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Lei Complementar e Medida Provisória Lei Complementar A lei complementar é uma espécie normativa prevista no artigo 59 da Constituição Federal que apresenta um processo legislativo próprio e é utilizada somente em matéria reservada. Assim, determinadas matérias exigem regulamento especial diferente do previsto constitucionalmente. A lei complementar difere da lei ordinária materialmente e formalmente. Dessa forma, somente poderá ser matéria de lei complementar a matéria taxativamente prevista na Constituição Federal. No tocante à formalidade ressalta-se o processo legislativo, mais especificamente na sua fase de votação, e o quórum de aprovação da lei complementar é de maioria absoluta (metade mais um do número total de integrantes da Casa Legislativa). Logo, quase todo o processo legislativo da lei complementar é idêntico ao ordinário, exceto o quórum de votação. A lei ordinária é aprovada pela maioria simples (metade mais um dos presentes na sessão). A respeito do processo legislativo de elaboração da lei complementar, o constituinte dispôs, apenas, que a iniciativa é a mesma da lei ordinária (art. 61) e que sua aprovação dar-se-á por maioria absoluta (art. 69), ao contrário da lei ordinária, que é aprovada por maioria simples ou relativa (art. 47). Por essa razão, entende-se que os demais procedimentos (discussão e votação, revisão, emenda, sanção, veto, superação do veto, promulgação, publicação etc.) sujeitam-se às mesmas regras constitucionais do processo legislativo comum, aplicável às leis ordinárias. A doutrina aponta como justificativa para a existência da espécie normativa lei complementar a intenção do legislador constituinte de conferir ao regramento de certas matérias, dada a sua importância, uma maior estabilidade, comparativamente à das matérias tratadas por leis ordinárias. Houve por bem o legislador constituinte estabelecer, para as matérias por ele determinadas, uma especial dignidade, uma rigidez intermediária, situada entre a lei ordinária e o texto da Constituição. Assim, ao reservar constitucionalmente determinado assunto à lei complementar (aprovada por maioria absoluta), o constituinte garante-lhe estabilidade maior do que a que decorreria da sua disciplina mediante lei ordinária (aprovada por maioria simples), sem, porém, sujeitá-lo ao laborioso processo legislativo de modificação do texto constitucional (três quintos, em dois turnos de votação), o que tomaria demasiadamente dificil o seu tratamento. A disciplina de determinadas matérias mediante lei complementar não é uma escolha do legislador, uma vez que é a própria Constituição que estabelece os temas cujo regramento deve ser feito por essa espécie legislativa. Só essas matérias, indicadas na própria Constituição, podem ser tratadas mediante lei complementar. · São duas, portanto, as diferenças entre lei complementar e lei ordinária: (a) a lei complementar disciplina matérias especificamente a ela reservadas pelo texto constitucional e (b) o quorum de aprovação. A primeira distinção, de índole material, significa dizer que os assuntos a serem tratados por meio de lei complementar estão expressamente previstos no texto constitucional. Não cabe ao detentor da iniciativa legislativa, tampouco ao legislador decidir quais matérias serão tratadas por meio de lei complementar. A segunda distinção, de natureza formal, diz respeito ao processo legislativo de elaboração das duas espécies normativas: a lei ordinária poderá ser aprovada por maioria simples de votos (CF, art. 47), enquanto a lei complementar exige maioria absoluta para sua aprovação (CF, art. 69). A lei complementar, apesar de sua "especial dignidade", é um ato normativo infraconstitucional, porquanto retira seu fundamento de validade da Carta da República, não podendo, evidentemente, com ela conflitar, sob pena de inconstitucionalidade. Por outro lado, no seu específico campo de atuação, delineado na Constituição, não pode ser afastada por meio de lei ordinária, lei delegada ou outra qualquer espécie subconstitucional do nosso processo legislativo. Assim, a lei ordinária (ou qualquer outra espécie integrante do nosso processo legislativo, ressalvada a emenda constitucional) que disponha sobre matéria reservada à lei complementar estará usurpando competência fixada na Constituição Federal, incidindo no vício de inconstitucionalidade formal. De igual modo, os tratados internacionais que se tenham incorporado ao nosso ordenamento jurídico com status de lei ordinária não podem disciplinar matéria reservada constitucionalmente à lei complementar. Por fim, vale lembrar que as leis ordinárias anteriores à Constituição Federal de 1 988 que regulamentem matéria reservada pela nova ordem constitucional à lei complementar, desde que estivessem em vigor no momento da promulgação da nova Constituição e fossem materialmente com ela compatíveis, foram recepcionadas com o status de lei complementar. Medidas provisórias A vigente Constituição aboliu a espécie normativa decreto-lei do nosso processo legislativo, substituindo-a, de certo modo, pela medida provisória, instituída no art. 59 da Carta Política e disciplinada no seu art. 62. Pode-se dizer, assim, que as medidas provisórias são atos normativos primários, provisórios e sob condição resolutiva, de caráter excepcional no quadro da separação dos Poderes, editados pelo Presidente da República e situados no nosso processo de elaboração normativa ao lado da lei. As medidas provisórias tiveram dois regimes jurídicos distintos, desde a promulgação da Constituição Federal até hoje: o primeiro vigorou da promulgação da Constituição Federal até a promulgação da EC 32, de 11.09.2001; o outro regime, hoje vigente, foi introduzido pela EC 32/2001, e é ·aplicável às medidas provisórias editadas em data posterior à promulgação dessa emenda constitucional. Assim, a EC 32/200 l representa um divisor de águas quanto ao instituto medida provisória: até sua promulgação, as medidas provisórias estiveram sujeitas a um dado regime jurídico, originariamente introduzido pela Assembleia Nacional Constituinte, em 5 de outubro de 1988; a partir da EC 32/2001, as medidas provisórias passaram a obedecer a um novo e completamente distinto regime jurídico. Comentaremos, a seguir, o regime jurídico introduzido pela EC 32/2001, atualmente em vigor, aplicável às medidas provisórias editadas a partir da sua promulgação. * Desnecessidade de convocação extraordinária Estabelece o art. 62 da Constituição Federal: Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê- las de imediato ao Congresso Nacional. Nesse dispositivo, foi suprimida a parte final do texto originário, que estabelecia que, estando o Congresso Nacional em recesso, seria convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias. Não há mais, portanto, a obrigatoriedade de convocação extraordinária do Congresso Nacional na hipótese de sujeição de medida provisória à sua apreciação, durante o recesso parlamentar. Entretanto, havendo medidas provisórias em vigor na data de convocação extraordinária do Congresso Nacional, serão elas automaticamente incluídas na pauta de convocação (CF, art. 57, § 8.0). Portanto, temos o seguinte: a edição de medida provisória nos períodos de recesso legislativo não obriga, necessariamente, a convocação extraordinária do Congresso Nacional; porém, caso o Congresso Nacional seja convocado extraordinariamente, nas hipóteses constitucionalmenteprevistas (art. 57, § 6.0), as medidas provisórias em vigor na respectiva data serão automaticamente incluídas na pauta da convocação. * Limitações materiais Embora consubstancie espécie normativa primária, é certo que a medida provisória não pode disciplinar qualquer matéria, em virtude da existência de limitações constitucionais à sua edição (CF, art. 25, § 2.º; art. 62, § l .º; art. 246). É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria (CF, art. 62, § 1. º): I - relativa a: a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direito penal, processual penal e processual civil; c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 1 67, § 3.º; II - que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; III - reservada a lei complementar; IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República. Além dessas vedações, outros dispositivos estabelecem restrições à adoção de medidas provisórias, a saber: a) o art. 25, § 2.º (que veda a edição de medida provisória estadual para a regulamentação da exploração do gás canalizado); b) o art. 246 (que veda a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre 1º de janeiro de 1995 e a promulgação da EC 32/2001, inclusive); c) o art. 2° da EC 8/95 (que veda a adoção de medida provisória para regulamentar o disposto no inciso XI do art. 21 da Constituição); d) o art. 3º da EC 9/95 (que veda a adoção de medida provisória para regulamentar a matéria prevista nos incisos 1 a IV e nos § § 1 º e 2º do art. 1 77 da Constituição); e e) o art. 73 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT (que vedou a adoção de medida provisória na regulamentação do Fundo Social de Emergência). Anote-se que - pela alínea "b" do inciso 1 do § 1 º do art. 62 da Constituição Federal - há vedação expressa para a edição de medida provisória sobre matéria relativa a direito penal, processual penal e processual civil. Logo, contrario sensu, entende-se que a disciplina dos demais ramos do direito (direito civil, direito do trabalho, direito administrativo etc.) por medida provisória é permitida. A alínea "d" do inciso I do § 1 º do art. 62 - ao vedar a adoção de medida provisória sobre matéria relativa a planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares - ressalva o previsto no art. 167, § 3.º, da Constituição Federal. Significa dizer que, em se tratando de matéria orçamentária, só é permitida a adoção de medida provisória para a abertura de crédito extraordinário, para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública. É relevante destacar, ainda, que os direitos individuais e o direito tributário não foram incluídos entre as matérias insuscetíveis de serem tratadas por meio de medida provisória. Embora não haja disposição constitucional expressa nesse sentido, é certo que as matérias de iniciativa e competência privativas do Congresso Nacional (art. 49), da Câmara dos Deputados (art. 51), do Senado Federal (art. 52), do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos tribunais de contas também não podem ser disciplinadas por medida provisória. * Procedimento legislativo Em caso de urgência e relevância, adotada a medida provisória pelo Presidente da República, esta deve ser submetida, de imediato, ao Congresso Nacional, que terá o prazo de sessenta dias (prorrogável por mais sessenta dias) para apreciá-la, não correndo esses prazos durante os períodos de recesso do Congresso Nacional. No Congresso Nacional, as medidas provisórias serão apreciadas por uma comissão mista (composta de senadores e deputados), que apresentará um parecer favorável ou desfavorável à sua conversão em lei (CF, art. 62, § 5.º). O parecer prévio da comissão mista é meramente opinativo, mas essa fase - emissão do parecer por comissão mista de deputados e senadores antes do exame, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional - é de observância obrigatória no processo constitucional de conversão de medida provisória em lei ordinária. Assim, a substituição do exame da comissão mista por mero parecer do relator implica flagrante inconstitucionalidade formal. A votação da medida provisória será iniciada, obrigatoriamente, pela Câmara dos Deputados (Casa iniciadora obrigatória). Emitido o parecer, o plenário das Casas Legislativas, iniciando-se pela Câmara dos Deputados, examinará a medida provisória e: a) na hipótese de ela ser integralmente convertida em lei, o Presidente do Senado Federal a promulgará, remetendo-a para publicação (observa-se que, nesse caso, não haverá possibilidade de sanção ou veto por parte do Presidente da República, uma vez que a medida provisória foi aprovada exatamente nos termos por ele propostos); b) se for integralmente rejeitada (ou perder sua eficácia por decurso de prazo, em decorrência da não apreciação pelo Congresso Nacional no prazo constitucionalmente estabelecido), a medida provisória será arquivada, o Congresso Nacional baixará ato declarando-a insubsistente e deverá disciplinar, por meio de decreto legislativo, no prazo de sessenta dias contados da rejeição ou da perda de eficácia por decurso de prazo, as relações jurídicas dela decorrentes; caso o Congresso Nacional não edite o decreto legislativo no prazo de sessenta dias, as relações jurídicas surgidas no período permanecerão regidas pela medida provisória; c) caso sejam introduzidas modificações no texto adotado pelo Presidente da República (conversão parcial), a medida provisória será transformada em "projeto de lei de conversão", e o texto aprovado no Legislativo será encaminhado ao Presidente da República, para que o sancione ou vete (a partir da transformação da medida provisória em "projeto de lei de conversão", este segue idêntico trâmite ao dos projetos de lei em geral); aos dispositivos eventualmente rejeitados aplica-se o descrito na letra "b", acima. Observa-se que, na hipótese de conversão parcial de medida provisória, será necessária a ulterior manifestação do Presidente da República, para o fim de sanção ou veto, porque o Congresso Nacional introduziu modificações no texto originário da medida provisória editada por aquela autoridade. Diferentemente, se ocorre a conversão integral da medida provisória em lei, sem a introdução de modificações no Congresso Nacional, não há retorno ao Chefe do Executivo, para sanção ou veto. * Prazo de eficácia As medidas provisórias têm eficácia pelo prazo de sessenta dias a partir de sua publicação, prorrogável uma única vez por igual período, se o prazo inicial não for suficiente para a conclusão do processo legislativo nas duas Casas do Congresso Nacional. A prorrogação dá-se automaticamente, quando não esteja concluída a apreciação da medida provisória nas duas Casas Legislativas ao término dos primeiros sessenta dias. Não há necessidade da edição de nenhum novo ato pelo Chefe do Executivo requerendo a prorrogação de prazo. Esgotado o prazo inicial de sessenta dias sem a conclusão da apreciação pelas Casas Legislativas, será ele automaticamente prorrogado, mediante a edição de ato pelo Presidente do Congresso Nacional. A prorrogação, contudo,não depende do ato do Presidente do Congresso, uma vez que este não poderia frustrar o texto constitucional, que assegura a prorrogação. Entendemos que o ato legislativo, nessa situação, visa, tão somente, a dar publicidade à prorrogação de prazo. Esses prazos não correm durante os períodos de recesso do Congresso Nacional (18 de julho a 31 de julho e 23 de dezembro a 1º de fevereiro, nos termos do art. 57 da Constituição, com a redação dada pela EC 50/2006). Assim, se uma medida provisória for editada pelo Presidente da República em 20 de junho, conta-se o prazo até 17 de julho, suspende-se a contagem durante o recesso, recomeça-se a contagem a partir de 1o de agosto; se for adotada em 23 de dezembro, a contagem dos prazos acima somente terá início em 2 de fevereiro, data de retomo dos trabalhos legislativos do Congresso Nacional. * Trancamento de pauta Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subsequentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando (CF, art. 62, § 6.º). Constata-se que a Constituição Federal estabelece dois prazos em relação ao processo legislativo de medida provisória, que não podem ser confundidos: (a) prazo para apreciação da medida provisória (conversão em lei ou rejeição); (b) prazo para trancamento da pauta da Casa Legislativa em que estiver tramitando. O prazo para apreciação da MP é de sessenta dias, prorrogáveis por mais sessenta, não computados os períodos de recesso do Congresso Nacional. O prazo para o trancamento de pauta é de quarenta e cinco dias corridos, contados da edição da MP, não computados os períodos de recesso do Congresso Nacional. Assim, se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação (não computados os períodos de recesso do Congresso Nacional), ocorrerá o trancamento de pauta, ficando sobrestadas todas as demais deliberações da Casa Legislativa, até que se ultime a votação da medida provisória. Esse instituto - trancamento da pauta das Casas Legislativas em decorrência de medida provisória não apreciado no prazo constitucional de quarenta e cinco dias -, combinado com o número elevado de medidas provisórias editadas pelo Presidente da República, ocasionou, nos últimos anos, uma considerável paralisia do Poder Legislativo brasileiro, que teve a pauta de suas Casas Legislativas trancada em percentual significativo do total de sessões.
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