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68 0.18 O potencial vector Conforme recorda´mos no in´icio da disciplina, a divergeˆncia do rotacional de um campo vectorial e´ sempre nula. Este resultado do ca´lculo vectorial implica que todos os campos solenoidais, i. e. de divergeˆncia nula, podem ser escritos como o rotacional de um outro campo vectorial. Assim acontece tambe´m para o campo magne´tico: ∇ ·B = 0⇒ B = ∇×A (213) Esta equac¸a˜o e´ o equivalente para o campo magne´tico da equac¸a˜o ∇ × E = 0 ⇒ E = −∇V que define o potencial electrosta´tico do campo electrosta´tico, raza˜o pela qual o campo vectorial A se designa potencial vector do campo magne´tico. Na forma integral, a equac¸a˜o (213) escreve-se, atendendo ao teorema de Stokes: ∫ S B · dS = ∮ C A · dl (214) isto e´, o fluxo do campo magne´tico atrave´s de uma superf´ıcie S corresponde a` cir- culac¸a˜o do potencial vector no caminho C em que assenta a superf´ıcie. A relac¸a˜o B = ∇ × A na˜o define de forma un´ivoca o potencial vector. Recorde- se que um campo vectorial e´ completamente definido apenas quando se especifica a sua divergeˆncia e o seu rotacional, munidos das condic¸o˜es de fronteira adequadas. De facto, podemos adicionar a A o gradiente de uma func¸a˜o escalar qualquer, que o campo magne´tico se mante´m inalterado: A′ = A+∇f ⇒∇×A′ = ∇×A+∇×∇f = ∇×A (215) Em electromagnetismo cla´ssico, e´ costume usar-se a liberdade de escolha da divergeˆncia A, convencionando: ∇ ·A = 0 (216) Esta escolha costuma designar-se padra˜o de Coulomb.21 A grande utilidade do potencial vector no electromagnetismo cla´ssico vem do seguinte. Atendendo a` lei de Ampe`re: ∇×B = µ0J⇔∇× (∇×A) = µ0J (217) 21Ou gauge de Coulomb, na literatura anglo-saxo´nica. 0.18. O POTENCIAL VECTOR 69 e, atendendo a que ∇× (∇×A) = ∇(∇ ·A)−∇2A, temos: ∇(∇ ·A)−∇2A = µ0J (218) A escolha do padra˜o de Coulomb ∇·A = 0 torna-se agora o´bvia, pois permite escrever a equac¸a˜o anterior na forma: ∇ 2A = −µ0J (219) Este resultado mais na˜o e´ do que a equac¸a˜o de Poisson, escrita para cada componente do potencial vector (∇2Ai = −µ0Ji), e que sublinha mais uma vez a sua analogia formal com o potencial escalar da electrosta´tica. Note-se que o potencial vector na˜o tem, ao contra´rio do potencial escalar do campo electrosta´tico, uma interpretac¸a˜o imediata em termos do trabalho realizado pelo campo (recorde-se, alia´s que o campo magne´tico na˜o realiza trabalho), pelo que a sua utilidade e´ menor. No entanto, a analogia formal estabelecida pela equac¸a˜o (219) e´ extremamente poderosa, pois permite-nos resolver problemas magnetosta´ticos com o recurso a analogias electrosta´ticas. A partir do momento em que conhec¸amos uma soluc¸a˜o da equac¸a˜o de Poisson, por exemplo atrave´s de um problema electrosta´tico, podemos utilizar essa soluc¸a˜o no aˆmbito da magnetosta´tica. 0.18.1 O potencial vector devido a correntes Por exemplo, no aˆmbito da electrosta´tica descobrimos que a soluc¸a˜o geral da equac¸a˜o de Poisson era: ∇ 2V = − ρ 0 ⇒ V = 1 4pi 0 ∫ τ ρ r dτ (220) Enta˜o a correspondente soluc¸a˜o da equac¸a˜o (219)obte´m-se simplesmente da anterior, com a correspondeˆncia: V → Ai, 1 0 → µ0, ρ→ Ji (221) obtendo-se Ai = µ0 4pi ∫ τ Ji r dτ ⇒ A = µ0 4pi ∫ τ J r dτ (222) 70 Esta constitui a expressa˜o geral do potencial vector na presenc¸a de uma corrente j. As correspondentes expresso˜es para correntes superficiais K ou lineares I ficam: A = µ0 4pi ∫ S K r dS (223) A = µ0 4pi ∫ λ I r dl = µ0 4pi ∫ λ Idl r (224) 0.18.2 Condic¸o˜es de fronteira em superf´ıcies Adoptando o padra˜o de Coulomb (∇ ·A = 0), decorre imediatamente a continuidade das componentes do potencial vector perpendiculares a uma superf´ıcie. Quanto a`s componentes paralelas a uma superf´ıcie, podemos analisa´-las recorrendo a` equac¸a˜o (214) e a` figura 11. A circulac¸a˜o de A, tal como anteriormente, reduz-se a ∮ C A · dl = (A2‖ − A1‖)d (225) Ja´ o fluxo de B atrave´s da superf´ıcie definida pelo circuito C e´ ∫ S B · dS = B2 · nˆ d h 2 +B1 · nˆ d h 2 (226) Enta˜o, da equac¸a˜o (214) decorre: A2‖ − A1‖ = h 2 (B2 · nˆ+B1 · nˆ) (227) Pelo que, no limite h → 0, se obte´m a continuidade das componentes de A paralelas a` superf´ıcie: A2‖ − A1‖ = 0 (228) No padra˜o de Coulomb, o potencial vector resulta assim cont´ınuo numa superf´ıcie. Sublinhe-se apenas que, se a continuidade das componentes paralelas decorre da pro´pria definic¸a˜o de A, a continuidade das componentes perpendiculares e´ mera consequeˆncia da escolha para a divergeˆncia de A implicada no padra˜o de Coulomb. 0.19. RESUMO DA MAGNETOSTA´TICA BA´SICA 71 0.19 Resumo da magnetosta´tica ba´sica Tal como fize´mos para a electrosta´tica, apresentamos de seguida um resumo da magne- tosta´tica ba´sica, cujos fundamentos apresenta´mos. Estabelecemos as definic¸o˜es das quan- tidades relevantes (a densidade de corrente J, o potencial vector A e o campo magne´tico B), bem como as relac¸oes existentes entre elas. O conhecimento completo de uma destas quantidades permite-nos extrair as outras duas. As relac¸o˜es existentes esta˜o indicadas na figura 12, que constitui por isso um poderoso resumo de toda a magnetosta´tica fundamen- tal. Nas secc¸o˜es subsequentes, tal como anteriormente, concentrar-nos-emos em algumas aplicac¸o˜es e resultados particularmente relevantes que decorrem em situac¸o˜es concretas de relevaˆncia. Estudaremos, em particular, o dipolo magne´tico e alguns aspectos do magnetismo em meios materiais. Figure 12: Resumo das relac¸o˜es principais entre as treˆs quantidades ba´sicas da magne- tosta´tica: a densidade de corrente J, o potencial vector A e o campo magne´tico B. (D. J. Griffiths, Introduction to Electrodynamics, fig. 5.46) 72 0.20 O dipolo magne´tico Procedamos ao ca´lculo do campo magne´tico criado por uma espira rectangular de lados a e b, transportando uma corrente I, num ponto P a uma distaˆncia r do centro da espira (ver figura 13(a)). Admitamos ainda que r >> a e r >> b. Para o ca´lculo, vamos proceder do seguinte modo: comec¸amos por calcular o potencial vector, estabelecendo uma analogia electrosta´tica conveniente, seguindo-se imediatamente o campo magne´tico atrave´s de B = ∇×A. Comec¸amos por recordar a expressa˜o para o potencial vector devido a uma corrente rectil´ınea (equac¸a˜o 224), e a correspondente expressa˜o para o potencial electrosta´tico de uma distribuic¸a˜o linear de carga (equac¸a˜o 86): A = µ0 4pi ∫ λ Idl r (229) V (r) = 1 4pi 0 ∫ l λ r dl (230) Para a espira esquematizada na figura 13(a), os elementos de deslocamento sa˜o parale- los ao eixo dos XX ou ao eixo dos Y Y : dl = dxeˆx (com dx positivo para o segmento AB e negativo para CD), dl = dyeˆy (com dy positivo para o segmento BC e negativo para DA), pelo que podemos concluir imediatamente que a componente z do potencial vector e´ nula: Az = 0 (231) Calculemos seguidamente a componente Ax, gerada pela corrente nos segmentos AB e CD. Estes segmentos, de comprimento a, constituem um par de correntes iguais I em sentidos opostos e a` distaˆncia b uma da outra, tal como esquematiza a figura 13(b). O correspondente electrosta´tico, esquematizado na mesma figura, consiste de duas dis- tribuic¸o˜es lineares de carga λ, cada uma com a carga λ a. No limite que estamos a con- siderar (r >> a e r >> b), estas distribuic¸o˜es de carga reduzem-se a um dipolo ele´ctrico de momento dipolar p = −(λa)beˆy. A potencial por ele gerado, que obedece a (230), ja´ foi estudado anteriormente,, sendo a soluc¸a˜o (101): V (x, y, z) = 1 4pi 0 p · eˆr r2 = − 1 4pi 0 λa b y r3 (232) Onde utiliza´mos p = −(λa)beˆy e eˆr = r/r = (xeˆx + yeˆy + zeˆz)/r. A componente Ax resulta imediatamente com a substituic¸a˜oµ0 → 1/ 0, λ→ I: 0.20. O DIPOLO MAGNE´TICO 73 A C D B X YZ I J (<0)x J (>0)xA B CD +++++++++++ ----------------------- B C A D l<0 l>0 a b p=( a)bl r P (a) (b) Figure 13: (a) Uma espira quadrada de corrente transportando uma corrente I. (b) Esquema utilizado para o ca´lculo do potencial vector, atrave´s da adequada analogia elec- trosta´tica. 74 Ax(x, y, z) = − µ0 4pi I a b y r3 (233) De forma semelhante, conclu´ımos que a componente Ay e´ dada pela expressa˜o: Ay(x, y, z) = µ0 4pi I a b x r3 (234) O potencial vector devido a` espira, em todas as regio˜es do espac¸o suficientemente afastadas da espira, resulta assim: De forma semelhante, conclu´ımos que a componente Ay e´ dada pela expressa˜o: A = µ0 4pi I a b r3 (−yeˆx + xeˆy) (235) ou, em coordenadas esfe´ricas (verifique!): A = µ0 4pi I a b r2 sin θeˆφ (236) O campo magne´tico respectivo resulta enta˜o simplesmente de B = ∇×A: B = µ0 4pi I a b r3 (2 cos θ eˆr + sin θ eˆθ) (237) Ao compararmos esta expressa˜o com a do campo gerado por um dipolo ele´ctrico (eq. 103), as semelhanc¸as sa˜o evidentes: E = 1 4pi 0 p r3 (2 cos θ eˆr + sin θ eˆθ) (238) Uma espira de corrente gera assim um campo magne´tico, em todas as regio˜es do espac¸o suficientemente afastadas da espira, com a mesma forma do campo ele´ctrico gerado por um dipolo ele´ctrico, em que a quantidade I a b desempenha o papel do momento dipolar ele´ctrico. A quantidade I a b designa-se momento dipolar magne´tico da espira e costuma designar-se por m. Ha´ toda a vantagem, tal como com o momento dipolar ele´ctrico, em conferir uma orientac¸a˜o ao momento dipolar magne´tico, dada neste caso pela regra da ma˜o direita: a orientac¸a˜o do vector momento dipolar magne´tico de uma corrente plana e´ definida perpendicularmente ao plano da corrente com a orientac¸a˜o positiva. No caso da figura 13, resulta: 0.20. O DIPOLO MAGNE´TICO 75 m = I a b eˆz (239) podendo-se reescrever o correspondente vector potencial A como: A = µ0 4pi m× eˆr r2 (240) Em geral, o momento dipolar magne´tico de um circuito corresponde simplesmente ao produto: m = I × a´rea do circuito (241) e, para um circuito C qualquer, na˜o necessariamente plano: m = 1 2 ∮ C r× Idl (242) onde o factor 1/2 surge da considerac¸a˜o da a´rea do triaˆngulo elementar de lados r e dl. 0.20.1 Desenvolvimento multipolar do potencial Tal como acontece para o potencial electrosta´tico, tambe´m o potencial vector do campo magne´tico pode ser desenvolvido em multipolos de importaˆncia decrescente (monopolos, dipolos, quadrupolos). No caso do campo magne´tico, o termo monopolar (devido ao facto de∇·B = 0) e´ sempre nulo, pelo que o termo mais importante de qualquer distribuic¸a˜o de correntes e´ o termo dipolar. O dipolo magne´tico assume assim uma importaaˆncia maior em magnetosta´tica do que em electrosta´tica. Os detalhes do desenvolvimento multipolar podem ser consultados em qualquer livro avanc¸ado de electromagnetismo.22 22Recomenda-se particularmente a monografia Campo Electromagne´tico, de M. Fiolhais, L. Brito e C. Provideˆncia, McGraw-Hill, Lisboa, 1999. Cf. cap. 7
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