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Diálogos sobre interculturalidade

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FAIP-FAEF
� EMBED Msxml2.SAXXMLReader.5.0 ����Sociedade Cultural e Educacional do Interior Paulista
Faculdade de Ensino Superior do Interior Paulista
Curso de Pedagogia��
Diálogos sobre interculturalidade, conhecimento científico e conhecimentos tradicionais na educação escolar indígena
A educação escolar indígena no Brasil
Para a construção de um diálogo mais amplo, faz-se aqui necessário uma compreensão dos conceitos de educação indígena, educação escolar indígena e escola indígena. Neste sentido, para o antropólogo Luciano
(2006), indígena da etnia Baniwa do Alto Rio Negro,
[…] a educação se define como o conjunto dos processos envolvidos na socialização dos indivíduos, correspondendo, portanto, a uma parte constitutiva de qualquer sistema
cultural de um povo, englobando mecanismos que visam à sua reprodução, perpetuação e/ou mudança (LUCIANO, 2006, p.129).
Significa então dizer que todo povo tem sua cultura e seus processos próprios de educação comunitária e de (re) produção. Nas comunidades indígenas, o processo de desenvolvimento e expressão, os modos de viverem suas culturas e de transmitirem seus conhecimentos às novas gerações foram denominados de “Educação Indígena” (MELIÁ, 1979). Em meio à diversidade étnica que compõe os povos indígenas brasileiros, cada grupo étnico e/ou social/cultural, a partir de suas necessidades e realidades, forja processos educativos, onde o “ensinar e o aprender são ações mescladas, incorporadas à rotina do dia a dia, ao trabalho, ao lazer e não estão restritas a nenhum espaço específico” (MAHER 2006, p. 17). Neste sentido, a partir da ciência desses processos da educação indígena que as mais de duas centenas de povos identificados atualmente no Brasil,1 conseguiram resistir em seus saberes e práticas etnoculturais, em suas identidades cultivadas.
A categoria escola indígena no Brasil foi criada com o Parecer 14/99 do Conselho Nacional de Educação. Nele a escola é definida no Artigo 2º, por sua “localização em terras habitadas pelas comunidades indígenas”. Contudo, a compreensão dos espaços-tempos em que esta comunitária e seus processos de produção sociocultural. Para Tassinari (2001, p.50), as escolas indígenas são definidas como espaços de fronteiras: “[...] espaço de trânsito, articulação étnica de conhecimentos, assim como espaços de incompreensões e de redefinições identitárias dos grupos envolvidos nesse processo e não-índios”.
Segundo Silva (1998), a escola indígena é uma nova forma de instituição educacional para a revitalização e reelaboração cultural de cada povo, tendo como objetivo a conquista de sua autonomia social, econômica e cultural, contextualizada e alicerçada em sua memória histórica, na reafirmação de sua identidade étnica. Neste itinerário de análise, Alvares (1999) remete a escola indígena como um local de negociação de valores e reinterpretação de significados culturais e simbólicos.
Seguindo as duas perspectivas de análise acerca da escola indígena há de refletir que a partir do momento em que a escola se insere em determinado contexto, há a construção de uma cultura escolar, sendo esta compreendida como:
[...] um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização) (JULIA , 2001, p 10).
É neste jogo de reelaboração cultural, de reafirmação de identidades étnicas e de reinterpretações culturais e simbólicas que a escola indígena como lugar de fronteira cria uma cultura escolar que lhe La cultura escolar,
así entendida, estaria constituída por um conjunto de teorias, ideas, princípios, normas, pautas, rituales, inercias, hábitos y prácticas (formas de hacer y pensar, mentalidades y comportamientos) sedimentadas a lo largo del tiempo en forma de tradiciones, regularidades y reglas de juego no puestas em entredicho, y compartidas por sus actores, en el seno de las instituciones educativas. Tradición, regularidades y reglas del juego que se transmiten de generación em generación y que proporcionan estratégias: a) para integrarse en dichas instituciones y interactuar en las mismas; b) para llevar a cabo, sobre todo en el aula, las tareas cotidianas que de cada uno se
esperan, y hacer frente a las exigencias y limitaciones que dichas tareas inplican o conllevan; y c) para sobrevivir a las sucessivas reformas, reinterpretándolas y adaptándolas, desde dicha cultura, a su contexto y necesidades. Sus rasgos característicos serían la continuidad y persistencia en el tiempo, su institucionalización
y una relativa autonomia que le permite generar produtos específicos como las disciplinas escolares. La cultura escolar sería, em sínteses, algo que permanece y que dura; algo que las sucesivas reformas no logran más que aramar superficialmente, que sobrevive a ellas, y que constituye un sedimento formado a lo largo del tiempo. (VIÑAO apud SOUZA, 2009, p. 73- 74).2
Pensar a cultura escolar com este olhar amplo nos remete a afirmar que há diferentes culturas escolares, desde as instituídas pelos programas e currículos, àquelas tecidas nos mais variados cotidianos da escola. Cotidianos que são engendrados e ritualizados por sujeitos que não estão passivos diante das práticas escolares, pelo contrário, subvertem e constroem os mais variados fazeres sob e na instituição escolar.
Breve histórico da educação escolar no Brasil
Segundo Maher (2006), a educação escolar indígena no Brasil pode ser dividida em dois paradigmas. O primeiro denominado “paradigma assimilacionista”, onde se intenciona educar o índio para a negação de sua identidade e abdicação de sua língua, de suas crenças e de seus padrões culturais. Podendo este ser classificado em dois modelos: o de “submersão” e o de “transição”. O segundo denomina-se de “paradigma emancipatório”, protagonizado pelo Movimento Indígena na construção de uma escola indígena que liberte as populações indígenas das teorias integracionistas.
O paradigma assimilacionista
O paradigma assimilacionista na história da educação escolar indígena se divide em dois modelos: o modelo de submersão que se caracterizaria pela retirada das crianças indígenas de suas aldeias para os internatos catequéticos, se iniciando no Brasil Colônia, quando a escolarização dos índios era destinada aos religiosos da Igreja Católica, em particular aos Jesuítas. E o modelo de transição, em que as crianças não são mais retiradas de suas aldeias, mas as escolas se inserem nas comunidades indígenas, utilizando de suas línguas nas séries iniciais, onde a criança seria alfabetizada em sua língua materna, para depois se acessar o português gradativamente, até que a língua indígena fosse excluída do currículo escolar. Este modelo é adotado a partir da criação do Serviço de Proteção ao Índio- SPI em 1910, e que posteriormente se estende à política de ensino da Fundação Nacional do Índio ( Funai), sua sucessora, com a articulação do Summer Institute of Linguistics (SIL) e outras missões religiosas.
A escola como espaço regulado do saber e como instituição surgiu primeiro para os povos indígenas sob a tentativa de “integração” e “domesticação” para alcançar a submissão e a negação de suas identidades desde as missões Jesuíticas. Desta perspectiva, a inserção da escola no cotidiano das comunidades indígenas pode ser analisada a partir do conceito de “violência simbólica”, definida por Bourdieu (2004, p.106), como o ato de dar um significado “[...] a uma ação ou a um discurso de forma que é reconhecida como conveniente, legítima, aprovada”, como uma imposição de determinada cultura como universal e única.
Nessa perspectiva de escola como espaço de controle, Bourdieu (2004, p. 212) salienta que “a escola, pela própria lógica de seu funcionamento, modifica o conteúdo e o espírito da cultura que transmite”.A escola se insere nas comunidades indígenas como um “motor de impactos e transformações socioculturais” (THOMPSON, 1998, p. 18), onde a educação formal a partir de uma violência simbólica legitima o status quo da cultura dominante em detrimento dos valores, manifestações e práticas que não dialogam com a cultura instituída hierárquica. Ainda nesta esteira, há de se dialogar com Forquin (apud VIDAL; SCHWARTZ, 2010), onde a escola é entendida como uma instituição que se organiza a partir de normas, de valores, de significados, de rituais, de formas de pensamento, de processos diversos constituídos da própria cultura.
Podendo ser compreendida como motor de transformação que se posta a serviço das culturas dominadas e de resistência.
O paradigma emancipatório
O paradigma emancipatório de Educação Escolar Indígena surge na sociedade brasileira no final da década de 1960, influenciado pela pedagogia libertadora defendida por Paulo Freire, construído pelo movimento indígena e organizações não governamentais indigenistas, destacando entre elas: Conselho Indigenista Missionário (CIMI),
Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Comissão Pró-Índio, dentre outras. O paradigma emancipatório nasce do encontro entre as teses da educação como prática de liberdade e o movimento das organizações das sociedades indígenas, em oposição ao paradigma assimilacionista, assumindo como referência o “enriquecimento cultural e linguístico”, que busca uma proficiência nas línguas de seus antepassados, o avanço dos estudos na área da linguística, o respeito às crenças, aos saberes e a práxis cultural indígena.
As lutas desenvolvidas pelo Movimento Indígena (MI), organizações indígenas e demais organizações culminaram nas conquistas presentes na Constituição Federal de 1988, que rompeu com a ideologia integracionista, fundamentada no mito da miscigenação, responsável por criar imagem e autoimagem de um (a) brasileiro (a) europeizado, configurando-se num padrão a ser seguido e adotado. Na esteira das lutas do Movimento Indígena estão as Conferências Nacionais e Regionais de Educação Indígena que colocaram e vem colocando em debate as reivindicações dos povos indígenas e refletindo as políticas públicas que podem vir atender suas demandas para a Educação Escolar Indígena. Nesta esteira de reivindicações, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº. 9.394 de 20 de dezembro de 1996, veio substituir a Lei 5.692 de 1971 que nada tratava acerca da educação escolar indígena. A LDBEN 9.394/96 traz em seu capítulo II, da Educação Básica, na seção I, nas disposições gerais do Artigo 26, o respeito às diversidades culturais regionais e locais que deverão estar inseridas no currículo do Ensino Fundamental e Médio que terá base nacional comum. A lei complementa ainda no Artigo 26, § 4º “O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia”.
A educação escolar indígena e seu marco legal
A década de 1970 foi marcada pela emergência do chamado indigenismo alternativo, protagonizado por indígenas e indigenistas em o primeiro encontro de Educação Indígena Nacional.
A década de 1990 caracteriza-se como um período de implementação do ideário gestado nas décadas anteriores, surgindo as novas palavras de ordem que se tornariam os pilares da educação escolar indígena brasileira: “educação bilíngue e intercultural”, “currículos específicos e diferenciados”, “processos próprios de aprendizagem”, que precisavam ser materializados no cotidiano escolar. Nesta perspectiva, era necessário legitimar toda uma cultura escolar em que estivessem pautadas as novas palavras de ordem, os projetos de escolas dos povos indígenas brasileiros.
No que se refere às conquistas legais obtidas pelos povos indígenas na luta pelo direito a uma educação escolar diferenciada, podemos apontar a Constituição Federal de 1998 que anuncia e encaminha possibilidades para uma escola indígena específica, diferenciada, intercultural e bilíngue.
E a LDBEN 9.394/96 que regulariza a oferta da educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas, com recuperação de suas memórias históricas, reafirmação das identidades étnicas, valorização das línguas e ciências; o apoio técnico e financeiro para a Educação Escolar Indígena com programas integrados de ensino e pesquisa; realização de audiências nas comunidades indígenas para planejar objetivos, fortalecer práticas sócio-culturais na língua materna; desenvolvimento de currículos específicos e programas que correspondam às comunidades, com elaboração e publicação sistemática de material didático específico e diferenciado e programas de formação de pessoal especializado destinado à Educação Escolar Indígena.
Em seu Artigo 87, a LDBEN 9.394/96 institui a “Década da Educação”, estabelecendo que a união deverá encaminhar ao Congresso Nacional um Plano Nacional de Educação- PNE, com diretrizes e metas para esta década que se inicia em 1997. Em 14 de setembro de 1999, o Conselho Nacional de Educação - CNE aprova as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena, por meio do Parecer 14/99 que cria a categoria escola indígena, definindo os princípios e os fins e a competência para a Educação Escolar Indígena, a formação do (a) professor (a) indígena, o currículo da escola e sua flexibilização que foram normatizados na resolução nº. 3/99 do Conselho Nacional de Educação (CNE). Neste caminho, em 9 de janeiro de 2001 é instituído o PNE, Lei nº. 10.172, que prevê a criação de programas específicos para atender as escolas indígenas, criação de linhas de financiamento para a implementação das propostas de educação em áreas indígenas, prover de equipamentos as escolas indígenas com material didático pedagógico básico, incluindo bibliotecas, videotecas e outros materiais de apoio.
O PNE atribui aos Estados a responsabilidade legal pela educação indígena, assumindo como meta a profissionalização e reconhecimento público do magistério indígena, com a criação da categoria especifica do magistério e programas continuados de formação sistemática do professorado indígena. Tais metas de profissionalização ainda não foram efetivadas, tendo poucos estados uma política pública de reconhecimento do magistério indígena.
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 2004, nos artigos 26 e 31, afirma que “deverão ser adotadas medidas para garantir aos membros dos povos interessados a possibilidade de adquirirem educação em todos os níveis de ensino, pelo menos em condições de igualdade com o restante da comunidade nacional”. No mesmo ano, como fruto da luta pela Educação Escolar Indígena diferenciada de qualidade, é elaborado o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI), pelo Comitê de Educação Escolar Indígena, que é formado por antropólogos (as), educadores (as), pesquisadores (as) e o MEC, com a participação de lideranças e professores (as) indígenas de diferentes povos do Brasil. O RCNEI reúne aspectos políticos, históricos, legais e socioantropológicos de uma Educação Escolar Indígena destinada aos agentes que atuam nas comunidades indígenas. O grande problema identificado depois de passados mais de 10 anos, é a falta de divulgação do material que nem sempre chega às comunidades indígenas.
No amadurecimento das questões étnico-raciais interseccionadas à educação, tem-se a demanda do trabalho acerca da temática indígena em escolas não indígenas. Neste caminho, é criada a Lei 11.645, promulgada em março de 2008, que insere no sistema educativo brasileiro a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-descendente e Indígena. Esta lei reconhece a contribuição do aprendizado e saberes tradicionais destes povos na constituição da sociedade brasileira. Acerca da Lei 11.645/2008, Bergamaschi e Gomes (2012, p.55) colocam:
Se os povos indígenas empreendem esforços para concretizaro diálogo intercultural, nos levam a pensar que se a proposta educacional é conviver e efetuar trocas com as sociedades indígenas, a escola terá que fazer um esforço para conhecer esses povos, sua história e sua cultura e, mais especialmente, afirmar uma presença que supere a invisibilidade histórica que se estende até o presente.
A Lei 11.645/2008 parte dos princípios de valorização das culturas indígenas no processo formativo escolar brasileiro. Contudo, ainda é incipiente o trabalho da temática na escola, sendo tímidas as iniciativas de alterações dos currículos escolares, sobretudo em cursos de formação de professores e nas políticas de formação continuada.
Com a adoção de uma política dos territórios, o Decreto 6.861/2009 cria os Territórios Etnoeducacionais. Para o MEC, os governos estaduais/municipais devem elaborar um plano de ação articulado com vários sujeitos sociais, indígenas, universidades e entidades de apoio, para oferecer a Educação Escolar Indígena, observando a sua territorialidade e respeitando suas necessidades específicas. Segundo o documento:
Cada território etnoeducacional compreenderá, independentemente da divisão político administrativa do País, as terras indígenas, mesmo que descontínuas, ocupadas por povos indígenas que mantêm relações intersocietárias caracterizadas por raízes sociais e históricas, relações políticas e econômicas, filiações lingüísticas, valores e práticas culturais compartilhados (BRASIL, 2009, Parágrafo Único).
O Decreto 6.861/2009 surge com muitas críticas do Movimento Indígena, alegando esse que as comunidades não foram consultadas, sendo uma política de cima para baixo. Tais argumentos partem da imposição estatal de etnias a etnoterritórios que essas não tinham pertencimento. Um exemplo era o etnoterritório que compreendia as etnias dos estados de Alagoas, Sergipe, Bahia e parte de Minas Gerais.
Após protestos e diálogos com as etnias, a Bahia pactuou um território próprio, compreendendo seus 15 grupos étnicos, desvinculando dos demais estados.
Em 10 de maio de 2012 é aprovado o Parecer CNE/CEB Nº. 13/2012, homologado em 15 de junho de 2012. O Parecer institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Escolar Indígena na Educação Básica. O Parecer é fruto de diálogos entre a Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena do Ministério da Educação
(CNEEI/MEC), instituída pela Portaria CNE/CEB nº 4/2010, e o Grupo de Trabalho Técnico Multidisciplinar, criado pela Portaria nº 593, de 16 de dezembro de 2010. O que culmina na Resolução nº 5, de 22 de junho de 2012, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Escolar Indígena na Educação Básica, trazendo em seu Parágrafo Único: Estas Diretrizes Curriculares Nacionais estão pautadas pelos princípios da igualdade social, da diferença, da especificidade, do bilinguismo e da interculturalidade, fundamentos da Educação Escolar Indígena. 
Diálogos entre conhecimento científico, conhecimentos tradicionais e interculturalidade
No diálogo entre conhecimentos tradicionais e conhecimento científico apresenta-se a teoria do Universalismo epistemológico, com os teóricos Matthews (1994) e Siegel (1997), que defendem uma supremacia da ciência ocidental moderna sobre outras formas de conhecimentos, neste caso, os conhecimentos tradicionais, ou nativos. Sobre essa corrente, convém atentar-se para as considerações de Latour (1994) quando ele nos propõe pensar sobre a legitimação do conhecimento científico como superior. Para Latour (1994), a ciência moderna é apenas uma possibilidade de ordenamento do mundo.
Ao discorrer sobre esse arvorar universalizante da ciência ocidental, Cunha (2009, p.301) nos faz refletir que:
A pretensão de universalidade da ciência talvez seja herdeira das idéias medievais de uma ciência cuja missão era revelar o plano divino. Desde o século XVII, ao se instaurar a ciência moderna, ela foi deliberadamente construída como una, através de protocolos de pesquisa acordados por uma comunidade.
É seguindo esses protocolos citados por Cunha (2009) que a ciência ocidental se chancela perante os saberes tradicionais, ou ditos diferenciados. Vale aqui ressaltar, que tal chancela obedece a uma rede relacional de poderes, com códigos próprios, um mundo construído por ritos de passagens em que o sujeito vai se moldando enquanto um “cientista”.
Ainda nesse diálogo, Latour (2001) nos atenta acerca das relações de poder que permeiam a construção de um fato científico.
E essas relações de poder ser fundamentadas em financiamentos, subjetividades, paradigmas e teorias. Latour (2001) nos apresenta lugares em que a legitimação do que é, ou não científico, também é composta por conveniências. E dependendo de qual pesquisa ou área de concentração, esta terá maior ou menor valor de financiamento e, consequentemente, de status de ciência. Tal fato pode ser observado no Programa Ciências Sem Fronteiras dos Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI e Ministério da Educação – MEC, que exclui as Ciências Humanas e Sociais de suas áreas contempladas, marcando hierarquias e prioridades entre as ciências. Nesta mesma linha, Bourdieu (2004) complementa dizendo que “[...] os agentes fazem os fatos científicos e até mesmo fazem, em parte, o campo científico, mas a partir de uma posição nesse campo – posição essa que não fizeram – e que contribui para definir suas possibilidades e impossibilidades.” (BOURDIEU, 2004, p. 25).
No Multiculturalismo, Ogawa (1995) e Pomery (1992) rechaçam a visão exclusivista da ciência ocidental nos currículos. Ogawa (1995) propõe o conceito de multiciências ao contrário de multiculturalismo, uma vez que considera a ciência ocidental como mais uma forma de ciência produzida pela humanidade na história.
A expressão multiculturalismo designa, originalmente, a coexistência de formas culturais ou de grupos caracterizados por culturas diferentes no seio de sociedades ‘modernas’. Rapidamente, contudo, o termo se tornou um modo de descrever diferenças culturais em contexto transnacional e global. (SOUZA SANTOS; NUNES, 2003, p. 26).
Ainda na corrente multiculturalista, ao expor as suas diversas abordagens, Candau (2008) assume e propõe uma perspectiva aberta e interativa que acentua como a interculturalidade, por considerá-la mais adequada para a construção de sociedades democráticas, pluralistas e inclusivas que articulam políticas de igualdade com políticas de identidade.
Candau (2003, p.19) define Interculturalidade como:
Um enfoque que afeta a educação em todas as suas dimensões, favorecendo uma dinâmica de crítica e autocrítica, valorizando a interação e comunicação recíprocas, entre os diferentes sujeitos e grupos culturais. A interculturalidade orienta processos que têm por base o reconhecimento do direito à diferença e a luta Tenta promover relações dialógicas e igualitárias entre pessoas e grupos que pertencem a universos culturais diferentes, trabalhando conflitos inerentes a esta realidade. Não ignora as relações de poder presentes nas relações sociais e interpessoais. Reconhece e assume os conflitos procurando as estratégias mais adequadas para enfrentá-los.
Para Fleury (2006, p.15), a interculturalidade atuaria como:
[...] este complexo campo de debate em que se enfrentam polissemicamente (constituindo diferentes significados, a partir de diferentes contextos teóricos e políticos, sociais e culturais) e polifonicamente (expressando-se através de múltiplos termos e concepções, por vezes ambivalentes e paradoxais) os desafios que surgem nas relações entre diferentes sujeitos socioculturais.
Percebemos tanto no posicionamento de Candau (2003), com sua abordagem educacional acerca da interculturalidade; como na de Fleury (2006), numa perspectiva dos grupos socioculturais, um diálogo crítico com as diferenças, sendo a interculturalidade o caminho possível de/na construção de práticas e políticas públicas de reconhecimento do direito às diferenças.
O Pluralismo Epistemológico, com os autores Coberne Loving (2001), contrapõem o multiculturalismo, que consideram os conhecimentos tradicionais como formas de ciências. Entendem que a ciência é uma visão da sociedade moderna ocidental e por isto o que pode ser feito é garantir demarcações que distinguem as várias formas de conhecimentos socioculturalmente distintos.
Ao analisar a educação indígena e bilíngue e intercultural nas Américas, Collet (2006) mostra que a partir do Relatório Merian, em 1928, tem início uma preocupação em construir uma educação intercultural, com princípios de valorização das culturas indígenas, a partir de cursos para professores pautados na interculturalidade, entendida como a troca de conhecimentos entre indígenas e não-indígenas. Contudo, tais iniciativas não tiveram muito êxito, voltando esta discussão com o Relatório Kennedy, em 1969.
Somente na década de 1970, com a luta dos movimentos étnicos por direitos civis norte americanos, este projeto de educação passou a ser efetivado (COLLET, 2006, p. 117- 118).
Na Europa, a interculturalidade passou a ter aderência a partir da década de 1980 com a questão da imigração. Em atendimento a essas populações que chegavam ao continente, acontece em 1983 a Conferência Permanente dos Ministros da Educação, em Dublin, onde formula-se a recomendação de programas que pautem a formação em interculturalidade para professores(as). Na França, os trabalhos se deram a partir das dificuldades linguísticas dos (as) filhos (as) de trabalhadores (as) imigrantes; na Itália o desafio tornou-se em pensar uma escola multicultural que desse conta do aumento de imigrantes no país e a
Espanha, com um programa de escola intercultural frente às diversidades dos latinos imigrantes (COLLET, 2001).
Os projetos de educação intercultural na América Latina se desenvolveram a partir do trabalho desenvolvido pelo Summer Institute of Linguistics- SIL e pelo Instituto Indigenista Interamericano-III, tendo o México como o primeiro país onde a interculturalidade e o bilingüismo tornou-se uma política oficial de estado, expandindo depois para outros países do continente, chegando ao Brasil em 1957, com a aliança do SIL e o Museu Nacional do Índio, que mais tarde vem a assinar convênio com a Fundação Nacional do Índio- FUNAI (COLLET, 2006, p. 119- 120).
Observa-se que a política da interculturalidade pauta-se na teoria antropológica do “relativismo cultural”, legitimando diferentemente de outrora, o respeito às especificidades de cada povo. Seguindo esse pensamento, há de superar o enfoque engessado acerca do conceito de cultura, para não incorrer ao erro de folclorizá-la. Neste sentido, podemos pensar a interculturalidade a partir de um arcabouço simbólico, permitindo aos sujeitos sua capacidade inventiva de agência na significação das diferenças e na construção de culturas (WAGNER, 2010). Cabe salientar que essa capacidade inventiva não é algo puro em essência, tomada como natural, mas se (re)inventa, porque se relaciona, se aprende, se negocia e interculturaliza-se.
Vale chamar atenção, que nos últimos tempos a interculturalidade vem sendo colocada como um dispositivo de respeito e empoderamento das minorias. Por outro lado, há críticas num enfoque de interculturalidade essencialista que escamoteia as desigualdades e relações de poder nas intersecções de etnia, geração, gênero e nacionalidade.
Acerca deste ponto,
[...] autores que vem trabalhando com a temática apontam que o conceito de interculturalidade tem um significado ligado tanto à construção de projetos sociais, políticos e epistêmicos, orientados para a descolonização e para a transformação do sistema, quanto a um discurso utilizado pelo Estado e pelas agências internacionais, que funcionaria como dispositivo para disciplinar as diferenças, sem acarretar uma transformação nas relações de poder e desiguldade. (PALADINO; CZARNY, 2012, p. 14-15).
No que se refere à construção da EEI intercultural no Brasil, etnias se reúnem no final da década de 1990, elaborando o RCNEI, juntamente com o Comitê de Educação Escolar Indígena, que é formado por antropólogos (as), educadores (as) e pesquisadores (as) e o MEC, com a participação de lideranças e professores (as) indígenas de diferentes povos do Brasil. O RCNEI reúne aspectos políticos, históricos, legais e sócio- antropológicos de uma Educação Escolar Indígena destinada aos agentes que atuam nas comunidades indígenas.
SILVA, Paulo de Tássio Borges da; ARAUJO, Maria Inêz Oliveira . Diálogos sobre interculturalidade, conhecimento científico e conhecimentos tradicionais na educação escolar indígena. In Praxis Educacional. Aracaju: UFS, 2015. v. 11, n. 18.
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