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A propaganda no século XXI Lúcio Cesar Loyola1 Resumo: O presente artigo propõe levantar, discutir e compreender de que modo as transformações sociais pelas quais estamos passando vêm contribuindo para que a propaganda do Séc. XXI mudasse da proclamação de produtos para a produção de subjetividades. Se na sociedade fordista um produto tinha uma finalidade específica e utilidade prática, hoje acredita-se que ele exerça uma função muito mais cultural do que material. Como a quantidade de propaganda veiculada na mídia é extremamente superior à quantidade de produtos adquiridos pelo cidadão comum, as pessoas estariam consumindo muito mais as informações geradas pelos anúncios publicitários do que o próprio produto em si. Deste modo, cada vez mais o exercício da cidadania estaria cedendo espaço para o consumo, na organização e participação dos indivíduos na sociedade. O que se pressupõe e se debate neste artigo é que o consumo estaria deixando de ser um cenário de gastos inúteis para se tornar, por meio da propaganda, um dos principais mediadores do mundo contemporâneo. Palavras-chave Sociedade de Consumo, Sociedade da Informação, Sociedade em Rede. Estamos passando por uma verdadeira Revolução Tecnológica, que trará, como qualquer processo de mudança, profundas transformações em todos os âmbitos da nossa vida. A própria variedade de termos, como Sociedade de Consumo (Bauman), Sociedade da Informação (Bell) e Sociedade em Rede (Castells), atribuídos à nossa contemporaneidade, são uma alusão clara que nós estamos no meio de um processo transitório. Mas se não sabemos aonde vamos chegar, é evidente que as coisas não permanecerão como estão. Se na Sociedade Agrícola os homens eram proletários e detinha o poder quem possuía a maior quantidade de terras; na Sociedade Industrial os homens se tornaram operários, presos ao ritmo do relógio fabril, e passa a deter o poder quem controla os meios de produção. No entanto, diante do quadro de mudanças atual, essas classificações são novamente reordenadas e os homens precisam encontrar outros meios de se fixar na malha social. As tecnologias da inteligência e o constante processo de automação nas fábricas e nos campos reduziram significativamente o número de homens envolvidos nos processos produtivos. Assim, ao diminuir os trabalhos de backoffice, as atenções se voltam para os trabalhos de 1 Publicitário e Professor do Ensino Superior Luciocesar7@terra.com.br front-office; fazendo crescer o setor terciário e dando origem à chamada Sociedade de Consumo. No entanto, quando falamos em Sociedade de Consumo, temos em mente algo mais que a observação trivial de que todos os membros desta sociedade consomem. O que temos em mente é que a sociedade dos nossos predecessores, a sociedade burguesa, na sua fase industrial, era uma sociedade de produtores. Mas, no seu estágio atual, a sociedade tem pouca necessidade de mão-de-obra industrial e precisa engajar seus membros pela condição de consumidores. A diferença entre os dois estágios é apenas de ênfase nas prioridades. No entanto, esta ênfase faz uma enorme diferença em praticamente todas as dimensões econômicas, políticas e sociais, numa combinação que varre toda a sinalização fixa. O consumidor de uma sociedade de consumo é um consumidor acentuadamente diferente dos consumidores de qualquer outra sociedade. Com o detrimento do capitalismo de produção para o capitalismo de consumo, no lugar da burguesia, surgem os consumidores e no lugar do curso técnico profissionalizante, entra a formação contínua. Fato que, associado à Internet e à evolução dos meios de comunicação de massa, dá origem a outra denominação para os nossos tardios tempos modernos ou pós-modernos: a Sociedade da Informação. Nunca houve tanta informação circulando entre as pessoas. Um único exemplar da Folha de São Paulo por exemplo contém mais informação do que uma pessoa comum poderia obter durante uma vida inteira na Idade Média. Enquanto o livro segregou e até reforçou a exclusão das pessoas à informação, a Internet democratizou o acesso. A informação está aí na Internet, disponível para ser lida, copiada, modificada e repassada de acordo com a vontade do usuário. Agora, detém o poder quem detém a informação. Se na Revolução Industrial parte dos nossos músculos foi transferida para as máquinas, na Revolução Tecnológica parte do nosso cérebro é que está sendo transferida para elas. Até o século XX os marcadores de identidade eram definidos primordialmente pelos símbolos nacionais (com seus heróis, hinos e bandeiras) e a cultura local (por meio do folclore, costumes e comidas típicas da região). O ser humano podia se reconhecer como cidadão porque primeiramente ele podia se reconhecer como brasileiro ou comunista, por exemplo. A identidade era algo fixo, fruto das relações sociais que ele estabelecia ao longo da vida. No entanto, com a globalização as pessoas passaram a consumir, numa escala crescente, hábitos, costumes e produtos de diversas partes do mundo que, aos poucos, foram desconstruindo e fragmentando os processos identidários. O próprio consumo em si tornou-se um ato fragmentado. Um único produto, como o carro por exemplo, pode ter o seu motor fabricado na França, a carroceria na Alemanha, os pneus na Indonésia, o chassi no Japão e ser montado no Brasil. Além disso, por meio de fax, telefones, celulares, computadores e canais de TV a cabo, sobre a cidade real, nasce uma cidade virtual. Num grande centro urbano, morar no mesmo prédio já não faz vizinhança. Na maioria das vezes, o que liga as pessoas é apenas o número dos apartamentos. O morador pode não saber quem é o vizinho da frente, mas está conectado a tudo o que se passa do outro lado do mundo. Pense no publicitário que, enquanto dirige, escuta um CD de uma banda Inglesa, chega em casa e responde o e-mail de um amigo que trabalha na Alemanha, assiste um programa português na TV a cabo, fala no celular com a noiva de férias na Argentina, pede por telefone uma comida chinesa, lê o folheto de promoção de uma loja de sapatos italianos; e antes de dormir assiste no DVD um filme espanhol. Hoje, as pessoas estão em movimento mesmo quando elas estão paradas. Diante da tela da TV ou do computador elas visitam lugares, namoram, trocam informações, conhecem pessoas e participam até de conflitos sociais. Há um decrescimento do tempo gasto com o capital social e o engajamento cívico, para um crescimento do tempo gasto com a televisão e as comunidades virtuais. A massa preta reunida na frente dos palanques tornou-se uma massa colorida sentada em frente aos meios de comunicação. Hoje não se debate mais política ou se faz reivindicações sociais em praça pública, mas por meio dos programas de televisão e da Internet. As tecnologias da informação estão reduzindo gradativamente os encontros face a face e promovendo o isolamento individual. Agora se é massa sem que se veja os outros. Com raras exceções, os homens agora só se reúnem em praça pública, nos momentos de felicidade, nos shows musicais ou nas festas comemorativas. “As massas atuais pararam essencialmente de ser massas de reuniões e ajuntamentos; elas entraram num regime no qual o caráter de massas não se expressa mais na reunião física, mas na participação em programas de meios de comunicação de massa” (Sloterdjik, 2002, p.19). Dentro deste contexto, outro ícone marcante do processo de globalização é o shopping center. Uma construção que irrompe no meio da cidade e a despreza, não admitindo qualquer interação com ela. Dentro do shopping você se fecha para a realidade local e livre da presença de mendicantes, pedintes ou pessoas quenão coadunam com o mesmo padrão social que você, passeia, faz compras ou se diverte em meio a marcas, produtos, pratos e tendências oriundas de todas as partes do mundo. No shopping são as redes de fast-food e griffs importadas que se espalham pelos corredores e disputam pela sua atenção. Em casa ou no escritório são as redes de relacionamento, como o orkut, e as redes de informação, como o google, que capturam o seu interesse. O que nos leva a crer que a sociedade dividida em castas ou classes dá lugar a um novo tipo de sociedade: a Sociedade em Rede. Como em todas as sociedades anteriores, a sociedade atual não deixa de ser estratificada, mas a antiga idéia de hierarquia social dá lugar a um novo ranking contemporâneo. Supõe agora que a distância entre perdedores e vencedores não produz diferenças essenciais, mas representa apenas uma contínua lista de hierarquia apta à revisão. Na Sociedade em Rede pertencem à classe dominante aqueles que têm o poder de locomoção e as classes inferiores aqueles que presenciam imóveis e passivos as transformações atuais das quais estamos falando. Mesmo com o estrondoso aumento da quantidade de informação que circula na mídia, até mesmo a Internet e a sua aludida democracia são usadas claramente com muita seletividade. Poucas pessoas têm acesso às maravilhas tecnológicas do mundo atual e a maioria de nós ainda não conhece muito mais do que as fronteiras do seu próprio bairro. Segundo Bauman (1999, p. 82) “as riquezas são globais, a miséria é local”. Do ponto de vista material, o que vemos neste quadro são produtos fabricados com alta precisão tecnológica e um indiscutível nivelamento de qualidade. A diferença entre um Palio, um Gol, um Corsa e um Fiesta, por exemplo, é tão insignificante que certamente não representa um peso significativo na decisão de compra do consumidor. E do ponto de vista humano, encontramos uma sociedade que possui cada vez menos vínculos emocionais com as suas raízes locais. Pessoas completamente estilhaçadas, perdidas, procurando um sentido para a sua existência na imensa aldeia global. A solidão dos grandes centros urbanos e a exposição constante aos mais diversos tipos de mensagem criaram uma carência afetiva e emocional e a busca de uma compensação. A constante falta de tempo e a convivência virtual isolou as pessoas. Quando inventaram os primeiros computadores, imaginou-se que haveria mais tempo para o homem descansar e se divertir, mas o que aconteceu foi justamente o contrário, e os homens se viram obrigados a trabalhar na velocidade das máquinas. O tempo tornou-se o bem mais precioso do nosso século. Ao indagar uma pessoa inserida na máquina produtiva, sobre o que ela mais sente falta neste momento, sem pestanejar ela responderia: de mais tempo. Mais tempo para estudar, trabalhar, se divertir e passear. O que vemos agora é a dissolução do espaço através do tempo. Uma vez que a idéia de fronteira geográfica é cada vez mais difícil de sustentar, já que ela varia dependendo da velocidade com a qual pode ser vencida. Afinal, a distância é uma se você vai a pé, outra se vai a cavalo, de trem, navio ou avião. E instantânea se você usa a Internet. Com a interface dos terminais de computadores e monitores de vídeo, as distinções entre o que está próximo e distante perderam o seu significado. Estamos todos vivendo no instante e sobre uma pressão contínua. Com as tecnologias de inteligências, as descobertas, os avanços e as conquistas sociais mudam com a velocidade do instante. Todo mundo, em todo lugar, anda com os circuitos mentais sobrecarregados. Temos sempre o tempo todo tomado e muitas obrigações a cumprir. Não raramente encontramos pessoas nervosas, perturbadas, estressadas, ansiosas e com dificuldade de realizar todas as suas atividades. Em um mundo cada vez mais complexo, as pessoas estão cada vez mais carentes de emoção e satisfação. De um pouco de oxigênio, de uma pausa para respirar e libertar-se do corre-corre do mundo atual. Daí a reedição contemporânea do hedonismo, uma filosofia nascida na Grécia há quase 2.400 anos, ganhar tanta força nos tempos atuais. Pregando o prazer como o bem supremo da vida, o hedonismo sempre encontrou adeptos mesmo em quem nunca ouviu falar em seu defensor, o filósofo Epicuro. A novidade agora é que o culto ao prazer não é mais privilégio de meia dúzia de bons-vivants, virou um comportamento cada vez mais difundido e enaltecido nas classes médias de várias partes do mundo. A tradicional ética cristã que previa uma vida de renúncias em troca da salvação eterna, parece não convencer mais. O sociólogo francês Michel Maffesoli, professor do Centro de Estudos sobre o Atual e o Cotidiano (Ceaq) da Sorbone, argumenta que a busca pelo prazer é a principal arma dos nossos tempos: “Durante o período que conhecemos como Tempos Modernos, entre os séculos XVIII e XX, predominaram a razão e o mito do progresso. Agora chegou o fim desse domínio. Vemos renascer a idéia de prazer e a importância das emoções” (Rubim & Nogueira, 2005, p.80). Segundo esta teoria, daqui a cem anos, o historiador que analisar a nossa sociedade considerará como um dos pontos mais marcantes dos nossos tempos o crescimento do hedonismo. É a chamada geração do “eu mereço”. Uma vez conquistados o direito ao sexo antes do casamento; à ascensão das mulheres aos cargos de chefia e à liberdade de expressão dos homossexuais; as pessoas saíram em busca de novas emoções. No século XXI cada vez mais as pessoas preferem se recompensar com prazer e qualidade de vida em vez de acumular patrimônio ou bens duráveis. O consumidor atual, leia-se pessoas com um significativo poder de compra, é uma pessoa muito bem informada, globalizada, fragmentada, solitária e carente de emoções e sensações. Com globalização das culturas, o ser humano ficou solto na malha social. Seus referenciais de valores mudaram e ele precisa substituir as antigas práticas de cidadania por novos mecanismos de encaixe e desencaixe social. E, é exatamente aqui que a publicidade entra como um dos principais mediadores da sociedade contemporânea. Ao vender produtos em forma de signos a publicidade cria o ambiente cultural e ideológico do homem moderno, produzindo um sentido para a sua existência. Quem consome um determinado produto pertence a um determinado grupo de pessoas. Como atualmente o poder mediador não é exercido mais somente pela escola, igreja, família e outras instituições disciplinares, mas pelos meios de comunicação de massa, que constroem novas escalas de valores e a própria identidade cultural do homem contemporâneo, a síntese do espaço social é estabelecida cada vez mais através da prática do consumo do que pelo exercício da cidadania. Uma vez que as massas de hoje não se reúnem mais de forma física, mas se observam por meio dos símbolos midiáticos. Estamos vivendo numa época que, segundo Marx, “tudo o que é solido se desmancha no ar” (Villaça & Góes, 1998, p. 40). Hoje as formas de controle não agem mais por repressão, mas por estimulação, através de formas mais sutis e disseminadas, sobretudo, por meio da mídia, que veicula os novos padrões no campo médico, ético e estético. Não se diz mais “faça isso ou aquilo”, se induz as pessoas a “fazerem isso ou aquilo”. Segundo Canclini (2005, p. 70) “Estas ações, políticas, pelas quais os consumidores ascendem à condição de cidadãos, implicam uma concepção do mercado não como simples lugar de troca de mercadorias, mas como interações socioculturais mais complexas”. No modo de produção taylorista/fordista o consumidor podia escolher entre dois ou três modelos de carro e duas ou três opções de cores. Hoje a mercadoria padrão não gera mais lucro. A qualidadedos produtos e serviços está tão próxima e nivelada que a técnica da publicidade mudou da proclamação para a persuasão. O reclame pertence à época em que a publicidade servia, sobretudo para vender as qualidades de um produto. Aqui era o objeto-mercadoria que deveria triunfar no anúncio. Hoje, a publicidade encontra a sua razão de ser na produção de subjetividades. Um bom publicitário, mais do que vender um produto ou benefício, deve construir uma marca de sucesso. A particularidade da mercadoria produzida pela empresa pós-fordista está no fato de que ela não se destrói no ato de consumo, mas se alarga, transforma e cria o ambiente ideológico e cultural do consumidor. O valor da mercadoria não está mais no seu uso, mas na informação social que ela carrega. A publicidade tem que dar ao produto uma vantagem extra, que o diferencie dos seus concorrentes no mercado, uma vez que são todos (quase) iguais quanto ao seu benefício material. Segundo Vestergaard & Schroder, citados por Galindo (2002, p.117) “Os objetos que usamos e consumimos deixam de ser meros objetos de uso para se transformar em veículos de informações sobre o tipo de pessoa que somos ou gostaríamos de ser”. Se no passado, pela própria condição do mercado e pelo baixo nível da concorrência, dividíamos a sociedade em sexo, faixa etária e classe econômica, tudo assim, bastante vago, o mercado atual está cada vez mais segmentado e fracionado. Hoje encontramos diferentes tipos de público dentro do mesmo público-alvo. Veja os bebedores de cerveja, por exemplo, já existe cerveja para aqueles que não podem ingerir bebida alcoólica, para quem quer beber mas não quer engordar, para os mais jovens, para os que gostam de tradição e para muitos outros. O próprio homem padrão e seu estereótipo machista cederam lugar a novas categorias, como o metrossexual: homem heterossexual que exibe traços tradicionalmente associados aos gays; retrossexual: homem que faz questão de afirmar a sua virilidade rejeitando qualquer comportamento que o aproxime do universo feminino; e übersexual: homem cujas qualidades são paixão e estilo. Segundo Hall (2002, p.12) “O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não–resolvidas”. Mas, como podemos identificar uma boa propaganda no início deste século? Num mundo globalizado, tecnológico e de mudanças rápidas e contínuas? De acordo com este estudo, acredita-se que uma propaganda ruim é aquela que cumpre muito bem a sua função de divulgar marcas e vender os produtos, mas que, em seguida, vai diretamente para o lugar reservado a tudo o que é mediano ou deixa a desejar: o esquecimento. Uma boa propaganda deve cair no gosto do público de uma tal maneira que acabe se tornando um verdadeiro fenômeno cultural, incorporando figuras de linguagem ao dia-a-dia das pessoas, como: “eu sou você amanhã”, “não é assim uma Brastemp”, “uma boa idéia” e “desce redondo”. Esses bordões são decodificados e aplicados nas mais diversas situações pelos consumidores. Pipoca com guaraná, mamíferos e paixão nacional são conceitos que caem no gosto do povo. O público grava o jingle, compra a piada, entende o diferencial e acha que o produto é bacana, tomando uma atitude favorável em relação à marca. Ninguém compra uma revista ou liga a televisão para ver propaganda. O anúncio está interrompendo o que as pessoas estão lendo ou assistindo. Para não se tornar indesejável, a publicidade deve oferecer um momento de prazer ao público. Atualmente, os atributos materiais do produto são pouco mencionados nas campanhas publicitárias. Mostrou-se mais eficiente persuadir o consumidor por meio de uma rede de idéias de caráter afetivo do que propagar argumentos diretos e racionais. Os mecanismos de persuasão trabalham com o emocional, o artístico, o poético e a mensagem não-verbal, que se alimenta de símbolos e é, em certos casos, mais eficaz do que a que se inspira em palavras e na lógica. Ao público interessa muito mais a satisfação que pode obter com o produto, do que o próprio produto em si. Segundo Roy Willians, um reconhecido mago da propaganda contemporânea, citado por Galindo (2002, p. 122) “Quem fala antes ao coração do que à razão vende mais”. Dar-se por satisfeito por ter vendido o produto ou serviço é fazer um mau aproveitamento da verba do cliente. Não basta apenas colocar o dinheiro investido de volta no bolso dele. Uma boa propaganda precisa ir além, precisa construir uma marca de sucesso, que se consolide a longo prazo e conquiste a preferência dos consumidores, independente de quantos concorrentes venham a disputar o mesmo segmento de mercado. Veja a Coca-Cola, por exemplo, a sua marca é tão sólida que há anos não existe nenhum concorrente capaz de tomar a sua posição na mente dos consumidores. Com o advento da globalização, a maioria das empresas depende de uma maneira crescente de sua exposição na consciência coletiva. O fato de que um fornecedor qualquer seja do mesmo país ou da mesma região que você não lhe dá mais nenhuma vantagem particular em relação aos concorrentes “estrangeiros”. Você dá preferência a quem está mais próximo, mais visível, mais desejável na sua paisagem mental. Hoje, as empresas devem ocupar zonas do espírito coletivo para sobreviver. O objetivo é ter o máximo de conexões, ser um nó da imensa rede de associações mnemônicas da consciência humana. E não digam que isso tudo é muito bonito na teoria, mas que na prática a história é outra. Quem ousa pronunciar uma frase dessas ou não está atento às transformações pelas quais estamos passando ou muda de canal na hora do intervalo. A maioria dos filmes publicitários que estão no ar atualmente são exemplos práticos e óbvios de que, no século XXI, a propaganda mudou da proclamação para a persuasão. E não estamos falando do filme criado pelo tal “publicitário egocêntrico” que só está interessado em ganhar prêmios ou da agência recém inaugurada que resolveu “ousar” com a verba e a imagem do cliente. Mas de agências de prestígio internacional, de respeitados publicitários do cenário mundial e de marcas consagradas como: Seda, Visa, Bradesco, Mastercad, Dove e Cola-Cola, entre outras. Seus filmes atuais apostam muito mais na produção de subjetividades do que em qualquer benefício ou qualidade material que os seus produtos e serviços possam ter. Segundo Villaça & Góes (1998, p. 50), “Produzem-se agora desejos na forma de signos e não de objetos materiais. O consumo é menos alguma coisa real e mais propriamente um signo, porque é o signo que se deseja”. É certo que não existe uma fórmula mágica que garanta a eficácia da mensagem anunciada, mas existem vários caminhos que podem ajudar nesta tarefa. No cenário atual, em que o consumidor está cada vez mais exposto a muita informação, é primordial decidir o que se quer comunicar. Quanto maior for o número de mensagens numa única peça, menor será a capacidade de assimilar todas elas. Daí a necessidade de se criar anúncios limpos, com pouco texto e um conceito forte. A memória do consumidor é bastante seletiva. Quando se trata de publicidade, ele vai lembrar apenas do que realmente o interessou e envolveu, esquecendo todo o resto. Segundo Cappo (2005, p. 80) “hoje, depois de ter assistido a centenas de milhares de comerciais em nossa vida, desenvolvemos filtros mentais que são praticamente impenetráveis”. Então, se há um momento em que a propaganda e a emoção devem andar juntas esse momento é agora. A propaganda de sucesso no século XXI é aquela que otimiza o momento de interesse e comunica o que é preciso. No entanto,se está claro que é preciso tocar o coração das pessoas para vender o seu produto ou serviço, é preciso tomar muito cuidado também para que a idéia não seja mais forte do que o produto. Ou seja, fazer o consumidor rir e se emocionar com certos comerciais é fácil, o difícil é fazê-lo lembrar do que foi anunciado depois. Esse é o grande desafio dos publicitários na atualidade: conseguir fazer as pessoas ligarem a propaganda ao produto. Quantas vezes não nos pegamos falando com um amigo sobre aquela excelente propaganda que vimos e somos capazes de contá-la inteira, em detalhes, sem conseguir lembrar qual era a marca do produto anunciado? Veja bem, é importantíssimo que o consumidor sinta prazer ao assistir o comercial, mas é crucial que ele lembre qual marca foi anunciada na hora de decidir a compra. Contudo, se está claro que os tempos modernos mudaram e que as antigas técnicas de promoção e propagação já não são mais tão eficientes assim, então, porque ainda temos uma grande quantidade de profissionais e de anúncios que parecem ter sido criados no século passado? É simples. Segundo Alexandre Gama, citado por Pereira (2005, p. 29) “O bom é confortável e o ótimo, desconfortável. Por isso o bom é o maior inimigo do ótimo. E por isso só uma pequena parte dos profissionais de marketing e das agências busca o ótimo. Afinal, quem quer arriscar hoje em dia se o bom já está bom?”. Muitos publicitários lançam mão da “desculpa esfarrapada” de que a propaganda é ruim, pobre de idéia ou de conceito, porque está de acordo com o mercado e com o público- alvo em questão. Um verdadeiro insulto ao mercado e ao público-alvo em questão. A propaganda é ruim porque foi feita pra gente ruim? Ou é pobre porque foi feita pra pobre? De qualquer modo, não há desculpas que justifiquem a veiculação de peças horrendas, cafonas e “mal criadas”. Ao que tudo leva a crer, o que sempre está de acordo com o público-alvo, seja ele qual for, é pensar no consumidor de forma inteligente e criativa, aproveitando toda e qualquer oportunidade para diferenciar e destacar o seu produto ou serviço no mercado. Um bom publicitário não precisa ter um cliente “moderninho”, vender para as mais altas camadas da sociedade, estar num grande mercado consumidor ou ter uma verba fenomenal para ser criativo. Criatividade cabe em todo e qualquer lugar. Inclusive no ramo da siderurgia, madeireiro, construção pesada, varejo e governo. A própria história da propaganda está repleta de cases de sucesso e de anúncios realizados com pouca verba, mas com muita criatividade e, acima de tudo, com excelentes resultados financeiros. Todos nós, publicitários, devemos ter uma coisa em mente, uma luta constante para elevar o padrão criativo da propaganda e estendê-lo o máximo possível, pois hoje a má propaganda, vulgar, imediatista, burra e de mau gosto, ainda representa noventa por cento de toda a propaganda veiculada no mundo. A maioria das agências não está o mínimo preocupada com essa história de criatividade... Pra que tudo isso?... Precisa pensar e pensar cansa... Esse é o maior inimigo da profissão, gente que está nela por puro comércio, como poderia estar vendendo batatas ou carros usados, não importa, o que dê mais lucro. Petit (2003, p. 105) O processo criativo não é nenhum dom divino, envolve dotar, capacitar e qualificar a mente com elementos que favoreçam as nossas idéias e muitas, muitas, horas de trabalho árduo. A criatividade solicita um estado de franca entrega à busca do aprendizado e os profissionais de criação e as agências que vão fazer diferença no século XXI são aqueles cujo desejo de tornar o seu cliente uma marca de sucesso é muito maior do que a simples vontade de ganhar dinheiro. São aqueles que não se contentam com elogios fáceis, com a primeira “idéia luminosa” encontrada e muito menos em oferecer ao cliente apenas o retorno da verba investida. Portanto, leve a sério a sua formação contínua, pois a qualidade da sua capacitação e atualização vão definir não só a qualidade do profissional que você é, mas a qualidade do serviço que você e a sua agência prestam para o seu cliente. Lembra da máxima que o profissional de criação precisa ler de tudo? É verdade. No século XXI você precisa ser metacompetente e ler, pesquisar, estudar e entender tudo sobre psicologia, filosofia, sociologia, artes, ciências da informação e várias outras áreas do conhecimento humano. Atualmente, nos vemos obrigados a uma atualização permanente e acelerada dos nossos conhecimentos. O sucesso das nossas carreiras depende de uma formação interdisciplinar. Como existe um enorme contingente de pessoas com formação profissional acadêmica, já não basta mais ser extremamente competente na área específica, é preciso ser metacompetente e reunir informações de diversas áreas para executar uma única tarefa. As tecnologias da informação trouxeram um nivelamento dos produtos e do conhecimento humano, para se sobressair no mercado é preciso oferecer sempre mais. Mais do que um simples conhecimento estanque, isolado , específico e fechado. Os consumidores estão cada vez mais exigentes e bem informados, se você não acompanhar a evolução e a revolução dos processos, logo, logo, será você que estará fora do mercado publicitário. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: AUTOUN, Henrique. A multidão e o futuro da democracia. In: FRANÇA, Vera (org.). Livro do XI Compós 2002. Porto Alegre: sulina, 2003. BAUMAN, Zygmut. Globalização. As conseqüências humanas. Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 1999. BRUNO, Fernanda. Máquinas de ver, modos de ser: visibilidade e subjetividade nas novas tecnologias de informação e comunicação. Porto Alegre: Revista Famecos, junho 2004. CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005. CAPPO, Joe. O futuro da propaganda. São Paulo: Cultrix, 2005. DELEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. GALINDO, Daniel dos Santos. Propaganda inteira & ativ@. São Paulo, futura, 2002. GILDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1993. HALL, Stuart. 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