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Literatura Brasileira V – Roteiro de estudos da AP3 – 2015/2 CLARICE LISPECTOR – RESPIRAÇÃO E SUFOCAMENTO Introdução: A modernidade consiste em atribuir novos significados e novas formas àquilo que já foi feito, de modo a evidenciar a escrita original de cada autor. GERAÇÃO DE 45 – algumas características que reafirmam o impulso criativo: • Pesquisa linguística; • Experimentação estética; • Composição por vezes abstrata; • Amadurecimento da proposta inicial do modernismo, reconciliando tradição e modernidade. Clarice Lispector soube equilibrar tradição e modernidade. Em sua obra, uma espécie de intimismo, sempre perpassado por palavras simbólicas ganham novos valores e sentidos. Por vezes, beirando o insólito. Paralelamente, a escritora tornou-se única ao esmiuçar a existência, de tal forma, que o próprio questionamento reordenou e/ou desorganizou o estatuto dos gêneros literários. Sua grande inovação consiste no modo peculiar com que desarticulou os estilos e as origens das palavras. As principais características da Geração de 45 – a que pertence Clarice Lispector –, como: a busca da palavra exata, a riqueza vocabular e a experimentação estética, aparecem em suas obras que recuperam alguns aspectos de escolas literárias do século XIX, dentre eles o intimismo e o simbolismo. Mais do que isso, Clarice Lispector foi capaz de inovar a linguagem modernamente, injetando originalidade ao desequilibrar os gêneros textuais e recriar os sentidos da existência. DUAS OBRA DE CLARICE LISPECTOR Água Viva é um presente contínuo em busca do it – a coisa sem nome, entre o real e o imaginário. A escrita de Clarice Lispector vem marcada constantemente pelo fluxo de consciência, pela metáfora desprovida de sentido usual, pela ruptura de gêneros e de enredo. Uma obra aberta, na qual a ressignificação impera numa eterna busca pelo não sentido. Neste livro, a narradora-pintora procura do início ao fim uma forma de captar na linguagem a maneira ideal de pôr em cena àquilo que ela consegue com as tintas. A pintura em diálogo traz a proposta de unir a modernidade à tradição. O existencialismo de Clarice Lispector leva às últimas consequências o esmiuçamento da alma humana. Com isso, o romance se faz pela mistura de gêneros textuais, desequilibrando conceitos fechados e dogmáticos. A experimentação estética em Clarice, além do formato narrativo – que, para a pesquisadora Lúcia Helena, se trata de um poema em prosa –, também vem marcada pela pesquisa linguística. Na obra da autora verificamos esse fluxo continuo sem interrupção movido por um desejo que se pauta pelo agora. Há uma busca constante pela palavra ideal, que estaria pautada pela ausência de significados – uma palavra no escuro. Para relatar o anseio, em Água Viva, é preciso abrir mão de tudo que aprisiona a linguagem. A Hora da Estrela traz o verbo ser como verbo intransitivo: a intransitividade existencial de Macabéa – nordestina desprovida de consciência da própria existência humilhante, sem sofrimento –, é fixada sintaticamente pelo eu sou, que percorre toda a narrativa. Assim como em Água Viva, a obra retrata aquilo que não pode ser adjetivado, preso ao it primordial. A prosa poética clariciana mantém o tom intimista neossimbolista, na busca imagética e vocabular perfeita. Mais uma vez, neste livro, é possível ver o quanto a ansiedade de apaziguamento entre tradição e modernidade se perfaz na obra da autora – na medida em que o intimismo e o simbolismo se revelam por um novo modo criador, no qual as palavras anseiam por signos diferentes, libertando-se do clichê da classificação do gênero textual. GUIMARÃES ROSA – O AUTOR MINEIROUTILIZOU A LINGUAGEM Introdução: A Vanguarda e a Tradição na Literatura Brasileira estiveram sempre em diálogo constante: pode-se dizer que uma forma completa a outra. A Vanguarda, mesmo que para questionar ou ironizar, conversa continuamente com a Tradição em um jogo intertextual necessário para o avanço, o crescimento da Literatura Brasileira. Pois somente conhecendo muito bem a Tradição que se pode questionar e inovar; é apropriando-se de todo o conhecimento anterior que se dá um passo à frente. Um exemplo magnífico do diálogo entre a Tradição e a Vanguarda é o escritor mineiro Guimarães Rosa. As INFLUÊNCIAS DO BARROCO nos escritores do século XX marcou sua narrativa: 1) dualismo; 2) cultismo; 3) conceptismo; 4) misticismo/ religiosidade. Em diálogo com o Modernismo e o Barroco, o escritor mineiro criou um sertão único e deu fala, a partir de uma linguagem diferenciada, ao sertanejo e à natureza, fauna e flora. É importante ressaltar que Guimarães Rosa estudou profundamente a língua e seus processos de formação para subvertê-los e criar novos significados em um discurso predominantemente simbólico. A busca incessante por dizer o inédito e revelar o novo ao leitor foi uma das espinhas dorsais da poética rosiana. Ao se propor dizer o novo, Rosa pegou o material literário (a linguagem) e o recriou, numa obra de discurso predominantemente simbólico. O sertão místico, a recriação da fala do sertanejo, o poder de descobrir a quinta face, o narrar inerrável, o responder-perguntar levando à reflexão, o pacto com o diabo: o mistério Guimarães Rosa. O autor de Grande Sertão: Veredas subverte a forma narrativa instaurando uma crise na distinção entre os gêneros lírico e narrativo, buscando através da nova linguagem representar a fala sertaneja, dar vida à natureza do sertão, dizer o que nunca havia sido dito. O narrador rosiano é único e, como um grande ator, sobe ao palco para representar e transformar-se em tudo aquilo que expressa. O narrador rosiano se apresenta como um grande ator que se metamorfoseia em diversos personagens para melhor se expressar e dar a vida àquilo que apresenta. O tema do sertão, os personagens humanos e os personagens animais ganham um ponto de vista intrínseco a cada um (o leitor enxerga pelo o seu ponto de vista, por seus olhos, humano ou animal). Ou seja, o narrador se apresenta como um mediador que organiza a estrutura encenada, permitindo que apenas os atores tenham fala. Sagarana – um livro de nove contos publicado por Guimarães Rosa, no qual são apresentadas a paisagem e o homem de sua terra, Minas Gerais –, em uma de suas sagas, apresenta o narrador como dramaturgo, ator e espectador do drama: a tudo assistimos por diferentes pontos de vista. O tema de Sarapalha, por exemplo, é a malária e Guimarães Rosa faz com que a temática se alastre por cada centímetro da narrativa, inclusive chegando ao ponto de transformar o cenário em um personagem que participa do processo geral de destruição provocada pela doença. CARACTERÍSTICAS DO NARRADOR ROSIANO: inovador no cenário brasileiro, principalmente, ao radicalizar o desaparecimento do narrador em Grande Sertão: Veredas. Sem esquecer que Guimarães Rosa estava intimamente relacionado ao romance moderno onde o narrador se distancia da narrativa para propor uma perspectiva dual retratando a visão dos personagens frente aos fatos e refletindo criticamente sobre cada momento ocorrido. RUPTURA COM OS GÊNEROS LITERÁRIOS: Guimarães Rosa rompe com os gêneros literários, mistura-os, tornando inviável a distinção dos gêneros em sua obra. O gênero narrativo é invadido por uma série de mecanismos próprios ao gênero lírico (como a assonância, a aliteração, o ritmo, as rimas, onomatopeias e o discurso simbólico). Rosa relê uma tradição de poesia para transmutá-la para a narrativa, não só escrevendo uma prosa-poética, mas, literalmente, escrevendo poemas no interior das narrativas ampliando o significado e a representação da paisagem, dos personagens e dos animais. Guimarães Rosa foi um escritor caracterizado pela união de contráriosdentro de sua obra, pois ao visitar o estilo barroco, retomou uma tradição literária para, através dela, romper com diversos mecanismos de linguagem, dialogando assim também com a vanguarda literária. Uma união possível, através de um estudo profundo da linguagem, que fez o escritor mineiro dizer o novo e buscar o inaudito, transformando a forma tradicional de narrar e contar histórias.
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