a tipos cada vez mais genéricos.
Exemplos: “os ingleses são pontuais”, “os baianos são preguiçosos” etc.
Essas tipificações anônimas, por não capturarem a subjetividade do outro, são altamente suscetíveis à padronização e abrem caminho para toda sorte de preconceitos. 
(Textos de referência: BERGER, Peter E LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado da sociologia do conhecimento. 2 ed. Lisboa: Dinalivro, 2004).
6. O Homem “Cordial” Brasileiro 
Seria possível traçarmos um perfil sociológico básico do homem brasileiro? As formas de interação vivenciadas pelos brasileiros se ajustam em algum modelo teórico?
O sociólogo Sérgio Buarque de Holanda propôs uma das mais interessantes análises desse perfil brasileiro. Segundo ele, o homem brasileiro seria, acima de tudo, um homem cordial!
Importantíssimo: “cordial” usado no sentidoetimológico: do latim cordialis, de cordis, “coração”, “relativo ao coração”.
A cordialidade a que se refere Sérgio Buarque não significa “civilidade”, “etiqueta”, “polidez”: é o contrário!
A cordialidade do brasileiro é expressão de um “fundo emotivo transbordante”, de manifestações espontâneas.
 “[...] essa cordialidade, estranha, por um lado, a todo formalismo e convencionalismo social, não abrange, por outro lado, apenas e obrigatoriamente, sentimentos positivos e de concórdia. A inimizade bem pode ser tão cordial como a amizade, nisto que uma e outra nascem do coração, procedem, assim, da esfera do íntimo, do familiar, do privado. Pertencem, efetivamente, para recorrer a um termo consagrado pela moderna sociologia, ao domínio dos ‘grupos primários’, cuja unidade [...] ‘não é somente de harmonia e amor’.” 
Comportamentos que evidenciam essa referida “cordialidade”: 
- Emprego dos diminutivos (“inho”), como forma de familiarização com coisas ou pessoas, em evidente recusa à formalização que “esfria” as relações, que retira o emocional do cerne da interação.
- Omissão do nome de família no tratamento social (por gerar formalidade), ênfase nas categorias de parentesco, vizinhança e amizade (laços de sangue e de lugar).
- Catolicismo brasileiro assentado na intimidade com o sagrado, ênfase nos sentimentos e afastamento dos ritos litúrgicos formais. 
- Dificuldade em distinguir os domínios do público e do privado; do Estado e da família, forte tendência a ver uma esfera como extensão da outra. Conseqüência dessa “confusão”: Patrimonialismo (lembrar dos tipos ideais de dominação, por Max Weber): a gestão política como assunto de interesse particular, com base na confiança pessoal e não no mérito da competência ou em capacidades abstratas, racionais, (como a ordenação impessoal, característica da burocracia presente na dominação legal). O patrimônio público é tratado como extensão dos domínios privados; a coisa pública submetida às vontades e aos interesses particulares. Em nível de ciência política: o avesso do republicanismo, que torna práticas políticas extremamente danosas à sociedade, tais como o nepotismo, toleradas e até admitida como corretas. 
Em síntese: Em nível das relações sociais, recusa a qualquer forma de convívio que não seja ditado por uma ética de fundo emotivo, horror às distâncias e ao formalismo nas relações sociais, aversão ao ritualismo; em nível político, o patrimonialismo. 
(Texto de referência “O homem cordial”, capítulo de: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995).

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