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RESENHA CRÍTICA SARTI, C. Corpo e doença no trânsito de saberes. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 25, n. 74, p. 77-91, out. 2010. Rosemberg Jônatas Gomes de Sousa1 É interessante quando vemos a posição da biomedicina diante do campo que trata do corpo, da saúde e da doença, principalmente no mundo ocidental. Ela assume a posição de detentora dos saberes e especifica diretrizes e tratamentos baseados no fisicalismo e na objetividade, numa perspectiva que cinde o ser humano em duas partes: o corpo e o sujeito. A primeira parte – o corpo – , biologizado e objeto de experimentações, sofre quantificações em relação à saúde e à adequação a uma normalidade instituída por postulados científicos. O antropólogo, por sua vez, busca o intercâmbio de informações com a segunda parte, o objeto transformado em sujeito, trazendo uma perspectiva qualitativa – a visão do doente – ao discurso científico. Buscar o reconhecimento do doente num campo objetivo e empírico – o saber biomédico – requer enfrentamento de ordem política e culminou com a duas posições antropológicas de diferentes epistemologias: a “antropologia médica” e a “antropologia da saúde”. A antropologia médica, com forte expressão norte-americana, utiliza referenciais da biomedicina e subordina-se a ela, além de apresentar fraqueza teórica e falhar no alcance da análise cultural dos fenômenos humanos construídos socialmente, que é uma das ocupações da antropologia. Por outro lado, a antropologia da saúde – marcada pela escola francesa de sociologia – assume postura de enfrentamento de poderes diante da posição reificada dos saberes biomédicos no campo em referência, na medida em que não se molda aos postulados científicos e objetivos, antes, relativizando-os e considerando-os pertencentes à categoriais culturais, assim como se dá a construções de significados sobre o campo do corpo, da saúde e doença. O problema que marca a mudança ontológica no mundo ocidental é a cisão entre a pessoa e o corpo humano, gerando consequências de implicações morais e ambiguidades como diferenças entre valor e função de membros do corpo. Como exemplo disso, pode-se facilmente encontrar na internet ou em revistas sobre saúde e corpo tabelas e testes que visam apresentar ao indivíduo seu peso ideal. Trata-se de um postulado biomédico baseado no IMC2 e que oferece à pessoa 1 Acadêmico do curso de Psicologia na Unesp de Bauru. E-mail: rosemberg.psicologia@fc.unesp.br 2 O índice de massa corpórea (IMC), que relaciona altura e peso, é um dos métodos mais utilizados para determinar se você está com peso ideal, com sobrepeso ou obeso. Disponível em <http://veja.abril.com.br/testes/problemas- com-balanca.shtml>. Acesso em: 24 mar. 2014. justificativas até mesmo para um possível tratamento médico, caso ela se encontre fora da “normalidade” imposta pela medicina. Segundo Sarti (2010), a doença também pode se achar na própria definição moderna de sujeito, cindido entre corpo e pessoa, e, consequentemente, cheio de conflitos e dualidades. Enquanto as ciências biológicas tratam o corpo de maneira objetiva, a literatura antropológica mostra diferentes formas de pensar a estrutura e fronteiras deste, como é o caso dos ameríndios que consideram um contínuo os mundos humano, animal e vegetal – o que seria visto como um verdadeiro atraso diante da ciência ocidental, na qual a noção de “eu” é representada pelo indivíduo nos limites do seu próprio e único corpo. Psicólogos, médicos e terapeutas ocupacionais utilizam o Dicionário de Saúde Mental, um manual clínico e estatístico feito pela Associação Americana de Psiquiatria para definir como é feito o diagnóstico de transtornos mentais. Entretanto, se visto com a perspectiva antropológica, os sistemas classificatórios de doenças são construções simbólicas, expressas em um universo social específico, pois a doença é tributária ao corpo e ao sujeito. Ademais, a experiência e o discurso do doente podem oferecer uma leitura de que a doença é uma forma de estar na vida, sendo desnecessária a ideia de normal ou patológico em si. Igualmente, a cura não é o estado original biológico, mas uma nova e diferente forma de ser. Concluindo, a antropologia (etnologia) questiona a região que torna possível um saber sobre o homem e traça contornos das representações que os homens dão a si próprios em uma civilização, estudando o corpo, a saúde e a doença fora da racionalidade ocidental e biomédica.
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