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1 MATERIAL DIDÁTICO PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO CREDENCIADA JUNTO AO MEC PELA PORTARIA Nº 1.282 DO DIA 26/10/2010 0800 283 8380 www.ucamprominas.com.br Impressão e Editoração 2 SUMÁRIO UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO ...................................................................................... 3 UNIDADE 2 – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO ........................................................... 6 2.1 Definição e histórico de psicologia ........................................................................ 6 2.2 Behaviorismo: contribuições essenciais ................................................................ 8 2.3 Psicanálise: contribuições essenciais ................................................................. 11 2.4 Psicologia da Educação ...................................................................................... 15 UNIDADE 3 – O DESENVOLVIMENTO DO ESTUDANTE ...................................... 24 3.1 Concepção inatista X Concepção ambientalista ................................................. 26 3.2 Piaget e a aprendizagem..................................................................................... 30 3.2.1 Conceitos principais ......................................................................................... 30 3.2.2 Estágios de desenvolvimento cognitivo ............................................................ 32 3.2.3 Piaget e a aprendizagem .................................................................................. 41 3.3 Vygotsky e a aprendizagem ................................................................................ 41 3.4 Fases do desenvolvimento psicossexual de Freud e implicações na aprendizagem ............................................................................................................ 45 UNIDADE 4 – PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM ................................................ 53 4.1 Aprendizagem e psicologia da aprendizagem ..................................................... 53 4.2 Processos psicológicos do estudante e a aprendizagem .................................... 55 4.3 Teorias da Aprendizagem: aprendizagem de crianças (Piaget e Vygotsky) X aprendizagem de adultos (Knowles): ........................................................................ 60 4.4 Afetividade, autoestima, relações interpessoais e aprendizagem ....................... 62 4.5 Dificuldades de aprendizagem ............................................................................ 70 4.6 Habilidades metalinguísticas ............................................................................... 72 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 74 3 UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO Talvez possa parecer estranho numa apostila de Psicologia da Educação, ao invés de citarem-se as obras originais, você se deparar com o estudo de obras clássicas (tais como Freud, Piaget e Vygotsky) citados a partir de outras obras (também conceituadas, como renomados livros de Desenvolvimento humano ou Teorias da Personalidade). Isso não ocorreu devido à dificuldade em localizar o original, visto que são obras disponíveis em livrarias, para venda, em bibliotecas públicas e algumas delas ainda disponíveis no domínio público, na internet. A escolha desse tipo de consulta (fonte indireta) das obras de deu pelo seguinte critério: tempo de execução de material e limite de páginas. Como será possível observar a seguir, muitos temas serão abordados, alguns bastante densos, portanto, a leitura dos originais tornaria a compilação e redação ainda mais extensa. A pesquisa a partir de uma fonte indireta não é a opção mais recomendada, mas devido a esse caso foi a opção mais viável e, por se tratar de obras renomadas, de conteúdo fidedigno e já mais sucinto, o conteúdo se tornou mais apropriado para a redação da apostila. Também já justificamos o uso de algumas citações de citações (apuds), o que não é recomendado do ponto de vista da metodologia da pesquisa, porém, se fez necessário em algumas situações devido à dificuldade em se localizar algumas obras originais. Sugerimos que, na introdução, anotem as questões que mais despertaram sua curiosidade ou dúvidas e após o estudo da apostila revejam se as mesmas ficaram realmente claras. Enquanto orientadores, sempre orientamos a pesquisa de materiais recentes, porém, ao se utilizar obras clássicas (como nesses casos) isso não se faz possível – ainda mais em caso de livros que já possuem edições mais recentes, porém lançamos mão de cópias mais antigas. Fora isso, é sempre importante mantermos o conhecimento científico atualizado! Quando vamos estudar – ou nos aperfeiçoar – em determinada área de saber e surge uma disciplina um pouco diferente daquela de nossa formação sempre surge aquela pergunta: “Por que preciso saber isso?” No caso de vocês, profissionais da educação, essa pergunta já foi respondida durante a graduação. Vocês já tiveram suas satisfações e críticas com a psicologia enquanto teoria e instrumento de aplicação prática em suas salas de aula. Nossa proposta 4 aqui é tentar criar mais pontos de satisfação e diminuir as críticas destrutivas com essa disciplina tão próxima da educação. Tão próxima que nasceu de uma base comum com a educação e a pedagogia, que também são da área de humanas: somos irmãos, filhos de uma mesma filosofia: Normalmente os historiadores da Psicologia identificam suas primeiras raízes em duas abordagens diferentes para a compreensão da mente humana: A Filosofia busca entender a natureza geral de muitos aspectos do mundo, parte por meio da introspecção, ou seja, o exame das ideias e experiências internas (intro = para dentro; spectione = olhar, inspecionar). A Fisiologia busca um estudo científico das funções vitais dos organismos vivos, basicamente por meio dos métodos empíricos (baseados na observação) (STEINBERG, 2010, p.3). Convidamos vocês a partirem para esse mundo da observação – que descende da nossa herança fisiológica – e conhecer mais nosso aluno e como ele aprende. A temática “Psicologia da Educação” é muito ampla, sendo necessária, para a confecção do material, uma seleção criteriosa de temas, teorias e materiais que servissem de subsídio teórico para que o profissional da educação possa fazer uma observação criteriosa de sua prática em busca de aprimorá-la, detectar pontos de melhoria, visar a melhoria das relações interpessoais, encaminhar o aluno para acompanhamento profissional, quando necessário. Inicialmente, pretende-se conceituar a psicologia e apresentar o Behaviorismo e a Psicanálise, sempre articulando as escolas psicológicas com a educação. Em seguida, nessa mesma seção, visa-se apresentar os conceitos de psicologia educacional e escolar, assim como diferenciar a práxis do psicólogo educacional como oferecer subsídios teóricos da psicologia para a equipe multiprofissional que atua na escola. Na outra seção, inicia-se falando sobre o processo de desenvolvimento do estudante, enfatizando-se as concepções inatistas e ambientalistas. As teorias de Freud e Piaget sobre o desenvolvimento serão exploradas. Na última parte do trabalho, falaremos das teorias da aprendizagem de Piaget, Vygotsky, Freud e Knowles, visando diferenciar os processos de aprendizagem da criança e do adulto. Aspectos cognitivos, afetivos e relacionais serão apresentados como facilitadores ou dificultadores do processo de aprendizagem. 5 Os principaismateriais pesquisados para a confecção dessa apostila foram Gazzaninga e Heatherton (2005), Papalia, Olds e Feldman (2006), Cole e Cole (2005), Coll, Marchesi e Palacios (2004), Cassins et al. (2007), Hall; Lindzey(1984), Schultz, Schultz (1992), dentre outros. Bons estudos! 6 UNIDADE 2 – PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO 2.1 Definição e histórico de psicologia Neste momento não iremos aprofundar no estudo do histórico da psicologia, visto que isto fugiria do escopo desta apostila, apenas citaremos alguns autores, escolas e linhas de pensamento que foram significativas no contexto histórico e que, ainda hoje, são relevantes no contexto da psicologia educacional. Os teóricos e teorias citados nessa seção serão devidamente aprofundados em momentos oportunos nesse mesmo material. Recuperar a história da psicologia se faz necessário, visto que somente dessa forma compreenderemos sua diversidade hoje e sua relação com áreas do conhecimento como antropologia, sociologia, educação, filosofia, dentre outras (MAIA, 2008, p.14). A palavra “Psicologia” remete ao grego psyché, que significa “alma”, e logos, que significa “razão”. Assim, inicialmente compreende-se psicologia como o estudo da alma (MAIA, 2008). Schultz e Schultz (1992) elucidam que para a sua efetivação enquanto ciência e profissão – tal como se estabeleceu nos dias de hoje – a psicologia sofreu influência da fisiologia e da filosofia. “Sabe-se que a psicologia se desenvolveu no fim do século XIX como fruto da filosofia e da fisiologia experimental” (HALL, LINDZEY, 1984, p.3). Descartes (1596-1650) inaugurou a psicologia moderna ao sugerir que a mente influencia o corpo, ao mesmo tempo em que o corpo pode exercer sobre a mente uma influência maior do que até então se supunha, o que é um grande avanço, pois, desde as ideias de filósofos clássicos, como Platão, acreditava-se que a mente (ou alma) e o corpo possuíam naturezas diferentes. Observa-se que aqui já não se fala mais em alma, como na definição clássica de psicologia, mas em mente (SCHULTZ; SCHULTZ, 1992). A ideia mais radical de Descartes foi sugerir que, embora a mente conseguisse afetar o corpo, o corpo também conseguia afetar a mente. Por exemplo, ele acreditava que paixões, como amor, ódio, tristeza, surgiam do corpo e influenciavam os estados mentais, embora o corpo agisse sobre essas paixões por meio de seus mecanismos. Dessa maneira, Descartes aproximou mente e corpo ao focalizar suas interações (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005, p.48). 7 Maia (2008) ressalta que a psicologia começou a se fazer presente no final do século XIX, na Alemanha. Dentre os estudiosos alemães, podemos destacar Wundt, Weber e Fechner. Wundt (1832-1920) merece destaque, reconhecido como o fundador da psicologia experimental enquanto disciplina acadêmica. Antes dos seus estudos não acreditava-se que os fenômenos psicológicos podiam ser estudados experimentalmente, apenas que esses podiam ser descritos e discutidos (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005). “A psicologia de Wundt recorreu aos métodos experimentais das ciências naturais, particularmente às técnicas usadas pelos fisiologistas [...]. O objeto de estudo de Wundt era, em uma palavra, a consciência” (SHULTZ; SCHULTZ, 1992, p.81). Os estudos sobre a psicologia não se restringiram à Alemanha, logo a corrente se espalhou pelos Estados Unidos, de onde podem se destacar os estudos de Titchner (1867-1927), que ampliou a corrente de Wundt e a denominou de Estruturalismo (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005; MAIA, 2008). James (1842-1910), também dessa corrente fora da Alemanha, criticou o Estruturalismo e criou a o Funcionalismo, outra corrente psicológica que também só será citada (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005; MAIA, 2008). A partir dessas correntes psicológicas surgiram várias outras linhas, muitas das quais de vital importância para a psicologia enquanto ciência e profissão até os dias de hoje. Entende-se que a psicologia pode ser aplicada diretamente pelo profissional da psicologia em diferentes contextos, como, por exemplo, clínico, educacional, hospitalar, jurídico, dentre outros, ao mesmo tempo que pode servir de subsídio para o entendimento do funcionamento psíquico do ser humano. Por isso, a psicologia é uma disciplina que serve como base para a formação de outros profissionais que também lidam com seres humanos – sejam das áreas da saúde, educação ou humanas, por exemplo – e carregam, desde os seus primórdios, as bases na filosofia e na fisiologia – assim como a psicologia – como pudemos observar nesse breve histórico. No decorrer do contexto histórico da psicologia, a partir desse momento histórico em que definimos até aqui, surgiram duas escolas psicológicas que são de interesse para o profissional da educação: o behaviorismo (ou comportamentalismo); e a psicanálise. Falaremos brevemente das mesmas agora ao enquadrar as 8 mesmas dentro de um contexto histórico e, logo a seguir, traremos a contribuições necessárias dessas escolas para a Educação. “Behaviorismo - Nasceu nos Estados Unidos, com Watson, elevando o status de ciência à psicologia. Seu principal representante é Skinner” (MAIA, 2008, p.16). Seu fundador foi Watson (1878-1958), mas teve também outro nome de grande importância, Skinner (1904-1990). O behaviorismo ou comportamentalismo enfatiza o papel do ambiente no comportamento (SCHULTZ; SCHULTZ, 1992; GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005). “Psicanálise – Nasceu com Freud, na Áustria, a partir da sua prática médica. Postula o inconsciente como objeto de estudo. Enfatiza que determinados impulsos instintivos seriam de origem sexual” (MAIA, 2008, p.16). Segundo Freud (1856- 1939), criador da psicanálise: “Todas as criações humanas, sem exceção – os esportes, as artes, a ciências, entre outras, estão ancoradas num desejo sexual indestrutível que constitui o núcleo do inconsciente” (JORGE; FERREIRA, 2002, p.7- 8). 2.2 Behaviorismo: contribuições essenciais O behaviorismo ou comportamentalismo preconiza uma abordagem mais científica da psicologia e, em linhas gerais, enfatiza o papel das forças ambientais no comportamento humano. Os primeiros estudos dos behavioristas (comportamentalistas) aconteceram em laboratórios de psicologia, com animais. (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005). Segundo Papalia, Olds e Feldman (2006), nessa abordagem, o indivíduo mostra-se passivo perante seu desenvolvimento, já que o ambiente desempenha um papel principal, ou seja, as pessoas são reativas e o ambiente controla o comportamento. Dentre os teóricos behavioristas, merece destaque Skinner, que desenvolveu muitos estudos com animais em laboratórios de psicologia para investigar o comportamento destes. Ele desenvolveu a caixa de Skinner, local onde desenvolveu técnicas de reforço e condicionamento em ratos, as quais podiam ser adequadas posteriormente para serem aplicadas em pessoas, como técnicas de aprendizagem (SCHULTZ; SCHULTZ, 1992, GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005; MAIA, 2008). 9 Segundo Maia (2008), Skinner carrega consigo a visão de que o indivíduo é uma tábula rasa e que precisará do meio para ser preenchido e moldado. Essa visão será aprofundada a seguir com a visão ambientalista. Assim, no que diz respeito à aprendizagem, para Skinner, a aprendizagem ocorre através da influência dos estímulos do meio, por isso o autor defende que os estímulos precisam ser condicionados (MAIA, 2008). Para o behaviorismo há dois tipos de comportamento que merecem destaque para nós: o respondente e o operante. Segundo Schultz e Schultz (1992), no comportamento respondente “a resposta comportamental é suscitada porum estímulo observável específico” (p.281), enquanto que no condicionamento operante “a resposta do organismo é aparentemente espontânea – no sentido de não estar relacionada com nenhum estímulo observável” (p.281). Segundo Maia (2008), relacionam-se ao comportamento respondente (reflexo) as interações estímulo-resposta entre ambiente-sujeito incondicionadas, ou seja, aqueles comportamentos provocados por estímulos antecedentes ao ambiente (exemplo: arreio de frio). Por outro lado, o comportamento operante é intencional, são aqueles relacionados diariamente de forma desejada (exemplo: ler um livro). Papalia, Olds e Feldman (2006) sintetizam a definição de comportamento operante ao afirmar que nesse tipo de aprendizagem a pessoa repete o comportamento que foi reforçado e cessa o comportamento que foi punido. “Outra diferença entre o comportamento respondente e o operante é que o comportamento operante opera no organismo, ao passo que o respondente não o faz” (SCHULTZ; SCHULTZ, 1992, p.281). Entende-se como reforço qualquer estímulo que possibilite o aumento da probabilidade de resposta, podendo os reforços ser positivos ou negativos. (MAIA, 2008). Os reforços são mais eficazes quando seguem um comportamento imediatamente. O reforço positivo consiste em dar uma recompensa, como comida, troféu, dinheiro, elogio – ou brincar com um bebê. O reforço negativo consiste em tirar alguma coisa que o indivíduo não gosta (conhecido como evento aversivo), como, por exemplo, um ruído intenso (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006, p.73). Importante não confundir os conceitos de reforço negativo e punição. Enquanto o reforço negativo consiste em retirar do indivíduo algo que ele não goste 10 (o que faça com que ele se sinta beneficiado com isso), a punição é definida como um estímulo experimentado após um comportamento (bater numa criança ou aplicar um choque elétrico num animal) ou retirar um evento positivo (não permitir assistir televisão ou ir ao recreio). Skinner e seus seguidores fizeram muitas pesquisas sobre problemas de aprendizagem, tais como o papel da punição na aquisição de respostas, o efeito de diferentes problemas de reforços, a extinção da resposta operante, o reforço secundário e a generalização. [...] No caso dos seres humanos, o comportamento operante envolve a resolução de problemas, reforçada pela aprovação verbal ou pelo conhecimento de ter dado a resposta correta (SCHULTZ; SCHULTZ, 1992, p.281). O comportamento verbal é, segundo Skinner, a única área em que há diferenças no condicionamento entre o homem e o rato. O comportamento verbal exige a interação de duas pessoas: um falante e um ouvinte. No caso da criança que está aprendendo as primeiras palavras, o adulto – o ouvinte – pode, através do seu comportamento, reforçar, não reforçar ou punir a criança pelo que disse ou não disse, assim controlando seu comportamento subsequente. “Para Skinner, a fala é comportamento, estando, pois, sujeita, como qualquer outro comportamento, sujeita a contingências de reforço, de previsão e de controle” (SCHULTZ; SCHULTZ, 1992, p.284). Maia (2008) aponta práticas comportamentalistas muito presentes no dia a dia do educador como, por exemplo, reforços positivos que visam à manutenção de comportamentos, como estrelinhas no caderno, prêmios após o término das atividades, correção com “muito bem”, dentre outras mensagens motivadoras. Sendo assim, na perspectiva skinnerianna, o ensino na escola se processará através da relação estímulo-resposta, sendo o professor o responsável pelo estabelecimento de reforços positivos e negativos a fim de se estabelecerem comportamentos desejados (MAIA, 2008, p.33). Em síntese, a abordagem comportamental na educação é positiva pelos fatores elucidados na citação abaixo, porém recebe críticas por parecer excessivamente artificial, visto que em alguns momentos, o professor pode parecer um verdadeiro manipulador de comportamentos ao invés de educador. [...] trabalha com modificações de comportamento, utilizando-se de técnicas próprias. É especialmente utilizada quando é necessário clarificar e estabelecer limites, extinguir comportamentos inadequados ou para 11 desenvolver comportamentos novos. Geralmente suas técnicas, de forte impacto, são utilizadas juntamente com outras abordagens complementares. O Behaviorismo salienta a importância do planejamento da ação pedagógica de forma a fazer com que a aprendizagem do aluno gere consequências naturalmente reforçadoras (positivas) ao aprender. (CASSINS et al., 2007, p.28) 2.3 Psicanálise: contribuições essenciais Como a psicanálise será um dos referenciais teóricos mais abordados nesta apostila, nesta seção, enfocaremos alguns dos conceitos principais da teoria psicanalítica que possuem aplicabilidade na educação. Em outras seções desse material, iremos abordar o desenvolvimento psicossexual proposto por Freud, além de considerações do mesmo acerca da inteligência e afetividade. a) Breve trajetória de Freud Freud (1856-1939) foi um grande pensador e uma personalidade que muito influenciou a psicologia do século XX – mesmo que sua psicanálise seja alvo de crítica de muitas linhas de abordagem da atualidade. Em linhas gerais, pelo método da psicanálise, ele buscava trazer os conteúdos do inconsciente para o consciente para assim trabalhar os conflitos de forma construtiva (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005; JORGE; FERREIRA, 2002; SCHULTZ; SCHULTZ, 1992; HALL, LINDZEY, 1984). Estudou medicina, porém também estudou biologia (zoologia e fisiologia) em Viena. Após formado e desinteressado da clínica médica foi começar sua carreira em neurologia clínica junto com pacientes que apresentavam sintomas de paralisia em várias partes do corpo e observou que o tratamento dispensado a essas pacientes no momento era a hipnose. Dando continuidade aos seus estudos em Paris, ouviu de Charcot – o médico que seria o seu tutor, a explicação de que a denominação para esses males neurológicos sem causa definida que acometia as mulheres era histeria e que a causa dos mesmos era sexual. A partir de então, Freud resolveu aprofundar nesses estudos. (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005; SCHULTZ; SCHULTZ, 1992). Freud deduziu que grande parte do comportamento humano é determinada por processos mentais que operam abaixo do nível do conhecimento consciente, no nível do inconsciente. Freud acreditava que as forças mentais inconscientes muitas vezes entravam em conflito, o que produzia desconforto psicológico e, em alguns casos inclusive, alguns transtornos mentais aparentes (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005, p.53). 12 No decorrer de sua prática, Freud foi ficando insatisfeito com a hipnose e, ao invés de sugestionar a paciente a um estado alterado de consciência, adotou como técnica a associação livre: “o analisando é convidado a falar tudo o que lhe passa na cabeça, sem exercer o crivo da censura” (JORGE; FERREIRA, 2002, p.21). Ele observava que com a hipnose, muitos sintomas podiam ser aliviados ou eliminados, porém não eram curados, além do que, nem todos os pacientes se mostravam em condições de ser hipnotizáveis. Na associação livre, o paciente era convidado a se deitar no divã e falar livremente, sem se preocupar em estabelecer um nexo em suas ideias. O objetivo da psicanálise freudiana é trazer à percepção consciente lembranças ou pensamentos reprimidos, que ele supunha ser a fonte do comportamento anormal do paciente. [...] Mediante a livre associação, Freud descobriu que as lembranças do paciente iam invariavelmente à infância, e que muitas das experiências reprimidas de que o paciente se recordava tinhamrelação com questões sexuais (SCHULTZ; SCHULTZ, 1992, p.335). Inicialmente, Freud acreditava que todas as pacientes histéricas haviam sido realmente vítimas de algum tipo de situação traumática relacionada à sexualidade na infância, porém, com o avanço de seus estudos sobre a teoria psicanalítica, ele reviu este ponto e concluiu que em muitos casos o ponto chave para as neuroses eram fantasias de traumas sexuais infantis, e não traumas propriamente ditos (SCHULTZ, SHULTZ, 1992). A obra de Freud é muito extensa, aqui apenas iremos ressaltar o que pode ser de interesse para o estudo da psicologia escolar. Além dos estudos com as pacientes histéricas, que foram brevemente ilustrados aqui, Freud, no decorrer de sua carreira, estudou “Interpretação dos Sonhos”, o desenvolvimento psicossexual infantil (que será detalhado em outra seção), textos sobre a técnica psicanalítica, “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” “Mal estar na cultura”, dentre outros temas que estão catalogados em sua “Coleção Standard das Obras Completas de Sigmund Freud”. Morreu em 23 de Setembro de 1939, em consequência de um câncer de boca (JORGE; FERREIRA, 2002). 13 b) Conceitos principais Desde o início, ressaltamos a importância que o inconsciente possui para a teoria psicanalítica, porém, Freud não fez menção a apenas essa estrutura. Na primeira tópica da personalidade, Freud propôs o modelo topográfico da mente, em que comparou a mente com um iceberg: Figura 1: Modelo topográfico da mente Fonte: EXPANDIR A MENTE (2009) . Em síntese, pode-se compreender sobre cada uma dessas instâncias que compõem a primeira tópica do aparelho psíquico (LAPLANCHE; PONTALIS, 1988; FADIMAN; FRAGER, 2002): Consciente – contém pensamentos dos quais as pessoas estão cientes. Recebe informações do mundo exterior e interior (percepção, atenção, raciocínio – processos cognitivos); pré-consciente – zona intermediária que abriga conteúdos que não estão corretamente no consciente, mas podem ser trazidos à consciência com um certo esforço; 14 inconsciente – parte maior, mais importante e mais profunda do iceberg. O inconsciente contém desejos e motivos que estão associados a conflitos, ansiedade, sofrimento e o mecanismo de recalque (ou repressão) os deixam inacessíveis, protegendo a pessoa da angústia. Os conteúdos inconscientes são impossíveis de serem lembrados de forma voluntária. Formas de se acessar o inconsciente: sonhos, chistes, atos falhos (chistes e atos falhos são lapsos da linguagem), associação livre, sintoma (como foi visto na histeria). O mecanismo de recalque (ou repressão) é compreendido como um mecanismo de defesa do ego, opera inconscientemente, de modo que a pessoa não tem consciência do que está acontecendo. Ao reprimir (recalcar) um conteúdo, a pessoa está enviando para o inconsciente algum tipo de conteúdo que causa dor, sofrimento, vergonha, repulsa ou medo muito grandes a ela, de forma que o sofrimento de ligar com esses sentimentos iriam trazer prejuízos muito grandes ao seu ego. Hall e Lindzey (1984, p.39) ilustram sobre o processo de reclaque (repressão): As repressões, uma vez formadas, são difíceis de desfazer. A pessoa procura assegurar-se de que o perigo não existe mais, o que só consegue quando a repressão é suspensa e a realidade pode ser encarada de frente. É como um círculo vicioso. Essa é a razão por que o adulto conserva medos infantis. Nunca tem a possibilidade de descobrir que esses medos têm base na realidade. Para Freud, a personalidade é composta por três sistemas: id, ego e superego. Segundo Hall e Lindzey (1984): o id é formado pelos aspectos psicológicos inatos, herdados, inclusive os instintos. Funciona de forma a descarregar a tensão interna do organismo e ocasionar prazer – o que ele denominou princípio do prazer; o ego seleciona a quais aspectos do meio reagirá, além de decidir quais instintos devem ser satisfeitos e de que modo. “A diferença básica entre o id e o ego reside em que o primeiro conhece somente a realidade subjetiva da mente, enquanto que o segundo faz a distinção entre as coisas da mente e as do mundo exterior” (HALL; LINDZEY, 1984, p.27); o superego é o representante interno dos valores da sociedade, os quais são transmitidos pelos pais e reforçados pelos castigos e recompensas que foram impostos à criança “De modo geral, podemos considerar o id como o 15 componente biológico da personalidade, o ego como o componente psicológico e o superego como o componente social” (HALL; LINDZEY, 1984, p.28). A partir desses conceitos da teoria psicanalítica Cassins et al. (2007) argumentam que esta é uma base teórica de aplicabilidade no meio educacional, pois: O sujeito, que é um ser singular, único e dotado de um psiquismo regido por uma lógica específica, é também um indivíduo que participa das relações interpessoais e ocupa um lugar, estabelecendo laços com o contexto social no qual está incluído. Sendo assim, a Psicanálise está muito atenta para a relação que se constrói entre professor e aluno, que é o que estabelece as condições para o aprender, com vistas à transmissão e apreensão do conhecimento. Cabe ao educador, na atividade educativa, a responsabilidade por construir e transmitir o mundo da convivência humana em que seu aluno está ou estará inserido. Esta é a tarefa daquele que quer educar, humanizar o mundo dos seres humanos e, de alguma maneira, implicar os sujeitos que o habitam (CASSINS et al., 2007, p.29) 2.4 Psicologia da Educação a) Psicologia da Educação e Psicologia Escolar A existência da psicologia da educação como uma área conhecimento e de saberes teóricos e práticos claramente identificável, relacionado com outros ramos e outras especialidades da psicologia e das ciências da educação, mas, ao mesmo tempo, distintos delas, tem sua crença racional na convicção profunda de que a educação e o ensino podem melhorar sensivelmente com a utilização adequada dos conhecimentos psicológicos. Tal convicção, que tem suas raízes nos grandes sistemas de pensamento e nas teorias filosóficas anteriores ao surgimento da psicologia científica, foi objeto de múltiplas interpretações (COLL, 2004, p.21). O conceito de Psicologia Escolar/Educacional engloba os conceitos de psicologia na escola e da educação. Dentre as variações, sobre as reais atribuições relacionadas à Psicologia Escolar e à Psicologia Educacional, compreende-se que a psicologia escolar possui uma aplicação mais voltada à prática, enquanto que a psicologia educacional é mais voltada à área acadêmica, à pesquisa. Entretanto, vale a pena destacar que ambas se complementam, portanto essa dicotomia é uma mera distinção acadêmica, conceitual (CASSINS et al., 2007). Dando prosseguimento a essa discussão, Coll (2004) enfatiza que diversos autores propõem diferentes conceituações para a psicologia da educação, entretanto, todas essas definições levam em consideração a importância dos 16 componentes psicológicos para se explicar e compreender os fenômenos educacionais. Ao longo do percurso histórico da psicologia da educação observam- se duas vertentes distintas: a psicologia da educação entendida como um âmbito de aplicação da psicologia e a psicologia da educação entendida como uma disciplina- ponte entre a psicologia e a educação. Na atualidade, percebe-se que a psicologia da educação tende para essa segunda vertente, a qual será explorada nessa seção. Em linhas gerais, o objetivo da Psicologia Educacional/Escolar é auxiliar o desenvolvimento global do estudante através de um trabalho em equipe multiprofissional comdiretores, professores, orientadores, pais e supervisores. Seu trabalho visa à prevenção, avaliação, orientação psicológica e acompanhamento, aplicados preferencialmente no contexto institucional, em detrimento do atendimento individual, que só é realizado nos casos onde há realmente essa necessidade (CASSINS et al., 2007). A Psicologia Escolar tem como referência conhecimentos científicos sobre desenvolvimento emocional, cognitivo e social, utilizando-os para compreender os processos e estilos de aprendizagem e direcionar a equipe educativa na busca de um constante aperfeiçoamento do processo ensino/aprendizagem. Sua participação na equipe multidisciplinar é fundamental para respaldá-la com conhecimentos e experiências científicas atualizadas na tomada de decisões de base, como a distribuição apropriada de conteúdos programáticos (de acordo com as fases de desenvolvimento humano), seleção de estratégias de manejo de turma, apoio ao professor no trabalho com a heterogeneidade presente na sala de aula, desenvolvimento de técnicas inclusivas para alunos com dificuldades de aprendizagem e/ou comportamentais, programas de desenvolvimento de habilidades sociais e outras questões relevantes no dia-a-dia da sala de aula, nas quais os fatores psicológicos tenham papel preponderante. (CASSINS et al., 2007, p.17) Coll (2004) aprofunda um pouco mais nessa discussão ao elucidar os objetivos da psicologia da educação como disciplina-ponte entre a psicologia e a educação, tal como foi mostrado anteriormente. Os objetivos são estudar os processos de mudanças psicológicas que ocorrem nas pessoas em decorrência de sua participação em atividades educativas. Subentendem-se como processos de mudanças a aprendizagem, o desenvolvimento e a socialização (todos esses fatores serão abordados ao longo desta apostila), sendo importante destacar que a psicologia da educação se interessa pela natureza, as teorias e os aspectos implicados entre esses processos. 17 Compreende-se aqui a importância da abordagem multidisciplinar dos fenômenos educacionais, os quais precisam ser abordados como um todo. Dentre as finalidades da psicologia escolar podem-se destacar (CASSINS et al., 2007, p.23-24): Incentivar os educadores (incluídos os próprios psicólogos) para tomada de posições políticas em relação aos problemas sociais que afligem a todos; Estimular a escolha deliberada e conscientemente assumida de uma atuação profissional sustentada por teorias psicológicas, cuja visão contemple o homem em suas múltiplas determinações e relações histórico-sociais; Assessorar a escola no desenvolvimento de uma concepção de educação, na compreensão e amplitude de seu papel, em seus limites e possibilidades, utilizando os conhecimentos da Psicologia; Desenvolver uma concepção de Psicologia voltada a um compromisso social; Propor uma concepção do fracasso escolar não como um processo individual; Mediar os processos de reflexão sobre as ações educativas a partir da atuação com os diversos profissionais da educação; Propor e apoiar a construção de novas alternativas sociais para auxiliar na administração de possíveis deficiências escolares; Compreender e elucidar os processos de desenvolvimento biopsicossocial dos envolvidos com a escola; Compreender e elucidar os processos diferenciados de desenvolvimento da aprendizagem (aprender a aprender) de cada aluno e de cada professor; Compreender e clarificar a construção da subjetividade (construção do Eu) em cada ambiente educacional; Assessorar a escola na busca da humanização do sujeito, através do encontro da cognição com a motricidade, os afetos e as emoções na educação; Cultivar o enfoque preventivo: trabalhar as relações interpessoais na escola, visando à reflexão e conscientização de funções, papéis e responsabilidades dos envolvidos; Buscar ser o mediador do processo reflexivo e não o solucionador de problemas; Conscientizar o indivíduo da importância de sua participação e responsabilidade nos grupos em que está inserido, como a família, a escola, o trabalho e a sociedade. Antes de elucidarmos o papel específico do psicólogo escolar, convém esclarecer que a psicologia educacional é uma atividade que só pode ser desempenhada pelo psicólogo – profissional graduado em psicologia e devidamente inscrito no Conselho Regional de Psicologia da sua localidade. Porém, a psicologia escolar é uma área de interesse dos profissionais da área da educação – como o pedagogo, o profissional graduado em normal superior, os licenciados em diferentes áreas – pois serve de subsídio para o entendimento de processos cognitivos, 18 afetivos, psicossociais e relacionais envolvidos ao ensino-aprendizagem. Como será exposto na seção a seguir, algumas atividades são privativas do psicólogo, como, por exemplo, a aplicação de testes, inventários e avaliações psicológicas. Outras atividades são compartilhadas pelos profissionais que atuam na escola visando o bem-estar da comunidade escolar em geral. b) O psicólogo escolar A psicologia escolar busca um trabalho em parceria com a coordenação da escola, professores, familiares e demais profissionais da educação que acompanham o aluno dentro e fora do ambiente escolar. Para a realização deste trabalho, o psicólogo desenvolve atividades preventivas ou direcionadas a indivíduos/grupos que já possuem problemas instalados de alunos, professores e funcionários. Suas estratégias de atuação visam, de maneira geral, contribuir para o desenvolvimento cognitivo, humano e psicossocial de toda a comunidade escolar (CASSINS et al., 2007). O trabalho do psicólogo escolar/educacional tem como diretriz o desenvolvimento do viver em cidadania. Busca instrumentos para apoiar o progresso acadêmico adequado do aluno, respeitando diferenças individuais. É pautado na promoção da saúde da comunidade escolar a partir de trabalhos preventivos que visem um processo de transformação pessoal e social. Para tanto, baseia-se nos conhecimentos referentes aos estágios de desenvolvimento humano, estilos de aprendizagem, aptidões e interesses individuais e a conscientização de papéis sociais (CASSINS et al., 2007, p.23) Percebe-se, a partir da descrição de tarefas a serem desempenhadas pelo psicólogo escolar, que o trabalho desse profissional precisa ser realizado em equipe, juntamente com os demais profissionais da escola (professor, diretor, coordenador pedagógico, supervisor, dentre outros) e fora da escola, quando for o caso (médico, psicólogo, fonoaudiólogo, assistente social, dentre outros). Juntos, esses profissionais atuarão compondo uma equipe multidisciplinar, que pode ser compreendida como especialistas que podem interagir entre si no trabalho de reabilitação ou educação de pessoas com deficiências. Esses profissionais procuram uma interseção de conhecimentos de suas especialidades para uma ação terapêutica, clínica ou educativa unificada (ANDRADE, 1999). Convém ressaltar que o autor em questão aborda somente a questão da deficiência, 19 mas as equipes multidisciplinares não visam apenas a esse público-alvo, mas a todas as pessoas, independente de suas condições gerais. Além das escolas, os psicólogos escolares/educacionais encontram campo de atuação em ouras instituições, tais como clínicas especializadas, consultorias a órgãos governamentais, clínicas de acessória com projetos para escolas, serviços públicos de saúde e educação, ONGs, projetos de extensão universitária, onde se visa promover a educação no trabalho e pelo trabalho (CASSINS et al., 2007). Martinez (2009) acrescenta que, além desses espaços já mencionados, tambémpodem ser considerados locais para a prática do psicólogo educacional e escolar as casas abrigos, as penitenciárias, as universidades coorporativas, dentre outros espaços diversificados. Cassins et al. (2007, p.24) elucidam algumas atividades desempenhadas pelo psicólogo escolar, as quais são: assessorar a escola na construção do Projeto Político-Pedagógico; apoiar a escola em seu trabalho de resgate do valor e da autonomia do professor; assessorar o professor na articulação entre a teoria de aprendizagem adotada e a prática pedagógica; trabalhar com políticas públicas; conscientizar pais e professores sobre necessidades básicas de crianças e adolescentes; mobilizar a comunidade educacional em torno de propostas de intervenção com utilização de recursos da comunidade; pesquisar, desenvolver, aplicar e divulgar os conhecimentos relacionados com Psicologia Escolar/Educacional. Frente a essas tarefas possíveis de ser executadas no contexto educacional, Martinez (2009) divide a atuação do psicólogo educacional/escolar em dois grandes grupos de atividades: as formas de atuação tradicionais e as formas de atuação emergentes. Essas duas formas de atuação serão descritas a seguir. Compreendem-se por formas de atuação tradicionais aquelas associadas à dimensão psicoeducativa, como, por exemplo, problemas de desenvolvimento e aprendizagem dos alunos, os quais encontram na atuação do profissional da psicologia uma possível resolução e resposta. Dentre as possíveis formas de atuação, podemos destacar (MARTINEZ, 2009): 20 Tabela 01: Formas de atuação tradicional do psicólogo escolar / educacional Forma de atuação tradicional Descrição da atividade Avaliação, diagnóstico e encaminhamento de alunos com dificuldades de aprendizagem Mudança de uma situação onde um avaliador externo aplicava testes padronizados e rotuladores para uma nova realidade, onde o aluno é avaliado em seu próprio contexto de aprendizagem, visando compreender as reais causas das dificuldades de aprendizagem. As condições de avaliações tornam-se mais naturais para a criança. Impera o trabalho em equipe, onde o professor tem um importante papel. O psicólogo escolar só encaminha o aluno com dificuldades de aprendizagem para acompanhamento com profissionais externos à escola como última alternativa de ajuda, visto que essa atitude pode ser segregatória e reforçar mais na criança e seus familiares o estigma de suas dificuldades, ou seja, dificultar mais do que ajudar. Orientação de pais e alunos Propõe-se a orientação individual ou grupal no sentido de fornecer informações acerca das dificuldades escolares e outros assuntos referentes ao desenvolvimento do aluno. Orientação profissional Também, observam-se mudanças do antigo paradigma da aplicação de testes padronizados para caracterizar habilidades e interesses dos alunos a partir dos resultados para um espaço promotor do autoconhecimento, reflexão e elaboração de projetos profissionais. Orientação sexual “A orientação em relação ao sentido atribuído à sexualidade, à responsabilidade para com o outro, às dúvidas e inquietações sobre desejos e afetos, assim como, a contribuição para o desenvolvimento do autoconhecimento, a autorreflexão, a capacidade de antecipar consequências e a tomada de decisões éticas, se constituem em um 21 objeto significativo do trabalho do psicólogo escolar tanto na sua expressão individual quanto grupal” (MARTINEZ, 2009, p.171-172). Formação e orientação de professores Uma das formas de auxiliar os professores, seja através de sua orientação ou formação, envolve os processos subjetivos de aprendizagem e desenvolvimento. Elaboração e coordenação de projetos educativos específicos O psicólogo escolar participa junto com a equipe multidisciplinar da escola em projetos como resposta a problemas concretos que surgem na escola e na comunidade (por exemplo, violência, uso de drogas, gravidez precoce, preconceito, dentre outros). Atualmente, entende-se que esses projetos devem ter mais um caráter preventivo que para intervir em problemas já instalados. Fonte: Martinez (2009). Como a tabela anterior já deixa sugerir há um processo de mudança na práxis do psicólogo escolar/educacional e, atualmente, já se observa uma atuação mais criativa, como se pode observar na tabela a seguir. Tabela 02: Formas de atuação emergentes do psicólogo escolar / educacional Formas de atuação emergentes Descrição da atividade Diagnóstico, análise e intervenção a nível institucional especialmente no que diz respeito à subjetividade social da escola visando delinear estratégias de trabalho favorecedoras das mudanças necessárias para a otimização do processo educativo O psicólogo precisa reconhecer não apenas a dimensão psicoeducacional da escola, como também sua dimensão psicossocial. A partir do diagnóstico e análise das necessidades institucionais o psicólogo pode sugerir e traçar estratégias de intervenção para potencializar o trabalho em equipe, propor mudanças positivas, aprimorar a comunicação, mediar conflitos, dentre outras ações que visam à melhoria do funcionamento organizacional. Participação na construção, acompanhamento e avaliação Sabe-se que o projeto político- pedagógico de muitas instituições é um 22 da proposta pedagógica da escola documento que fica apenas no papel, ou que, ao contrário do que deveria, não é uma construção coletiva que se relaciona com a realidade escolar. Quanto ao trabalho do psicólogo escolar: “Seu trabalho pode ser especialmente importante na integração e na coesão da equipe escolar; na coordenação do trabalho em grupo; na mudança de representações, de crenças e mitos, na definição coletiva de funções e, ainda no processo de negociação e resolução de conflitos, os quais são frequentes em qualquer tipo de trabalho coletivo que implique no encontro de pontos de vistas diferentes.” (MARTINEZ, 2009, p.173) Participação no processo de seleção dos membros da equipe pedagógica e no processo de avaliação dos resultados do trabalho Atuação mais comum no ensino particular, onde o psicólogo atua junto aos demais gestores em processos seletivos (lembrando-se que esse é um dos campos de atuação do psicólogo nas empresas). Importante trabalhar a questão da avaliação, importante instrumento já adotado em muitas empresas, por que não também nas escolas, para que não seja visto como algo negativo, mas como oportunidade de crescimento. Contribuição para a coesão da equipe de direção pedagógica e para a sua formação técnica É essencial que a equipe da escola trabalhe em equipe, mas o psicólogo deve começar seu trabalho com a formação técnica da equipe de direção, atingindo todos os outros coletivos possíveis da escola. Coordenação de disciplinas e de oficinas direcionadas ao desenvolvimento integral do aluno Com a inclusão de propostas pedagógicas “não tradicionais” de cunho psicológico, como autoconhecimento, desenvolvimento de habilidades interpessoais, criatividade, dentre outros, o psicólogo encontra espaço para o desenvolvimento de projetos. Contribuir para a caracterização da população infantil com o objetivo de subsidiar o ensino personalizado O psicólogo, juntamente com o professor e o orientador educacional, devem buscar compreender os aspectos da subjetividade individual de cada aluno envolvidos nos processos de aprendizagem para assim promover o melhor processo de aprendizagem e desenvolvimento. 23Realização de pesquisas diversas com o objetivo de aprimorar o processo educativo Importante não se fazer separação entre pesquisa e trabalho na escola. Relevância de pesquisa com equipe de trabalho, pais, alunos e membros da comunidade. Facilitar, de forma crítica, reflexiva e criativa, a implementação das políticas públicas A efetivação de qualquer mudança ou inovação idealizada fora do contexto escolar passa, necessariamente, na forma pela qual os atores do processo assumem-na. Nesse sentido o psicólogo tem papel de destaque por considerar não apenas a dimensão psicoeducativa da aprendizagem, mas também a dimensão psicossocial. Fonte: Martinez (2009). O caráter qualitativo, processual, comunicativo e construtivo do diagnóstico e da avaliação das dificuldades escolares vai superando, não sem dificuldades, o diagnóstico rotulador e estático que caracterizou o diagnóstico das dificuldades escolares durante muitos anos (MARTINEZ, 2009, p.171). 24 UNIDADE 3 – O DESENVOLVIMENTO DO ESTUDANTE Compreender o desenvolvimento do estudante se faz essencial para avançar no estudo da Psicologia da Educação – tema desta apostila. O profissional da educação precisa entender que o aluno de dois anos apresenta padrões cognitivos e biopsicossociais diferentes dos alunos de três anos, diferentes dos de quatro anos e assim sucessivamente. Porém, antes de tentarmos compreender um pouco mais como se dá o processo de desenvolvimento do aluno e conhecer algumas das teorias que explicam esse processo é importante entender o conceito de desenvolvimento humano. O desenvolvimento humano envolve o estudo de variáveis afetivas, cognitivas, sociais e biológicas em todo ciclo da vida. Desta forma faz interface com diversas áreas do conhecimento como: a biologia, antropologia, sociologia, educação, medicina, entre outras. (MOTA, 2005, p.106) Em síntese, o desenvolvimento humano é o estudo científico das mudanças e das continuidades que ocorrem durante todo o ciclo vital do indivíduo (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006). Já Oliveira e Davis (1994) definem desenvolvimento como “o processo através do qual o indivíduo constrói ativamente, nas relações que estabelece com o ambiente físico e social, suas características” (p.19). A autora defende que as características humanas são historicamente herdadas. De geração em geração acumulamos conhecimentos, os quais são herdados e transmitidos, o que influencia, desde o nascimento, na percepção do indivíduo sobre o mundo à sua volta. Assim, compreende-se que para a apropriação dessas características humanas faz-se necessária a interação do indivíduo com o meio. Essas questões sobre a hereditariedade e o ambiente serão mais detalhadas a seguir. Inicialmente, acreditava-se que o desenvolvimento ocorria apenas na infância, visto que até o início do século XX, a adolescência não era compreendida como um período separado da infância. Atualmente, fala-se em desenvolvimento no ciclo vital, ou seja, o desenvolvimento acontece por toda a vida, do nascimento à morte (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006). 25 Mota (2005), afirma que a Psicologia do Desenvolvimento aumenta sua área de abrangência e inclui outras áreas, como a psicologia social, cognitiva, personalidade e, finalmente, a educacional, que é a nossa área de interesse nesta apostila. Alguns teóricos, como Freud (desenvolvimento psicossexual) e Piaget (desenvolvimento cognitivo) postulam que o processo de desenvolvimento humano ocorre em etapas. De acordo com essa linha de raciocínio, em cada etapa, os indivíduos lidam com diferentes tipos de problemas e desenvolvem diferentes tipos de capacidades para a resolução dos mesmos. Cada etapa fundamenta-se nas anteriores e prepara o caminho para a seguinte. Já numa linha de raciocínio bem diferente, outros teóricos, como Baltes (teoria do curso de vida) apregoam que o desenvolvimento é um processo vitalício e contínuo. O desenvolvimento é governado sempre pelos mesmos processos, permitindo a predição de comportamentos posteriores a partir da observação dos comportamentos anteriores. Essa abordagem do ciclo vital é bastante importante e, em termos de educação, o educador consegue refletir que, como alguns teóricos como Knowles apregoam, a pedagogia é a forma de ensinar direcionada às crianças, porém precisamos apropriar a didática para pessoas de diferentes idades, pois elas têm condições de aprender – andragogia. A necessidade de se integrar ao estudo do desenvolvimento humano uma perspectiva interdisciplinar, que adote uma metodologia de pesquisa própria, faz com que alguns autores sugiram que o estudo do desenvolvimento humano constitua um campo de atuação independente da Psicologia, que tem sido chamado de ‘Ciência do Desenvolvimento Humano’ (ASPESI, DESSEN & CHAGAS, 2005; BRONFRENBRENNER & EVANS, 2000, apud MOTA, 1995, p.106). Tendo tudo isso em vista, Oliveira e Davis (1994) fazem uma relevante articulação entre a psicologia do desenvolvimento humano e a pedagogia. Segundo as autoras, o estudo da psicologia do desenvolvimento humano, dentre outros fatores já explícitos aqui, estuda a evolução da capacidade física, psíquica, cognitiva, sociabilidade e afetividade do ser humano. O estudo do desenvolvimento humano torna possível compreender que as manifestações complexas das atividades do adulto – sejam elas físicas, psíquicas, dentre outras – são resultado de um longo processo, que se inicia antes mesmo do nascimento. Isto é de extrema 26 importância para a Pedagogia, para subsidiar a organização das condições para a aprendizagem infantil, ativando, assim, processos internos de desenvolvimento na criança, os quais serão transformados em aquisições individuais. 3.1 Concepção inatista X Concepção ambientalista a) Natureza X Ambiente Antes de estudarmos as duas concepções propriamente ditas, iremos dar continuidade ao estudo do desenvolvimento humano, visto que as concepções estão diretamente associadas com um importante princípio do desenvolvimento. O estudo do desenvolvimento humano abre margem para alguns questionamentos bastante importantes que levaram os estudiosos a compreender ou pelo menos tentar entender como se dá o processo de crescimento e desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial. Para tentarmos compreender melhor o nosso aluno e como ocorre o processo de aprendizagem, faz-se necessário conhecer o debate sobre as fontes de desenvolvimento: inato X ambiente – expressões que serão explicadas a seguir. Cole e Cole (2004) elucidam que há uma interação entre os fatores geneticamente determinados (inatos) e os fatores ambientais, resultando no desenvolvimento de cada indivíduo. Este debate é também denominado de nature (natureza) x nurture (educação), de onde fica subentendido que a natureza refere-se ao que é herdado e a educação faz menção às influências do ambiente social e cultural (família e comunidade). Ressalta-se que, na prática, torna-se difícil estudar a influência isolada de cada um desses aspectos no desenvolvimento das crianças, já que a interação constante entre o organismo e o ambiente constitui um único processo de vida. As crenças sobre as contribuições da natureza e da educação para o desenvolvimento podem ter efeitos de longo alcance sobre como a sociedade trata as crianças. Se, por exemplo, supõe-se que as meninas, por natureza, têm pouco interesse por matemática e ciências, não é provável que sejam encorajadas por seus pais, professores e outros membros da sociedade a se tornarem matemáticas ou cientistas. Se, por outro lado, supõe-se que os talentos matemáticoe científico são, em grande parte, resultado da educação, uma sociedade pode treinar meninos e meninas igualmente nessas atividades (COLE; COLE, 2004, p.35). 27 Papalia, Olds e Feldman (2006), outros importantes teóricos sobre o assunto, também afirmam que a hereditariedade e o ambiente são importantes influências sobre o desenvolvimento. Os autores acrescentam ainda que a maturação do corpo e do cérebro é responsável por muitas das mudanças típicas da primeira e da segunda infância. Sobre maturação compreende-se: [...] o desdobramento de uma sequencia natural geneticamente influenciada de mudanças físicas e padrões de comportamento incluindo a prontidão para adquirir novas habilidades, como caminhar e falar. À medida que as crianças transformam-se em adolescentes e depois em adultos, as diferenças nas características inatas e na experiência de vida desempenham um papel mais importante (p.54). Carvalho (1996) acrescenta que atribuir a aprendizagem e a maturação como fatores determinantes do desenvolvimento é fator polêmico. Esclarece que as funções filogenéticas – aquelas próprias da espécie, como engatinhar, ficar de pé e caminhar – são mais influenciadas pela maturação, enquanto que as funções ontogenéticas – aquelas próprias de cada indivíduo – são mais influenciadas pela aprendizagem. Verifica-se também que as funções filogenéticas têm cronologias mais definidas (por exemplo, sabemos o período aproximado que um bebê humano normalmente começa a engatinhar e a dar os primeiros passos), enquanto que as funções ontogenéticas apresentam variação individual em relação à época de aquisição. Diferentes estudos realizados onde tentaram privar grupos experimentais e controle de alguma dessas variáveis (sendo a aprendizagem muito mais simples de se isolar) mostram que ambas são imprescindíveis ao processo de desenvolvimento. A ausência de uma ou outra impede o desenvolvimento integral do organismo. ‘É necessário que a maturação tenha instalado suas bases para que o processo de aprendizagem seja mais eficaz. Por outro lado, não se pode prescindir da aprendizagem se se quiser obter um desenvolvimento integral’ (CARVALHO, 1996, p.31). No que diz respeito aos aspectos psicológicos, o debate sobre a influência da natureza ou do ambiente é muito antigo e vem desde a Grécia antiga. As características psicológicas são biologicamente inatas, mas também adquiridas pela educação, experiência ou cultura. Entende-se como cultura as crenças, regras, valores e costumes de determinado grupo de pessoas que compartilham uma mesma língua e ambiente, de onde é possível supor que aspectos culturais são 28 transmitidos entre gerações através da aprendizagem (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005). Ainda que inegável a presença de fatores de maturação e de aprendizagem no processo evolutivo, acreditamos que o indivíduo que cresce participa cada vez mais ativamente de sua própria evolução. Ao maior controle dos órgãos ligados à fonação, do diafragma e, consequentemente, da quantidade do ar inspirado e expirado, que levam a um maior domínio das cordas vocais e à emissão de diferentes sons, ao final do primeiro ano de vida – maturação –, somam-se as influências ambientais, reforçando diferencialmente os sons, que culminam na formação de palavras, inicialmente globais, mas que possibilitam o início da comunicação semântica – aprendizagem. Segue-se a isso uma fase de perguntas, variável de uma criança para outra, mais ou menos intensa, que por si mesma enriquece o vocabulário, amplia o conhecimento e a possibilidade de uma comunicação mais ampla. E desta forma fatores endógenos, exógenos e pessoais se entrelaçam e realimentam num complexo de interações (CARVAHO, 1996, p.29). Como foi possível observar em Carvalho (1996), Cole e Cole (2004) e Gazzaninga e Heatherton (2005), é indiscutível a importância dos fatores inatos e do ambiente do desenvolvimento do indivíduo, porém os últimos autores são enfáticos ao afirmarem que, atualmente, torna-se relevante para os cientistas conhecerem como natureza e ambiente interagem, além do que “é a relativa importância da natureza e do ambiente na determinação da mente e do comportamento que atrai o interesse dos cientistas psicológicos” (p.47). b) Concepção Inatista A concepção inatista parte do pressuposto de que os eventos que ocorrem após o nascimento não são essenciais e/ou importantes para o desenvolvimento. As qualidades e capacidades básicas de cada ser humano – sua personalidade, seus valores, hábitos e crenças, sua forma de pensar suas reações emocionais e mesmo sua conduta social – já se encontrariam basicamente prontas e em forma final por ocasião do nascimento, sofrendo pouca diferenciação qualitativa e quase nenhuma transformação ao longo da existência. O papel do ambiente (e, portanto, da educação e do ensino) é tentar interferir o mínimo possível no processo do desenvolvimento espontâneo da pessoa (OLIVEIRA; DAVIS, 1994, p.27). Suas origens foram embasadas em interpretações da Teologia, do Darwinismo e da Embriologia, em visões muitas das vezes equivocadas ou não aplicáveis para o estudo de humanos. Não há bases empíricas para a psicologia quem comprovem a visão inatista. Em síntese, o inatismo apregoa que o homem já 29 nasce pronto, portanto, o educador tem a visão, muitas das vezes pessimista, de que a criança ou adolescente será do jeito que chegou até ele, independente do que ele tentar fazer no sentido de promover uma educação melhor. Essa visão até os dias de hoje aparece em sala de aula, camuflada sobre ideias de aptidões, prontidão e coeficientes de inteligência e é bastante preconceituosa (OLIVEIRA; DAVIS, 1994). c) Concepção Ambientalista Ao contrário da concepção inatista, que apregoa que o ser humano já nasce pronto, para a concepção ambientalista, o homem é compreendido como um ser dotado de grande plasticidade, ou seja, ele nasce dotado de condições de moldar-se segundo as características do meio onde ele se encontra inserido. Segundo Oliveira e Davis (1994), essa corrente sofreu influência do empirismo e do behaviorismo de Skinner, corrente psicológica que já foi abordada anteriormente. Recapitulando, segundo a teoria comportamentalista, os indivíduos buscam maximizar o prazer, ao mesmo tempo em que evitam a dor. Dessa forma, é possível manipular estímulos ambientais para assim controlar o comportamento. Na visão ambientalista, a ênfase está em proporcionar novas aprendizagens, por meio da manipulação dos estímulos que antecedem e sucedem o comportamento. Para tanto, é preciso uma análise rigorosa da forma como os indivíduos atuam em seu ambiente, identificando os estímulos que provocam o aparecimento do comportamento-alvo e as consequências que o mantém. A esta análise dá-se o nome de análise funcional do comportamento. Nela defende-se o planejamento das condições ambientais para a aprendizagem de determinados comportamentos (OLIVEIRA; DAVIS, 1994, p.33). A concepção ambientalista coloca o professor em papel de destaque, pois a ele cabe planejar bem as aulas e dar reforços positivos aos seus alunos (como elogios, notas) para que os mesmos possam ter um bom desempenho. Por outro lado, a concepção inatista deixava o professor com um papel mais passivo, já que como o estudante já chegava até à escola pronto, nada adiantava fazer para que seu desempenho se modificasse. Por outro lado, a concepção ambientalista enxerga os seres humanos como criaturas possíveis de serem manipuladas e controladas, deixando de ser a aprendizagem algo mais espontâneo (OLIVEIRA; DAVIS, 1994). 30 A partir do entendimento do debate naturezaX ambiente e, consequentemente, das concepções inatista e ambientalista da aprendizagem prosseguiremos os estudos de alguns teóricos que investigaram o desenvolvimento humano. A partir da compreensão do processo de desenvolvimento – seja ele físico, psicológico, social ou cognitivo – podemos articular esse conhecimento com o processo educacional. Teremos como principal teoria de aprendizagem a Teoria Construtivista. 3.2 Piaget e a aprendizagem Assim como foi mencionado na teoria de Freud, Piaget também será um dos referenciais teóricos principais desse material. Nessa seção, serão abordados alguns conceitos de sua obra (convém ressaltar que devido às limitações de espaço não será possível aprofundar no estudo desses temas) e, em outros momentos, será abordado o desenvolvimento cognitivo pela perspectiva do autor, além de considerações do mesmo acerca da inteligência e afetividade. 3.2.1 Conceitos principais Piaget defende uma linha muito importante para a psicologia e para a educação: o construtivismo. Segundo essa linha, tanto a natureza, quanto a educação são importantes para o desenvolvimento da criança e, além disso, defende-se que o papel do ambiente vai além de apenas desencadear o potencial inato da criança, ao contrário do que se poderia imaginar. As crianças constroem seu conhecimento, em níveis cada vez mais elevados, sendo essa construção uma relação ativa com o ambiente. “São seres biossociais, porque tanto as circunstâncias do amadurecimento quanto as circunstâncias ambientais estão reciprocamente envolvidas no processo de mudança” (COLE; COLE, 2005, p.58). A influência que o ambiente exerce sobre as crianças varia de acordo com o estágio de desenvolvimento no qual as mesmas se encontram, mas esses processos de mudança desenvolvimental – como será visto no próximo item – são universais na espécie humana. Piaget (1973 apud COLE; COLE, 2005) apregoa que a sociedade na qual o indivíduo encontra-se imerso desde o nascimento, em certo sentido, pode modificar 31 a própria estrutura do indivíduo. A influência das relações sociais na vida das pessoas é tão grande quanto a influência do ambiente físico. O que distingue especialmente as teorias construtivistas das teorias maturacionais e das de aprendizagem é a importância que os construtivistas dão ao papel ativo das crianças na moldagem do seu próprio desenvolvimento (COLE; COLE, 2005, p.58). Coll (2004b) elucida que a ideia original do construtivismo reside no fato de que conhecimento e aprendizagem são, em boa parte, resultado de uma dinâmica ativa do sujeito entre conhecer e aprender. Assim, conhecimento e aprendizagem nunca são o resultado de uma leitura direta da experiência, mas sim o resultado da atividade mental construtiva através da qual as pessoas leem e interpretam a experiência. Vale a pena destacar que essa é a ideia original defendida por Piaget e os colaboradores da epistemologia genética nos anos de 1940-1950, porém a partir desses estudos atualmente surgiram outros enfoques teóricos cuja base é o construtivismo, mas que apresentam outras características peculiares. Retomando às ideias base de Piaget, o desenvolvimento cognitivo – que será explicado detalhadamente na subseção a seguir – ocorre através de três princípios inter-relacionados, os quais são pontos-chave na teoria piagetiana: organização, adaptação e equilibração. a) Organização: Tendência para criar estruturas cognitivas (esquemas) cada vez mais complexas. Com o desenvolvimento, naturalmente a criança adquire mais informações e os esquemas vão se tornando mais complexos (PAPALIA: OLDS: FELDMAN, 2006). b) Adaptação: É o processo pelo qual a criança ajusta as novas informações sobre o ambiente que entram em conflito com aquelas que ela já sabe. Envolve duas etapas: assimilação e adaptação. Assimilação é a incorporação de novas informações a uma estrutura cognitiva já existente (PAPALIA: OLDS: FELDMAN, 2006). Maia (2008, p.59) 32 acrescenta que “por assimilação, compreende-se o mecanismo que o sujeito aplica ao procurar compreender o seu mundo”. Acomodação consiste nas mudanças nas estruturas cognitivas existentes para se incluir novas informações (PAPALIA: OLDS: FELDMAN, 2006). Por acomodação, podemos compreender o movimento de ajustamento dos esquemas ou estruturas cognitivas às resistências provocadas pelas novas situações, não passíveis de uma assimilação pura. Surge a partir das perturbações provocadas pelas situações que o sujeito enfrenta (MAIA, 2008, p.59). Segundo Carvalho (1996), assimilação e acomodação são dois aspectos do processo de adaptação. Toda assimilação pressupõe uma acomodação anterior do organismo e toda acomodação uma modificação assimilativa do objeto ao qual o organismo deve se acomodar. A equilibração é a tendência para se buscar um equilíbrio entre elementos cognitivos do próprio organismo, assim como entre o organismo e o mundo exterior (PAPALIA: OLDS: FELDMAN, 2006). Segundo Carvalho (1996), a equilibração pode ser comparada a uma homeostase, porém se difere da biológica, visto que a equilibração visa a um nível cada vez superior de funcionamento mental. Em síntese, o desenvolvimento cognitivo acontece através de constantes desequilíbrios e equilibrações. O surgimento do novo – sejam novas possibilidades orgânicas no organismo ou mesmo características diferentes no ambiente – quebram o estado anterior de equilíbrio, gerando desequilíbrio. Em busca de atingir novo estado de equilíbrio os mecanismos de assimilação e acomodação são acionados (DAVIS; OLIVEIRA, 1994). 3.2.2 Estágios de desenvolvimento cognitivo Piaget tinha uma visão organísmica das crianças, considerando-as seres ativos em crescimento, com seus próprios impulsos internos e padrões de desenvolvimento. Ele via o desenvolvimento cognitivo como produto dos esforços das crianças para compreender e atuar sobre o seu mundo (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006, p.73). Piaget estudou o desenvolvimento cognitivo que, segundo ele, se inicia com a capacidade inata do ser humano de se adaptar ao ambiente. Sua metodologia de estudo visou investigar as mudanças ocorridas em cada estágio de 33 desenvolvimento, ou seja, as mudanças na qualidade do funcionamento cognitivo da criança e do adolescente. A teoria piagetiana visa investigar como a mente estrutura suas atividades e adapta-se ao ambiente. A teoria de Piaget foi desenvolvida a partir da observação de seus próprios filhos. O pesquisador inicialmente aplicou testes padronizados em crianças e ficou curioso ao observar os padrões de erros cometidos pelas mesmas, muitos dos quais associados aos padrões de pensamento esperados pela idade. A partir desses erros, iniciou essa observação mais intensiva em seus filhos e outras crianças desde os seus primeiros anos de vida, de onde pôde concluir que o padrão de pensamento das crianças é qualitativamente diferente do modo de pensar dos adultos. Segundo o pesquisador, essas sequências de pensamento são universais e, ao contrário do que outros teóricos acreditavam, os padrões de pensamento infantil não se caracterizam como erros, apenas como padrões característicos de determinada faixa etária (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006). Piaget dividiu o desenvolvimento cognitivo em quatro estágios: sensório- motor, pré-operacional, operações concretas e operações formais. O primeiro desses estágios, o sensório-motor, é dividido em seis subestágios. A tabela a seguir sintetiza brevemente os principais acontecimentos de cada um desses estágios e subestágios e, após a tabela, serão feitas mais algumas consideraçõesespecíficas a respeito de alguns desses estágios. 34 Tabela 03: Síntese dos estágios do desenvolvimento cognitivo de Piaget Estágio (Estádio) Faixa etária Principais Características Sensório-motor 0 – 2 anos Aprendizagem através dos seus sentidos e da atividade motora. Estimulação ambiental essencial. Dividido nos 6 subestágios abaixo: Subestágio 1 Nascimento ao 1° mês Reflexos inatos. Certo controle sobre estes reflexos. Subestágio 2 1 – 4 meses Reações circulares primárias: os bebês aprendem a repetir sensações agradáveis primeiramente obtidas por acaso. Atentam-se para os sons. Começam a coordenar diferentes tipos de informações sensoriais. Subestágio 3 4 – 8 meses Interesse em manipular objetos e aprender sobre suas propriedades. Reações circulares secundárias: ações intencionais repetidas não apenas pelo seu próprio valor, mas para obter resultados além do próprio corpo. Subestágio 4 8 – 12 meses Coordenação de esquemas secundários: os bebês já elaboraram os poucos esquemas com os quais nasceram. Generalização a partir da experiência passada para resolver novos problemas. Independência: engatinham ou afastam o que é indesejado. Início do comportamento intencional. Subestágio 5 12 – 18 meses Experimentam novos comportamentos para ver o que acontece. Reações circulares terciárias: variam uma ação para obter um resultado parecido. Originalidade na resolução de problemas. Subestágio 6 12 a 24 meses Capacidade de representar mentalmente objetos e ações na memória. Imitação diferida: imitam ações que não estão vendo no momento. Pré-operacional 2 – 7 anos Pensamento simbólico mais sofisticado, 35 (Educação infantil) porém não são capazes de utilizar a lógica. Simbolização: as crianças são capazes de imaginar objetos, mesmo sem contato com ele. Compreensão de identidades. Compreensão de números. Operacional concreto 7 – 11 anos (Educação básica) Desenvolvimento do pensamento lógico, mas não do abstrato. As operações fazem parte de um conjunto de atos inter-relacionados: operações lógicas de adição, subtração, multiplicação, classificação, operações envolvendo quantidade, tempo, mensuração, espaço. Operações formais 11 – 19 anos (Adolescênc ia) Etapa final do desenvolvimento cognitivo, caracterizada pela capacidade de pensar em termos abstratos. Pensam em termos do “poderia ser” e não apenas no “é”. Capacidade de pensar de maneira abstrata possui implicações emocionais. Raciocínio hipotético-dedutivo: capacidade de desenvolver, considerar e testar hipóteses. Interesse em ideias científicas e abstratas. Fonte: Adaptado de Papalia; Olds; Feldman (2006). A seguir, teceremos alguns esclarecimentos extra acerca do que foi exposto na tabela anterior. a) Estágio sensório-motor: Como foi ilustrado na tabela, esse estágio é dividido em seis subestágios. A passagem de um estágio para o outro ocorre à medida em que os esquemas do bebê vão se tornando mais complexos. Em termos de desenvolvimento cognitivo conceituam-se esquemas como “estruturas cognitivas básicas que consistem de padrões organizados de comportamento utilizados em diferentes tipos de situações” (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006, p.197). 36 Outros termos que também foram apenas citados na tabela, porém sem maiores explicações foram as “reações circulares”, as quais acontecem durante esse estágio. Piaget definiu essas reações por situações agradáveis que o bebê aprende a produzir, inicialmente por acaso, fazendo com que ele deseje repeti-las. A partir daí, as repetições se retroalimentam, formando uma espécie de ciclo, ou seja, um comportamento inicialmente casual se consolida num novo esquema. “As ações desse tipo são chamadas primárias, porque os objetos aos quais elas são dirigidas são partes do próprio corpo do bebê; eles são chamados circulares porque conduzem apenas de volta a si mesmos” (COLE; COLE, 2004, p.184). Já as reações secundárias envolvem algo fora do corpo do bebê. As reações circulares terciárias são mais complexas, o bebê experimenta diferentes maneiras de produzir determinada resposta que foi descoberta por ele de maneira acidental. A figura a seguir ilustra os exemplos das reações circulares primárias, secundárias e terciárias, as quais ocorrem nos subestágios 2, 3 e 5 respectivamente, como foi demonstrado anteriormente na tabela. 37 Figura 02: Reações circulares primárias, secundárias e terciárias Fonte: Papalia, Olds, Feldman (2006, p.199). b) Estágio pré-operacional: A primeira infância é uma fase de transição entre a fase de bebê – marcada pelos esquemas sensórios motores – e os pensamentos mais complexos da segunda infância que serão explorados a seguir. O padrão de pensamento pré- operatório é caracterizado por uma série de “erros” devido à incapacidade da criança dessa fase de descentrar seu pensamento, ou seja, a criança ainda não é capaz de direcionar sua atenção para mais de um aspecto de qualquer situação sobre a qual estejam querendo pensar. 38 Piaget percebeu a descentração numa experiência simples, a qual pode ser realizada em sala de aula. Inicialmente, a criança recebia dois recipientes idênticos com a mesma quantidade de água. Enquanto a criança observa, a água de um dos recipientes é derramada até um terceiro, mais estreito e mais alto, de forma que dê a impressão de que este terceiro tenha mais água que o original. Ao serem arguidas sobre o que aconteceu com a água é comum que as crianças de 3 a 4 anos respondam que a quantidade de água aumentou (COLE; COLE, 2004). A figura a seguir, retirada de um blog direcionado à área da Psicologia da Educação, ilustra recipientes que podem ser utilizados para se fazer essa experiência em sala de aula e suas instruções detalhadas (assim como instruções de como realizar outras provas piagetianas). Figura 03: Material para prova piagetiana de conservação de líquidos (irreversibilidade) Fonte: LAPSI (2014). Piaget considerava outras características marcantes no pensamento da primeira infância: o egocentrismo, a confusão entre a aparência e a realidade e o raciocínio não lógico. Assim como a descentração, essas características também explicam os erros que a criança pré-operacional comete normalmente, ou seja, as limitações comuns ao seu padrão de pensamento. O egocentrismo na visão de Piaget pode ser compreendido como a tendência da criança dessa faixa etária de considerar o mundo apenas a partir de seu próprio ponto de vista, ou seja, elas ainda são incapazes de descentrar (COLE; COLE; 2005). 39 Dentre as outras limitações do pensamento pré-operacional, podemos destacar o animismo (atribuir vida a objetos inanimados, como, por exemplo, desenhar o sol com rosto) e a incapacidade de distinguir o que é aparência de realidade (não saber diferenciar, por exemplo, se a estátua de um enorme dinossauro no cinema como propaganda de um filme é real ou apenas um “boneco”) (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006). c) Estágio das operações concretas: Na segunda infância, os avanços nas habilidades cognitivas da criança tornam as mesmas aptas a ingressarem no ambiente da educação básica, visto que suas operações mentais já são capazes de resolver problemas concretos. A criança demonstra capacidade de pensamento espacial, consegue compreender relações de causa e efeito, possui capacidade de realizar classificações e categorizações,
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