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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL ALIDIANI GARCIA VIANA DA SILVA O DESAMOR E O DIREITO À INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL FRENTE À HIPÓTESE DO ABANDONO AFETIVO DOS FILHOS PARA COM OS PAIS CANOAS 2017 ALIDIANI GARCIA VIANA DA SILVA O DESAMOR E O DIREITO À INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL FRENTE À HIPÓTESE DO ABANDONO AFETIVO DOS FILHOS PARA COM OS PAIS Projeto de Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no Curso de Direito – Campus Canoas da Universidade Luterana do Brasil, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientadora: Professora Giulia Jaeger Englert CANOAS 2017 PARECER DE ADMISSIBILIDADE Declaro que a acadêmica ALIDIANI GARCIA VIANA DA SILVA desenvolveu o trabalho de conclusão de curso intitulado O DESAMOR E O DIREITO À INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL FRENTE À HIPÓTESE DO ABANDONO AFETIVO DOS FILHOS PARA COM OS PAIS, por mim orientada, estando à mesma em condições de ser avaliada pela Banca Examinadora. Canoas, de 2017. Professora Giulia Jaeger Englert Professor Orientador Aos meus pais, com meu carinho. AGRADECIMENTOS Primeiramente a Deus, que me trouxe a paz e a calma para realizar minhas atividades de forma coerente. Aos meus amados pais Claudiani Garcia Viana e Alexandre Braga, que no percorrer dos meus estudos sempre me auxiliaram com palavras de carinho e motivação. Com isso, venho expressar todo amor e alegria que tenho em ser filha de vocês. Aos meus irmãos Gabriel e Estevão, que vibraram comigo a cada conquista, bem como me apoiaram em todos os altos e baixos da vida. A minha avó querida Maria do Carmo, que sempre me trouxe palavras de esperança com muita atenção e carinho. A Daiana Isawa, que dividiu comigo boa parte de minhas aflições e conquistas. A minha orientadora Giulia Jaeger Englert pelo seu comprometimento, profissionalismo, zelo e dedicação com seus alunos. Agradeço-a de forma particular por me nortear e amparar na realização deste estudo. Agradeço também aos amigos e colegas que sempre me incentivaram e, muitas vezes, me auxiliaram quanto às minhas dúvidas, em especial à Bianca Pozzebon, que me acompanhou, me aconselhou e alegrou meus dias enquanto eu elaborava meu trabalho, bem como à Thelma Ache, que não hesitou em me fornecer auxílio. Aos professores que me passaram seus conhecimentos a fim de ampliar meu aprendizado, especialmente as professoras Alessandra Mizzuta e Maria de Fátima Dias Àvila pelo carinho e dedicação. A todos os chefes e colegas de estágio que tive durante minha graduação: estes foram fundamentais para minha evolução como pessoa e profissional. Agradeço de forma particular as colegas Jeniffer Cunha e Dáphini Sampaio, que faziam meus dias na Promotoria de Justiça de Charqueadas ainda mais felizes. Igualmente, sou grata à Ana Pereira, que, além de chefe, foi minha conselheira e ouvinte. A velhice faz-nos mais rugas no espírito do que na cara. Michel de Montaigne RESUMO O presente estudo analisou a possibilidade de responsabilizar civilmente por danos morais o filho (a) que abandona seu (s) pai (s) na velhice. Como estratégia, adotou-se uma pesquisa de caráter dedutivo e monográfico. Nas circunstâncias de um filho abandonar afetivamente seu (s) pai (s) na fase mais vulnerável de sua (s) vida (s), isto poderá acarretar inúmeros fatores prejudiciais a estes, tendo em vista a interferência no seu bem-estar psicológico e físico, já que o idoso vem a ter com o desprezo do ente mais próximo, sofrimento, dor e angústia. Tal descuido e desprezo do filho (a) viola o Direito Brasileiro, em especial o artigo 229 da Constituição Federal, calcado no princípio da dignidade da pessoa humana, da solidariedade familiar e da afetividade, uma vez que a responsabilidade de pais e filhos é recíproca. Embora não haja decisões unânimes acerca do tema de abandono afetivo, acredita-se que com o crescimento da população idosa, bem como com o projeto de lei que poderá vir a ser aprovado pelo Plenário, será pacificada tal situação, bem como esclarecer quaisquer dúvidas que os juízes apresentam acerca do tema. Entretanto, a preocupação perdura: se hoje, com menor número de idosos, há tamanha negligência familiar, futuramente, se o número destes triplicar, a prática tenderá a aumentar. Prática essa que, ao que se concluiu, caracteriza ato ilícito, tendo em vista o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil, sendo estes a conduta humana, neste caso, em especial, a omissão, negligência, o nexo causal que liga a pessoa causadora ao dano e a culpa. Palavras-chave: Abandono afetivo inverso. Responsabilidade civil. Negligência contra idoso. Dano moral. Projeto de lei n. 4.562/2016. ABSTRACT The present study analyzed the possibility of the child who leaves his or her father (s) at old age to be civilly liable for moral damages, using the deductive monographic method. In these circumstances, if a child abandons emotionally his / her parent (s) in the most vulnerable phase of his / her life, it can lead to a number of damaging factors to his or her parents, taking into account the interference in their psychological and physical well-being. Elderly people come to deal with contempt from their nearest relatives, suffering pain and anguish. Such neglect and contempt of the child violates the Brazilian Law, especially the Article 229 of the Federal Constitution, based on the principle of the dignity of the human person, family solidarity and affection, since the responsibility of parents and children should be reciprocal. Although there are no unanimous decisions on the subject of affective abandonment, it is believed that with the growth of the elderly population, as well as with a Bill that might be approved by the Plenary, this situation will be pacified. Also, any doubts that judges may present on the matter will be clarified. However, the concern remains: if today, when the number of the elderly is fewer, there is high family neglect, in the future, in case predictions are accurate and this triple number, this practice will tend to increase. The paper at issue found such practice to correspond to an unlawful act if one considers meetings of requirements of Civil Liability, such as human conduct – in this case, omission, negligence, the causal nexus that links the causative person to harm and guilt. Keywords: Reverse affective abandonment. Civil Liability. Neglect against the elderly. Moral damage. Bill n. 4.562 / 2016. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................... 09 1 O ABANDONO AFETIVO DE IDOSOS .......................................................... 11 1.1 CONCEITO DE IDOSO ................................................................................ 14 1.2 O CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO IDOSA .............................................. 15 1.3 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A RELAÇÃO FAMILIAR ............ 16 1.4 A CUSTÓDIA AO IDOSO NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL .... 20 2 O DESAMOR E A ADMISSÃO DA REPARAÇÃO CIVIL FRENTE À HIPÓTESE DO ABANDONO AFETIVO DOS FILHOS PARA COM OS PAIS................................................................................................................24 2.1 TEORIA DO DESAMOR ............................................................................... 25 2.2 A RESPONSABILIDADE DOS FILHOS NO QUE TANGE AOS PAIS ......... 27 2.3 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL .............................................. 30 2.4 A RESPONSABILIDADE CIVIL E SEUS PRESSUPOSTOS ....................... 31 2.5 A ESSÊNCIA DO DANO MORAL E O DIREITO .......................................... 38 2.6 A NEGLIGLÊNCIA FAMILIAR E O ABANDONO CONTRA A PESSOA IDOSA ............................................................................................................ 42 2.7 A APLICAÇÃO DA RESOLUÇÃO CIVIL NA HIPÓTESE DE ABANDONO .. 45 2.8 O PROJETO DE LEI N. 4.562/2016 ............................................................. 48 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 51 REFERÊNCIAS .................................................................................................. 53 ANEXO A ............................................................................................................ 59 ANEXO B ............................................................................................................ 60 9 INTRODUÇÃO Uma das realidades do país é o abandono de idosos. Infelizmente, muitos destes são deixados por seus filhos em asilos ou clínicas geriátricas e com este mesmo descaso, são esquecidos. A Constituição Federal garante a dignidade da pessoa humana, legitimando a tutela aos idosos. O desamparo afetivo pode gerar uma profunda infelicidade no idoso, bem como doenças que são agravadas devido ao abalo emocional. Suponha-se que o idoso passe a residir em um asilo. Diante deste quadro, ele tem de readequar totalmente sua vida, tendo em vista que passará a conviver com outras pessoas e seu ciclo de convivência não mais será entre parentes próximos, mas, sim, entre pessoas desconhecidas. O indivíduo em questão passa a adquirir outros costumes e a começar, então, uma nova fase de vida. Similarmente, o presente estudo traça uma comparação do idoso com o infante. Embora estejam em fases distintas da vida, ambos necessitam de cuidados especiais: os infantes, por serem dependentes de seus pais e também por estarem em processo de desenvolvimento; os idosos, pelo desgaste do avanço da idade, onde o corpo, e a mente, em geral, começam a apresentar sinais de fraqueza e probabilidade maior de surgimento de doenças e debilitações físicas, bem como psicológicas, tendo em vista que abalo moral causa dor, isolamento e sofrimento. Este triângulo “dor, isolamento e sofrimento” acarreta consequências que poderão gerar depressão devido à omissão de cuidados dos filhos. Embora haja o Estatuto do Idoso, bem como artigos da Constituição Federal e demais legislações infraconstitucionais voltadas à proteção do idoso, é necessária uma lei explícita para amparar pessoas que necessitam de cuidados devido a suas limitações físicas e psicológicas. Idosos, como se pode verificar, enquadram-se precisamente nesta categoria. Em tais circunstâncias, o tema central deste trabalho é o abandono afetivo inverso: quando filhos abandonam afetivamente seus pais na velhice. Com isso, esta pesquisa tem como objetivo principal analisar o ordenamento jurídico com a finalidade de caracterizar o abandono afetivo como forma ilícita, passando a averiguar também os pressupostos da responsabilidade civil e a caracterização do dano moral. O problema abrangente deste estudo é a possibilidade de punir 10 civilmente o filho (a) que abandona afetivamente os pais na velhice, não prestando a devida assistência moral ao seu genitor, isto é: afeto, carinho, zelo, cuidado, atenção, entre outros amparos que se traduzem na prestação de apoio ao idoso. A monografia é composta por dois capítulos. No primeiro, constam conceitos do tema tratado, como o abandono afetivo de idoso, o crescimento da população idosa, a custódia do idoso frente à legislação constitucional, as normas infraconstitucionais, a Constituição Federal e a relação familiar, além de alguns princípios que norteiam o Direito de Família. Em contrapartida, o segundo capítulo trata do conceito de responsabilidade civil e seus pressupostos, a teoria do desamor, a obrigação dos filhos para com os pais, bem como a possibilidade do dano por abandono afetivo inverso. Analisa-se de forma sintética a posição da jurisprudência acerca do abandono afetivo - tendo em vista a carência de decisões relativas ao abandono afetivo de idoso -, alguns casos de negligência e abandono que o idoso sofre no Brasil e, ainda, a análise do Projeto de Lei n. 4.562/2016. O método abordado é dedutivo e monográfico, ao passo que o desenvolvimento da temática é o de documentação indireta, realizado a partir de pesquisas bibliográficas. 11 1 O ABANDONO AFETIVO DE IDOSOS O abandono afetivo de idosos é assunto atual e de muita importância. Descende do princípio da dignidade da pessoa humana, que orienta e protege as pessoas, seja qual for sua diferenciação. Tal princípio está assegurado no artigo 1º, III da Constituição Federal de 19881. Sabe-se que seres humanos necessitam de atenção, principalmente quando corpos e emoções encontram-se fragilizados e vulneráveis. Em geral, estas condições citadas se apresentam com maior relevância em duas fases da vida. A primeira é na infância, fase de descobrimentos, aprendizagem, formação do cérebro e identidade, na qual somos dependentes de nossos genitores, necessitando de amparo para as necessidades mais básicas, tais como alimentação e higiene. Também nesta fase o cuidado e a proteção são indispensáveis, uma vez que durante a infância certos riscos ainda são desconhecidos ou mal dimensionados, podendo resultar em acidentes. Neste ciclo, situações e vivências negativas podem ter grande impacto na formação do indivíduo, podendo até gerar traumas. Por outro lado, todavia, amparo, afeto, cuidado e carinho podem contribuir para a formação saudável do sujeito. Na fase da velhice, ainda que os anos vividos tenham proporcionado inúmeras experiências e o idoso seja símbolo de sabedoria, também é com o avanço da idade que o corpo, em geral, começa a apresentar sinais de desgastes. A probabilidade do surgimento de doenças ou debilitações físicas aumenta, tornando o idoso dependente do cuidado e proteções de outras pessoas. Da mesma forma, por vezes, as faculdades mentais também podem ser afetadas com o avanço da idade, o que é capaz de interferir no discernimento dos indivíduos, colocando-os em situações de riscos, assim como ocorre com as crianças por falta de entendimento sobre situações de perigo. Neste contexto, fica evidente que tanto na infância quanto na velhice existe a necessidade de cuidados, amparo e zelo. Mesmo que o idoso não apresente 1 Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; (...) 12 nenhum problema de saúde e que consiga manter sua independência física e financeira, este apenas terá uma vida plena se puder compartilhá-la com seus entes queridos, recebendo e retribuindo afeto, amor, cuidado e carinho. Apenas os idosos que tiverem alguma experiência de “abandono afetivo” é que podem expor todo o sofrimento e angústia suportados com o descaso familiar, especialmente de seus filhos, os quedeveriam ter zelo e cuidado para com seus pais. Segundo Costa (2011), pode-se fazer uma breve comparação entre o infante e o idoso: por mais que estejam em fases distintas de vida, necessitam de tutela diferenciada dos demais. O Estatuto da Criança e Adolescente no seu artigo 982, bem como o Estatuto do Idoso em seu artigo 433, apontam casos que conduzem crianças e idosos a ocorrências de risco. A afetividade moveu-se de forma valorada na sociedade, onde filhos e pais têm o dever de assessorar uns aos outros. Neste passo, os artigos 2294 e 2305, ambos da Constituição Federal, explicam claramente a obrigação e a responsabilidade recíprocas, ao que deixa evidente que a família tem encargo maior de amparar seus membros. Embora o abandono afetivo de filhos para com os pais não tenha sido tratado explicitamente pelos legisladores, não havendo, assim, uma norma expressa que caracterize o abandono afetivo inverso como ato ilícito, há entendimento da parte de profissionais da área os quais acreditam que, por ser um valor jurídico, tal abandono poderá gerar indenização. Neste sentido, discorre a advogada Lannes: Desde que o afeto foi considerado um valor jurídico, o abandono afetivo pode gerar indenização, pois é considerado falta de proteção e cuidado. Portanto, se o cuidado e a proteção para com os pais idosos é um dever e 2 Art. 98, Lei 8.069/90. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III - em razão de sua conduta. 3 Art. 43, Lei 10.741/03. As medidas de proteção ao idoso são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II - por falta, omissão ou abuso da família, curador ou entidade de atendimento; III - em razão de sua condição pessoal. 4 Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. 5 Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo- lhes o direito à vida. 13 este dever não é observado, se está diante de um ato ilícito. (LANNES, 2015, acesso em 20/04/2017) Se o enfoque deste trabalho fosse o bem material, seria compreensível um pai ou um filho não ter recurso financeiro, afinal, vive-se uma crise econômica no país. Contudo, o “bem” tratado neste estudo é o imaterial, voltado mais precisamente ao cuidado. Tal bem não necessita de assistência em matéria, mas sim de assistência afetiva. À vista disso, as pessoas devem receber e doar atenção, gerando assim o afeto e não a ausência deste. Conforme expõe Pereira (2010), não há explicação para um pai ausentar-se de amparar moralmente e afetivamente seu filho (a). Se este pai fosse carente financeiramente, seria compreensível, contudo, não há entendimento que esclareça tal omissão. Na mesma corrente, no Canal do Supremo Tribunal Federal - STF no YouTube, o Ministro Yuri Soares de Melo responde a dúvidas quanto ao tema do abandono afetivo. Comentando sobre o abandono de pais para com os filhos, bem como de filhos para com os pais, referindo ser um tema bem recente e diferenciado no Direito e tendo em vista que aborda aspectos sentimentais que geram uma trilogia de amor, carinho e atenção, relatou que o “abandono afetivo” veio à tona após decisão do Superior Tribunal de Justiça - STJ que deferiu a indenização ao filho que, embora recebesse alimentos de seu genitor, foi abandonado afetivamente. O Ministro narrou: O abandono afetivo tem um aspecto jurisprudencial e doutrinário com diversas nuances de posicionamentos. Há fontes na doutrina que são a favor desta decisão e outras fontes que acham que isso não tem nada a ver, que esta decisão do STJ não é privilegiada, por que esta corrente que é desfavorável entende que um pai não é obrigado efetivamente de querer estar ao lado de seu filho, ele tem a liberdade de querer conviver com ele ou não, essa é uma linha contrária a esse posicionamento do STJ. (MELO, 2016, acesso em 15/03/2017) Há divergentes opiniões acerca do assunto aqui tratado, uma vez que há impasse entre os julgadores, bem como entre doutrinadores. Enquanto uns entendem que há uma obrigação afetiva entre os membros familiares, outros entendem que nenhuma pessoa é obrigada a cuidar ou estar junto do outro. Assim, esta é uma concepção oposta quando comparada com a decisão do STJ a qual o ministro de Melo mencionou acima. Ainda, ao ser questionado sobre o abandono 14 inverso, quando o filho abandona os pais em uma fase debilitada, como na velhice, o mesmo relatou: A situação é absolutamente séria, a Constituição Federal Brasileira a partir do artigo 226, determina que cabe aos pais cuidar de seus filhos, e na segunda parte deste artigo, a constituição é bastante clara em dizer que, cabe aos filhos cuidar de seus pais, cuidarem de seus pais na velhice, na enfermidade,e em outros aspectos que por ventura vier a ser necessários aos pais. [...] Então, quero deixar claro que esta questão do abandono que analisamos, não é somente das crianças, temos o abandono das pessoas idosas também e cabe efetivamente aos filhos, suprirem essa necessidade dos pais, sendo a obrigação das duas pontas, tanto pai com filho quanto do filho com os pais [...]. (MELO, 2016, acesso em 15/03/2017) A verificação em questão estimula o pensamento sobre a imposição e os resultados. Questiona-se a possibilidade de uma pessoa, após anos de vivência, ser abandonada e exposta ao sofrimento. A vida, por ser o bem mais precioso do qual se dispõe, deve ser resguardada e não desprotegida. É indiscutível o fato de que todos os vínculos familiares estão sujeitos a conflitos. Contudo, as relações de afetividade e de intimidade, quando positivas, estimulam a proteção, contribuindo para a garantia de cidadania de seus membros. Além disso, estas propiciam uma interação saudável, tanto em ambiente familiar quanto social. A perspectiva deste estudo parte do conceito de idoso, bem como do abandono afetivo e da custódia para, posteriormente, tratar do desamor, da responsabilidade civil e da admissão da reparação desta frente à hipótese de abandono afetivo inverso. 1.1 CONCEITO DE IDOSO O Estatuto do Idoso, Lei n. 10.741, de 01 de outubro de 2003, precisamente em seu artigo 1º6, define a pessoa idosa como “pessoa com idade igual ou superior a 60 anos”. É curioso perceber que a característica utilizada para definir “pessoa idosa” é tão somente a idade, e não a condição social, física ou mental. Por sua vez, a idade nada mais é do que o tempo de vida entre o nascimento e a atual vivência. 6 Art. 1º, Lei 10.741/03. É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. 15 Segundo a Organização Mundial de Saúde - OMS (OMS, 2015), a perda de habilidades agregadas ao envelhecimento não está pautada somente na idade. Desta forma, não há um perfil exato de idoso: cada caso é único, considerando que há pessoas idosas com a mesma idade, umas acamadas e outras ativas. Quanto à problemática, Dias (2016) afirma que o envelhecimento é um direito pessoal, isto é, personalíssimo e subjetivo. Do mesmo modo, afirmouque a palavra idoso soa de forma quase ofensiva na sociedade, havendo questionamentos sobre qual seria, afinal, a idade a partir da qual o ser humano se torna idoso. Destarte, o Estatuto do Idoso regula e assegura os direitos às pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, contudo, em âmbito social, não existe um conjunto de atributos específicos que possam definir se uma pessoa é considerada idosa ou não. Deve-se ressaltar que cada ser humano é único, possuindo, assim, características singulares que variam conforme suas experiências de vida e condições genéticas. Desta forma, a título de exemplo, há indivíduos de 70 anos dispostos, enquanto há indivíduos de 70 anos acamados. 1.2 O CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO IDOSA Considerando o acentuado processo de envelhecimento mundial, o assunto aqui discutido é de suma importância. Há previsão de aumento significativo na expectativa de vida para os próximos anos e gerações futuras. Tais mudanças trazem consigo uma reflexão sobre consequentes impactos sociais. Levando em consideração as projeções, ou seja, a reorganização social no que tange à distribuição de indivíduos por faixa etária, os órgãos públicos devem se preparar e planejar uma estrutura capaz de propiciar amparo a uma população que tende a viver por mais tempo na fase idosa e que eventualmente corresponderá a um percentual maior da população como um todo. Segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (IBGE, 2016, p. 6), a população idosa irá triplicar no Brasil entre os anos 2010 e 2050 passando de 19,6 milhões (10% do total) em 2010, para 66,5 milhões de pessoas em 2050 (29,3%). Conforme Anexo A, gráfico elaborado pelo IBGE (2016, p. 64), o número de idosos será superior ao número de crianças e adolescentes no ano de 2050. Estima-se que a população seja composta por 29,36% de idosos com 16 60 anos ou mais, e por 14,07% de crianças e jovens, de 0 a 14 anos. Tal estimativa reforça a necessidade de pensar em políticas que forneçam e resguardem o bem- estar da população idosa. Neste contexto, conforme mencionado anteriormente, sem dúvida, o aumento no número de idosos provocará mudanças profundas nas políticas públicas de saúde, assistência social, previdência, entre outras. Da mesma forma, o envelhecimento populacional implicará em maior atenção no tocante aos direitos dos idosos, dando ênfase no cumprimento das normas previstas no Estatuto do Idoso, nas leis infraconstitucionais e na Constituição Federal de 1988. 1.3 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A RELAÇÃO FAMILIAR A Constituição Federal de 1988 rompeu com o padrão patriarcal de família: aprovou novas manifestações familiares, cessou a discriminação de filhos quanto a sua origem, deu ênfase ao princípio da dignidade da pessoa humana, bem como equiparou os cônjuges. Do mesmo modo, conforme dito anteriormente, a Constituição Federal trata a questão dos idosos com clareza. O artigo 2297 da Constituição Federal determina o dever dos pais para com os filhos menores, bem como dos filhos maiores para com os pais. Esse artigo é complementado pelo seguinte, o artigo 2308, que trata do dever da família, da sociedade e do Estado de amparar as pessoas idosas, garantindo-lhes o bem-estar e uma vida digna (BRASIL, 2015a). A Constituição Federal proporciona tutela às pessoas idosas, firmando como princípios fundamentais do direito a dignidade da pessoa humana. O princípio tem a finalidade de proteger os seres humanos, assegurando-lhes a dignidade de viver e o respeito mútuo, sem preconceito ou discriminação. Portanto, este é um referencial para a aplicação das normas jurídicas. De acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2013), é complicado definir o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, mesmo que ousem dizer que é um valor 7 Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. 8 Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo- lhes o direito à vida. 17 fundamental da existência. Segundo as perspectivas afetivas, patrimônios são imprescindíveis frente ao rastreio da felicidade. Deste modo, não há limitações para o conceito de dignidade da pessoa humana. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana figura a base do Direito de Família, uma vez que protege o desenvolvimento de cada membro, sendo o afeto de suma relevância para a realização da dignidade humana, visto que proporciona à pessoa a estruturação de sua vida, em especial no ambiente familiar. Complementando, o artigo 5º9 caput, da Constituição Federal, trata dos direitos fundamentais, assegurando a cada indivíduo o direito de viver uma vida honrada, sem disparidade entre pessoas, equiparando a todos, reservando o direito à autonomia, à identidade, à proteção, entre outros direitos essenciais para uma vivencia íntegra (BRASIL, 2015a). A Constituição Federal abrange a tutela de toda espécie da entidade familiar, preservando os direitos de cada ente da família, tanto de forma individual quanto de forma coletiva. Os sistemas de proteção dilatam-se tanto com estatutos e leis específicas, quanto na própria jurisdição, garantindo a permanência dos direitos de cada ser. Nesta idealização, o Código Civil, bem como os sistemas de leis específicas, foi desenvolvido para resguardar os direitos de cada ente da família, como exemplo, o Estatuto do Idoso, que firma a tutela da pessoa idosa. Dias (2016) clareia a ideia de microssistemas quando refere que estes não tratam somente de regulamentos práticos por serem normas fixas de aplicação imediata. Como exemplo, mencionou o Estatuto do Idoso, que emprega uma série de benefícios e direitos às pessoas com mais de 60 anos. Salienta-se que estamos vivendo em uma sociedade onde as pessoas têm interesses e valores diferentes umas das outras. Com isso, os microssistemas são formados de princípios mistos, ao que se tenciona atender a vontade e a necessidade de todos. A Constituição Federal de 1988 traz princípios onde imperam os direitos de família. Além do princípio da dignidade da pessoa humana - base de todos os direitos -, há também o da afetividade, o da solidariedade familiar, entre outros que norteiam a sociedade. 9 Art. 5º, CF. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...). 18 Segundo Sarmento (2003), os princípios constitucionais simbolizam os conjuntos de métodos jurídicos, deixando que o intérprete se identifique conforme sua conduta perante os valores amparados. Desta forma, os princípios são procedimentos jurídicos que auxiliam as pessoas no cotidiano. Esses podem ter aplicação individual, ou seja, podem utilizar mais de um princípio do que de outro, dependendo da situação em análise, bem como da moral de cada figurante. Dias (2016) trata de forma individual cada princípio. Em especial, elenca, dentre outros, o da dignidade da pessoa humana, o da solidariedade familiar, bem como o da afetividade. Para a autora, o princípio da dignidade da pessoa humana é o mais importante: é o maior principio fundador do Estado Democrático de Direito. Gama complementa o entendimento da autora, onde vincula a dignidade da pessoa humanacom a família, vide: A dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional dá-lhe especial proteção independentemente de sua origem. A multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares- o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum-, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas. (GAMA, 2013, p. 105) Assim, é na família que a dignidade da pessoa humana alcança amparo para se desenvolver. Independentemente de sua procedência, a constituição lhe ampara. A expansão do grupo familiar assegura e amplia as particularidades importantes, como afeto, assistência, harmonia, e demais valores que complementam o ser humano. Dias aborda a solidariedade familiar da seguinte forma: Solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio, que tem origem nos vínculos afetivos, dispõe de acentuado conteúdo ético, pois contém em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade e a reciprocidade. A pessoa só existe enquanto coexiste. O princípio da solidariedade tem assento constitucional, tanto que seu preâmbulo assegura uma sociedade fraterna. (DIAS, 2016, p. 51) A solidariedade, então, está interligada com o convívio familiar, sendo esta um compromisso de pessoas para com pessoas onde as relevâncias maiores são o amparo, o cuidado e a atenção. Com isso, o princípio da solidariedade integra os 19 vínculos afetivos de forma a proporcionar estabilidade emocional à família, neste caso, em especial aos idosos que necessitam de assistência assim como as crianças, estando ambos em estágios vulneráveis de vida. De acordo com Gagliano e Pamplona Filho (2013), o princípio da afetividade norteia todo o Direito de Família e não há como definir o amor. No entanto, a afetividade e o amor são “forças elementares” que regem a vida das pessoas. Igualmente ao princípio da solidariedade familiar, entende-se que além de traduzir a afetividade que une os familiares, esses princípios executam a responsabilidade entre os entes da família. Ademais, os autores referem o princípio da dignidade da pessoa humana como o princípio norteador do ordenamento jurídico, de difícil definição por ser um valor fundamental da existência humana que visa à busca da felicidade de forma a ser indispensável à realização pessoal de cada ser. A proteção do indivíduo é o seu principal propósito, pois tem a finalidade de garantir o respeito recíproco, saindo da esfera individual e atingindo a esfera social. Com isso, o indivíduo passa a ser menos egoísta. Nesta perspectiva, Santana estabelece que: [...] a família é a base de formação do ser humano, tanto do ser em desenvolvimento como do adulto, uma vez que esta é responsável por promover a educação, saúde, proteção e lazer dos filhos influenciando dessa maneira o comportamento destes na sociedade. O papel que a família desempenha para o desenvolvimento de cada indivíduo é de suma importância. Pois é nesse vínculo familiar que são transmitidos os valores morais e sociais que servirão de alicerce no processo de socialização da criança e do adolescente, assim como as tradições e os costumes trazidos de gerações. (SANTANA, 2015, p. 7) A família então é o alicerce de cada ser, tendo em vista que os valores morais estão vinculados à ela. Vanessa do Carmo Diniz (2010) entende que a família está profundamente conectada com o princípio da afetividade, tendo em vista que o direito de família é o mais humanitário de todos e trata das questões individuais de cada ente (JAIME, 2014). O afeto não se confunde com o amor: este está relacionado com a ligação de pessoa para com pessoa, com a essência do cuidado, do amparo e da falta deste, a qual traz consequências negativas como dor e sofrimento psicológico. Portanto, a família vem a ser o alicerce da sociedade, sendo a responsável pelo desenvolvimento e proteção de cada ente, embora de forma individual, uma vez que 20 está interligada com os princípios destacados. Desta forma, o idoso é totalmente prejudicado no que diz respeito a não prestação de afeto familiar, pois passa a envelhecer e adoecer de maneira mais célere, considerando que este vai paulatinamente perdendo seu objetivo e está sujeito a sofrer de depressão diante de tal situação. Segundo Sarlet, a dignidade da pessoa humana traz continência para tutelar a vida: [...] qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, 153 além de propiciar e promover sua participação ativa e coresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida. (SARLET, 2011, p. 73) Por conseguinte, embora existam diferentes opiniões a respeito da dignidade, esta é um valor moral associado ao conhecimento de si e dos demais cidadãos. Sendo assim, entende-se que o direito de envelhecer dignamente é caracterizado por todos nós, seres humanos, de modo que o artigo 1º, III da Constituição Federal10 prescreve o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como intermediário dos demais, fazendo com que o respeito ao direito da personalidade sejam de fato assegurados. 1.4 A CUSTÓDIA AO IDOSO NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL Com a finalidade de orientar os seres humanos, as legislações infraconstitucionais concebem dispositivos para promover sua independência, inserção e parcela efetiva na sociedade. Especialmente as legislações que tratam dos Direitos dos Idosos determinam que a família, a sociedade e o Estado têm o 10 Art. 1º, CF. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; (...) 21 compromisso de garantir às pessoas idosas seus direitos, preservando sua dignidade, seu bem-estar e sua vida. Com isso, além das normas Constitucionais previstas na Constituição Federal de 1988, encontram-se as normas legais e administrativas que estão dispostas abaixo desta, garantindo e assegurando também a proteção e os direitos das pessoas - em especial, dos idosos. As normas que garantem proteção ao idoso estão elencadas na Lei Orgânica de Assistência Social (Lei n. 8.742/93), na Política Nacional do Idoso (Lei n. 8.842/94), no Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03) e no Código Civil de 2002. A Lei Orgânica de Assistência Social (Lei n.º 8.742/93) está resguardada pelo artigo 203 da Constituição Federal11 e visa a prestação de serviços sociais a quem não possua meios de sustento. Em particular, aos idosos com 65 anos ou mais, o artigo 20 garante um salário mínimo de benefício mensal ao idoso que comprove não possuir meios de sustento seu e/ou de sua família, igualmente resguardando o direito do idoso que esteja em condição de acolhimento em instituições para que este usufrua do benefício (Lei n. 8.742/93, art. 2012, §5º13). Do mesmo modo, a Lei n. 8.842/94, da Política Nacional do Idoso, assegurao direito de sua autonomia, participação e integração na sociedade, precisamente no artigo 3º, I e III14. Com base neste artigo, resta claro que, em primeiro lugar, a família deverá assegurar, garantir e defender a dignidade do idoso, em segundo, a sociedade e, por fim, mas não menos importante, o Estado. Ainda, conforme artigo 4º, III e VIII15, desta mesma lei, o atendimento ao idoso em asilos é priorizado, assim 11 Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; 12 Art. 20, Lei 8.742/93. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. 13 § 5º. A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada 14 Art. 3°, Lei 8.842/94. A política nacional do idoso reger-se-á pelos seguintes princípios: I - a família, a sociedade e o estado têm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania, garantindo sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito à vida; (...) III - o idoso não deve sofrer discriminação de qualquer natureza; (...) 15 Art. 4º, Lei 8.842/94. Constituem diretrizes da política nacional do idoso: (...) 22 como em órgãos públicos ou privados quando a família não tiver condições ou quando o mesmo estiver desabrigado. O objetivo da Política Nacional do Idoso é proteger os direitos das pessoas idosas, criando e estabelecendo situações para desenvolver sua independência na participação efetiva da sociedade. O Estatuto do Idoso abrange um considerável referencial no que tange às pessoas idosas. Os direitos previstos neste garantem o bem-estar, a isonomia, a dignidade, a proteção, a alimentação, a saúde, a convivência familiar, a sua inclusão na sociedade externa, o esporte, o trabalho, a liberdade, bem como os demais direitos que fazem com que se mantenha com o devido respeito na comunidade. Salienta-se que, dentre outros artigos, o 3º16 do respectivo estatuto, refere- se à obrigação da família, da sociedade e do poder público de assegurar a efetivação dos direitos supracitados. Sabe-se que em inúmeras situações o idoso sofre preconceito e desprezo, especialmente quando deixa de ser percebido ou quando não participa mais das decisões familiares. Contudo, à pessoa idosa é garantida a liberdade de se manifestar, votar, desfrutar de atividades físicas, além da preservação de seus objetivos pessoais. O artigo 1017 do Estatuto do Idoso, mais precisamente em seu parágrafo 2º, garante o respeito, a liberdade e a dignidade. De igual sorte, o artigo 4318 do Estatuto do Idoso protege os direitos das pessoas idosas quando estes forem ameaçados ou violados. Em especial, cabe citar o inciso II que prevê a omissão ou o III - priorização do atendimento ao idoso através de suas próprias famílias, em detrimento do atendimento asilar, à exceção dos idosos que não possuam condições que garantam sua própria sobrevivência; (...) VIII - priorização do atendimento ao idoso em órgãos públicos e privados prestadores de serviços, quando desabrigados e sem família. 16 Art. 3º, Lei 10.741/03. É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. 17 Art. 10, Lei 10.741/03. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, (...) § 2º O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, idéias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais. garantidos na Constituição e nas leis. 18 Art. 43. As medidas de proteção ao idoso são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: (...) II – por falta, omissão ou abuso da família, curador ou entidade de atendimento; (...) 23 abuso da família. Ainda, neste Estatuto, mais precisamente em seu artigo 9819, está previsto de forma concreta que abandonar o idoso é, de fato, crime. Portanto, para um envelhecimento com qualidade, o idoso deve receber cuidados relativos à sua saúde física e também psíquica, não sendo aceita qualquer violação aos direitos da pessoa idosa. Embora algumas pessoas não cooperem com a tutela do idoso, como em casos de abandono ou negligência, o legislador vem cumprindo com sua obrigação ao implantar leis que visem ao bem-estar e à proteção direta ou indireta da pessoa idosa. Atentando para esses direitos e garantias, o próximo capítulo tem como objetivo principal analisar a possibilidade de responsabilizar os filhos civilmente pelo abandono afetivo de seus pais na velhice, conforme a essência dos artigos 18620 e 92721 do Código Civil Brasileiro (BRASIL, 2015b). 19 Art. 98. Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado: Pena – detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos e multa. 20 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 21 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. 24 2 O DESAMOR E A ADMISSÃO DA REPARAÇÃO CIVIL FRENTE À HIPÓTESE DO ABANDONO AFETIVO DOS FILHOS PARA COM OS PAIS Para as pessoas que amam, não há distinção de raça, essência ou origem. O amor é uma das características fundamentais para a felicidade das pessoas e está previsto no ordenamento jurídico, tal como o direito à vida, pois quem vive sem amor vive de forma triste e prejudicial ao bem estar de si e dos que as rodeiam. Contudo, quem tem amor, vive cada dia mais alegre e motivado, tratando as demais pessoas com respeito, com carinho e com cuidado. Segundo Frosi (2015), quando se fala em afeto, fala-se em amor. Todas as pessoas precisam de afeto, pois este traz sentido à vida de cada um. Sabe-se que a falta de amor acarreta danos e consequências ao ser humano e, embora o ordenamento jurídico não possa fazer com que se ame, este poderá estimular a concretização do cuidado através da responsabilidade civil. Desta forma, questionam-se as consequências do desamor ou da falta de amor. Se o amor ajuda os seres humanos a viver de forma mais feliz e mais digna, o desamor fere a dignidade, tornando as pessoas infelizes e desprezadas. Vê-se: Teoria do Desamor criada pela Dr.ª Giselda Maria Fernandes Moraes Hironaka, a qual está cada vez mais presente, consubstanciando-se em mecanismo de indenização pelo pai ou mãe que, mesmo tendo cumprido a obrigação de ajudar financeiramente o filho, não o fez emocionalmente. [...] sendo assim, acaba se esquecendo do planodo afeto, da convivência e ferindo assim, o super princípio da Dignidade da Pessoa Humana. (COSTA, Lesimônia Soares, 08/12/2015, acesso em 20/04/2017) Portanto, embora o excerto acima se refira ao pai ou à mãe que abandonam afetivamente o filho (a), tais afirmações também podem atuar de forma a garantir a responsabilização de filhos que abandonam de forma afetiva os pais que, por mais que provenham alimentos ou ajuda financeira, tratam seus pais com desamparo, descuido e desamor. A base legal que responsabiliza a obrigação recíproca está situada no artigo 22922 da Constituição Federal. Segundo Azevedo (2004), é merecedor de reparação o pai ou o filho tratado com descaso, pois se está diante de um afronto moral grave, devendo o judiciário 22 Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. 25 intervir a fim de preservar a dignidade do ser humano, bem como de responsabilizar o agente causador do dano pelo dever de cuidar. Desta maneira, não se está frente a uma obrigação de amar, mas, sim, à obrigação de cuidar no intuito de evitar trauma e indiferença afetiva. A afetividade é um dever jurídico, sendo este imposto por lei. Neste estudo, pode-se constatar que a afetividade é um dever o qual se impõe aos pais em relação aos filhos, bem como aos filhos em relação aos pais. Sobretudo, impera o dever de cuidado. Segundo Carvalhos, “o princípio da afetividade não se encontra expresso, mas está implícito no texto constitucional como elemento agregador e inspirador da família, conferindo comunhão de vidas e estabilidades nas relações afetivas” (2017, p. 89). O bem-querer, o cuidado e o sentimento como condições psíquicas são fatores que não podem ser controlados pelo direito, mas pelos regulamentos morais. O princípio da afetividade pode ser um condutor que se aplica com a finalidade de reestruturar, reerguer a proteger juridicamente as famílias. Na perspectiva de Dias (2016), os idosos, inúmeras vezes, são considerados estorvos, tendo em vista que estes necessitam de mais cuidados. Assim, filhos, netos e demais parentes passam a não visitá-los. Está-se, portanto, diante de um abandono afetivo. As consequências da falta de cuidado e do desamor dos descendentes para com os ascendentes são melancólicas no momento em que os idosos sofrem com a falta de convivência e cuidado. Sabe-se que a falta do amparo afetivo moral causa danos ao idoso: danos à personalidade, danos à dignidade e danos à honra. Quando um filho omite cuidados para com os pais, principalmente na fase adulto-idosa, quando se encontram mais vulneráveis, isto pode gerar dor, sofrimento e angústia, ao que estes sentimentos contribuem para a morte, uma vez que a saúde psicológica é a base da sanidade. 2.1 TEORIA DO DESAMOR Popularmente, a Teoria do Desamor é conhecida como responsabilidade civil por abandono afetivo. Tal teoria trata de um dispositivo que defende a possibilidade de reparação civil pelos pais, que, embora tenham cumprido a obrigação financeira, abandonam o filho afetivamente. Assim, ainda que este estudo 26 seja sobre o abandono afetivo de filhos para com os pais, a teoria do desamor está de acordo com a realidade aqui trazida, considerando que o artigo 229 da Constituição Federal23 ergue a obrigação recíproca de filhos e pais. Para Lobo, o abandono afetivo é o “inadimplemento dos deveres jurídicos de paternidade. Seu campo não é exclusivamente o da moral, pois o direito o atraiu para si, conferindo-lhe consequências jurídicas que não podem ser desconsideradas” (2011, p. 313). Desta forma, segundo o autor, o descumprimento por abandono afetivo relaciona-se ao ser humano como um todo, não somente na esfera moral, mas também imoral. O dever de indenizar sucede a partir de uma perspectiva civil constitucional, onde seu componente principal está relacionado à atuação da entidade familiar, de forma a proteger integralmente os membros da família. O abandono afetivo é um tema muito questionado no Direito de Família. Para Tartuce (2014), o amparo da responsabilização por abandono afetivo encontra-se na dignidade da pessoa humana e, sendo o abandono afetivo um dever violado, pode-se gerar indenização, conforme artigo 186 do Código Civil.24 Salienta-se que há entendimentos contrários, que interpretam não haver como impor a alguém fornecer afeto e amor. Portanto, embora na visão do autor o abandono afetivo possa vir a gerar indenização por ser uma condição caracterizada por ato ilícito, julgadores interpretam que uma pessoa não pode ser obrigada a dar amor e afeto a outrem. A questão do abandono afetivo é bastante frágil, considerando que se trata de sentimentos da pessoa humana com ligações e efeitos jurídicos. Neste sentido, sustenta Hironaka: O assunto refere-se exatamente a esta difícil e delicada questão: podem um pai ou uma mãe ser responsabilizados civilmente- e por isso, condenados a indenização pelo abandono afetivo perpetrado contra filho? A procura pelo fundamento da resposta a essa pergunta levaria à seguinte indagação: a denominada responsabilidade paterno-filial resume-se ao dever de sustento, ao provimento material do necessário ou do imprescindível para manter a prole, ou vai além dessa singela fronteira, por situar-se no campo do dever de convívio, a significar uma participação mais integral na vida e na criação dos filhos, de forma a contribuir em sua formação e subsistência emocionais. (HIRONAKA, 2005, p.4) 23 Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. 24 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 27 Transferindo esta colocação da autora para o cotidiano, suponha-se que após anos vivendo de forma ativa, você, aos 70 anos de idade, já com limitações físicas, seja abandonado (a) afetivamente por seu filho (a). Suponha-se também que estes lhe forneçam alimentos, contudo, não lhe visitam, não lhe cuidam, não lhe ligam, enfim, não se importam com o seu dia, sua noite, sua higiene. Suponha-se ainda que não haja, por parte dos filhos, um “eu te amo”, uma “boa noite”, um “como você está?”, e, depois de tanto tempo fornecendo cuidado e afeto ao seu filho (a), você se depare com total descaso. Desta feita, estando a Teoria do Desamor relacionada aos direitos da personalidade, faz-se importante abordar o entendimento de Diniz (2014), o qual ensina que tal direito refere-se ao fato de cada ser humano defender o que lhe é próprio, como a liberdade, a identidade, a vida, a privacidade, a honra e a integridade psíquica. Quanto aos direitos da personalidade em consonância com a Teoria do Desamor, destacam-se neste estudo o direito à vida e à integridade psíquica. De modo geral, os idosos se sentem mais sozinhos e necessitam de mais proteção quando comparados com adultos ativos. Assim, a relação afetiva entre pais e filhos tem de estar relacionada com a conscientização, tendo em vista que o dever de pai e de filho poderá, através de seus atos, gerar grave indenização futura. 2.2 A RESPONSABILIDADE DOS FILHOS NO QUE TANGE AOS PAIS Após a análise do conceito de abandono afetivo relacionado às pessoas idosas, bem como aos direitos ao envelhecimento digno, é necessário assinalarespecificamente os dispositivos que fundamentam o dever de cuidado e afeto dos filhos para com os pais idosos. Quando um pai ou um filho optam por utilizar o poder familiar de forma danosa (poder voltado à relação de pais e filhos), imperiosa se faz a responsabilização destes. Ora, se os filhos não conseguem conviver ou, mais do que isso, cuidar de seus pais, cabe à justiça determinar esta responsabilização, considerando o total abalo psíquico que poderá ocorrer, bem como o dano à dignidade humana dos pais na velhice, já que seus corpos e mentes passam a sofrer algumas variações, principalmente, variações emotivas. 28 Conforme já exposto, a Constituição Federal, lei fundamental e suprema do Brasil, estabeleceu no seu artigo 22925 o dever recíproco de filhos e pais. Em especial, está o de ajudá-los e ampará-los. Em consonância ao referido amparo legal, Vilas Boas (2005) aduz que é vexaminoso ficar registrado na Constituição Federal o dever de filho para com os pais, sendo esta obrigação de caráter afetivo e moral, desnecessária caso todos tivessem a dignidade de cumprir com essa obrigação. Desta forma, trata-se aqui de caráter imaterial e de âmbito afetivo, que vai além de uma obrigação alimentar ou pensionista: abrange a relação essencial do ente familiar, especialmente entre pais e filhos, onde não haveria necessidade de estar explícito na lei maior tal cumprimento, tivessem todos plena consciência do seu dever. No momento em que a sociedade estipula medidas protetivas para determinadas pessoas que necessitam de cuidados maiores, tais como crianças e idosos, ocorre a prática do princípio da igualdade a fim de uniformizar as relações da sociedade. Sendo assim, a solidariedade está totalmente interligada aos vínculos afetivos, onde o cuidado deveria se sobressair. É relevante afirmar que filhos têm o dever de prestar assistência afetiva aos pais, neste caso, o mais forte protege o mais fraco ou o mais vulnerável. Em entrevista ao programa televisivo Fantástico, da Rede Globo, no episódio “O conciliador”, a advogada Antonieta Nogueira (2012), especialista em direito dos idosos, garante que o Estatuto do Idoso confirma as atribuições de filhos para com os pais que já estão previstas na Constituição Federal. Sobre a questão do abandono, a advogada menciona: A pessoa não necessariamente precisa abandonar o idoso. O abandono pode ser caracterizado pelo simples fato de se chegar ao imóvel, constatar que o idoso não está sendo medicado adequadamente ou se ele não está tendo a higiene adequada. Isso já é uma questão de abandono. (NOGUEIRA, 11/12/2012, em entrevista ao programa Fantástico) Portanto, segundo a advogada especialista em direito do idoso, o abandono não está somente relacionado ao amor, mas ao cuidado, uma vez que o abalo moral poderá vir tanto da falta de amor quanto da falta de cuidado, pois ambos estão associados ao afeto. Moraes (2005) complementa, ao dizer que os pais são 25 Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. 29 responsabilizados através de lei quando se ausentam de cuidados para com seus filhos, tendo em vista que a integridade psíquica do infante é violada de forma moral, negligenciando valores protegidos constitucionalmente, conforme o princípio da solidariedade familiar. Assim, embora estejam se referindo ao cuidado de pais com os filhos, conforme mencionado no capítulo anterior, a Constituição Federal é clara quando cita o dever recíproco de pais para com os filhos, bem como dos filhos para com os pais. Desta maneira, pode-se concluir que a integridade psíquica-moral do idoso é violada no momento em que este é abandonado afetivamente. Todavia, no Brasil não há lei específica que garanta que os filhos cuidem de seus pais neste sentido. Já na China, entrou em vigor em 1º de julho de 2013 uma lei que obriga os filhos a visitarem seus pais e, embora as alegações de filhos sejam de falta de tempo por conta do trabalho, a lei prescreve que as empresas deverão dar folga aos filhos com este objetivo. Esta providência foi tomada devido ao número de idosos abandonados por seus filhos na China. O Congresso Nacional da China apenas institucionalizou o ajuizamento de ações por abandono (FONTDEGLÒRIA, 2013). Segundo o professor de Direito da Universidade de Shandong, Xiao Jinming (2013), esta lei dá ênfase ao suporte emocional das pessoas idosas que são abandonadas. Portanto, conforme se constata, o dever de afeto e cuidado dos filhos para com os pais é indissociável das relações familiares. Com isso, a ausência ou inexistência da afetividade na relação de pai e filho ou filho e pai configura abalo emocional, sendo, então, segundo os doutrinadores mencionados acima, indiscutível a devida reparação civil. Há, ainda, o artigo 23026 da Constituição Federal, que destaca a obrigação da família no tocante ao já exposto, sendo importante frisar que a entidade familiar é a primeira a ser citada quanto ao dever de cuidado com a pessoa idosa. Ademais, quanto às Leis Infraconstitucionais, o artigo 3°27, parágrafo único e V, bem como o 26 Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo- lhes o direito à vida. 27 Art. 3., Lei 10.741/2003. É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. (...) 30 artigo 4°28 e 10°29, parágrafo primeiro, ambos do Estatuto do Idoso, citam a importância e a obrigação familiar para com a pessoa idosa, além do direito à liberdade e à proteção contra as negligências. Neste passo, resta claro que o descaso de filho para com os pais idosos caracteriza-se por descumprimento de todos os princípios trazidos até o presente momento, em especial o da dignidade da pessoa humana e o da afetividade, bem como dispositivos constitucionais e infraconstitucionais. Por fim, estuda-se a responsabilidade civil e seus pressupostos, assim como as características do dano moral: esferas mais relevantes deste estudo. 2.3 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL Entende-se por responsabilidade civil, de forma explicativa e simples, uma contraprestação: uma ideia de obrigação e dever. Contudo, aprofundando-se mais e trazendo a palavra responsabilidade ao âmbito jurídico, Cavalieri (2015) alega que esta é uma conduta humana voluntária. Seu descumprimento viola um dever jurídico, gerando uma obrigação indenizatória. Portanto, tratando-se de um ato humano que provoca um dano a outrem, está-se diante de uma responsabilidade civil. Venosa (2017) corrobora com a colocação de Cavalieri, referindo-se à responsabilidade civil como toda atividade que acarreta prejuízo a alguém, em face de restaurar um equilíbrio patrimonial ou moral violado. Desta maneira, subsiste a obrigação de reparar danos causados a pessoas ou patrimônios, podendo ser individuais ou coletivos. Segundo Braga Netto (2008), a responsabilidade civil está associada a uma tutela após o dano, isto é, somente após o dano há responsabilidade civil, pois esta se associa a restauração. Desta forma, só há reparação se houver um dano. Logo, aV – priorização do atendimento do idoso por sua própria família, em detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam ou careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência; (...) 28 Art. 4., Lei 10.741/2003. Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei. 29 Art. 10, Lei 10.741/2003. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis. 31 responsabilidade civil está associada a um sinistro provocado por um agente. Para Carvalho Neto (2011), a responsabilidade está vinculada à obrigação que, quando descumprida, deve ser seguida de reparação. À vista disso, quando descumprida uma obrigação ou um compromisso, o agente passa a ser responsabilizado por tal ato. Igualmente, para Garcez (2000), a palavra “responsabilidade” deriva da ideia de responder pelos atos. Deste modo, percebe-se então que os autores seguem uma linha semelhante de raciocínio quanto ao conceito de responsabilidade civil, pois havendo uma conduta humana comissiva ou omissiva que viole um dever jurídico, deverá haver medidas de reparação. 2.4 A RESPONSABILIDADE CIVIL E SEUS PRESSUPOSTOS A responsabilidade civil fundamenta-se na ideia de que nenhuma pessoa poderá lesar a outra. A responsabilidade civil divide-se em presunções. Quanto ao elemento culpa, desmembra-se em responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva. Entretanto, quanto à natureza da norma infringida, é possível ser contratual ou extracontratual. Cavalieri (2015) explica a distinção entre a responsabilidade civil contratual e responsabilidade civil extracontratual. Na contratual, há uma obrigação antecedente originária de um contrato. Em caso de inobediência ou descumprimento, constitui o dever de indenizar. Todavia, a responsabilidade extracontratual sucede da violação do dever jurídico determinado por lei, que não está estabelecido dentro de um contrato, estando, portanto, fora dos negócios jurídicos. Para Schimitt (2010), se a responsabilidade é contratual ou extracontratual depende da existência ou não de uma relação jurídica onde se estabelece um compromisso entre ambas as partes. À vista disso, o que distingue a responsabilidade contratual da extracontratual é a presença ou não de um contrato, de um vínculo jurídico. A responsabilidade extracontratual é inerente a um dever legal. Venosa (2017) relaciona a diferença de responsabilidade civil contratual ou extracontratual ao ato danoso, averiguando se ocorreu em razão de uma obrigação preexistente, contrato ou negócio jurídico unilateral, ou não. Entretanto, o ponto de partida será o dever violado, independentemente de ser dentro ou fora de um 32 contrato. Assim, Venosa, considera irrelevante diferenciar a responsabilidade civil contratual da extracontratual, tendo em vista que ambas iniciam-se após a violação do dever jurídico. Quanto à classificação doutrinária pautada no elemento culpa, Braga Netto (2008) afirma que para existir a responsabilidade subjetiva, terá de se verificar quatro elementos fundamentais: o primeiro é ação ou omissão; o segundo é o dano; o terceiro é o nexo causal; e o quarto elemento é a culpa. Destarte, o agente que age ou omite a ação culposamente causa danos a outrem e terá de indenizar a vítima se houver nexo causal entre o dano do agente causador e a conduta, ora culposa. Cavalieri (2015), a partir da análise do artigo 186 do Código Civil30, conclui que os elementos subjetivos da responsabilidade civil, tal como dolo ou culpa, dano ou causalidade, são seus pressupostos. Ainda, menciona que tais elementos estão diante de uma conduta culposa do agente. Em contrapartida, Gonçalves (2017) sustenta que as responsabilidades civil objetiva e civil subjetiva estão diretamente relacionadas à culpa, tendo em vista que na subjetiva a culpa do agente é pressuposto essencial da obrigação de reparar o dano. Segundo esta argumentação, a responsabilidade subjetiva do causador do dano se configura somente se ele agiu com dolo ou culpa; já na objetiva, dispensa-se totalmente a prova de culpa, pois se baseia em uma relação de causalidade entre o dano e a ação, podendo ser justificada com a teoria do risco, segundo a qual todo indivíduo que exerce atividade cria riscos para terceiros. A responsabilidade civil objetiva não requer a presença da “culpa” para sua configuração, basta ação ou omissão, nexo de causalidade e dano. Deste modo, pode-se relacionar a responsabilidade objetiva com a teoria do risco, já que o agente assume uma postura de risco, pois está frente à possibilidade de causar algum dano. A teoria do risco, abarcando a culpa presumida, está prevista nos artigos 92731, parágrafo único, e 93132, ambos do Código Civil. 30 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 31 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará- lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 33 Vê-se no decorrer deste estudo cada um dos pressupostos da responsabilidade civil, onde a classificação adotada foi a tradicional por ser tratada pela maioria dos autores. Nas palavras de Queiroga, “a ação é ato positivo a omissão é um ato negativo, ou a ausência do ato” e “a ação ou a omissão só podem constituir ilícito civil quando infringirem um dever legal, contratual ou social” (2003, p.15-16). Portanto, a responsabilidade civil provém da violação de uma norma jurídica preexistente: o agente, ao se omitir ou agir de forma a ocasionar danos a outrem, independentemente de romper uma norma ou um contrato, terá de indenizar a vítima. Gonçalves (2017) leciona que quando a ação ou omissão pactuar, ou se a matéria danosa estiver prevista no ordenamento jurídico, haverá a possibilidade de reparação civil, considerando igualmente que a lei cita que qualquer pessoa que, por ação ou omissão, causar dano a terceiros, fica obrigado a repará-lo, independendo do fato deste ato ser próprio ou de terceiros. Desta forma, por mais que haja ou não um contrato preexistente entre as partes (agente causador do dano e vítima), o não cumprimento de uma norma prevista no ordenamento jurídico causará dano a outrem, devendo ser reparado. A lição de Cavalieri (2015) mostra que a ação é um movimento comissivo, um comportamento positivo, podendo ser exemplificado através da destruição de algo. A omissão, por sua vez, tem caráter inativo e inerte sobre alguma conduta, sendo a ação de “não fazer”. Dando continuidade à questão, Schmitt (2010) esclarece que apenas a conduta humana é que pode ser submetida ao gozo da responsabilidade civil. Desta forma, incidirá ao homem comum o dever de indenizar. Portanto, haverá indenização se houver uma conduta do agente, voluntária, positiva ou negativa (ação ou omissão), que causar prejuízo material ou imaterial a um terceiro. Quanto ao elemento culpa, primeiramente, Pereira (1998) esclarece a teoria da responsabilidade subjetiva no momento em que se refere à importância da noçãogeral de culpa, tendo em vista que esta é elemento peculiar em relação à teoria subjetiva. Cavalieri (2015) explica que o significado de culpa não é tão simples. Para o Direito, pode-se dizer que há três modalidades de culpa: a primeira é a 32 Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação. 34 culpabilidade, a segunda é a culpa em sentido amplo (lato sensu) e, por fim, a terceira é a culpa em stricto sensu (sentido restrito). A culpabilidade é agir de forma culpável, é ação de um agente que merece censura, reprovação; a culpa, em sentido amplo, é o elemento subjetivo de uma conduta, logo, relaciona-se à vontade do agente; a culpa em stricto sensu é uma inobservância do cuidado, falta de sensatez e técnica. Destarte, a culpabilidade está situada com o agente, de forma, a saber, se a pessoa podia e devia ter agido de maneira diferente da qual agiu. Entretanto, a culpa em sentido amplo ou lato sensu está relacionada com a vontade, que é o elemento subjetivo da conduta, podendo este ser relacionado ao dolo (onde a conduta já nasce ilícita) e a culpa (onde o agente não procede com a consciência da infração). Já a culpa em stricto sensu está ligada à falta de cautela, cuidado que o agente causador podia ter tido antes do ato, sendo esta sentido restrito. Para Venosa (2017), culpa é a inobediência de um dever que o agente deveria perceber e observar, sendo que a culpa civil em sentido amplo abrange, assim como o dolo, o ato intencional do agente, a negligência, imprudência ou imperícia, que é a culpa em stricto sensu. A diferença entre dolo e culpa não é importante para o direito civil, tendo em vista que a característica relevante para que haja uma responsabilização civil é a culpa em sentido amplo. Ainda, quanto à responsabilização em sede moral, o autor esclarece que a responsabilização não tem que ser somente por reparação quanto à matéria, mas, sim, de caráter moral, punitivo e pedagógico, preventivo e repressor, a fim de evitar repetição do ato futuramente. Acrescentando, Gonçalves (2017) leciona que para que haja obrigação de indenizar, não basta que o autor do fato danoso tenha antecedido ilicitamente, violando um direito subjetivo. É essencial que ele tenha agido com culpa, seja por ação ou omissão voluntaria, negligência ou imprudência, conforme expresso no artigo 186 do Código Civil.33 Desta forma, no dolo o agente quer a ação e a consequência. Entretanto, na culpa, o agente quer somente a ação, de modo a atingir o resultado por acidente, através de uma conduta resultante da falta de cuidado ou atenção. Argumenta-se 33 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 35 que a distinção entre dolo e culpa não é importante, uma vez que interessa tão somente se o agente cometeu danos a terceiros. Em continuidade, Gonçalves (2017) diferencia a culpa lato sensu da culpa stricto sensu. A primeira relaciona-se à atuação do agente que é voluntariamente alcançada (dolo). Entretanto, se o prejuízo da vitima decorre de comportamento negligente ou imprudente do agente causador do dano, diz-se que houve a culpa stricto sensu. Ainda, para o autor, segundo a teoria subjetiva, a vítima obtém a reparação do dano apenas se provar o dolo ou culpa do causador. Assim, a característica da culpa lato sensu é a violação do dever jurídico, em decorrência de intenção ou omissão de cautela, chegando ao resultado de dolo. Contudo, a culpa em stricto sensu caracteriza-se pela imperícia, negligência e imprudência. Desta forma, há duas classificações quanto ao elemento culpa, a primeira é a culpa em stricto sensu e a segunda, culpa lato sensu. Para Rui Stoco (2007) a primeira classificação de culpa é o comportamento incorreto de um agente que não tinha a intenção de violar ou lesionar direito de outrem, já a culpa lato sensu, o dolo, é a vontade do agente a um fim ilícito, sendo um comportamento consciente, precisamente voltado a uma intenção. Portanto, o que diferencia a culpa stricto sensu da culpa lato sensu é a intenção ou não de agir danosamente. Assim, quando tratar-se de sentido amplo, a culpa estará relacionada ao dolo, ao consenso. E, quando se tratar-se de stricto sensu, a culpa estará relacionada com o não consentimento do agente a lesionar o direito de outra pessoa. Os elementos da culpa stricto sensu, como já mencionado anteriormente, é caracterizado pela negligência, imprudência e imperícia. Rizzardo (2011) diferencia cada um destes elementos: a negligência equivale à ausência do cuidado que rege a conduta humana; a imprudência relaciona-se à precipitação de uma postura do agente através do desprezo nas cautelas necessárias em certo momento; a imperícia está associada à falta de habilidades em determinados momentos. Venosa (2017) complementa a ideia de culpa stricto sensu quando afirma que as políticas da negligência, imprudência e imperícia relacionam-se a uma conduta voluntária, mas com resultado involuntário. Desta forma, pode-se apontar exemplos práticos a fim de facilitar a visualização da diferença dos elementos da culpa em stricto sensu. No caso da 36 negligência, o médico que esquece uma ferramenta cirúrgica dentro do paciente age com negligência, por não ter tomado as devidas precauções, agindo com falta de atenção. Um agente que pilota uma motocicleta pelas vias públicas, conectado ao celular e com número excedente de pessoas na garupa, age perigosamente, violando regras ou leis, o que caracteriza uma imprudência. Um exemplo de imperícia é uma pessoa menor de idade que não possui Carteira Nacional de Habilitação e conduz veículo automotor. Neste caso, há falta de qualificação técnica e conhecimento do agente. Neste estudo, o elemento culpa é fator relevante e indispensável. Acredita- se, após analise que vem sendo expressa nesta pesquisa, que a responsabilidade civil por abandono afetivo de idosos é subjetiva, tendo em vista que preenche todos os pressupostos - conduta humana voluntária, culpa, nexo causal e dano - podendo este comportamento advir de culpa lato sensu ou culpa stricto senso, insto é, intencional ou não. Tratando-se do Nexo Causal, Giselda Hironaka (2008) observa que toda conduta é ligada a algum ser humano. Consequentemente, para que haja responsabilidade civil é necessária uma conduta que produza danos e esteja relacionada a alguém. A autora ainda ressalta que o nexo de causalidade liga a conduta ao agente. Nesta senda, para descobrir quais condutas do agente deram causa ao resultado danoso, importante se faz analisar o nexo causal, objetivando afirmar que uma pessoa causou um dano a alguém ou a alguma coisa. É, portanto, obrigatório averiguar a ligação entre a conduta do agente e o fato gerado (dano). Almeida leciona que ao analisar se há ou não dever de indenizar, deve-se atentar ao nexo de causalidade de modo a buscar o vínculo entre o agente e a causa da situação que gerou prejuízo ao terceiro. Em continuidade, o autor expõe uma reflexão quanto ao nexo causal e o direito de família: Trazendo o problema do nexo causal à possibilidade de indenizações no campo do direito de família, procuramos responder as seguintes perguntas, especialmente quando da comprovação
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