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“Regulamentação e atuação do Governo e do Congresso Nacional sobre os alimentos transgênicos no Brasil: uma questão de (in)segurança alimentar” por Maria Clara Coelho Camara Tese apresentada com vistas à obtenção do título de Doutor em Ciências na área de Saúde Pública. Orientadora principal: Prof.ª Dr.ª Maria Cristina Rodrigues Guilam Segundo orientador:Prof. Dr. Rubens Onofre Nodari Rio de Janeiro, março de 2012. Esta tese, intitulada “Regulamentação e atuação do Governo e do Congresso Nacional sobre os alimentos transgênicos no Brasil: uma questão de (in)segurança alimentar” apresentada por Maria Clara Coelho Camara foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros: Prof.ª Dr.ª Lia Giraldo da Silva Augusto Prof.ª Dr.ª Silvana Rubano Barretto Turci Prof.ª Dr.ª Ana Maria Cheble Bahia Braga Prof.ª Dr.ª Denise Cavalcante de Barros Prof.ª Dr.ª Maria Cristina Rodrigues Guilam – Orientadora principal Tese defendida e aprovada em 08 de março de 2012. Catalogação na fonte Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica Biblioteca de Saúde Pública C172 Camara, Maria Clara Coelho Regulamentação e atuação do Governo e do Congresso Nacional sobre os alimentos transgênicos no Brasil: uma questão de (in)segurança alimentar. / Maria Clara Coelho Camara. -- 2011. x,100 f. : tab. Orientador: Guilam, Maria Cristina Rodrigues Nodari, Rubens Onofre Tese (Doutorado) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2011. 1. Alimentos Geneticamente Modificados. 2. Organismos Geneticamente Modificados. 3. Rotulagem de Alimentos. 4. legislação. 5. Brasil. I. Título. CDD – 22.ed. – 660.650981 DEDICATÓRIA Essa tese é dedicada a Carmem Luiza Cabral Marinho. Mais do que uma professora, Carmem foi uma verdadeira amiga e conselheira, que me ensinou a superar os desafios inerentes à vida de um pesquisador. Essa tese foi idealizada junto com ela e foi finalizada em homenagem a ela. AGRADECIMENTOS Esta tese concretizou-se, em grande parte, pelo apoio dos professores Maria Cristina Rodrigues Guilam e Rubens Onofre Nodari, que me acolheram num momento muito difícil e foram fundamentais para a conclusão deste estudo. Obrigada! À minha mãe Janete, que me ensinou a lutar sempre pelo que sonho e jamais desistir diante de um obstáculo. Sem você nada disso seria possível. Aos meus irmãos Ana e Fábio, com quem dividi, muitas vezes, meus momentos de fragilidade, minha gratidão. Aos professores Silvio Valle e Carlos Gadelha meu agradecimento pelas importantes contribuições, no momento da qualificação, para o desenvolvimento deste trabalho. Ao assessor legislativo José Cordeiro de Araújo pelos sábios esclarecimentos sobre o processo legislativo e pelas contribuições ao texto. A todos os meus amigos pela solidariedade, apoio e carinho durante todo o desenvolvimento deste estudo, principalmente as minhas amigas Patrícia A. das Graças e Luciana Portela. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao incentivo financeiro do PROEX pelo auxílio financeiro que contribuiu para a viabilização desta pesquisa. RESUMO GERAL O cultivo e a comercialização de alimentos geneticamente modificados sãoquestões centrais no cenário alimentar atual e a utilização dessa biotecnologia tem gerado muita controvérsia. Tal controvérsia se justifica, principalmente, pelos interesses econômicos e políticos que permeiam sua aplicação. O objetivo desse estudo é identificar e analisar como o tema é tratado no campo da Saúde Pública, no Congresso Nacional e pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Espera-se que o presente estudo possa contribuir para o entendimento de como o Governo Federal e a sociedade científica, em especial o campo da Saúde Pública, abordam as incertezas diante dos organismos geneticamente modificado. A principal conclusão desse estudo refere-se à insegurança alimentar dos alimentos geneticamente modificados. A polêmica que existe no Congresso Nacional expressa a incerteza presente na comunidade científica e a divergência entre interesses conflitantes de grupos distintos. As normas em vigor atualmente no País sobre OGMs, que muitas vezes não são cumpridas em sua integra, colocam o Brasil numa posição intermediária entre a regulamentação restrita da UE e altamente flexível dos EUA. Na CTNBio também pode-se verificar a incerteza diante da tecnologia, através das audiências públicas analisadas. Palavras-chave: Transgênico; Organismo Geneticamente Modificado; Rotulagem; Legislação GENERAL ABSTRACT The cultivation and sale of genetically modified food is a central issue in the current scenario and the use of food biotechnology has generated much controversy. Such controversy is justified mainly by economic and political interests that permeate their application. The objective of this study is to identify and analyze how the subject is treated in the field of Public Health, the National Congress and the National Technical Commission on Biosafety (CTNBio). It is hoped that this study will contribute to the understanding of how the federal government and scientific society, especially the field of public health, address the uncertainty about genetically modified organisms. The main conclusions of this study involves a scientific production in the field of Public Health, who spoke on the food insecurity of genetically modified foods. The controversy that exists in the Congress expresses the uncertainty present in the scientific community and the gap between conflicting interests of different groups. The standards currently in force in the country on GMOs, which are often not fulfilled in its entirety, place Brazil in an intermediate position between the EU regulations restricted and highly flexible U.S.. In CTNBio can also verify the uncertainty over technology through public hearings analyzed. Keywords: Transgenic, Genetically Modified Organism; Labeling; Legislation SUMÁRIO Páginas Resumo Geral IV General Abstract V Lista de Tabelas VIII Lista de siglas e abreviaturas IX Apresentação 12 CAPÍTULO 1 – Transgênicos: Avaliação da possível (in) Segurança Alimentar através da produção científica 14 � Resumo/ Abstract 15 � Introdução 16 � Caminho Metodológico 17 � Análise dos Resultados 18 � Insegurança Alimentar dos Transgênicos 21 � Considerações e Recomendações Finais 28 � Referências Bibliográficas 29 CAPÍTULO 2 - Congresso Nacional Brasileiro e Alimentos Transgênicos no período de 2003 a 2008: uma questão de Saúde Pública 36 � Resumo/ Abstract 37 � Introdução 38 � Transgênicos no Congresso Nacional 39 � Nova Lei de Biossegurança 40 � Medidas Provisórias sobre Transgênicos 45 � Considerações Finais 49 � Referências Bibliográficas 52 CAPÍTULO 3 - Regulamentação sobre bio(in)segurança no Brasil: a questão dos alimentos transgênicos 55 � Resumo/ Abstract 56 � Considerações Iniciais 57 � Caminho Metodológico58 � Características do Poder Político Brasileiro 60 � Bio(in)segurança no Brasil 62 � Plantio, Fiscalização e Comercialização de OGM 63 � Rotulagem de Alimentos Transgênicos 67 � Considerações Finais 71 � Referências Bibliográficas 72 CAPITULO 4 - Análise Crítica da atuação da CTNBio através dos textos das Audiências Públicas para liberação comercial de Organismos Geneticamente modificados 80 � Resumo/ Abstract 81 � Introdução 82 � Caminho Metodológico 84 � Resultados e Discussão 84 � 1ª Audiência Pública – Milho Liberty Link da Bayer S.A – 20/03/2007 89 � 2ª Audiência Pública – Algodão Liberty Link da Bayer S.A, Round up Ready e Bollgard da Monsanto do Brasil e Widestrike da Dow AgroSciences Industrial – 17/08/2007 92 � 3ª Audiência Pública – Arroz Liberty Link da Bayer S.A – 18/03/2009 93 � Conclusão 95 � Referências Bibliográficas 96 Recomendações Finais 99 LISTA DE QUADROS E TABELAS Página Capítulo 1 Quadro 1: Argumentos favoráveis e contrários aos transgênicos 17 Quadro 2: Artigos e teses/dissertações sobre segurança alimentar de alimentos GM 19 Capítulo 3 Quadro 1: Normas sobre Transgênicos no Brasil do período de 1995 à 2009 59 Tabela 1: Produção legislativa sobre transgênicos no período de 1995 à 2009 62 Capítulo 4 Quadro 1: Lista de palestrantes da audiência pública do milho Libert Link da Bayer S.A segundo instituição representativa e principal argumento do discurso 85 Quadro 2: Lista de palestrantes da audiência pública dos algodões Libert Link da Bayer S.A., Roundup Ready e Bollgard da Monsanto do Brasil e Widestrike da Dow AgroSciences Industrial segundo instituição representativa e principal argumento do discurso 87 Quadro 3: Lista de palestrantes da audiência pública do arroz Libert Link da Bayer S.A. segundo posicionamento do discurso e instituição representativa 88 Quadro 4: Principais argumentos utilizados pelos palestrantes/manifestantes nas audiências públicas 89 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS Sigla Significado AP Audiência Pública Bt Bacillus Thuringiensis CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CD Câmara dos Deputados CDB Convenção sobre Diversidade Biológica CF Constituição Federal CN Congresso Nacional CNBS Conselho Nacional de Biossegurança CODEX Codex Alimentarius Commission CTNBio Comissão Técnica Nacional de Biossegurança DEM Partido Democrático DNA Ácido desoxirribonucleico EIA Estudo de Impacto Ambiental EPA Environmental Protection Agency ES Equivalência Substancial EUA Estados Unidos da América FAO Food and Agriculture Organization FDA Food and Drug Adminstration FHC Fernando Henrique Cardoso GM Geneticamente Modificado IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IN Instrução Normativa LEXML Rede de informações Legislativa e Jurídica MAPA Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MMA Ministério do Meio Ambiente MP Medida Provisória MS Ministério da Saúde OGM Organismo Geneticamente Modificado OMC Organização Mundial do Comércio OMS Organização Mundial da Saúde PDT Partido Democrático Trabalhista PE Poder Executivo PFL Partido da Frente Liberal PL Projeto de Lei PL Poder Legislativo PLC Projeto de Lei da Câmara PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro PNB Política Nacional de Biossegurança PP Princípio da Precaução PP Partido Progressista Nacional PPS Partido Popular Socialista PSDB Partido da Social Democracia Brasileira PT Partido dos Trabalhadores PV Partido Verde RIMA Relatório de Impacto no Meio Ambiente SCIELO Scientific Eletronic Library Online SEAP Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca SF Senado Federal SICON Sistema de Informação do Congresso Nacional Soja RR Soja Roundup Ready UE União Européia USDA United States Department of Agriculture APRESENTAÇÃO A cada dia é possível verificar o grande avanço das tecnologias em vários setores da sociedade, inclusive na área da saúde e do meio ambiente. As biotecnologias crescem numa velocidade surpreendente, o que pode ser visto nas pesquisas com células-tronco, clonagem e plantas transgênicas (organismos alterados geneticamente com a inserção de fragmentos de DNA). Os organismos transgênicos são frutos da tecnologia do DNA recombinante, criada em 1973, que permite a transferência de material genético intra e inter espécies, ou seja, são Organismos Geneticamente Modificados (OGM). Essa tecnologia tem por objetivo incorporar novas características em organismos hospedeiros, como tornar a planta mais resistente a agrotóxicos e/ou produzir toxinas capazes de matar as ervas daninhas ou seres vivos que se alimentam da planta Embora OGM e “transgênico” não tenham1, conceitualmente, o mesmo significado, ambos são obtidos pela mesma tecnologia do DNA recombinante. Além disso, do ponto de vista legislativo, é irrelevante se o fragmento de DNA inserido é proveniente de uma ou mais espécies diferentes do organismo alvo ou não. A maioria da bibliografia disponibilizada na área utiliza esses dois termos como sinônimos; para fins deste estudo, transgênicos e OGMs também serão utilizados como sinônimos. O cultivo e a comercialização de plantas geneticamente modificados que produzem alimentos são questões centrais no cenário alimentar atual e a utilização dessa biotecnologia tem gerado muita controvérsia. Tal controvérsia se justifica, principalmente, pelos interesses econômicos e políticos que permeiam sua aplicação. Além disso, ressalta-se que esse tema é de grande importância para a saúde da sociedade e do meio ambiente, uma vez que as consequências de sua utilização ainda não são claramente conhecidas. O objetivo desse estudo é identificar e analisar como o tema é tratado pelos pesquisadores do campo da Saúde Pública, no Congresso Nacional e pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Espera-se que o presente estudo possa contribuir para o entendimento de como o Governo Federal e a sociedade científica, em especial o campo da Saúde Pública, abordam as incertezas diante dos Organismos Geneticamente Modificado. 1 Guerrante RDS, Antunes AM de S, Pereira Jr N. Transgênicos: a difícil relação entre ciência, a sociedade e o mercado. In: Valle S, Telles JL (org.) Bioética e Biorrisco: abordagem transdiciplinar. Rio de Janeiro: Interciência, 2003. Para a realização deste estudo pensou-se, em quatro etapas. A primeira (Capítulo 1) consistiu-se em revisão bibliográfica sobre transgênicos, em portais de Saúde Pública, com o objetivo principal de verificar como os alimentos transgênicos vem sendo tratados nesse campo de conhecimento no Brasil. Esta análise permitiu identificar, através da produção científica, a insegurança alimentar dos alimentos geneticamente modificados. Após tal análise, a pesquisa voltou-se para o Congresso Nacional, com o intuito de entender como este legisla sobre o assunto. Inicialmente (Capítulo 2) foram reunidos e analisados os discursos de parlamentares sobre alimentos transgênicos no período de cinco anos – janeiro de 2003 a dezembro de 2008. Posteriormente (Capítulo 3), foi analisada toda a legislação produzida sobre o tema num período de 1995 a 2009. Realizou-se uma busca de leis, decretos, portarias e medidas provisórias sobre transgênicos propostos pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal e pelo Poder Executivo. Depois de compreender a postura do campo da Saúde Pública(através da produção científica) e do Governo Federal (através da produção legislativa), buscou-se compreender como a CTNBio, principal instância responsável pela liberação para produção e consumo de OGMs no Brasil, aborda o tema. O capítulo 4 desta tese trabalhou com os textos das três audiências públicas sobre milho, arroz e algodão transgênico. Como as audiências foram coordenadas pela CTNBio, foi admitida a pressuposição de que sua transcrição representaria instrumento fundamental para compreender a relação desta Comissão com os OGMs. Ressalta-se que no ano de 2011 ocorreu uma nova audiência pública sobre o feijão geneticamente modificado, no entanto, a transcrição dessa audiência não ocorreu em tempo hábil para sua inclusão nesta tese de doutorado. Com o término da 4ª etapa , foi possível traçar um paralelo entre os resultados e, assim, verificar a posição da comunidade científica da área da Saúde Pública, Congresso Nacional e da CTNBio com relação aos transgênicos. Dessa forma, espera- se que a partir desse estudo seja possível a construção de um panorama sobre a abordagem dos alimentos geneticamente modificados no campo científico e político brasileiro. Almeja-se que tal panorama contribua com a comunidade científica e, conseqüentemente, com a sociedade, no entendimento da atuação do Governo Federal sobre este assunto e na publicação de informações sobre o tema. CAPÍTULO 1 Transgênicos: Avaliação da possível (in) Segurança Alimentar através da produção científica2 2 Artigo publicado na Revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos, volume 16, número 3, jul-set de 2009. RESUMO Este estudo teve por objetivo identificar, e analisar criticamente, a produção científica brasileira no campo da Saúde Pública sobre os organismos geneticamente modificados (OGMs) no que concerne à (in)segurança alimentar. Para tanto, realizou-se uma revisão bibliográfica nos portais do “Scientific Eletronic Library Online” (SCIELO.org) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Dos 716 estudos encontrados, apenas 8 abordam a segurança alimentar dos transgênicos através, principalmente, da exposição a situações de riscos e incertezas para a saúde e para o meio ambiente oriundos desses produtos. A principal conclusão deste estudo refere-se ao fato de que todos os trabalhos analisados discursam sobre a insegurança alimentar dos alimentos geneticamente modificados. Palavra-chave: Transgênicos e Segurança Alimentar; Transgênicos e Saúde Pública; OGM e Segurança Alimentar ABSTRACT Based on a bibliographic review, the article identifies and offers a critical analysis of scientific production by the public health field in Brazil on genetically modified organisms and food (in)security. Of the 716 articles found on the portals of the Scientific Electronic Library Online (SciELO) and the Coordinating Agency for the Development of Higher Education (Capes), only 8 address the food security of transgenic products, primarily in terms of risk exposure and the uncertainties about how these products impact health and the environment. The main conclusion involves the fact that the eight analyzed articles do not speak to the question of the security but rather the insecurity of genetically modified foods. Keywords: genetically modified products; food safety; public health; genetically modified organisms. INTRODUÇÃO Os organismos transgênicos são aqueles cujo genoma foi modificado com o objetivo de atribuir-lhes nova característica, ou alterar alguma característica já existente através da inserção ou eliminação de um ou mais genes por técnicas de engenharia genética1. Entre as principais características almejadas, encontram-se: o aumento do rendimento com melhoria da produtividade e da resistência a pragas, a doenças e a condições ambientais adversas; a melhoria das características agronômicas, permitindo uma melhor adaptação às exigências de mecanização; o aperfeiçoamento da qualidade; a maior adaptabilidade a condições climáticas desfavoráveis, assim como a domesticação de novas espécies, conferindo-lhes utilidade e rentabilidade para o homem2. A liberação dos transgênicos no Brasil, particularmente daqueles com finalidade comercial, vêm provocando uma intensa polêmica quanto a possíveis perigos à saúde e ao meio ambiente. Essa polêmica, envolve diversos atores, como cientistas, agricultores, ambientalistas e representantes do Governo refere-se ao nível de incerteza atribuído a estes alimentos, frente à chamada “segurança alimentar”1. Este conceito surge na Europa do século XX fortemente relacionado à capacidade dos países em produzir sua própria alimentação no caso de eventos de guerra e catástrofes. Assim, seu percurso histórico inicia-se associado à noção de “soberania e segurança nacional” impulsionado pelas conseqüências da Primeira Guerra Mundial, que evidenciou o poder de dominação que o controle do fornecimento de alimentos poderia representar3. Há um intenso conflito entre defensores e críticos à tecnologia transgênica. Grande parte desta polêmica emerge da falta de informações completas e confiáveis sobresituações de riscos, benefícios e limitações desta aplicação. Os vários argumentos, utilizados por ambos os lados da controvérsia encontram-se no Quadro 14. Quadro 1: Argumentos favoráveis e contrários aos transgênicos Argumentos Favoráveis Argumentos Contrários Expansão do conhecimento científico Conhecimento incompleto, não inclui as possibilidades dos agrossistemas sustentáveis e os possíveis efeitos de seu uso no ambiente Grandes benefícios com o uso imediato dos transgênicos (sementes com qualidade nutritiva aumentada) Benefícios mediocres, limitado ao grupo de grande produtores, sem alcançar o pequeno produtor. Seu desenvolvimento reflete interesses do sistema de mercado global. Não há perigos para a saúde humana e ambiental que se originem do uso corrente dos transgênicos que não possam ser adequadamente administrados por regulamentações responsavelmente planejadas Os maiores perigos podem não ser riscos diretos para a saúde humana e o ambiente, mas aqueles ocasionados pelo contexto socioeconômico da pesquisa e do desenvolvimento de transgênicos e de seus mecanismos associados, tais como a estipulação de que as sementes transgênicas são objetos em relação aos quais os direitos de propriedade intelectual devem ser garantidos. Não existe formas alternativas de agricultura que poderiam ser desenvolvidas no lugar dos modos propostos de orientação transgênica, sem ocasionar riscos inaceitáveis (ex.: falta de alimento) Estão sendo desenvolvidos métodos agroecológicos que permitem alta produtividade em lavouras essenciais e ocasionam relativamente perigos menores; promovem agrossistemas sustentáveis; utilizam e protegem a biodiversidade e contribuem para a emancipação social das comunidades pobres Fonte:Camara, MCC; et al. Transgênicos: Avaliação da possível (in) Segurança Alimentar através da produção científica. Revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos, 16(3), jul-set de 2009. Segundo Valle5 e Cavalli6, a intensa controvérsia que cerca o tema não possibilitou ainda uma definição quanto à segurança dos transgênicos para o consumo. A falta de conhecimento científico sobre os perigos é um fator associado a situação acima referida. Com base nisso, este estudo tem como proposta identificar, e analisar criticamente, a produção científica brasileira, no campo da Saúde Pública, sobre os organismosgeneticamente modificados (OGMs) no que concerne a identificação da possível (in)segurança alimentar. CAMINHO METODOLÓGICO Para realizar a análise proposta por este estudo, realizou-se uma revisão bibliográfica nos portais do “Scientific Eletronic Library Online” (SCIELO.org), responsável pela comunicação científica do Caribe e de países da América Latina, e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), instituição responsável pela pós-graduação “stricto sensu” no Brasil. Tem-se como pressuposto que a seleção destes portais configura uma amostra representativa de como esse tema vem sendo tratado no campo da Saúde Pública no Brasil. Cabe destacar que, a escolha do portal SCIELO.org considerou a disponibilidade integral dos artigos, permitindo uma discussão mais detalhada do material. Considera-se ainda que, a análise de tais estudos justifica-se por sua legitimidade, à medida que os mesmos representam pesquisas, comprovam pressupostos e são, obrigatoriamente, submetidos à avaliação de especialistas. Os descritores utilizados para identificar os estudos foram “transgênico(s)”; “OGM(s)”; “transgênicos e segurança alimentar”; “OGMs e segurança alimentar”; “transgênicos e saúde pública”. Através destes descritores foi possível adquirir uma visão ampla sobre como os transgênicos vem sendo tratados no campo da Saúde Pública ANÁLISE DOS RESULTADOS Os descritores utilizados resultaram na localização de 716 estudos, sendo 80 artigos e 636 teses ou dissertações. O período da pesquisa foi de 1987 a 2008, e a maior parte das publicações ocorreu a partir de 1998 (aproximadamente 95%). Enfatiza-se o ano de 2007 que abrangeu 13,2% das publicações (94 estudos). A literatura científica sobre transgênicos é muito ampla, trabalhando assuntos bastante diversos, como rotulagem, direito do consumidor, biossegurança, experimentos em laboratórios, produção, comercialização e liberação comercial, perigos e benefícios oriundos dessa tecnologia. Observa-se que, apesar do grande número de referências reunidas, apenas oito estudos trabalharam especificamente a (in)segurança alimentar dos alimentos geneticamente modificados. Um resumo destes estudos encontra-se no Quadro 2. Quadro 2: Artigos e Teses/Dissertações sobre Segurança Alimentar de Alimentos GM Título Autores Tipo de Publicação Objetivo Segurança alimentar de milho geneticamente modificado contendo o gene CryAb de Bacillus thuringiensis Venzke; J.G. Dissertação Avaliar a toxicidade subcrônica do milho Bt em camundongos da linhagem BALB/c. Organismos modificados genéticamente: una nueva amenaza para la seguridad alimentaria Spendeler; L Artigo Analisar todos os aspectos referentes a segurança alimentar relacionados com o introdução dos OGM na agricultura e na alimentação. Pensando sobre el riesgo alimentario y su aceptabilidad: el caso de los alimentos transgénicos Arnaiz; M. G. Artigo Analisar a percepção social da segurança alimentar e, em particular, as representações sociais do perigo oriundo dos organismos geneticamente modificados. Plantas transgênicas e seus produtos: impactos, riscos e segurança alimentar (Biossegurança de plantas transgênicas) Nodari; R. O. e Guerra; M. P. Artigo Analisar os perigos oriundos dos transgênicos, destacando a aplicação do conceito de equivalência substancial como critério de avaliação de segurança alimentar dos OGMs. Segurança alimentar: a abordagem dos alimentos transgênicos Cavalli; S. B. Artigo Discutir a relação entre a segurança alimentar e os alimentos geneticamente modificados. Transgênicos sem maniqueísmo Valle; S. Artigo Analisa as incertezas e riscos da tecnologia principalmente com relação à posição ambígua das multinacionais. A voz dos cientistas críticos Lewgoy; F. Artigo Discutir as controvérsias sobre os transgênicos, enfatizando os perigos, as incertezas e exemplos de falhas desta tecnologia. Investigating the environmental risks of transgenics crops Lacey; H. Artigo Discutir os tipos de investigação científica necessários para um exame adequado da não existência de riscos e da não existência de alternativas melhores aos transgênicos. Fonte: Camara, MCC; et al. Transgênicos: Avaliação da possível (in) Segurança Alimentar através da produção científica. Revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos, 16(3), jul-set de 2009. Estudo semelhante ao desenvolvido aqui foi realizado por Domingo7 que fez uma revisão da literatura no portal Medline. Foram identificadas mais de 5 mil referências sobre transgênicos, entretanto especificamente sobre avaliação de risco, seu objetivo, só foi possível identificar 29 achados. O autor conclui que a tecnologia transgênica é nova e que os cientistas ainda não têm um conhecimento completo sobre ela. Com isso, afirma ainda que, são necessários mais estudos científicos e investigações para garantir que a ingestão de alimentos geneticamente modificados não apresenta riscos para a saúde da população e para o meio ambiente7. A análise da produção científica relativa à (in)segurança alimentar dos transgênicos revela dois critérios centrais e antagônicos que norteiam os argumentos favoráveis e contrários à liberação e comercialização dos alimentos geneticamente modificados. O primeiro refere-se ao critério da Equivalência Substancial (ES). De acordo com esse critério, se o organismo geneticamente modificado é similar a sua contraparte convencional, é considerado substancialmente equivalente e, portanto, não existiria nenhuma razão para considerá-lo perigoso. Tal conceito vem sendo utilizado por autoridades regulatórias globais8. Na prática, os países que utilizam a ES são Estados Unidos, Canadá e Argentina. Destaca-se, entretanto, que na União Européia a Equivalência Substancial é um dos componentes da análise de risco, tomando como ponto de partida a Diretiva 2001/18/CE9, embora o referido critério tenha sempre recebido críticas de parte da comunidade científica10. O segundo critério refere-se ao Princípio da Precaução (PP) que surgiu como uma ferramenta a ser utilizada quando não for possível efetuar a avaliação científica do risco, servindo para impedir ações que possam causar danos ambientais11. Adotado pela Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), o PP essencialmente orienta “que quando existe ameaça de sensível redução ou perda de diversidade biológica, a falta de plena certeza científica não deve ser usada como razão para postergar medidas para evitar ou minimizar essa ameaça”. Assim, a adoção do Princípio da Precaução, se constitui em alternativa concreta a ser adotada diante de incertezas científicas. Para alguns autores, a “precaução” se adequa perfeitamente aos organismos geneticamente modificados e, portanto, deveria ter sido empregada desde seus primórdios. Segundo Marinho1, esse principio teria beneficiado inclusive o desenvolvimento da tecnologia, já que provavelmente sofreria menor questionamento e rejeição, em especial pela sociedade civil organizada. Não é possível – ainda - avaliar os impactos mensuráveis dos transgênicos na saúde humana em termos de indicadores como mortalidade infantil ou expectativa de vida12. É indispensável considerar o nível de incerteza no que diz respeito às implicações dessa tecnologia. Para tanto, utilizar o Princípio da Precaução é adequado, e recomendado, uma vez que, segundo Caruzo13, as incertezas cientificas, mais do que as certezas cientificas, estão associadas aos contextos de risco. Em síntese, a Equivalência Substancial (ES) se contrapõe ao Princípio da Precaução (PP) na discussão sobre os alimentos transgênicos, pois enquanto a primeira evita a identificaçãode perigos e não leva em conta as incertezas científicas, o segundo preconiza essencialmente o contrário. A complexidade dos alimentos produzidos pela engenharia genética requer, no entanto, uma abordagem holística na sua avaliação14, já que os testes usuais de toxicidade careceriam de um rigor particular8. Demonstrar que um alimento geneticamente modificado é quimicamente similar a sua contraparte natural não constitui uma prova suficiente de que aquele seja seguro para o consumo humano10. Esse conceito, de ES, denominado pelos autores como pseudo-científico, teria sido adotado com objetivos políticos e comerciais condizentes com os interesses das empresas produtoras dos OGMs, desejosas de tranqüilizar os consumidores. A adoção do critério da ES pressupõe também ignorar os mecanismos de segregação e de preservação da identidade, uma vez que considera tanto os alimentos naturais quanto os GM iguais. No ano 2000, a descoberta de um produto contaminado com uma variedade de milho Bt da Aventis nos EUA - que não havia sido aprovada para consumo humano - colocou a indústria biotecnológica na defensiva15. Os consumidores perceberam que estavam expostos a um perigo fora de seu controle e evidenciou-se a importância de estabelecer mecanismos de segregação entre colheitas geneticamente modificadas (GM) e não-GM, através, principalmente, da rotulagem dos alimentos. No Brasil, em meio a tal cenário de incertezas, cabe à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), avaliar, caso a caso, os possíveis riscos oferecidos pelos diferentes transgênicos cuja liberação, experimental ou comercial, vem sendo requerida. A Comissão teve sua competência e composição estabelecida pelo Decreto n.º 1.752/9516, que regulamentou a Lei n.º 8.97417, de 1995, instrumento contestado pela justiça, o que obrigou o poder executivo a baixar a Medida Provisória nº. 2.191-19/200118. Embora a partir de março de 2005 a Biossegurança esteja sob a égide de uma nova legislação (Lei nº. 11.10519), a Instrução Normativa nº. 2020, de 11.12.2001, que dispõe sobre as normas para avaliação da segurança alimentar de plantas geneticamente modificadas ou de suas partes, foi elaborada sob a Lei anterior (Lei nº 8.974, de 05 de janeiro de 1995) já revogada mas constitui-se, portanto, em instrumento privilegiado para estudos que avaliem se os alimentos transgênicos são seguros ou não para o consumo. - Insegurança Alimentar dos Transgênicos A análise da segurança alimentar dos alimentos transgênicos é feita, nos 8 estudos que a abordam este tema, através, principalmente, da exposição a perigos e incertezas para a saúde e para o meio ambiente oriundos desses produtos. Destaca-se que, o termo Segurança Alimentar e Nutricional é definido, desde 2004, com a realização da 2ª Conferência Nacional de Segurança alimentar e Nutricional como “a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis”21. Trata-se de um conceito abrangente que, no Brasil, engloba os termos “food safety” (alimento seguro) e “food security” (segurança alimentar). O Ministério da Saúde e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento são os principais órgãos responsáveis pelo controle da qualidade de toda a cadeia alimentar. Cabe destacar, no entanto, que a política de fiscalização desempenhada por tais ministérios é precária e convive, ainda, com a fome e com a miséria de grande parte da população. A CODEX Alimentarius Comission22, em 2003, adotou princípios para análise dos riscos oriundos da aplicação da técnica de transgenia. Além disso, descreve, também, uma metodologia para conduzir as avaliações da segurança alimentar destes alimentos22. Os aspectos de avaliação requerem a investigação de: a) efeitos diretos para a saúde (toxicidade); b) tendência a provocar reações alérgicas (alergenicidade); c) componentes específicos que promovem propriedades nutricionais ou tóxicas; d) estabilidade do gene inserido; e) efeitos nutricionais associados com a modificação genética específica e f) qualquer efeito não intencional que pode resultar da inserção genética. Cavalli6 ressalta um outro aspecto do risco referente a aplicação da engenharia genética: a utilização do argumento da solução do problema da fome no mundo. Tal afirmação levou as indústrias de biotecnologias a realizarem uma “nova revolução verde”, objetivando, com isso, o aumento da produção de alimentos para acabar com o problema da fome. Entretanto, alguns autores ressaltam que a aumento da produção de alimentos não possibilitará a segurança alimentar e nutricional, uma vez que o problema não decorre da produção de alimentos, mas sim da distribuição destes para a população. Além disso, a monopolização das sementes transgênicas pode proporcionar a diminuição da disponibilidade de alimentos, como destaca Spendeler23, que analisa a segurança alimentar dos alimentos transgênicos discutindo as incertezas, os perigos e a monopolização desses alimentos. Segundo a autora, todas as sementes transgênicas pertencem a um pequeno número de multinacionais. Com isso o mercado mundial de sementes está monopolizado e os agricultores cada vez mais dependentes destas empresas. A autora afirma que “la seguridad alimentaria em términos de disponibilidad de alimentos está em juego” (p. 279). Apresenta, ainda, as incertezas da engenharia genética como a alta probabilidade de surgimento de efeitos imprevistos e indesejáveis. Spendeler23 conclui seu estudo ressaltando as incertezas, a pequena quantidade de estudos sobre o assunto e a tendência de industrialização que tais cultivos proporcionam, não considerando as necessidades das comunidades locais e a biodiversidade agrícola. Tais aspectos constituem-se em fatores importantes para atestar a insegurança alimentar destes produtos. É importante analisar a percepção que a população tem em relação aos OGM. Segundo Arnaiz24, que analisou algumas pesquisas de opinião sobre transgênicos, com o avanço do consumo desses alimentos, há também um aumento da percepção negativa que os indivíduos têm sobre novas aplicações tecnológicas na alimentação. Afirma, ainda, que “sabemos muito pouco acerca do que comemos”. Para ela, a incerteza que a população tem sobre os OGMs é fundada no comportamento das instituições responsáveis pela avaliação dos perigos destes alimentos. Sobre as instituições, Lacey4 verifica que as políticas públicas que apóiam o cultivo de transgênicos, consideram que não há alternativas melhores e que não há perigos na aplicação da transgenia. Destaca-se que esta intenção política desconsidera principalmente as práticas agroecológicas e o princípio da precaução, além de expor à população a riscos ainda não mensuráveis. As incertezas sobre os transgênicos também estão presentes nas empresas detentoras desta tecnologia, uma vez que apresentam argumentos contraditórios de acordo com seus interesses. Ao mesmo tempo que argumentam sobre a segurança alimentar de seus produtos através do conceito de Equivalência Substancial (Alimentos GM igual aos alimentos naturais), também consideram seus produtos diferentes quando o assunto é propriedade intelectual5. No cenário atual de incertezas sobre os possíveis efeitos dos alimentos transgênicos, a rotulagem é um mecanismo que possibilita ao consumidor decidir se aceita, ou não, alimentos cujas propriedades não são ainda suficientemente conhecidas pela ciência. Além disso, é direito do consumidor ser informado, de maneira adequada, sobre a qualidade, quantidade e composição dos alimentos que pretende adquirir.A rotulagem permite, ainda, rastrear a origem de um alimento, diante da ocorrência de eventuais problemas. Cabe destacar que, a questão da rotulagem precisa ser compreendida no âmbito da segurança alimentar. Sem rotulagem é impossível fazer biovigilância. O estudo de Cavalli6 apresenta, também, a controvérsia sobre a Biotecnologia e a Biossegurança, em que a primeira é compreendida como um campo que colocará o Brasil em condições de competir com as demais nações desenvolvidas, e a Biossegurança, encarada como o freio para a produção de diversos transgênicos sem uma análise profunda e de longo prazo de seus possíveis perigos para a saúde e para o meio ambiente. Nodari e Guerra25 corroboram com a autora, além de destacar a importância da rotulagem como um instrumento fundamental para a escolha dos indivíduos quanto ao consumo desses alimentos. Outros aspectos também contemplados pelo campo da segurança alimentar são o impacto na exportação de alimentos e mesmo no turismo para os países produtores, principalmente numa economia globalizada. Eventos recentes como o conhecido "mal da vaca-louca", na Inglaterra, e o acidente da dioxina, na cadeia de alimentação humana, na Bélgica, podem abalar fortemente a credibilidade dos consumidores26. Tais eventos repercutiram na credibilidade dos produtos oriundos da engenharia genética e, provavelmente, contribuíram para que o avanço da biotecnologia agrícola tenha sido mais lento do que foi anunciado no começo dos anos 8012. Em grande medida e a despeito das prováveis dificuldades da técnica em si, a reação dos consumidores representou e representa um entrave considerável. Outras preocupações relacionadas com os OGMs são o receio de uma possível resistência bacteriana aos antibióticos empregados na modificação genética e o aumento das alergias alimentares às novas proteínas25. Utilizam-se, para tanto genes marcadores de resistência a antibióticos com a função de selecionar e confirmar se a alteração genética foi de fato realizada da maneira planejada. No entanto, discute-se que tais genes podem continuar a serem expressos nos tecidos da planta e ao serem ingeridos através dos alimentos, poderiam reduzir a eficácia do antibiótico comumente administrado no combate de doenças. Argumenta-se também que esses genes de resistência poderiam ser transferidos a patógenos humanos ou animais, tornando nulo o efeito da aplicação de certos antibióticos. A crescente resistência de organismos aos antibióticos vem sendo avaliada como um grave problema para a Saúde Pública27. O FDA não deixa de reconhecer tal possibilidade, quando, em relatório emitido por grupo consultivo reunido com o objetivo de avaliar a questão, recomenda como regra adotar cuidados com o uso dos antibióticos28. A Organização Mundial de Saúde (OMS) e Associações Médicas Americanas, além de vários outros grupos, expressam preocupação de que se “os genes resistentes a antibióticos” usados em alimentos GM se transferissem para bactérias, poderiam resultar no aparecimento de superdoenças. Tal fato motivou a Associação Médica Britânica a declarar uma moratória para alimentos GM29. Com relação às situações de risco para o meio ambiente, destaca-se a transferência vertical (acasalamento sexual entre indivíduos da mesma espécie) e a transferência horizontal (DNA transferido de uma espécie para outra, aparentada ou não). Ressalte-se que, no Brasil, região de grande variedade genética de sementes crioulas (não transgênicas), esse tipo de risco configura-se em grande desafio25. Lewgoy30 analisou os riscos ambientais dos alimentos transgênicos e apontou a possibilidade de cruzamentos genéticos não esperados. O autor destaca também falhas nos testes de toxicidade apresentados por uma empresa produtora de transgênicos à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e a não avaliação adequada dos riscos de toxicidade e alergias de seu produto para obtenção da liberação comercial. Com relação à liberação comercial, Marinho e Minayo-Gomez31 analisaram o tratamento dado pela CTNBio a solicitações de liberações ambientais de transgênicos. Os autores concluíram que, apesar do arcabouço legal existente, as instâncias governamentais não conseguiram assegurar o cumprimento da Biossegurança, “adotando uma postura negligente no estabelecimento das exigências técnicas legais” (p. 101). No portal da CAPES, observou-se apenas uma dissertação que aborda a (in) segurança alimentar dos transgênicos. Elaborada, no formato de três artigos, o primeiro é uma revisão bibliográfica sobre a Instrução Normativa nº 20 de 2001, que avalia aspectos positivos e negativos da equivalência substancial. Aponta-se a necessidade de estudos que aprofundem a avaliação dessa Instrução, priorizando a análise de toxicidade e alergenicidade. Cabe destacar que, a Instrução Normativa nº 20, elaborada pela CTNBio, dispõe sobre as normas para avaliação da segurança alimentar de plantas geneticamente modificadas ou de suas partes, propondo um conjunto de normas que “se aplicam à produção, importação e comercialização de plantas geneticamente modificadas e de suas partes destinadas à alimentação humana ou animal, assim como, no caso de importação, aos derivados de plantas geneticamente modificadas ou de suas partes”. Nesse sentido, propõe-se um conjunto de questões a serem respondidas pelos requerentes32. A alergenicidade constitui um perigo importante a ser avaliado, considerando-se que os alergênicos alimentares são proteínas que podem ser oriundas de genes endógenos ou exógenos. Nesse sentido, Food and Agriculture Organization (FAO), com o objetivo de avaliar o potencial de alergenicidade de proteínas transgênicas, estabeleceu um conjunto de procedimentos como comparar, inicialmente, a estrutura da nova proteína com estruturas de alergênicos já conhecidos, alinhando as seqüências de aminoácidos em bases de dados. A seguir, caso a fonte do gene seja confirmada como alergênica, deve ser realizado um teste com soro de pacientes alérgicos a essa fonte. A dissertação em questão alerta para a necessidade de atenção particular ao possível potencial alergênico do milho Bt32. Na avaliação por esse critério, o óleo de milho transgênico, por exemplo, não necessitaria ser rotulado como geneticamente modificado, porque seu processo de produção seria capaz de separar todos os constituintes tóxicos do milho e a composição final seria idêntica àquela obtida do milho não-alterado geneticamente. Argumentos similares têm sido usados para fundamentar a desregulamentação do óleo de soja geneticamente modificado. Segundo Fagan33, existem dois problemas com essa argumentação. Em primeiro lugar, o óleo de milho não é quimicamente puro, contendo proteínas suficientes do milho para provocar reações alérgicas nos indivíduos sensíveis. Em segundo lugar, na avaliação do óleo de milho geneticamente modificado pelo estratégia da Equivalência Substancial, somente os principais constituintes são examinados, enquanto os demais, ignorados nessa avaliação, podem ter papel importante no valor nutricional ou na própria segurança desse produto. Como exemplo, as manipulações genéticas podem inesperadamente, através de determinados mecanismos, alterar o metabolismo do óleo, gerando um derivado tóxico de ácido graxo. Conclui, portanto, que o critério de Equivalência Substancial é superficial e não pode ser utilizado como argumento para justificar a não realização de testes e/ou rotulagem. O segundo artigo da referida dissertação aborda a relação dose-resposta de camundongos alimentados com diferentes concentrações de milho Bt e com a proteína Cry1Ab por 90 dias. Foram preparados quatro tipos de dietas: a controle (sem milho Bt), a com Cry1Ab, e as que foram acrescidas de 10% e 30% de milho Bt. Concluiu-se que, os camundongos que consumiram milho transgênicotiveram ganho de peso e menor comportamento animal (erguer, brincar e festejar). Ressalte-se que a alteração genética no milho Bt é a inserção de um gene oriundo da bactéria do solo Bacillus thuringiensis. As toxinas desse bacilo são eficazes (mortais) contra diversas variedades de insetos que atacam determinadas plantações, como o milho e o algodão. Com a transgênese, o gene recebido pela planta codifica uma das toxinas Bt e impede que a planta seja danificada pelos insetos, enquanto não houver insetos resistentes a referida toxina. Ou seja, a própria planta exerce função inseticida matando os insetos que se alimentam dela1. A avaliação da segurança alimentar do milho Bt foi concluída no terceiro artigo, onde, com base no experimento mencionado anteriormente, a autora observou que os camundongos alimentados com tal alimento, acrescido da proteína Cry1Ab, apresentaram degeneração, necrose e aumento do volume do fígado. Em 1999, estudo elaborado por Losey, Rayor e Carter34 comprovou resultados semelhantes causando, à época, grande impacto junto a comunidade científica. O estudo comparou o desenvolvimento de larvas alimentadas com folhas onde o pólen do Bt havia sido anteriormente aspergido, com outras alimentadas com folhas sem o pólen do milho Bt. Concluiu-se que as larvas do primeiro grupo, alimentadas com as folhas cujo pólen do Bt foi aspergido, quando comparadas com as do segundo, comeram menos, cresceram mais lentamente e apresentaram maior taxa de mortalidade. Outro estudo de grande importância, cujos resultados foram publicados em reconhecida revista científica (The Lancet) e que provocou intensa polêmica, foi realizado pelo cientista Arpad Pusztai35, no Rowett Institute da Escócia, utilizando ratos alimentados com batatas transgênicas. Concluiu que esses animais apresentavam alterações no sistema imunológico, assim como no desenvolvimento de órgãos vitais. O autor destacou que as alterações poderiam ser causadas pela expressão do gene utilizado para a modificação das batatas, como também devido à presença no vetor de um ou mais genes usado(s) na transferência do gene ou, ainda, a distúrbios no funcionamento dos próprios genes da batata, em conseqüência da incorporação aleatória do vetor no genoma da batata. Tais conclusões foram questionadas pela The Royal Society, baseada em estudos semelhantes que não chegaram aos mesmos resultados, sugerindo que o cientista referido (Arpad Pusztai) precisaria refinar seu projeto experimental e realizar estudos adicionais, definindo claramente as hipóteses focalizadas nos efeitos específicos relatados. A despeito da necessidade de mais estudos na linha de investigação desenvolvida por esse cientista (Arpad Pusztai), cabe ressaltar o fato dessa pesquisa ter sido realizada sem financiamento de empresas, o que não ocorre em grande parte dos trabalhos sobre o assunto36. A principal conclusão dessa dissertação foi a insegurança alimentar do milho transgêncico Cry 1Ab. As demais teses e dissertações encontradas no portal abordam questões como a legalização dos OGMs37, 38, rotulagem39, 40, repercussões econômicas, institucionais e políticas41-45, resistências genéticas46 e Biossegurança47. Após a publicação do artigo referente ao conteúdo deste capitulo, muitos artigos científicos conduzidos por cientistas independentes que comprovaram situações de risco ou de danos tanto para humanos quanto para os componentes da biodiversidade. Dentre eles cabe destacar os seguintes. Em 2011, 17 anos depois da liberação da soja RR e 16 anos depois do milho transgênico em vários países, foi demonstrado pela primeira vez no Canadá a circulação de componentes de plantas transgênicas como as toxinas Cry1Ab e herbicidas a elas associados no sangue de mulheres não grávidas, grávidas e de seus fetos48. Esta de fato é uma situação de risco, cujas consequências são absolutamente desconhecidas. No mesmo ano, a toxina Cry1Ab presente em variedades de milho transgênico causou a morte das células a partir de 100 ppm49. Para Cry1Ac, sob tais condições, nenhum efeito foi detectado. Os mesmos autores verificaram que o Roundup testado isoladamente nas doses de 1-20 000 ppm é necrótico e apoptótico a partir de 50 ppm, muito abaixo diluições agrícolas. CONSIDERAÇÕES E RECOMENDAÇÕES FINAIS A principal conclusão deste artigo refere-se à pequena produção científica sobre a questão da segurança alimentar dos OGMs no campo da Saúde Pública, quando comparado aos demais estudos sobre os transgênicos. O pequeno número de estudos encontrados sobre o assunto evidencia que a polêmica sobre a adoção/incorporação desses alimentos justifica-se, entre outros elementos mencionados anteriormente, pela incerteza de seus efeitos sobre a saúde e para o meio ambiente, como também pela insuficiência de dados experimentais. Outra conclusão refere-se ao fato de que todos os estudos discursaram sobre a insegurança alimentar dos alimentos geneticamente modificados. Esse fato permite apontar uma questão muito importante: quais os estudos, que embasaram a CTNBio para permitir as liberações comerciais de transgênicos, se nesta pequena amostra todos afirmam que tais alimentos não são seguros? Além disso, recomenda-se a avaliação da eficácia da IN nº 20, proposta pela CTNBio, principal instrumento para analisar a segurança alimentar dos transgênicos, mesmo que este principal instrumento para analisar a segurança alimentar dos transgênicos no Brasil tenha sido revogado. Em seu lugar, surge a Resolução Normativa nº 5 de 12 de março de 2008, que dispõe sobre normas para liberação comercial de OGMs e derivados, onde a análise de questões relativas a qualidade nutricional (modificação e/ou inserção de novos carboidratos ou gorduras), a alergenicidade e aos efeitos adversos à saúde oriundos dos transgênicos ficam em segundo plano. Contudo, constata-se a aprovação de três tipos de milho transgênicos, o milho Liberty Link (evento LL25), o milho Guardian (evento MON810) e o milho Bt11 (evento Bt11), sem a existência de estudos de segurança alimentar e de riscos ao meio ambiente nos ecossistemas brasileiros, contrariando as normas mais elementares de biossegurança, razão pela qual IBAMA e ANVISA recorreram contra a decisão da CTNBio junto ao Conselho Nacional de Biossegurança. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - Marinho CLC. Discurso polissêmico sobre plantas transgênicas no Brasil: estado da arte. [tese de doutorado].Rio de Janeiro:ENSP; 2003. 2 - Lacadena JR. 1998. Plantas y Alimentos Transgénicos. Madrid: Departamento de Genética, Facultad de Biología, Universidad Complutense. http://cerezo.pntic.mec.es/~jlacaden/Ptransg0.html. (acessado em 07/dez/2007). 3 - Maluf R. Segurança alimentar e nutricional. Rio de Janeiro: Vozes; 2007. 4 - Lacey H. A controvérsia sobre os transgênicos: Questões científicas e éticas. 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Conclui-se que tal tema gera, entre os parlamentares, polêmica semelhante àquela identificada na população em geral, incluindo a comunidade científica, o que contribui para a permanência de um alto grau de incerteza quanto a utilização dos OGMs. Palavras-chaves: Organismo Geneticamente Modificado, Câmara dos Deputados, Senado Federal, Transgênicos ABSTRACT This study aims to identified, in two different political moments (the new biosafety law and the issue of provisional measures), how the controversy on GM foods took place in National Congress. With this objective, we studied the speeches of senators and deputies from 2003 to 2008, available on the websites of Senate and House of Representatives. We observed that issues such as lack of scientific basis for decision- making, duties of CTNBio, economic interests in the adoption of transgenics and the unification of the debate on stem cells and GM in the same law, are recurring themes in the speeches. The main conclusion was that the transgenics generates, among parliamentarians, controversy similar to that seen in the general population, including the scientific community, which contributes to the persistence of a high degree of uncertainty about the use of GMOs. Keywords: Transgenic, House of Representatives, Senate, GMO INTRODUÇÃO O consumo e cultivo de alimentos geneticamente modificados (transgênicos) colocam em pauta questões relativas às consequências desta utilização para a saúde da população, para a subsistência da agricultura e para a biodiversidade do meio ambiente. Além disso, o grande espectro de opiniões e estudos de interesses diversos, e muitas vezes conflitantes, intensificam a controvérsia em torno da produção, comercialização e consumo destes alimentos1. Destaca-se, no entanto, que faz parte da construção científica a presença de incertezas e diversidades de opiniões. Essas não são questões negativas. As incertezas são inerentes aos fenômenos ou as teorias. Mas é exatamente nesta característica que viceja o avanço da ciência quando tenta diminuir tais incertezas. Na discussão dos alimentos provenientes de organismos transgênicos, a ressalva a essa variedade científica consiste nos interesses que conduzem certas pesquisas. No entanto, negar a existência de incertezas e não procurar diminui-las indica um estado de obscurantismo cientifico. Entre os argumentos que sustentam a defesa da tecnologia dos transgênicos encontram-se a necessidade de aumentar a produção de alimentos a baixo custo e a redução do uso de agrotóxicos2. Outros argumentos incluem a possibilidade de produzir alimentos nutracêuticos ou mesmo medicamentos em plantas transgênicas. Já entre os argumentos contrários, tem-se justamente o oposto: a inexistência da necessidade de aumento da produção de alimentos (e sim sua melhor distribuição), além das situações de riscos ao meio ambiente pelo aumento do uso de agrotóxicos e a contaminação das plantações silvestres pelos genes transgênicos1,3. Com isso, configura-se uma polêmica multifacetária, que se expressa não só na comunidade científica, mas a população como um todo, e que envolve, ainda, aspectos econômicos, sociais, ambientais e, especialmente, políticos. A atuação do Governo Federal Brasileiro tem sido fortemente questionada por diversos setores da sociedade, pela comunidade científica, Organizações Não Governamentais, instituições públicas e privadas. No Brasil, o Congresso Nacional (CN) é a instituição responsável por exercer o poder legislativo na esfera federal e tem como principal atividade legislar e fiscalizar os demais Poderes: Executivo e Judiciário4. Instituído desde a Constituição de 1891, o CN é composto por duas Casas: a Câmara dos Deputados (CD), representação imediata da população e o Senado Federal (SF), casa que representa os Estados e o Distrito Federal5,6. Tendo em vista as responsabilidades do CN para com a sociedade, o objetivo deste artigo é analisar, os principais temas discutidos com relação aos alimentos geneticamente modificados. Parte-se do pressuposto de que os discursos dos parlamentares refletem as diferentes posições presentes na sociedade e na comunidade científica em relação aos transgênicos. Para realização deste estudo foram reunidos e analisados os discursos proferidos por senadores e deputados sobre os alimentos transgênicos, no período de janeiro de 2003 a dezembro de 2008. Os discursos estão disponíveis, para acesso público, nos respectivos sites das Casas (www.camara.gov.br e www.senado.gov.br), através de transcrições integrais e as palavras-chave utilizadas para a captação deste material foram transgênico(s) e Organismos Geneticamente Modificados (OGM). Este intervalo de tempo foi considerado representativo, uma vez que engloba momentos importantes e composições políticas diferentes (processo de discussão da lei de biossegurança e os dois mandados do presidente Luis Inácio Lula da Silva). Para a análise dos discursos utilizou-se a técnica de Análise de Conteúdo, modalidade análise temática7. O conteúdo dos discursos reunidos foi exaustivamente analisado, o que permitiu a identificação das diversas abordagens do tema transgênico em dois momentos políticos específicos: a construção da nova lei de biossegurança e a edição de importantes medidas provisórias sobre o assunto. TRANSGÊNICOS NO CONGRESSO NACIONAL Os descritores utilizados permitiram a localização de 929 discursos, sendo 819 proferidos por deputados e 110 por senadores. Dos 929 discursos inicialmente identificados, 42 (4,5%) não abordam o tema transgênicos, apesar de terem surgido com o uso dos descritores supracitados e, conseqüentemente, foram excluídos do estudo. A maioria dos discursos foi proferida nos anos de 2003, 2004 e 2005, representando 22,7%, 34,7% e 26,5%, respectivamente, evidenciando uma discussão menos intensa nos anos de 2006, 2007 e 2008, o que não representa, no entanto, uma redução na polêmica entre os brasileiros. Destaca-se que o ano de 2003 foi marcado pela votação de importantes medidas provisórias e pelo inicio da discussão da nova lei de biossegurança, cujo debate persistiu pelos anos de 2004 e 2005. Constatou-se maior freqüência de discursos por parte de políticos do Partido dos Trabalhadores (PT- 23,8%), seguido do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB-13,3%) e do Partido da Frente Liberal (atual Partido Democrático - DEM) (PFL-12%). Cabe ressaltar, ainda, que o estado do Rio Grande do Sul foi o mais representado nos debates sobre OGM (20,9%), seguido pelos estados de São Paulo (11,9%) e do Paraná (9,5%). A Região Sul do país sempre foi palco de discussões intensas sobre os transgênicos, em decorrência de dois acontecimentos marcantes: a declaração do estado do Paraná de ser um “estado livre dos transgênicos” e o Rio Grande do Sul ser o local onde houve a primeira plantação ilegal de sementes geneticamente modificada8.Sobre o posicionamento dos políticos a respeito dos OGM, 40,2% dos discursos não explicitaram claramente uma posição, 35,5% foram favoráveis a essa tecnologia e 23,5% contrários. Menos de 1% dos discursos apresentaram uma posição ambígua diante do assunto. Para melhor compreensão, os discursos foram agrupados segundo dois momentos políticos distintos (a elaboração da nova lei de biossegurança e a edição de Medidas Provisórias sobre Transgênicos), buscando, com isso, apresentar e discutir como a polêmica foi abordada pelos parlamentares nesses momentos. Cabe relatar que os dois períodos políticos foram escolhidos uma vez que representam os principais acontecimentos, no que se refere aos transgênicos, no período de 2003 à 2008. 1 - Nova Lei de Biossegurança A tramitação e a promulgação da nova lei de biossegurança (Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005) desencadeou intensas discussões sobre os OGMs no Congresso Nacional. Antes de discutir o conteúdo da nova lei, que regulamenta o cultivo e consumo dos OGM no Brasil, assim como normatiza o uso de células-tronco, faz-se necessário explicar o processo de sua tramitação. Seu Projeto de Lei de Biossegurança (PL nº 2.401) foi apresentado pelo Poder Executivo em outubro de 2003, necessitando de apreciação do Legislativo, conforme determina a Constituição Federal de 1988. Inicialmente o Projeto foi para apreciação da Câmara dos Deputados, onde foi escolhido um relator para o Projeto, cujo parecer foi votado em Plenário. Após ser aprovado na Câmara, o Projeto seguiu para o Senado Federal, onde outro relator foi nomeado. Esse relator decidiu apresentar substitutivo ao texto original, o que determinou o retorno do Projeto à Câmara para uma segunda votação. Após essa segunda votação, o texto foi encaminhado ao Presidente que sancionou a Lei. O início da tramitação na Câmara dos Deputados teve como relator o Deputado Aldo Rebelo (PCdoB/SP). Seu parecer desencadeou intensa discussão, uma vez que introduziu a temática das pesquisas com células-tronco embrionárias e determinou as competências da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) sobre a utilização do OGM. Cabe ressaltar que, o Deputado Aldo Rebelo também foi relator, em 2011, do Projeto de Lei (PL) nº. 1876/1999 que altera substancialmente o Código Florestal em vigor. Criada em 1995, a CTNBio é integrante do Ministério da Ciência e Tecnologia sendo uma instância colegiada multidisciplinar de caráter consultivo e deliberativo. Sua principal função é “prestar apoio técnico e de assessoramento ao Governo Federal na formulação da Política Nacional de Biossegurança de OGM e seus derivados, bem como no estabelecimento de normas técnicas de segurança e de pareceres técnicos referentes à autorização para atividade que envolvam pesquisas e uso comercial de OGM e seus derivados”9. O parecer que efetivamente foi votado no plenário da CD foi o do Deputado Renildo Calheiros, pois o 1º relator, por motivos políticos, afastou-se da Casa. O parecer do deputado Calheiros retirou do relatório do deputado Rabelo as pesquisas com células-tronco embrionárias; restringiu as autorizações da CTNBio a pesquisas com OGMs; determinou que o Conselho Nacional de Biossegurança seria a última instância no que tange as liberações comerciais de OGMs e o IBAMA avaliaria a necessidade de licenciamento ambiental e do Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Enfatiza-s e que, o PL nº 2.401 apresentado pelo Poder Executivo na Câmara dos Deputados abordava somente a normatização dos transgênicos. A introdução da discussão sobre o uso das células-tronco foi uma alteração feita pelo 1º relator do projeto na Câmara. Apesar da proibição de pesquisas com células-tronco, introduzida pelo parecer do Deputado Calheiros, pode-se observar que as discussões sobre essas pesquisas permaneceram e predominaram, o que manteve “disfarçado” o real objetivo da Lei que era a regulamentação dos organismos transgênicos no país9,10. Segundo Taglialegna et al10 o parecer do Deputado Renildo Calheiros foi favorável à posição dos ambientalistas e contrários aos interesses da bancada ruralista, pois reduz os poderes inicias propostos para a CTNBio e proibiu o uso com células- tronco. A divergência de posições sobre transgênicos e células-tronco na Câmara dos Deputados pode ser exemplificada pelos trechos dos discursos apresentados abaixo. Os deputados que defendem a utilização dos transgênicos utilizam argumentos baseados em falta de conhecimentos científicos, defesa de interesses nacionais e avanços econômicos: “De modo simples, poderíamos resumir esta polêmica assim: pesquisadores defendem os transgênicos, ambientalistas defendem produtos orgânicos. A diferença é que, para entender a tese dos defensores dos transgênicos, é preciso um pouco de conhecimento de biologia. Para assumir a postura dos que são do contra, basta ter medo, basta ter introjetado que natural é melhor.” (DEPUTADO DARCÍSIO PERONDI – PMDB/RS, 27/02/2003). “A incompreensão dos ambientalistas é infundada, porque o projeto de biossegurança não rasga os dispositivos constitucionais nem o arcabouço que define e defende o meio ambiente. Muito pelo contrário. Ele o protege e o preserva.” (DEPUTADO FRANCISCO TURRA - PP/RS, 05/10/2004). “(...) os ambientalistas, os quais - repito - não se baseiam em teorias românticas, mas científicas.” (DEPUTADO DELEY –PV/RJ, 07/07/2004).“Não é que os ruralistas — e me incluo nesse grupo — sejam maldosos ou queiram decretar o fim dos tempos e, a partir do plantio de soja transgênica, de mamão transgênico, batatinha transgênica, amendoim transgênico, estejam realmente promovendo o apocalipse no mundo ou no Brasil. Não é isso. Queremos realmente que haja o aproveitamento econômico.” (DEPUTADO CONFÚCIO MOURA - PMDB/RO, 25/09/2003). Já os deputados que condenam a liberação dos transgênicos o fazem através de argumentos como a falta de estudos de longo prazo, as incertezas da utilização desses produtos e, principalmente, os interesses econômicos que permeiam tal discussão, conforme pode-se observar no discurso a seguir: “Não podemos, porém, aceitar que por trás desse belo discurso estejam pesquisadores ligados às grandes multinacionais ou mesmo a ruralistas que querem liberar de qualquer forma os transgênicos no País.” (DEPUTADO DR. ROSINHA – PT/PR, 29/01/2004). No Senado Federal, o Projeto (agora designado Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 9 de 2004) passou por três comissões, que o analisaram conjuntamente e designaram o Senador Ney Suassuna (PMDB/PB) como relator. No início da tramitação no Senado, a Comissão de Educação apresentou um requerimento para que o Projeto passasse também por ela, sendo o Senador Osmar Dias (PDT/PR) o relator. O parecer do Senador Osmar Dias autorizava as pesquisas com células-tronco embrionárias e concedeu maiores poderes à CTNBio. Segundo esse relatório, a CTNBio passaria a ter competência para decidir sobre liberações comerciais de OGMs. Em caso de divergência com outras instituições, o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) seria convocado. O parecer do senador Ney Suassuna, relator das três comissões iniciais, apresentava algumas diferenças comparativamente ao parecer do senador Osmar Dias. Destaca-se que a definição dos poderes da CTNBio no processo de liberação do uso de OGM foi o ponto de intensas discussões no Congresso Nacional: “Vejam a subversão de hierarquia nesse projeto do Senado. O "Conselhão" de 11 Ministros de Estado se submete à CTNBio, órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. E essa inversão de valores está presente em dois outros momentos, que queremos corrigir nos destaques. O primeiro diz que a decisão da CTNBio vincula todos os órgãos do Governo, e o segundo, que a CTNBio delibera, em última e definitiva instância, sobre a necessidade do licenciamento