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DIREITO FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO I ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO O Estado, criado para garantir a sobrevivência de uma sociedade, por meio da organização e objetivos coletivos, necessita, indubitavelmente, de recursos para atingir tais finalidades. E, para atender a estas inúmeras exigências da coletividade, seja política, social ou econômica, a atividade financeira do Estado torna-se tão importante quanto a sua própria existência. A atividade financeira do Estado é regida pela Ciência das Finanças. Esta ciência, correspondente a vários tipos de estudos feitos por meio da observação de fenômenos individuais que possam ser interessantes para a coletividade, visa dar orientação, servir como base para que o Estado possa fazer suas exigências através de normas jurídicas, tendente a atingir seu conteúdo finalístico, com a satisfação das necessidades coletivas. Segundo Zelmo Denari, “À ciência das finanças não interessa perquirir por que ou para que o Estado existe. Essas indagações pertencem ao campo de pesquisa do direito constitucional e da teoria geral do Estado. Em linha de princípio, o que lhe interessa é saber como subsiste o ente público, cumprindo-lhe, portanto, analisar os meios de subsistência do Estado”. Tentando diferenciar Ciência das finanças e Direito Financeiro, Albert Hensel diz que “O Direito Financeiro corresponde ao campo material da Ciência das Finanças. Sua missão é a de interpretar a matéria jurídica positiva e de reduzi-la a um sistema científico unitário”.� Mais adiante cita que “O Direito tributário sem a fecundação da Ciência das Finanças reduz-se a simples trabalho técnico; a Ciência das Finanças sem o controle do direito positivo não passa de especulação abstrata”.� Hoje, não apenas a Constituição Federal regula as atividades financeiras do Estado, mas também a Lei nº 4.320/64, que fixa as normas gerais de Direito Financeiro que devem ser observadas na feitura e no controle das finanças dos entes públicos. Portanto, podemos concluir que, enquanto a Ciência das Finanças é o âmbito das pesquisas, dos estudos que serviram de base teórica para a normatização dos fenômenos financeiros, o Direito Financeiro seria o ramo do Direito Público que regula a atividade financeira do Estado que, basicamente, se divide em quatro capítulos: a receita, a despesa, o crédito público e o orçamento. RECEITAS PÚBLICAS As receitas ou ingressos públicos, ao longo dos tempos, tiveram as mais variadas formas, como a reparação de guerra imposta através de extorsão, confisco de propriedade particular, aluguel ou venda de bens estatais, empréstimo de particular, doações, cobrança de multas e tributos. É notório por todos que, com a evolução humana, os métodos de ingresso público também evoluíram. Muitos métodos não mais existem e outros estão mais modernos e aperfeiçoados, como no caso da receita tributária. Para o eterno mestre Aliomar Baleeiro, receita corresponde “A entrada que, integrando-se ao patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo”.� Das várias divisões colocadas pela doutrina, temos o bom senso em dividir as receitas como receitas de terceiros (aquelas oriundas do patrimônio de terceiros, porém sem o uso da soberania, da compulsoriedade – Ex.: empréstimo no FMI) ou receitas próprias (aquelas advindas do poder soberano do Estado, há a compulsoriedade), e estas últimas podem ser: Originárias: aquelas que se originam do patrimônio do próprio Estado, como o foro,� o laudêmio,� taxa de ocupação,� privatizações, aluguel de um imóvel público, preços públicos e ingressos comerciais. Derivadas: aquelas que se originam do patrimônio de outras pessoas, senão do Estado, como por exemplo, a cobrança de um tributo e portanto: De terceiros → Empréstimos Receita ou ingresso público Originário Próprio Tributos Derivado Penalidades Reparação de guerra�-� O Direito Tributário regula apenas as atividades onde estejam presentes os tributos. DESPESAS PÚBLICAS A despesa pública é o somatório dos gastos feitos pelo Estado no intuito de cumprir com suas finalidades previstas pela Constituição. Aliomar Baleeiro define despesa pública sob o aspecto orçamentário, como “a aplicação de certa quantia em dinheiro, por parte da autoridade ou agente público competente, dentro de uma autorização legislativa, para execução de um fim a cargo do governo”.� Ricardo Lobo Torres leciona que há duas características principais da despesa pública, nas quais os gastos sempre serão em dinheiro e as obras e os serviços devem ser realizados para o funcionamento da Administração Pública e para a consecução dos objetivos do Estado.� No período clássico das finanças públicas (séculos XVIII a XIX) prevalecia o Estado liberal (Estado de Polícia), ou seja, o Estado não-intervencionista, que apenas praticava as atividades básicas, efetivamente necessárias. Dessa forma, as despesas eram feitas de forma bem tímida, as menores possíveis. Nesse período, o Estado era um mero observador da vida econômica social. O período moderno (final do século XIX) caracterizou-se como o período de intervenção do Estado, em que este não mais ficava apenas na observação dos fatos econômicos mas, devido ao aumento de suas finalidades, passou a intervir nos mesmos. Esta intervenção deu-se na imposição de normas coercitivas ou proibitivas e, ainda, na cobrança de tributos extrafiscais.� Assim, para atender a esta nova tábua de finalidades, o Estado viu-se na necessidade de aumentar, e muito, suas despesas, deixando, assim, de ser mero espectador para assumir o papel principal na economia da sociedade. Portanto, as despesas públicas eram feitas de acordo com as necessidades públicas. O sistema econômico keynesiano, difundido nos anos 30, admitia que as despesas fossem feitas sem se considerar as respectivas receitas do Estado. Esta teoria previa que o Estado deveria cumprir com todas as suas finalidades, mesmo que seu orçamento ficasse deficitário. O Estado deveria, primeiramente, considerar as despesas para, depois, buscar receitas. Hodiernamente, a teoria de Keynes não mais é seguida, na qual o Estado deve fazer suas despesas de acordo com suas receitas. Nossa Constituição e outras normas infraconstitucionais (Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo) regulam expressamente a responsabilidade nos gastos públicos; assim, o Estado brasileiro é um estado orçamentário, tendo suas despesas feitas com base em suas receitas. Vale dizer, portanto, que é vedado ao Executivo constituir despesas que não estejam arroladas no orçamento. No entanto, a Constituição permite que sejam criados créditos extraordinários, ou seja, aqueles para atenderem despesas inesperadas e não previstas no orçamento, como no caso de uma epidemia, calamidade pública, etc, como aduz o art. 167, § 3º.� Renúncia de receita (como isenção, remissão, etc.) resulta nos mesmos efeitos econômicos da despesa pública, uma vez que o Estado deixará de arrecadar. A Constituição brasileira (arts. 70 e 165, § 6º) e a Lei Complementar nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal) regulam a renúncia de receitas. A Lei nº 4.320/64, que estabelece normas gerais para a elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, Estados, DistritoFederal e Municípios, classifica, em seu artigo 12, as despesas públicas em: De custeio Correntes De transferências correntes Despesas De investimentos Capital De inversões financeiras De transferência de capital Despesas correntes são aquelas meramente operacionais, necessárias ao fiel cumprimento dos serviços públicos. Dividem-se em de custeio, que são realizadas para garantir o funcionamento dos serviços públicos, como salários do funcionalismo, material de consumo etc., e de transferências correntes, que se destinam a auferir rendimentos para a sociedade, como pensão, salário-família, abonos etc. Despesas de capital são aquelas que alteram o patrimônio estatal, isto é, aquelas economicamente produtivas. Dividem-se em de investimentos, aquelas com finalidade de aquisição permanente, como obras públicas, equipamentos, instalações etc.; de inversões financeiras, aquelas que geram rendas ao Estado, através de investimentos, aplicações, como a aquisição de imóveis ou de títulos de capital de empresas; de transferência de capital, são aquelas destinadas a investimentos em outras pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado, independentemente de contraprestação de bens ou serviços dessas pessoas que receberam tal investimento, como a amortização da dívida pública, recursos para obras públicas, equipamentos etc. ORÇAMENTO PÚBLICO Segundo os ensinamentos de Aliomar Baleeiro, orçamento seria, nos países democráticos, o ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei.� A origem do orçamento teria sido na Constituição inglesa de 1215, que fora imposta pelos Barões ingleses ao então Príncipe-regente João, mais conhecido como João-Sem-Terra. Tal imposição deu-se em virtude de seus métodos desumanos e arbitrários nas cobranças de impostos, em que passou a ter que respeitar os ditames constitucionais, onde o art. 12 previa que a cobrança de impostos somente seria possível quando autorizada pelo Conselho dos Comuns (formada pelos Barões) e de forma menos arbitrária e mais humana. O próprio Conselho, um tempo depois, impôs ao Regente a obrigatoriedade de tomar conhecimento de todas as aplicações do dinheiro arrecadado. No século XVII, em 1628, a determinação prevista pelo art. 12 foi expressamente introduzida na Carta Magna inglesa (Petition of Rights), que passou a ter uma conotação mais moderna, sendo seguida pela França, Espanha, Portugal, Alemanha e outros. Algum tempo atrás os estudiosos entendiam que o orçamento deveria ser deficitário, pois as despesas deveriam ser feitas, tanto quanto necessárias, até que a necessidade pública tivesse se esgotado ou diminuído ao máximo; outros, por sua vez, entendiam que o orçamento deveria ter sempre superávit, ou seja, sempre deveria haver sobra de dinheiro nos cofres públicos. Hodiernamente, o Estado brasileiro, que é um Estado orçamentário,� adota a teoria do equilíbrio orçamentário. A uma, por não sofrer com a inflação devido ao déficit; a duas, por não se sujeitar a gastos supérfluos e desnecessários, justamente por haver sobra de caixa. Conforme lembra Luiz Emygdio, não era comum os orçamentos apresentarem déficits, mas, posteriormente com a guerra, o equilíbrio orçamentário tornou-se impossível por longo tempo, apesar dos esforços de alguns países em alcançá-lo, como a Inglaterra, enquanto, outros, como a França, diante da facilidade para obter novas formas de financiamento, prolongavam e agravavam o desequilíbrio orçamentário.� Na doutrina mundial, há vários entendimentos sobre a natureza jurídica do orçamento. No direito pátrio, Aliomar Baleeiro considera ser um ato-condição, devido ao princípio constitucional da anualidade (previsão orçamentária para a cobrança de tributos) previsto na Constituição de 1967. Todavia, considerando que tal princípio não fora recepcionado pela Carta de 1969, muito menos pela de 1988, entendemos que a natureza jurídica do orçamento seja de lei formal� e específica. Formal porque tem a obrigatoriedade de ser feito por uma lei (federal, estadual ou municipal), e específica ou especial, por tratar unicamente dessa matéria. Nesse sentido lecionam Ricardo Lobo Torres e Luiz Emygdio F. da Rosa Jr. O orçamento público deve ser proposto pelo Poder Executivo, uma vez que se trata de Administração Pública, e quem administra é o Executivo. Por essa razão é que nossa Constituição estabelece em seu art. 165 que tal iniciativa deve conter, na seguinte ordem: 1. O plano plurianual – deve conter as metas e objetivos gerais da administração pública federal, nos termos do art. 165, § 1º, da CF. Todo investimento que tenha sua execução maior do que um ano deve estar no PPA, sob pena de responsabilidade fiscal do governante. É considerado instrumento de planejamento de longo prazo. Vale por 4 anos e começa a vigorar no segundo ano de mandato do Executivo, justamente, para tentar se obter uma continuidade governamental com o próximo Chefe. O PPA da União deverá ser entregue até o dia 31 de agosto do primeiro ano de mandato do Presidente da República (art. 35, § 2º, I da ADCT). Os Estados e Municípios deverão prever suas próprias datas em suas respectivas Constituições e Leis Orgânicas; 2. Lei de Diretrizes Orçamentárias – considerando-se os objetivos e metas do Plano Plurianual, deverá conter as prioridades de despesas para o exercício financeiro seguinte da administração federal (art. 165, CF). É considerado instrumento de planejamento de médio prazo, tendo em vista ser aprovada no início do segundo semestre de um ano e valer para o exercício seguinte. Serve de parâmetro para a feitura da LOA (Lei Orçamentária Anual). Em âmbito federal, o Presidente da República deverá enviar a proposta da LDO até o dia 15 de abril, nos termos do art. 35, § 2º, II da ADCT. Os Estados e Municípios deverão prever suas próprias datas em suas respectivas Constituições e Leis Orgânicas. O artigo 57, § 2º da CF/88 não permite o recesso parlamentar sem que haja a aprovação da LDO. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/00) em seu artigo 4º trouxe novas atribuições a LDO, aumentando, consequentemente, seu conteúdo; 3. Lei de Orçamento Anual – obedecerá às prioridades estabelecidas pela Lei de Diretrizes, designando, inclusive, as verbas para cada prioridade. Deve estar em fiel harmonia com o PPA e com a LDO. É considerada como instrumento de planejamento de curto prazo, já que é anual. Em âmbito federal, o Presidente da República deverá enviar a proposta da LOA até o dia 31 de agosto, nos termos do art. 35, § 2º, III da ADCT. Os Estados e Municípios deverão prever suas próprias datas em suas respectivas Constituições e Leis Orgânicas. O artigo 165, § 5º da CF/88 exige que a LOA contenha: I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ouindiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto; III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público. Todo e qualquer programa ou projeto governamental somente poderá ser colocado em prática se houver prévia autorização pela LOA. O artigo 165, § 6º da CF/88 determina que a LOA deverá ser acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia. Já a Lei 4.320/64, em seus artigos 2º e 22, fixa quais os documentos que deverão também acompanhar a LOA. A LRF (LC 101/00), em seu artigo 5º, traz novas introduções a LOA. Caso o orçamento não seja votado até o início do exercício seguinte, com o advento da a Lei nº 7.800/89 em seu art. 50, § 1º, fica prorrogado o orçamento do ano anterior, uma vez que nossa Carta Política não se manifesta neste sentido. De mesma sorte, no caso de omissão por parte do Chefe do Executivo, e sem prejuízo de crime de responsabilidade, a Lei 4.320/64, em seu artigo 32�, também fixou a prorrogação do orçamento anterior. O orçamento deve respeitar alguns princípios,� a saber: – unidade – significava originalmente que todas as despesas e receitas públicas deveriam constar num único documento, porém, a CF em seu art. 165, § 5º, trouxe uma nova concepção a este princípio, no sentido de que todas as despesas e receitas (mesmo em vários documentos) devem ser harmônicas entre si; – universalidade – universo, união de todas as despesas e receitas federais, da Administração Pública, direta como da indireta (CF, art. 165, § 5º, I e Lei nº 4.320/64, art. 6º); – anualidade – o orçamento deve ser para período certo de tempo que, em regra, vale por um ano (artigo 165, III e § 5º, CF/88); – proibição de estorno de verbas – o art. 167, VI, da CF proíbe que seja feita a transferência de recursos de uma área, já orçada, para outra, salvo na hipótese de créditos adicionais�; – não afetação da receita – este princípio, previsto no inciso IV do artigo 167, reza que não poderá haver vinculação das receitas originadas de impostos� a fundos,� órgãos ou despesas, exceto nos casos previstos na Constituição;� – exclusividade de matéria orçamentária – no orçamento somente poderá haver o orçamento, nenhuma outra matéria poderá ser objeto de discussão no projeto de lei orçamentária (artigo 165, § 8º, CF/88). Entendem-se por Créditos Adicionais aqueles criados para custear despesas não orçadas ou que, quando previstas, tal dotação fora insuficiente, como bem reza o artigo 40 da Lei 4.320/64. Dividem-se em: Créditos suplementares - os destinados a reforço de dotação orçamentária (art. 41, I). Créditos Adicionais Créditos especiais - os destinados a despesas para as quais não haja dotação orçamentária específica (art. 41, II). Créditos extraordinários - os destinados a despesas urgentes e imprevistas, em caso de guerra, comoção intestina ou calamidade pública (art. 41, III). Apesar da urgência, os créditos suplementares e especiais serão sempre previstos por lei, bem como ficam na dependência de existirem recursos disponíveis e suficientes para o custeio da despesa em que se pretende realizar. Poderão ser criados por mero decreto do poder executivo (prefeito, governador ou presidente da República), nos termos dos arts. 42 e 43 da Lei 4.320/64). CRÉDITO PÚBLICO De forma cristalina, Luiz Emygdio define crédito público como “Sendo a faculdade que tem o Estado de, com base na confiança que inspira e nas vantagens que oferece, obter, em empréstimos, recursos de quem deles dispõe, assumindo, em contrapartida, a obrigação de restituí-los nos prazo e condições fixados”.� Entendemos que o crédito público seja o crédito que o particular� tem com o ente público, onde este deverá restituir o empréstimo feito nas bases prometidas. Como já estudado, receita pública é toda entrada nos cofres públicos em caráter definitivo. Como também sabemos, todo empréstimo possui caráter devolutivo. Assim, podemos concluir que crédito público não deve ser considerado como receita pública, pois, apesar de integrar o patrimônio público, não é em caráter definitivo, pois deverá ser devolvido ao credor o valor pago, com juros e mora. Podemos exemplificar esta distinção na seguinte situação: o leitor faz um empréstimo para pagar algumas dívidas e, ao sobrar dinheiro, resolve apostar num concurso de prognósticos (loteria). Se for contemplado com o acerto da aposta, concluímos que houve um crédito (empréstimo), pois este deverá ser devolvido, e que houve uma receita (prêmio da loteria), uma vez que este se incorporará em definitivo em seu patrimônio. O crédito público tem sua origem ainda na Antigüidade, em que os soberanos buscavam empréstimos para custear as despesas com a guerra. Todavia, a confiabilidade nestes créditos foi deveras abalada, isto porque muitos sucessores de soberanos que fizeram tais empréstimos, recusavam-se a pagar, alegando motivo e responsabilidade pessoais do antecessor. Somente no final do século XVIII, com o fluxo permanente de novas e grandes riquezas (Oriente e Américas) na Europa, é que tivemos uma moderna concepção de crédito público. A obtenção de crédito público poderá ser feita através de emissão de papéis valorados (títulos) junto ao mercado interno ou ao externo, junto a pessoas privadas ou outras públicas. LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL LEI COMPLEMENTAR No 101, DE 4 DE MAIO DE 2000 Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. É do saber popular que nem sempre o dinheiro público é bem administrado. Quase sempre seguidas de grandes rombos, os grandes desvios para as obras vultosas, a exemplo do Fórum Trabalhista – Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo –, chegam ao conhecimento da sociedade através da mídia, sempre atenta às atitudes não recomendáveis e irresponsáveis de alguns de nossos gestores, passando a cobrar as medidas moralizadoras cabíveis. No entanto, a má administração não se encontra apenas nos desvios (furtos) de recursos públicos, mas também nos atos de gestão temerária, ou seja, aqueles que, por exemplo, não respeitam os ditames orçamentários. Por derradeiro, um grupo de eminentes brasileiros, juristas e economistas experientes, resolveu estudar as regras adotadas pelos países da União Européia, pelos Estados Unidos e, mais recentemente, pela Nova Zelândia, elaborando uma espécie de código de conduta para os administradores públicos de todo o nosso país, valendo para os três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), nas esferas federal, estadual e municipal, cujo teor entrou em vigor em 4 de maio de 2000: é a Lei Complementar no 101, chamada de Lei de Responsabilidade Fiscal, que regulamenta os arts. 163 a 169, Capítulo II, do Título VI da Constituição Federal de 1988. Isso não quer dizer que a Lei no 4.320, de 17 de março de 1964, tenha sido revogada pela Lei Complementar no 101/2000. Os objetivos das duas são distintos: enquanto a primeira se refere a normas gerais sobre a implementação, fiscalização e controle dos orçamentos e balanços da União, Estados, Municípios e do Distrito Federal, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) estabelece normas específicas de finanças públicas voltadas para a responsabilidadefiscal dos administradores do dinheiro público. Ressalta-se, outrossim, que a publicação da LRF em nada prejudica o andamento do Projeto de Lei Complementar, enviado pelo Poder Executivo, que visa substituir a Lei no 4.320/64. Ademais, não obstante a distinção dos objetivos, as referidas leis estão intrinsecamente ligadas e, existindo algum dispositivo conflitante, deve prevalecer o contido na LRF que, além de ser mais recente, é lei complementar. Cabe esclarecer, outrossim, que o Governo Federal, através da Secretaria do Tesouro Nacional, vem realizando, desde 1995, Programas de Ajuste Fiscal junto aos governos estaduais e que antes da LRF os limites para despesa de pessoal estavam previstos na Lei Complementar no 96, de 31 de maio de 1999, denominada Lei Rita Camata II, aprovada pelo Congresso Nacional. Mas, como os Poderes Legislativo e Judiciário ficavam fora do alcance daquela, a LRF procurou corrigir este desnível e, hoje, os limites são aplicados a todos os Poderes e às três esferas de governo. Com o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal, finalmente a conduta dos administradores públicos de todo o país deverá ser mais transparente, pelo menos no que concerne aos gastos públicos, até porque seu objetivo é fazer com que os nossos administradores assumam o compromisso de gerir as finanças públicas de maneira que suas metas estejam dentro de seus orçamentos, tomando por base a dívida consolidada em relação à receita tributária disponível, consagrando os princípios constitucionais e a conduta das autoridades encarregadas de geri-las. A LRF traz a bandeira do profissionalismo, da coerência, do equilíbrio, do planejamento e da obrigatoriedade. Vale dizer que não há mais lugar para o amadorismo, para a incoerência orçamentária, para a mera presunção, implicitude de como se gerir a coisa pública. A LC 101/00 traz quatro linhas mestras: PLANEJAMENTO – que pode ser aperfeiçoado com o acréscimo de novas informações, metas, limites e condições para a renúncia de receita e geração de despesas, bem como operações de crédito e assunção de dívidas; TRANSPARÊNCIA – que se concretiza com a divulgação ampla, inclusive pela internet, da autuação do administrador e de relatórios de acompanhamento da gestão fiscal; vê-se como um "princípio segundo o qual se exige da administração pública que dê conhecimento de seus atos aos administrados, através da sua publicação nos órgãos oficiais de divulgação e, quando necessário, também nos órgãos particulares"�. Até porque, se as contas são públicas, todos podem ter acesso. Antes, havia apenas essa presunção de publicidade; hoje, é ato obrigatório, sob pena de punição do administrador que não a fizer. CONTROLE – que exige um ação fiscalizadora efetiva e contínua pelo Poder Legislativo e pelos Tribunais de Contas; e RESPONSABILIZAÇÃO – que ocorrerá quando as normas forem descumpridas, resultando na suspensão das transferências voluntárias, das garantias e da permissão para a contratação de operações de crédito, inclusive operação de crédito por antecipação de receita orçamentária – ARO. Introduzindo novos conceitos, como os de responsabilidade e transparência, a LRF cria mecanismos que oferecem condições para o cumprimento dos objetivos e metas, obedecendo e consolidando normas e regras já existentes, e estabelecendo princípios, prestando, assim, contas à sociedade brasileira, através da divulgação dos resultados alcançados, ou seja, trazendo ao conhecimento de todos o quanto e como são gastos os recursos públicos. Além disso, a LRF prevê as formas de correção de eventuais desvios, estabelecendo penalidades para as administrações públicas quando forem descumpridas as normas previstas. Exemplificando: como sabido, a Constituição deu ao Município a competência para instituir e cobrar o IPTU, mas não o obrigou a realizar tal exação; assim, caso o município de Nilópolis/RJ não queira cobrar o referido imposto, ele tem essa faculdade. Destarte, o parágrafo único do artigo 11 desta lei reza que a municipalidade que não esgotar todas as possibilidades de arrecadação, ou seja, cobrar todos os tributos possíveis, não poderá receber verbas voluntárias do Estado, nem da União. Ainda nesse diapasão, e em atendimento ao que dispõe o artigo 169 da Constituição, o art. 19 da LRF fixa os limites de despesa total com pessoal que cada ente público deverá respeitar em cada período de apuração, não podendo exceder os seguintes percentuais da receita corrente líquida: I - União: 50% (cinqüenta por cento); II - Estados: 60% (sessenta por cento) e III - Municípios: 60% (sessenta por cento). Considerando esses limites, a LRF estabelece como eles devem ser divididos dentro de cada esfera governamental: - na esfera federal (50%): - 2,5% para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas da União; - 6% para o Judiciário; - 40,9% para o Executivo; - 0,6% para o Ministério Público da União; - na esfera estadual (60%): - 3% para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Estado; - 6% para o Judiciário; - 49% para o Executivo; - 2% para o Ministério Público dos Estados; - na esfera municipal (60%): - 6% para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver; - 54% para o Executivo. Caso a despesa total com pessoal ultrapassar os limites definidos na LRF, sem prejuízo das medidas previstas, o percentual excedente terá de ser eliminado nos dois quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro, adotando-se, entre outras, as respectivas e imediatas providências: redução das despesas com cargos em comissão e de confiança em pelo menos 20% (extinção ou redução de salário e redução da carga horária�, sendo este último é facultativo); exoneração de servidores estáveis. Caso não se alcance a redução da despesa no prazo estabelecido, e enquanto perdurar o excesso, o artigo 23, §3º determina que o ente infrator será penalizado, não podendo: receber transferências voluntárias; obter garantia, direta ou indireta, de outro ente; contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal. Estas restrições aplicam-se imediatamente se a despesa total com pessoal exceder o limite no primeiro quadrimestre do último ano do mandato. Vale ressaltar que a Constituição, do art. 157 ao 162, estabelece repasses de cunho obrigatório. Sendo assim, essas previsões não são alcançadas pela LRF, até porque lei, mesmo que complementar, não poderia alterar texto constitucional. Também é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão. Assumir compromissos, melhorando a administração das contas públicas no Brasil através de um planejamento orçamentário sadio, afastando a gestão temerária é, portanto, a finalidade precípua da Lei de Responsabilidade Fiscal. Acha-se por bem, antes de iniciar um breve estudo acerca desta Lei, cujos dispositivos estão direcionados às atividades financeiras e à gestão fiscal responsável, analisar a palavra responsabilidade, que advém "de responder, do latim respondere, tomado na significação de responsabilizar-se, vir garantido, assegurar, assumir o pagamento do que se obrigou ou do ato que praticou"�, ou seja, é a obrigação de responder pelas conseqüências dos próprios atos praticados. As atividades financeiras são as inúmeras funções exercidas não só pelo homem, ao atuar profissionalmente, a fim de proporcionar o bem-estar de sua família, assim como o bem-estar social, o progresso e o desenvolvimento em diversas áreas, mas também as atividades exercidas pelo Estado que, dentre várias atribuições, precisa buscar, para sua sobrevivência, receita a fim de revertê-la na manutenção das necessidades públicas, que são os bens ou serviços que proporcionam maior conforto e comodidadeao cidadão. Esses bens ou serviços geram, conseqüentemente, a necessidade de o Estado procurar os meios para obter o dinheiro indispensável para satisfazê-las. Para Aliomar Baleeiro, as atividades financeiras seriam "obter, despender, gerir e criar o dinheiro indispensável às necessidades, cuja satisfação o Estado assumiu [...]"�. Destarte, observa-se que a LRF visa: — o equilíbrio entre os gastos orçamentários de toda a natureza e os recursos que a sociedade coloca à disposição dos governos, na forma de tributos; — a gestão responsável dos recursos públicos; — a prevenção de desequilíbrios fiscais estruturais e limitação de gastos públicos continuados; — e a transparência e amplo acesso da sociedade aos resultados fiscais obtidos com o uso dos recursos públicos. Decididamente, a LRF veio para alterar o rumo da história da administração pública em nosso país, cujo escopo é proporcionar uma importante contribuição no crescimento da receita própria, permitindo que os recursos sejam investidos em prol da sociedade, beneficiando, conseqüentemente, a população brasileira, uma vez que reforça os alicerces do desenvolvimento econômico sustentado, sem endividamento excessivo, pois não cria artimanhas para encobrir erros de uma gestão fiscal ruim. A Lei Complementar no 101/2000 simboliza um imensurável avanço no que diz respeito à maneira de administrar as finanças públicas, uma vez que, agora, os contribuintes podem controlar e fiscalizar onde estão sendo aplicados os recursos oriundos dos tributos pagos por eles, permitindo a participação popular na discussão da Lei de Diretrizes Orçamentárias, a fim de que os objetivos e anseios da população sejam, realmente, efetivados. � HEN�SEL, Albert. Diritto tri�bu�tá�rio. Milão: Giuffrè, 1956, pp. 4-5. � DENA�RI, Zelmo. Curso de direi�to tri�bu�tá�rio. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 01. � BALEEI�RO, Aliomar. Uma intro�du�ção à ciên�cia das finan�ças. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 34. � Foro – recei�ta cobra�da pela uti�li�za�ção de bem imó�vel fede�ral, pre�vis�to pelo DL 9.760/46 (com suas alte�ra�ções). � Laudêmio – recei�ta cobra�da aos que detém o domí�nio útil de imó�veis, que ori�gi�na�ria�men�te per�ten�cem à União (domí�nio pleno), no momen�to da venda dos mes�mos, como, por exem�plo, todos aque�les que se loca�li�zam na orla marí�ti�ma. � O foro, o lau�dê�mio e a taxa de ocu�pa�ção não são tri�bu�tos, isto é, recei�tas deri�va�das. São, na ver�da�de, recei�tas ori�gi�ná�rias, uma vez que a União tem direi�to de cobrá-las por ter seus bens imó�veis usa�dos e/ou ven�di�dos por ter�cei�ros que pos�suem o res�pec�ti�vo domí�nio útil. Não estão sujei�tos, por�tan�to, às �regras pre�vis�tas pelo Código Tributário Nacional. � Classificação difun�di�da por Aliomar Baleeiro, con�si�de�ran�do a clas�si�fi�ca�ção da clás�si�ca esco�la alemã e do juris�ta Seligman, sendo esta últi�ma modi�fi�ca�da pelo ita�lia�no Luigi Einaudi. � Um dos fun�da�men�tos para tal clas�si�fi�ca�ção seria a sobe�ra�nia do Estado. Contudo, com res�pei�to vênia, dis�cor�da�mos desta colo�ca�ção, uma vez que, neste tipo de recei�ta, há o uso da inde�pen�dên�cia e efe�ti�vo reco�nhe�ci�men�to na comu�ni�da�de inter�na�cio�nal e não, in facto, o uso da sobe�ra�nia e con�se�qüen�te com�pul�so�rie�da�de. Se nos repor�tar�mos aos pri�mór�dios do direi�to tri�bu�tá�rio, pode�mos veri�fi�car que quan�do um esta�do ven�cia outro em guer�ra, de forma com�pul�só�ria, o ven�ce�dor cobra�va um impos�to de repa�ra�ção do povo ven�ci�do; neste sen�ti�do a colo�ca�ção do ilus�tre autor mere�ce plena razão. Hoje, com um con�cei�to moder�no, este tipo de inde�ni�za�ção deve ser plei�tea�do nos tri�bu�nais inter�na�cio�nais que, atra�vés do reco�nhe�ci�men�to da pes�soa jurí�di�ca de direi�to públi�co inter�na�cio�nal reque�ren�te e da justa repa�ra�ção dos danos cau�sa�dos, será impos�to, pelo Tribunal, a res�pec�ti�va inde�ni�za�ção. A nosso ver, se equi�pa�ra a um pedi�do de emprés�ti�mo ao FMI, ou seja, é uma recei�ta públi�ca de ter�cei�ros. � BALEEI�RO, op. cit., p. 65. � TOR�RES, Ricardo Lobo. Curso de direi�to finan�cei�ro e tri�bu�tá�rio. 13. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 193. � Tributo extra�fis�cal tem como fina�li�da�de prin�ci�pal fazer o equi�lí�brio eco�nô�mi�co. Ex: Imposto de Im�portação. � Art. 167. São vedados: § 3º. A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, observado o disposto no art. 62. � ROSA �JÚNIOR, op. cit., p. 387. � Definição de Ricardo Lobo Torres, op. cit., pp. 171-172. � ROSA �JÚNIOR, op. cit., p. 79. � Teoria desen�vol�vi�da na Alemanha pelo juris�ta Laband, por se tra�tar de sim�ples auto�ri�za�ção do Parlamento para a prá�ti�ca de atos de natu�re�za admi�nis�tra�ti�va. � Art. 32. Se não receber a proposta orçamentária no prazo fixado nas Constituições ou nas Leis Orgânicas dos Municípios, o Poder Legislativo considerará como proposta a Lei de Orçamento vigente. � Classificação de Luiz Emygdio, op. cit., p. 83. � Caso ocor�ra uma necessidade emergencial (como uma epidemia) de se obter mais recur�sos para deter�mi�na�da área, o admi�nis�tra�dor deve�rá recor�rer aos cré�di�tos adicionais (do tipo suple�men�ta�res), desde que aten�da aos requi�si�tos do artigo 43 da Lei nº 4.320/64. � Tributo não vin�cu�la�do. Nada impede que o ente públi�co vin�cu�lar a recei�ta de uma taxa, v.g, a um fundo, órgão ou des�pe�sa. � O STF, no jul�ga�men�to da ADIN 2.529-5/PR, jul�gou incons�ti�tu�cio�nal lei esta�dual que vin�cu�lou parte da recei�ta do ICMS ao Fundo Estadual de Cultura, jus�ta�men�te por vio�lar o arti�go 167, IV, da Constituição Federal. DJU 06.09.07. � Vide arts. 37, XXII; 158; 159; 165, § 8º; 167, § 4º; 198, § 2º; e 212, da CF/88. � ROSA �JÚNIOR, op. cit., p. 116. � Nada obsta a que uma pessoa jurídica de direito público obtenha um crédito público. � LAROUSSE, Enciclopédia. v. 23. São Paulo: Nova Cultural, 1998. � Vide ADIN 2.238-5. � DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 15. ed., atualizado por Nagib Slaibi Filho e Geraldo Magela Alves. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 124. � BALEEIRO, Aliomar. Introdução à ciência das finanças. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 2. �PAGE � �PAGE �9�
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