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1Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais Vânia Martins 2Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais Sumário Introdução ......................................................................................... 03 Objetivos ........................................................................................................... 04 Estrutura do Conteúdo .................................................................................... 04 Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais Tópico 1: Evolução da Responsabilidade Socioambiental ................................. 05 1.1 Década de 1950 ............................................................................... 06 1.2 Década de 1960 .............................................................................. 08 1.3 Década de 1970 ............................................................................... 09 1.4 Década de 1980 .............................................................................. 10 1.5 Década de 1990 .............................................................................. 12 1.6 A Partir de 2000 ............................................................................... 13 Tópico 2: Estado, Mercado e Sociedade ........................................................... 15 Tópico 3: A Globalização e o Estado Mínimo .................................................... 17 Tópico 4: A Redemocratização Brasileira .......................................................... 19 Tópico 5: Mudanças no Mercado ...................................................................... 20 Resumo ............................................................................................................. 27 Referências Bibliográficas .............................................................................. 28 3Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais Seja bem-vindo(a) ao conteúdo “Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais”. Os seres humanos, principalmente por meio de suas atividades econômicas, sempre provocaram algum tipo de mudança no ambiente. Esta interferência foi muito ampliada ao longo da história da humanidade, sobretudo pelo desenvolvimento da tecnologia, que permitiu uma utilização cada vez maior dos recursos da natureza. A Revolução Industrial, a partir do século XVIII, introduziu um novo padrão de relações entre o homem, a tecnologia e o meio ambiente. Com a máquina a vapor e outras tecnologias surgidas neste período, passou-se a transformar facilmente os recursos então abundantes na natureza em energia, ocorrendo uma expansão sem precedentes na capacidade produtiva humana. Entretanto, tamanho desenvolvimento econômico não foi acompanhado, inicialmente, do mesmo nível de desenvolvimento social, pois a maior parte das populações ficaram excluídas das riquezas geradas. Por sua vez, a utilização sem precedentes dos recursos naturais, com o objetivo de alimentar uma sociedade de consumo cada vez mais voraz, trouxe grandes danos ao meio ambiente. A percepção da sociedade a respeito destas questões evoluiu por muitas décadas até que fosse construída a noção de que os avanços econômicos não poderiam andar separados do desenvolvimento social e da preservação ambiental. 4 Estrutura do Conteúdo Objetivo s Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais Esperamos que ao final deste conteúdo você seja capaz de: 1. Identificar como as questões sociais e ambientais atraíram a atenção da so- ciedade e do meio acadêmico; 2. Reconhecer, em cada década, os principais fatos marcantes para o de- senvolvimento da gestão socioambien- tal; 3. Compreender as particularidades do caso brasileiro na evolução das ques- tões sociais e ambientais; 4. Entender as principais mudanças ocorridas no mercado que favoreceram o surgimento da gestão socioambiental. Para melhor compreensão do conteúdo, este material está dividido de acordo com os seguintes tópicos: 1. Evolução da Responsabilidade So- cioambiental 2. Estado, Mercado e Sociedade 3. A Globalizaçáo e o Estado Mínimo 4. A Redemocratização Brasileira 5. Mudanças no Mercado 5Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais 1. Evolução da Responsabilidade Socioambiental Na sociedade contemporânea é comum observar o surgimento e a transformação de determinados conceitos. Tal afirmação aplica-se ao conceito de: • Gestão Social e; • Gestão Ambiental nas últimas seis décadas. Até meados dos anos 1950, geralmente as organizações utilizavam os termos. Controle da Poluição Ações Filantrópicas Ações Sociais 6Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais Dos anos 1960 em diante, esses sofreram algumas alterações e, segundo Tenório (2004), é comum na atualidade observarmos no discurso das organizações e da sociedade civil os seguintes termos: • Responsabilidade social empresarial; • Responsabilidade social corporativa; • Ações e produtos ambientalmente corretos e; • Responsabilidade ambiental, entre outros. Para entender melhor a evolução destes conceitos, você percorrerá uma linha do tempo, desde os anos 1950 até a atualidade. Vamos lá? 1.1 Década de 1950 Segundo Lemos (2013), as preocupações com a gestão social e a gestão ambiental moderna tiveram início na década de 1950, a partir de dois acontecimentos marcantes: o acidente na Baía de Minamata, no Japão, onde ocorreu derramamento de uma grande quantidade de mercúrio no mar. Esse fato resultou num intenso debate sobre as questões ambientais e, paralelamente a este desastre, temos o lançamento do livro “Responsabilidade Social dos homens de negócios”, de Howard R. Bowen, nos Estados Unidos em 1953, contribuindo para a discussão do assunto no meio acadêmico. Começa neste momento a percepção de que as empresas não devem apenas gerar lucros com suas atividades, mas também contribuir para o desenvolvimento social. 7Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais É importante perceber que, desde a Revolução Industrial, no início do século XIX, até o acidente na Baía de Minamata, o meio ambiente era considerado apenas um lugar de descarte dos resíduos industriais, sem nenhum critério de segurança ou preocupação com os impactos negativos da produção das indústrias. O consumo de matérias-primas e o processamento industrial, com a única preocupação de oferecer um número cada vez maior de bens de consumo para as pessoas, resultaram em uma grande degradação ambiental. Figura 1: Revolução Industrial Figura 2: Contaminação do Solo Figura 3: Desastres Ambientais Neste período, o que chama a atenção são as condições degradantes a que foram submetidos os operários nas fábricas, incluindo crianças, com jornadas de até 16 horas de trabalho por dia, sem quaisquer condições de saúde ou de segurança. 8Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais Podemos perceber então que o consenso sobre a ideia de que a natureza seria capaz de absorver tudo que o homem lançava no meio ambiente começou a ser quebrado. Como você deve ter notado, o caso do desastre de Minamata deixou claro que as atividades produtivas de uma empresa podem gerar muitos impactos negativos na sociedade e no meio ambiente. Em 1962, o lançamento do livro “Primavera Silenciosa”, de Rachel Carson, denunciou o desaparecimento dos pássaros nos campos dos Estados Unidos devido ao uso de pesticidas na agricultura. Além do livro de Carson, outra obra que marcou a evolução da gestão socioambiental foi “As empresas e a sociedade”, de Joseph W. McGuire, que defendia a ideia de que as organizações não tinham apenas obrigaçõeslegais e econômicas, como também obrigações morais e humanitárias com a sociedade. 1.2 Década de 1960 Nesta década, evolui bastante a conscientização social e política sobre as questões ambientais, por meio de uma grande reação da sociedade civil. Surgem os movimentos sociais que defendem o pacifismo, a igualdade racial e a igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que criticam duramente a degradação da natureza. As organizações não governamentais (ONGs) ambientalistas surgiram nesse período, nos países desenvolvidos, lutando pela conservação da natureza e questionando os efeitos da poluição industrial (NASCIMENTO, 2007). 9Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais 1.3 Década de 1970 Em 1971 é criada a ONG que se tornaria uma das mais atuantes nas causas ambientais: Greenpeace. Você deve estar notando que as indústrias se tornam neste momento o principal alvo das críticas dos movimentos ambientalistas. Os mais radicais pediam o fechamento de fábricas. A crítica ao modelo capitalista industrial parecia apontar para um conflito sem solução entre crescimento econômico e preservação de recursos ambientais. Os acidentes ambientais que continuam a acontecer nesta década agravam ainda mais a situação: em 1976, o acidente numa indústria de pesticidas em Seveso, na Itália, lançou uma enorme quantidade de dioxinas na atmosfera. Mas será mesmo necessário reduzir o ritmo de crescimento econômico para salvar o planeta? O que você pensa a respeito? A Organização das Nações Unidas (ONU) realizou em 1972 a Conferência de Estocolmo, na Suécia, envolvendo representantes de diversos Estados para discutir a questão ambiental. Nesta conferência surge um importante documento, o relatório “Os Limites do Crescimento” (também conhecido como “Relatório Meadows”), afirmando que a acelerada industrialização e o crescimento demográfico levariam ao esgotamento dos recursos naturais do planeta em algumas décadas (LEMOS, 2013). Segundo o relatório, a Terra poderia entrar em colapso, botando em risco a vida humana, sendo necessário conter os níveis de crescimento econômico. A solução dos problemas, dentro deste ponto de vista, seria adotar uma política mundial de contenção do crescimento — chamada de “crescimento zero” — até que o equilíbrio do planeta fosse restaurado. 10Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais 1.4 Década de 1980 1989 1986 1986 1984 Gases letais vazam em fábrica de agrotóxicos em Bhopal (Índia) Produtos tóxicos atingem o rio Reno (Suíça) Acidente nuclear de Chernobyl (Ucrânia) Exxon Valdez derrama óleo (Alasca) A década de 1980 foi a que mais sofreu com acidentes ambientais, desencadeando um nova onda de reações por parte dos movimentos ambientalistas. Os casos foram os seguintes: 11Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais Em 1987 surge um importante relatório da ONU, chamado “Nosso Futuro Comum” (também conhecido como “Relatório Brundtland”), estabelecendo o conceito de desenvolvimento sustentável: “...aquele que atende às necessidades das gerações presentes sem comprometer a possibilidade de gerações futuras satisfazerem suas próprias necessidades”. O conceito de desenvolvimento sustentável, segundo Lemos (2013), mostra duas coisas importantes: a) O crescimento econômico e a proteção ambiental são compatíveis entre si. b) Devemos levar em conta as consequências de nossas ações presentes para as gerações futuras. Do ponto de vista acadêmico, é também na década de 1980 que ocorrem evoluções marcantes nos estudos sobre Responsabilidade Social. Em 1984, Edward Freeman elabora o conceito de stakeholder, cuja definição é: “Qualquer grupo ou indivíduo que pode afetar ou é afetado pelo alcance dos objetivos organizacionais”. Importante 12Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais Esse conceito implica em admitir que toda organização se relaciona com diversos grupos interessados em seus resultados — e não apenas com seus donos ou acionistas. Temos assim os clientes, os empregados, os fornecedores, o governo e a própria comunidade onde a organização está inserida, dentre outros. 1.5 Década de 1990 Na década de 1990 também ocorreram vários acontecimentos marcantes do ponto de vista ambiental e social. Em 1998 e 1999, a gestão social e ambiental contou com algumas iniciativas que ajudaram na institucionalização do seu conceito e da sua aplicabilidade nas organizações. Segundo Lemos (2013), foram criados: • 1998 — Instituto Ethos de Responsabilidade Social — propõe-se a disseminar a prática da responsabilidade social entre as empresas. É hoje uma referência internacional sobre o assunto, estabelecendo indicadores que permitem medir o índice de responsabilidade social das empresas. • 1997 — Norma SA 8000 — norma internacional para avaliar condições de trabalho, incluindo trabalho infantil, trabalhos forçados, saúde e segurança no trabalho, liberdade de associação, discriminação, carga horária, dentre outros. • 1997 — Global Reporting Iniciative (GRI) — Organização sem fins lucrativos que promove a elaboração de relatórios de sustentabilidade que são adotados por diversas organizações no mundo. • 1999 — Código de melhores práticas de governança corporativa pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) — apresenta recomendações de boas práticas de Governança Corporativa para empresas atuantes no Brasil. • 1999 — Norma AA 1000 — padrão internacional de gestão da responsabilidade corporativa, com foco na contabilidade e auditoria. 13Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais 1.6 A partir de 2000 Em 2007, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), um órgão da ONU criado para produzir relatórios científicos sobre mudanças climáticas, divulgou um relatório que marcou de modo definitivo as discussões sobre as questões ambientais, afirmando que o aquecimento do clima global era evidente em observações científicas e causado pela influência das atividades humanas sobre o meio ambiente (LEMOS, 2013). O relatório alertava para a elevação da temperatura média do planeta em 4°C até o fim do século XXI e para o potencial catastrófico do fenômeno, provocando extinções em massa, elevação do nível dos oceanos e devastação de áreas costeiras. Como resultado da crescente conscientização a respeito dos problemas sociais e ambientais, os países precisaram descobrir maneiras de promover o crescimento de suas economias gerando bem-estar social e preservando o equilíbrio ambiental, mas sem provocar danos para as gerações futuras. 14Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais Acesse o Recurso Multimídia e veja os principais pontos desta linha do tempo. Conteúdo On-line Surge então o conceito de empresa sustentável, integrando de forma clara as preocupações econômicas, sociais e ambientais, como mostra a definição de Savitz (2007): “empresa sustentável é aquela que gera lucro para os acionistas, ao mesmo tempo em que protege o meio ambiente e melhora a vida das pessoas com quem mantém interações”. Segundo Nascimento (2007), no século XXI os termos social e ambiental aparecem unidos nos relatórios e demais estudos sobre desenvolvimento sustentável. Esta união significa que os estudiosos compreenderam que pensar o meio ambiente implica, necessariamente, em tratar também da questão social. Sendo assim, as empresas passam a lidar com o conceito de responsabilidade socioambiental, que representa uma forma de conduzir os negócios que torna a empresa parceira e corresponsável pelo desenvolvimento social e pela preservação ambiental. Podemos dizer que, para que uma empresa se torne responsável em termos sociais e ambientais, ela precisa ouvir os anseios das partes interessadas (stakeholders)— acionistas, funcionários, fornecedores, consumidores, comunidade, governo e meio ambiente – e incorporá-los ao planejamento de suas atividades. 15Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais 2. Estado, Mercado e Sociedade No âmbito da responsabilidade socioambiental, é importante entender quais são os papéis do Estado, das empresas que atuam no mercado e da própria sociedade nestas questões. No século XIX, o processo de industrialização provocou inúmeras alterações nas relações entre estes agentes. Predominava neste período a concepção do liberalismo econômico, segundo o qual o mercado deve ser um espaço onde as empresas competem de modo livre, com o mínimo de intervenção do governo. Impostos, taxações, obrigações trabalhistas e outras formas de intervenção do governo nas relações de mercado não eram bem vistas pela doutrina do liberalismo econômico (IVO, 2001). Entretanto, a partir do século XX, este cenário sofreu mudanças, principalmente com a crise da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, que apontou a decadência da ordem liberal nos países capitalistas. Além disso, em 1917, a União Soviética tornou-se um país socialista, mostrando a possibilidade de um modelo alternativo de organização da economia, bem diferente dos princípios liberais. Nos países socialistas, a atuação do capital privado é limitada. As empresas industriais e financeiras são propriedade pública e o governo detém o planejamento e o controle da economia. O socialismo é influenciado pelas proposições de Karl Marx e Friendrich Engels elaboradas no século XIX. Liberalismo Econômico 1 23 16Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais Os Estados capitalistas, diante da crise do modelo liberal, encontraram na teoria keynesiana o seu suporte. Contrariando as ideias do livre mercado, o economista John Maynard Keynes defendia que o Estado tinha um papel indispensável na economia (IVO, 2001). De acordo com essa teoria, caberia ao Estado intervir através de medidas fiscais e de moeda para tentar contornar os efeitos negativos provocados por ciclos econômicos, que levavam as economias a uma sucessão de crises, depressões, recuperação, boom e novamente crises, depressões... Deste modo, o Estado passou a assumir um papel pró-ativo como protagonista das relações de mercado. Neste contexto, a indústria bélica foi um dos setores que mais cresceram e aceleraram as economias dos países industrializados. Importante A partir da Segunda Guerra Mundial, o mundo fica dividido em dois blocos, o socialista, liderado pela União Soviética, e o capitalista liderado pelos Estados Unidos. 17Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais Diversos países da Europa também se tornaram socialistas, como a Alemanha Oriental, a Hungria, a Polônia e a Romênia, além da própria União Soviética. O modelo socialista alcançou também alguns países da África, como Angola e Moçambique. Na América Latina, a grande força socialista era representada por Cuba. Na Ásia, pela China. A divisão econômica mundial nestes blocos provocou a crescente necessidade de aperfeiçoamento e manutenção da competitividade do ponto de vista bélico. Ou seja, as potências envolvidas diretamente no conflito investiram na indústria de armamentos e suas economias passaram a ter um peso muito significativo no comércio de armas. Esse evento ficou conhecido como “Guerra Fria”. Neste período ganha força a ideologia da social democracia, que acabou orientando as políticas de diversos governos na Europa. Esta ideologia surgiu a partir da ideologia socialista, mas com uma diferença básica: defendia que não era necessário fazer uma revolução para acabar com o capitalismo, mas sim reformá-lo, de modo a reduzir as desigualdades sociais por meio da proteção social ao trabalhador e de investimentos em programas sociais para redistribuir a riqueza. O período da “Guerra Fria” durou pouco mais de quatro décadas e, no final dos anos 1980, precisamente em 1989, a queda do Muro de Berlim decretou seu fim. Novamente, a partir do início da década de 1990, as relações entre Estado e Mercado sofreram alterações. Dessa vez, o fenômeno da Globalização seria o principal elemento de transformação e de reformulação do papel do Estado. 3. A Globalização e o Estado Mínimo Segundo Castells (1999), uma economia global é capaz de funcionar como uma unidade em tempo real, em escala planetária, com base na nova infraestrutura propiciada pelas tecnologias da informação e comunicação e pela quebra das barreiras comerciais. Esta nova característica da ordem global trouxe importantes consequências para as relações entre Estado, mercado e sociedade. A partir dos anos 1990, os Estados Nacionais deixaram de ter a responsabilidade de promover o desenvolvimento econômico, idealizar e executar a proteção social, e regular as questões econômicas. Segundo Ivo (2001), a partir deste momento é que se afirma a ideia do “Estado Mínimo”, que perde certos poderes a partir das seguintes mudanças nas relações entre Estado, sociedade e mercado: 18Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais • Uma série de responsabilidades públicas é assumida pela sociedade civil, organizada principalmente em ONGs que passam a atuar no combate aos problemas sociais. • Serviços considerados básicos antes oferecidos pelo Estado, como educação e saúde, são privatizados. • Crescente parceria entre a esfera pública e a privada, de modo que o Estado volta a ficar limitado à garantia de um ambiente político e legal seguro para a atuação das empresas privadas em nível global. Já que o Estado perde seu protagonismo, se tornaram comuns as iniciativas do setor privado para intervir ou minimizar a questão social. Por um lado, as empresas passam a investir em projetos sociais e, por outro, a sociedade civil se organiza por meio de ONGs para dar conta de um conjunto de responsabilidades antes dominadas pelo Estado. Acesse o Recurso Multimídia e observe as alterações no papel do Estado. Conteúdo On-line 19Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais 4. A Redemocratização Brasileira No Brasil, ocorreu nos anos 1980 a emergência de novos atores sociais, dentre os quais se destacaram os movimentos pela democracia. O país vivia na ditadura militar desde 1968 e os movimentos políticos e sociais ganharam força nesta década, reafirmando a democracia como um valor moral e abrindo novas possibilidades de representação, por meio, por exemplo, das eleições diretas, da liberdade sindical e de imprensa, e da maior transparência nos assuntos legislativos. A retomada da democracia no Brasil significou a oportunidade de uma maior atuação da sociedade civil na vida política e social do país. Segundo Anau (2003), o processo de redemocratização no Brasil gerou grandes mudanças nos rumos da sua cultura política. Se durante o regime autoritário a sociedade civil não tinha espaços de livre expressão, agora, com a democracia, as cobranças da sociedade sobre o Estado se ampliam, no sentido de que as iniciativas governamentais respondam melhor aos seus anseios. 20Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais A nova Constituição, promulgada em 1988, representou diversos aspectos do cenário político e social brasileiro, dentre os quais se destacam: a entrada do país na ordem da globalização da economia, a adequação do Estado aos padrões do neoliberalismo e reorganização do Estado em moldes mais flexíveis e menos intervencionistas nos assuntos de mercado. Importante A Constituição de 1988 é chamada de “Constituição Cidadã” por conta da ampla gama de direitos nela estabelecidos. Podemos citar, por exemplo, o fim da censura à imprensa, o direito à saúde e à educação a todos os cidadãos, a proibição da tortura e da pena de morte, a igualdade de direitos fundamentais entrehomens e mulheres, a punição ao racismo, a liberdade sindical, a proteção ao índio, entre outras. Esta Constituição foi a primeira a tratar de forma direta sobre o meio ambiente. Uma das formas de proteção do meio ambiente previstas constitucionalmente é a ação popular, que permite que qualquer cidadão ingresse com a referida ação com o intuito de anular qualquer ato lesivo ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (BENJAMIM, 2008). 5. Mudanças no Mercado No cenário internacional, como vimos, as relações de mercado caracterizavam-se pelo neoliberalismo e pelo predomínio do capital internacional. Neste cenário, segundo Castells (1999), temos características importantes como: • Novos padrões de produção pós-fordistas expressando o predomínio do capital internacional; • Flexibilização das relações de trabalho e aumento dos níveis de desemprego; • Ampliação do poder das organizações internacionais, afetando a soberania dos Estados Nacionais; • Reforma do Estado ocorrida na América Latina a partir dos anos 1990, aproximando suas economias do modelo neoliberal. 21Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais A ideologia neoliberal afirma o predomínio dos mercados livres e é uma das bases mais importantes da globalização. Para a ideologia neoliberal, o mercado é visto como principal recurso de desenvolvimento e crescimento econômico, sendo prejudicial qualquer forma de intervenção estatal. Deste modo, ocorre a redução drástica da regulamentação dos mercados e das barreiras comerciais entre os Estados, permitindo o deslocamento do capital para os locais mais rentaveis (HOBSBAWN, 2009). Com a abertura de mercados, as condições de negócios se tornam mais instáveis. A concorrência entre as empresas se acirra e a demanda por bens de consumo se torna mais diversificada, exigindo que as empresas se adaptem mais rapidamente às mudanças e respondam às exigências diferenciadas dos vários segmentos de mercado. As grandes empresas transnacionais, que atuam na economia global, são capazes não só de vender, como também de produzir em diversos países. Deste modo, estabelecem contratos com fábricas em países geralmente pobres ou em desenvolvimento, em busca de vantagens como: mão de obra barata, profissionais qualificados, vantagens fiscais (impostos reduzidos) e leis de proteção ambiental menos rígidas (CASTELLS, 1999). 22Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais Dentro deste modelo (chamado pós-fordista), utilizado pelas empresas transnacionais, as etapas operacionais do processo produtivo são deslocadas para as regiões de baixo salário do mundo, enquanto as funções de natureza estratégica permanecem nas empresas sediadas nos países avançados. Desta forma, é comum que o projeto de criação de um produto seja definido em um país, as peças que o compõe fabricadas em outro, a montagem realizada em um terceiro país e o produto final vendido no mercado global. Um dos fenômenos resultantes destas mudanças na economia global, segundo Castells (1999), foi o aumento do desemprego, pois as empresas tornaram-se capazes de produzir cada vez mais empregando uma porcentagem cada vez menor da força de trabalho, por conta da redução de cargos hierárquicos (“enxugamento da estrutura”) e do emprego de altas tecnologias que substituem o trabalho humano. Por outro lado, boa parte dos empregos gerados é baseado em contratos de trabalho flexíveis e precários, desprovidos de estabilidade e de garantias sociais. Para termos mais claro o cenário de desigualdade econômica, a chamada “elite do conhecimento”, que trabalha nos setores estratégicos de grandes empresas, em tarefas criativas e com oportunidades de crescimento, detém os empregos qualificados e bem remunerados. Segundo o relatório sobre a riqueza mundial, publicado pelo centro de pesquisas do Credit Suisse em 2014, o 1% mais rico da população mundial detém mais de 48% da riqueza mundial. Considerando os 10% mais ricos, a porcentagem sobe para 87% da riqueza mundial. 23Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais Como o Brasil se insere neste contexto? O país, que durante várias décadas caracterizou-se por uma economia fechada pela prática do protecionismo, ingressou de forma acelerada na flexibilização de seus mercados a partir da década de 1990 e os resultados mostram que nem todos foram ganhadores neste processo. Enquanto algumas empresas tiveram condições de aproveitar as oportunidades trazidas com a expansão das relações comerciais, outras ficaram expostas aos problemas trazidos pelo acirramento da competição e quebraram. Até o início da década de 2000, os problemas sociais se agravaram e a desigualdade atingiu seu ponto máximo. Você deve estar percebendo que tantas mudanças impulsionaram as empresas a assumirem mais sua responsabilidade diante de problemas sociais. Veja como o Conselho Federal de Administração (CFA) destaca a responsabilidade social das empresas: “Responsabilidade Social Empresarial são ações das empresas que beneficiam a sociedade. São causas sociais relevantes para as comunidades, contribuindo com a política social. É uma forma de gestão que pretende diminuir os impactos negativos no meio ambiente e comunidades, preservando recursos ambientais e culturais, respeitando a diversidade e reduzindo a desigualdade social. São as corporações se conscientizando do seu papel no desenvolvimento na comunidade que está inserida, criando programas que levam em consideração a natureza, economia, educação, saúde, atividades locais, transportes”. 24Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais Empresários A adequação das normas e regras da Responsabilidade Social denota ganhos monetários (com a isenção de impostos) e melhor estratégia de marketing (marketing verde). Estado Para o Estado é fundamental tais iniciativas, justamente porque ocorrem intervenções em áreas que, antes, estavam sob a sua responsabilidade. Para o Estado e para as empresas, isso tudo representa grandes vantagens: De acordo com essa nova dimensão, a iniciativa privada passou a ter maior importância nas formulações de políticas, não apenas de mercados, mas também de ordem social. O empresariado passou a participar da dinâmica de formulação de políticas de diversas formas: 25Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais Essa última estratégia pode ser percebida na formulação do Planejamento Estratégico das Cidades, cuja intervenção empresarial é latente. A cidade do Rio de Janeiro, nos anos 1990, teve o seu primeiro planejamento estratégico liderado pelo poder municipal e a elite empresarial. No investimento em candidaturas de representantes da classe empresarial para ocupar cadeiras nos legislativos municipal, estadual e federal. Na formulação de grupos de pressão que possam intervir mais diretamente nos assuntos de seu interesse no legislativo e no executivo. Nas parcerias entre os poderes público e privado, especialmente na construção de projetos políticos para determinadas localidades. 26Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais Além da participação nos assuntos políticos de reforma do Estado e as questões de mercado, as organizações privadas de diversos ramos se movimentaram rapidamente para adequarem-se às leis, normas e padrões do ponto de vista da Responsabilidade Social. Até meados dos anos 1980, a ideia de Responsabilidade Social, uma vez que não havia obrigatoriedade por parte do Estado, era assimilado pelo empresariado de acordo com suas próprias aspirações. A questão ambiental também representou uma das grandes motivações para a criação de selos e novas estratégias de competitividade. No limiar do século XXI, a palavra de ordem é a questão da sustentabilidade, ou seja, o crescimento econômicocom o máximo possível de preservação do meio ambiente. Assim, no limiar do século XXI, a palavra de ordem para as empresas é a questão da sustentabilidade, ou seja, a ideia de que o crescimento econômico deve coexistir com a preservação do meio ambiente e da qualidade de vida. Esta nova concepção destaca, portanto, a relação equilibrada com o ambiente em sua totalidade, considerando que todos os seus elementos afetam e são afetados reciprocamente pela ação humana. Entretanto, a dificuldade do Estado em manter a ordem social e econômica transformou em elemento básico de competitividade a inserção das organizações na dinâmica da Responsabilidade Social. 27Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais Neste conteúdo, procuramos apresentar a evolução das questões sociais e ambientais. Deste modo, acompanhamos, década a década, os principais marcos da evolução destas questões, mostrando como diversos acidentes ambientais despertaram a atenção da sociedade e de organismos internacionais, gerando iniciativas importantes para conter os problemas que se apresentavam. Estudamos também as alterações nas relações entre Estado e Mercado, no Brasil e no mundo, levando a uma revisão crítica acerca do papel desempenhado pelo Estado, especialmente nas questões relativas aos mercados. O processo de globalização teve muitas implicações no cenário das relações internacionais, alterando as relações entre as nações e a forma de produzir e de comercializar os produtos por parte das empresas. Assim, a alternativa neoliberal tornou-se a mais importante para que os Estados capitalistas pudessem entrar na nova ordem global de forma competitiva. Com a redução do papel do Estado na regulação social e econômica, abre-se o espaço para a atuação das organizações privadas nas questões sociais e ambientais. 28Panorama Histórico das Questões Sociais e Ambientais ANAU, Roberto V. Estado e sociedade, público e privado: considerações históricas sobre a mudança de paradigma. Salvador (BA): IX Colóquio Internacional sobre Poder Local. Junho/2003 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcelos. O Meio Ambiente na Constituição Federal De — 1988. Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, v. 19, n. 1, jan./jun. 2008. CASTELLS, Manuel. Sociedade em Rede — A Era da informação: Economia, sociedade e cultura. GLOBAL WEALTH REPORT 2014. Credit Suisse. Disponível em: http://economics.uwo. ca/people/davies_docs/credit-suisse-global-wealth-report-2014.pdf HOBSBAWM, Eric. O novo século: entrevista a Antonio Polito. Tradução: Cláudio Marcondes. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. IVO, Anete Brito Leal. As transformações do Estado Contemporâneo. In: Caderno CRH, Salvador, n. 35, p. 11-20, jul/dez. 2001. LEMOS, Haroldo. Responsabilidade socioambiental. Rio de Janeiro, FGV, 2013. NASCIMENTO, Fabiano Christian Pucci do; TENÓRIO, Fernando Guilherme (colab.). Responsabilidade social empresarial: teoria e prática. Rio de Janeiro: FGV, 2004. NASCIMENTO, Luis Felipe. Quando a gestão social e a gestão ambiental se encontram. In: XXXI Encontro da ANPAD. Rio de Janeiro, 22 a 26 de setembro de 2007.
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