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Cap 62

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Cap. 62 – Guyton - Princípios gerais da função gastrointestinal – Motilidade, controle nervoso e circulação sanguínea (Aratti Cândido Simões)
	O trato alimentar abastece o corpo com um suprimento contínuo de água, eletrólitos e nutrientes. Isso requer algumas especialidades:
Movimentação do alimento pelo trato alimentar;
Secreção de soluções digestivas e digestão dos alimentos;
Absorção de água, diversos eletrólitos e produtos da digestão;
Circulação de sangue para o transporte de substâncias absorvidas;
Controle de todas as funções anteriores pelos sistemas nervoso e hormonal local;
	Fazem parte do trato alimentar completo as seguintes estruturas: boca, esôfago, glândulas salivares e parótida, fígado, vesícula biliar, estômago, pâncreas, duodeno, jejuno, íleo, intestino grosso e ânus.
Princípios gerais da motilidade gastrointestinal.
	Num corte transversal típico da parede do intestinal vê-se de fora para dentro: serosa, muscular longitudinal, muscular circular, submucosa, mucosa. Além disso, feixes de fibras de músculo liso, formando a camada muscular da mucosa. As funções motoras do intestino são realizadas por diferentes camadas de m liso.
	As características específicas do m liso no intestino são:
Funciona como um sincício. Suas fibras se conectam eletricamente por vários complexos juncionais, o que permite que um potencial de ação disparado em qualquer ponto do feixe muscular possa ser transmitido aos outros pontos.
O músculo liso é excitado por atividade elétrica intrínseca, contínua e lenta. Essa atividade pode ser desencadeada de duas maneiras, ou em ondas lentas, ou em potencial em espículas.
	a) ondas lentas: é a maioria dos potenciais de ação do trato gastrointestinal. Seguem um padrão rítmico. As ondas lentas não são um potencial de ação, em vez disso são mudanças lentas e ondulatórias do potencial de repouso da membrana. Sua intensidade varia entre 5 e 15mV e sua freqüência entre 3 e 12 por minuto dependendo do local, sendo cerca de e no corpo do estômago e 12 no duodeno. Aparentemente são causadas por interações entre as células do m liso e as células intersticiais de Cajal, que supostamente atuam como marcapasso elétricos das células do m liso.
	b) potenciais em espículas: são verdadeiros potenciais de ação. Toda vez que os picos das ondas lentas se tornam mais positivos do que -40mV surgem os potenciais em espícula. Quanto maior o potencial da onda lenta, maior a freqüência de potenciais em espícula. Os potenciais em espícula têm duração de cerca de 10 a 40 vezes maior do que o potencial de ação de uma fibra nervosa. Isso ocorre devido a diferença nos canais desencadeadores. Enquanto na fibra nervosa o responsável pelo PA são os canais rápidos de sódio, no m liso os responsáveis são os canais lentos cálcio-sódio. Como sua velocidade de abertura e fechamento é menor, a duração do potencial de ação torna-se muito maior nas fibras do m liso.
Alterações na voltagem do potencial de repousa da membrana podem ocorrer:
	a) fatores que a tornam mais excitáveis (despolarizadas): estiramento do músculo; estimulação por acetilcolina; estimulação pelos nervos parassimpáticos que secretam acetilcolina; estimulação por hormônios gastrointestinais específicos.
	b) fatores que a tornam menos excitáveis (hiperpolarizadas): efeito da norepinefrina ou epinefrina; estimulação dos nervos simpáticos que secretam principalmente norepinefrina.
Íons cálcio, agindo através de um mecanismo de controle pela calmodulina, ativam os filamentos de miosina permitindo a interação com os filamentos de actina o que leva a contração muscular. As ondas lentas não são causadas pela entrada de íons cálcio, mas somente pela entrada de íons sódio.
Contrações tônicas x contrações rítmicas: a contração tônica é continua e não associada ao ritmo elétrico básico das ondas lentas, geralmente durando vários minutos ou até mesmo horas. É algumas vezes causada por potenciais em espícula continuamente repetidos. Por outras vezes, é causado por hormônios. Uma terceira causa é a entrada de íons cálcio na célula.
Controle neural da função gastrointestinal – sistema nervoso entérico.
	O trato gastrointestinal possui um sistema nervoso próprio denominado SN entérico. Ele localiza-se inteiramente na parede intestinal, começando no esôfago e estendendo-se até o ânus. Ele é extremamente importante no controle dos movimentos e da secreção gastrointestinal.
	 É composto basicamente por dois plexos, um externo entre as camadas musculares longitudinal e circular denominado plexo mioentérico ou plexo de Auerbach; e um outro interno, denominado plexo submucosa ou de Meissner, localizado na submucosa.
	Basicamente, o plexo mioentérico controla os movimentos gastrointestinais, e o plexo submucoso controla a secreção gastrointestinal e o fluxo sanguíneo local.
	Embora esses plexos possam funcionar autonomamente eles sofrem influencia do SN simpático e parassimpático, podendo intensificar ou reduzir suas funções.
	Quando o plexo mioentérico é estimulado seus principais efeitos são: aumento da contração tônica, aumento da intensidade das contrações rítmicas, um ligeiro aumento no ritmo das contrações e aumento na velocidade de condução das ondas excitatórias ao longo da parede do intestino, causando movimentos peristálticos mais rápidos.
	Esse plexo não pode ser considerado exclusivamente excitatório por apresentar alguns neurônios inibitórios que quando estimulados liberam provavelmente o polipeptídeo intestinal vasoativo. Esse sinal é importante na inibição de mm que controlam esfíncteres intestinais que impedem a movimentação do alimento pelos segmentos sucessivos do trato gastrointestinal, como o esfíncter pilórico (controla o esvaziamento do estômago para o duodeno) e o esfíncter da valva ileocecal (controla o esvaziamento do intestino delgado para o ceco).
	O plexo submucoso relaciona-se basicamente com o controle da parede interna de cada segmento. Ele auxilia na secreção intestinal local, na absorção local, e na contração do mm submucoso, que causa graus variados de dobramento da mucosa gastrointestinal.
	Alguns neurotransmissores são liberados pelos terminais nervosos de diferentes tipos de neurônios entéricos. Dentre eles estão: acetilcolina, norepinefrina, trifosfato de adenosina, serotonina, dopamina, colecistocinina, substância P, peptídeo intestinal vasoativo, somatostatina, leuencefalina, metencefalina, bombesina.
Controle autônomo do trato gastrointestinal
	De um modo geral a estimulação parassimpática causa o aumento geral de atividade de todo o sistema nervoso entérico, o que, por sua vez, intensifica as atividades da maioria das funções gastrointestinais. Do mesmo modo, a estimulação simpática inibe a atividade do trato gastrointestinal. O simpático exerce suas funções de duas maneiras: um pouco por efeito direto da norepinefrina secretada, inibindo a musculatura lisa do trato intestinal; e em maior grau, por um efeito inibidor que a norepinefrina causa sobre os neurônios de todo o sistema nervoso entérico.
Fibras nervosas sensoriais aferentes do intestino
	Esses nervos sensoriais podem ser estimulados de três maneiras: irritação da mucosa intestinal; distensão excessiva do intestino, ou; presença de substâncias químicas específicas no intestino. Os sinais transmitidos através das fibras podem então causar excitação ou inibição dos movimentos intestinais, ou da secreção intestinal.
Controle hormonal da motilidade gastrointestinal
	A gastrina é secretada pelas células G do antro do estômago em resposta a estímulos associados à ingestão de alimentos, tais como a distensão do estômago, os produtos da digestão de proteínas e o peptídeo liberador de gastrina, que é liberado por estimulo vagal. Suas ações primárias são: estimulação da secreção gástrica de ácido e estimulação do crescimento da mucosa gástrica.
	A colecistocinina é secretada pelas células I na mucosa do duodeno e do jejuno em resposta a produtos da digestão de gordura, ácidos graxos emonoglicerídeos. Esse hormônio contrai fortemente a vesícula biliar e inibe moderadamente a contração do estômago. Com isso além de esvaziar a vesícula biliar ele retarda a saída do alimento do estômago permitindo um tempo hábil para a digestão de gorduras no trato intestinal superior.
	A secretina é secretada pelas células S na mucosa do duodeno em resposta ao conteúdo gástrico ácido transferido do estômago para o duodeno através do piloro. Tem um pequeno efeito na motilidade do trato gastrointestinal e promove secreção pancreática de bicarbonato, que por sua vez contribui para a neutralização da acidez proveniente do estômago.
	O peptídeo inibidor gástrico é secretado pela mucosa do intestino delgado superior, principalmente em resposta a ácidos graxos e aminoácidos, mas em menor extensão em resposta a carboidratos. Possui um efeito brando na diminuição da atividade motora do estômago e, portanto, retarda o esvaziamento de conteúdos gástricos no duodeno quando o intestino delgado superior já está sobrecarregado com produtos alimentares.
	A motilina é secretada pelo duodeno superior durante o jejum, e sua única função conhecida é aumentar a motilidade gastrointestinal. Ela é liberada ciclicamente e estimula ondas de motilidade gastrointestinal denominadas complexos mioelétricos interdigestivos que se propagam pelo estômago e intestino delgado a cada 90 minutos em uma pessoa adulta em jejum.
Tipos funcionais de movimentos no trato gastrointestinal
	Dois tipos de movimentos ocorrem no trato gastrointestinal. Movimentos propulsivos, que permitem que o alimento percorra todo o trato a uma velocidade apropriada para a ocorrência da digestão e absorção. E movimentos de mistura, que mantém o alimento bem misturado todo o tempo.
Movimentos de propulsão (peristalse)
	Um anel contrátil ao redor do intestino surge em um ponto e move-se adiante. A peristalse é uma propriedade inerente a muitos tubos de músculo liso sincicial. A estimulação em qualquer ponto do intestino pode fazer com que surja um anel contrátil na musculatura lisa que se propaga pelo intestino.
	 O estimulo usual da peristalse é uma distensão das paredes do trato gastrointestinal. Com isso o sistema nervoso entérico estimula a contração cerca de 2 a 3 centímetros antes da distensão. Além disso, a irritação química ou física, e sinais nervosos parassimpáticos intensos podem deflagrar uma peristalse.
	Uma peristalse efetiva requer obrigatoriamente um plexo mioentérico. Na sua ausência (congênita) a peristalse é fraca ou mesmo inexistente.
	O movimento de peristalse pode ocorrer em ambos os sentidos, entretanto quando na direção da boca seu trajeto é bem pequeno, já na direção do ânus pode ocorrer por um longo trecho (5 a 10cm antes de cessar).
	Reflexo peristáltico: quando um segmento do trato gastrointestinal é estimulado por distensão, normalmente forma-se um anel contrátil do lado oral do trato, cerca de 2 a 3 cm atrás do ponto de estimulo. Ao mesmo tempo, o intestino relaxa a vários centímetros adiante, na direção do ânus, o que é chamado de relaxamento receptivo, permitindo que o alimento seja empurrado com mais facilidade na direção anal do que oral.
	“Lei do intestino”: corresponde ao reflexo mioentérico (ou reflexo peristáltico) e a direção anal do movimento de peristalse.
Movimentos de mistura
	Esses movimentos se diferem nas varias partes do trato alimentar. Em alguns casos o próprio movimento de peristalse pode ser o responsável pela mistura, principalmente nos locais onde um esfíncter barra o fluxo alimentar. Em outros momentos, contrações constritivas intermitentes locais ocorrem em regiões separadas por poucos centímetros da parede intestinal. Geralmente duram apenas de 5 a 30 segundos e então novas constrições surgem em outros pontos do trato para que o alimento continue sendo misturado.
Fluxo sanguíneo gastrointestinal – circulação esplâncnica
	Ela inclui o fluxo sanguíneo através do próprio intestino, além de baço, pâncreas e fígado. Os nutrientes não lipídicos e hidrossolúveis absorvidos no intestino (como carboidratos e proteínas) são transportados no sangue venoso da veia porta até o fígado. Nesse órgão as células reticuloendoteliais (que revestem os sinusóides hepáticos e removem bactérias e outras partículas) e os hepatócitos absorvem e armazenam temporariamente de metade a 75% dos nutrientes. Quase toda a gordura absorvida no trato intestinal não é transportada pela veia porta, mas sim pelo sistema linfático intestinal e em seguida é devolvida a circulação pelo ducto torácico sem passar pelo fígado.
	O fluxo sanguíneo em cada área do trato gastrointestinal está intimamente associado ao nível de atividade local. O aumento do fluxo sanguíneo intestinal durante a atividade gastrointestinal é decorrente de uma associação de fatores. Dentre eles pode-se citar: liberação de substâncias vasodilatadoras (colecistocinina, peptídeo vasoativo intestinal gastrina e secretina); liberação de cininas (calidina e bradiquinina – poderosos vasodilatadores); redução na concentração de oxigênio (pode aumentar o fluxo sanguíneo local de 50% a 100%).
	O fluxo sanguíneo em contracorrente nas vilosidades permite que parte do oxigênio (podendo chegar a 80%) flua diretamente das arteríolas para as vênulas sem passar pelas extremidades dos vilos. Sob condições patológicas esse “atalho” pode ser extremamente danoso às vilosidades. Se o fluxo sanguíneo intestinal estiver prejudicado as regiões mais superiores dos vilos poderão sofrer necrose por anóxia. Isso pode lesionar parte ou até mesmo todos os vilos, o que compromete a capacidade absortiva intestinal.
	Escape auto-regulatório: mecanismos vasodilatadores metabólicos locais, que são provocados pela isquemia (decorrente de uma vasoconstrição simpática), predominam sobre a vasoconstrição simpática e dilatam arteríolas promovendo o retorno do fluxo sanguíneo necessário às glândulas e à musculatura gastrointestinal.

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