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Unidade E A habilidade de compreensão oral em língua estrangeira Objetivos de aprendizagem ● Entender os processos que subjazem à habilidade de compreensão oral em língua estrangeira. ● Refletir sobre os diferentes processos e estratégias envolvidas no planejamento da habilidade de compreensão oral em língua estrangeira. ● Planejar atividades de ensino-aprendizagem para desenvolver a habilidade de compreensão oral em língua estrangeira. Queremos, nesta unidade, dedicar um pouco de nossa reflexão à questão da compreensão oral, que, em muitos casos, não é tratada de forma mais detalhada. 5.1 Introdução Por muitos anos, o ensino da compreensão oral não recebeu a devida atenção no ensino de língua estrangeira. Os métodos de ensino enfatizavam as habilidades de produção, e as relações entre produção e compreensão quase não eram compreendidas. Até recentemente, a natureza da compreensão oral era ignorada pelos linguistas aplicados, pois se acreditava que a habilidade de compreensão oral era adquirida pela exposição ao insumo, não pelo seu ensino. Esse entendimento vem mudando devido às teorias sobre a natureza da compreensão da linguagem, e pelos cursos de compreensão oral nos programas de ensino de línguas estrangeiras. Alguns linguistas aplicados, como Richards e Renandya (2002), argumentam que a compreensão oral é a chave para a aprendizagem de uma língua estrangeira e, portanto, precisa de mais atenção no ensino de línguas. Nesse sentido, Nunan (2002) sugere que, para desenvolver uma abordagem apropriada ao ensino da compreensão oral, é necessário entender sua natureza. Assim, é sobre a natureza dos processos de compreensão oral que trataremos nesta unidade. Vamos lá? Antes que você inicie a leitura do conteúdo teórico trazido para discussão nesta unidade, solicitamos que reflita sobre algumas questões que estão intrinsecamente relacionadas à compreensão oral em língua estrangeira. Igualmente à unidade anterior, elaboramos um pequeno momento de reflexão antes que vocês iniciem a leitura do conteúdo teórico trazido para discussão nesta unidade. 5.2 Refletindo antes da teoria... ● Que necessidades de compreensão oral em língua estrangeira os seus alunos possuem? O que você faz para supri-las? ● Quais são as grandes dificuldades de seus alunos com relação à compreensão oral em língua estrangeira? Se possível, conduza uma pequena entrevista para confirmar suas hipóteses. ● Você acha que a compreensão oral em língua estrangeira pode ser ensinada? Em sua opinião, qual é o papel do professor numa aula que visa ao ensino da compreensão oral em língua estrangeira? ● Liste algumas das diferenças entre os textos orais e escritos em termos de vocabulário, sintaxe e estrutura discursiva. ● Descreva uma atividade de compreensão oral que você considera eficaz para desenvolver essa habilidade no aluno de língua estrangeira. ● Quais são as semelhanças e as diferenças entre os processos de compreensão oral e escrita? Caso você não tenha conseguido responder a algumas das questões colocadas nessa pequena reflexão, não se preocupe. O objetivo era provocar reflexão sobre a habilidade de compreensão oral em língua estrangeira e resgatar o conhecimento teórico-prático implícito ou explícito que você tem sobre esse assunto. Na próxima seção, trazemos as ideias de Nunan (2002) para desenvolver uma abordagem apropriada para o ensino da compreensão oral. Vamos começar pelos processos usados na compreensão oral. 5.3 A natureza do processo de compreensão oral A compreensão oral vem assumindo um papel de grande importância na sala de aula de língua estrangeira, e existem razões para tanto, uma delas foi a ênfase dada ao papel do insumo compreensível (KRASHEN, 1982). Sem entender o insumo, a aprendizagem não acontece. Assim, a compreensão oral se tornou fundamental para desenvolver a habilidade de falar uma língua estrangeira. Dois tipos de visão vêm dominando o ensino da compreensão oral desde o início dos anos de 1980: a visão de que a compreensão oral é um processo bottom-up e a visão de que ela é um processo top-down (NUNAN, 2002). A primeira visão – o processo bottom-up – concebe a compreensão oral como um processo linear de decodificação de sons, desde fonemas a textos completos, que o indivíduo escuta. Nessa visão, os fonemas são decodificados e ligados para formar palavras que, por sua vez, se agrupam para formar orações, frases e assim por diante, até formarem um texto completo e significativo, afirma o autor. A segunda visão – o processo top-down – concebe a compreensão oral como um processo constante de (re)construção do que o indivíduo ouve, usando os sons como pistas. Nesse processo de (re)construção, aquele que ouve usa seu conhecimento de mundo sobre o contexto e a situação na qual a compreensão oral ocorre, para dar sentido ao que ouve (NUNAN, 2002 Atualmente, reconhece-se que ambos os processos – bottom-up e top-down – são necessários para a compreensão oral em língua estrangeira, afirma Nunan (2002). Dessa forma, quando você desenvolver materiais didáticos e planos de aula, pense que é importante ensinar não somente o processo bottom-up, como a habilidade de perceber a diferença entre pares mínimos, como v = b (corta) y b = b (larga) en vasta y basta, mas também a ajudar os aprendizes a usar o que eles já sabem, ou seja, seu conhecimento de mundo e expectativas, para entender o que eles ouvem e, assim, construir significado. Caso você suspeite que haja, por parte dos alunos, falta de informação ou conhecimento na língua estrangeira que venha a dificultar a execução de uma atividade de compreensão oral que você elaborou, sugerimos que, antes da atividade de compreensão oral, seja feita uma pré-atividade para a construção de esquemas mentais; com O contexto e a situação incluem, por exemplo, o conhecimento do tópico da conversa, os falantes e a sua relação na situação e na relação um com o outro e em eventos anteriores (NUNAN, 2002). isso, possíveis e eventuais problemas poderão ser minimizados. Leia um pouco mais sobre esse assunto na próxima seção, na qual abordaremos as ideias de Johnson e Johnson (1999). 5.3.1 Atividades pedagógicas: sequência convencional Em termos gerais, na visão de Johnson e Johnson (1999), as atividades pedagógicas que visam ao desenvolvimento da compreensão oral dos alunos são organizadas em três fases: pré-compreensão, durante a compreensão e pós-compreensão. A principal função da fase de pré-compreensão é guiar o aluno para o tópico do insumo, motivando-o, e ativar seu conhecimento de mundo e esquemas mentais sobre o assunto. Esse trabalho de guiar o aluno para o tema da atividade de compreensão oral pode ser feito por meio de exposição de gravuras sobre o tema em questão, de discussão aberta sobre o assunto, de leitura de um texto sobre o mesmo assunto, ou de atividades mais específicas, como atividades centradas no vocabulário (léxico) relevante ou perguntas sobre o tópico. Na segunda fase – durante a compreensão –, a principal função é a busca de algum tipo de compreensão sobre um texto oral. O professor pode solicitar que os alunos ouçam o insumo (texto oral) para compreender o texto de forma geral, ouçam para apreender uma informação específica, ouçam para organizar informações, fazer inferências, interpretar atitudes e também avaliar a relevância do insumo. Na terceira fase – pós-compreensão –, a função principalé dar sequência à fase anterior, que abre um leque de possibilidades, desde atividades voltadas ao desenvolvimento lexical e gramatical, dramatizações, passando por atividades de prática de escrita, podendo terminar em atividades para serem desenvolvidas em casa. Como mencionado na unidade anterior sobre produção oral, Shumin (2002) sugere que, para que as atividades sejam eficazes, elas precisam ser (i) autênticas ou naturais; (ii) passíveis de serem Esquemas mentais são modelos mentais, construídos com base em nossas experiências passadas, usados para acomodar informações novas em nossa mente, dando sentido a elas. (JOHNSON; JOHNSON, 1999, p. 282) manipuladas e com características específicas da linguagem oral; (iii) passíveis de serem feitas em sala de aula; e (iv) ativar processos psicológicos de aprendizagem. Esses cuidados também são válidos para as atividades de compreensão oral. Na próxima seção, aprofundaremos esse assunto. 5.3.2 Atividades pedagógicas: variáveis e estratégias Existem muitos tipos de atividades de compreensão oral. Elas podem estar voltadas para o objetivo ou propósito da atividade, para o papel do ouvinte ou, ainda, para o tipo de texto a ser ouvido (NUNAN, 2002). Essas variáveis podem aparecer em diferentes configurações, e cada uma exigirá um tipo de estratégia por parte de quem ouve, ou seja, o aprendiz da língua estrangeira, em nosso caso. O objetivo ou o propósito de uma atividade de compreensão oral é uma variável importante. Ouvir uma transmissão de um noticiário para pegar a ideia central das notícias do dia envolve o uso de processos e estratégias diferente dos usados para ouvir a mesma transmissão para pegar informações específicas, por exemplo, para saber o resultado de um importante jogo de futebol. Ouvir uma sequência de instruções para operar um programa de computador requer habilidades de compreensão oral diferentes daquelas requeridas por quem escuta um poema, não é mesmo? Então, ao planejar atividades de compreensão oral, é importante ensinar aos alunos uma gama de estratégias de compreensão oral. Isso pode ser feito levando constantemente para a classe textos de compreensão oral e fazendo com que os alunos os ouçam várias vezes, porém, dando-lhes instruções diferentes. Você pode, por exemplo, solicitar aos alunos que, ao ouvirem o texto pela primeira vez, peguem apenas a ideia central do texto falado. Se o texto for sobre campeonato futebolístico internacional, por exemplo, você pode solicitar somente quais são os países envolvidos na competição ou onde o campeonato vai ocorrer. Na segunda vez que os alunos ouvirem a mesma transmissão, você pode pedir-lhes para relacionarem lugares com uma série de eventos. Já na terceira vez que eles ouvirem a transmissão, eles podem ouvi-la para dar detalhes do evento, descrevendo aspectos específicos, ou, quem sabe, comparando-o com a mesma notícia em um jornal escrito sobre o mesmo evento futebolístico e listando as diferentes ênfases dadas ao mesmo evento. Podemos, ainda, incluir como atividades de compreensão oral os anúncios, comerciais, programas de previsão do tempo, entrevistas, diálogos, filmes, aulas, mensagens telefônicas, dar instruções sobre endereços, apresentações de vídeo ou de slide, músicas, notícias, sermões, entre outras. 5.3.3 Atividades pedagógicas: objetivos e exemplos Além dos objetivos das atividades de compreensão oral, como mencionamos anteriormente, podemos elaborar atividades de compreensão oral com outros propósitos, entre eles, o de que os alunos ouçam o texto para: ● Saber o objetivo central de alguma coisa ou evento. ● Obter informação específica. ● Avaliar informações. ● Resolver um problema. ● Fazer inferências. ● Tomar decisões. ● Desenhar. ● Praticar algo oralmente. ● Traduzir, entre outros objetivos. Entre os múltiplos exemplos de atividades de compreensão oral, destacamos os seguintes: ● Responder a perguntas de compreensão do tipo falso ou verdadeiro; a perguntas abertas ou fechadas e de múltipla escolha; e a perguntas envolvendo os sentidos e opiniões, como atividades de música, por exemplo. ● Dar respostas físicas a estímulos orais. ● Identificar ou selecionar gravura de pessoas, coisas ou situações. Por exemplo, o aluno identifica uma pessoa procurada ou um carro roubado descrito por meio de mensagem de rádio; identifica números, como no jogo de bingo; seleciona gravuras de um texto falado, quando ouve uma descrição ou diálogo e seleciona gravuras às quais o texto falado se refere; seleciona o local visitado por um grupo de turistas, etc. ● Desenhar ou construir, de acordo com as instruções que ouve, uma pessoa, um objeto, uma cena de uma estória contada, a planta de uma casa, um modelo usando blocos ou peças, parte de um desenho não terminado, uma forma geométrica, etc. ● Desembaralhar ou organizar coisas ou situações, por exemplo, a sequência de eventos, os versos de um poema ou música, as frases ou os parágrafos de um texto falado. ● Localizar informações, por exemplo, as informações numa figura ou na planta de uma casa, ou localizar em que parte da casa os alunos colocam determinados objetos ao ouvirem um diálogo. ● Transferir informações de um texto falado para outra forma, por exemplo, uma tabela ou um diagrama; os alunos também podem escrever o que alguém diz, como o que quer comer ou beber ou, ainda, completar um formulário com informações pessoais dadas pelo falante. ● Relacionar textos falados com gravuras correspondentes. ● Completar um texto falado com as palavras que faltam, por meio de alternativas dadas ou sem elas. Essa atividade pode ser feita com uma música ou uma estória. Veja um modelo desse tipo de atividade: o professor dá aos alunos uma versão escrita de um texto oral com palavras previamente excluídas. Antes de ouvir o texto, os alunos o leem e tentam completá- lo, inserindo as palavras que faltam. Isso ajuda os alunos a usarem o contexto para desenvolver sua capacidade de fazer inferência e predizer as palavras que eles poderão ouvir quando o professor apresentar o texto falado. Uma discussão ou trabalho em pares poderá permitir que os alunos revejam suas dificuldades e justifiquem suas escolhas. Isso também os ajudará a prestar atenção em determinados aspectos, como o processo/a estratégia de planejamento, e verificarem suas hipóteses, o processo/a estratégia de monitoramento. Ademais, refletir sobre a atividade, discutindo o mérito da decisão tomada, poderá promover o processo/a estratégia de avaliação dos alunos também Outros exemplos de atividades de compreensão oral são: ● Fazer ditado de números ou horas. ● Coletar informações, escrevendo, por exemplo, partes do corpo, as quais você pode encontrar em uma música, ou tentar encontrar palavras que expressem ideias contraditórias. ● Resolver um quebra-cabeça de compreensão oral. Veja este exemplo: cada grupo ouve um ou três textos diferentes. Todos os textos tratam do mesmo assunto, mas têm uma informação incompleta. Depois de obter a informação para completar o seu texto, os alunos devem trocar informações com os componentes dos outros grupos. Entre eles, os textos oferecem todas as informações de que os alunos precisam para resolver um problema ou agrupar a sequência completa de algum evento. Esses são apenas alguns dentre tantos outros exemplos de atividades que podem ser feitas nas aulas de língua estrangeira para promover a compreensão oral. 5.4 À guisa de conclusão Nesta unidade, colocamos alguns aspectosteórico-práticos para o ensino da habilidade de compreensão oral. Sugerimos que no ensino desta habilidade deve-se fazer uso tanto de processos bottom-up quanto top-down, pois ambos desempenham funções diferentes no ensino. Continuamos a enfatizar que os materiais devem ser autênticos, que as atividades de construção de esquemas mentais (de conhecimento) devem preceder às atividades de compreensão oral, e que devem ser incorporadas estratégias aos materiais instrucionais. Sobre este último item, salientamos que as estratégias devem ser ensinadas aos alunos para que eles entendam os diferentes processos que subjazem às atividades de compreensão oral e possam, cada vez mais, ter controle de seu aprendizado. Entre as estratégias que podem ser ensinadas, ressaltamos a predição, ouvir com propósitos específicos, com diferentes propósitos, e ouvir para fazer inferências.
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