Buscar

Informativo do Arquivo Histórico Municipal Washington Luís Número 19 julho agostol

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 21 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 21 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 21 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

PMSP/SMC/DPH São Paulo, julho/agosto de 2008 Ano 4 N.19  
Abertura | Biblioteca | CCAD | Educativo | Estudos e Pesquisas | Intercâmbio | Logradouros | Manuscritos | Restauro | N.anteriores
ESTUDOS &
PESQUISAS
Casas e vilas operárias paulistanas
A situação da moradia da classe trabalhadora no final do Império
Antes  de  entrarmos  propriamente  no  assunto  do  presente  número  do
Informativo AHM será útil esclarecer alguns pontos acerca do código de 1875  e
do assim chamado código de 1886.
O código de 1875 e a recodificação de 1886
O  primeiro  código  de  posturas  da  cidade  de  São  Paulo  foi  aprovado  pela
Assembléia  Provincial  em  14  de  maio  de  1873.  Considerado  muito  rigoroso  e
injusto,  sofreu  enorme  oposição  por  parte  da  população  paulistana,  até  então
desacostumada  a  respeitar  as  posturas  municipais,  por  falta  de  uma  eficiente
fiscalização. Sensíveis à opinião pública, os vereadores paulistanos solicitaram a
suspensão  imediata do código, mas a presidência da Província  informou que só
tinha  poder  para  aprovar  provisoriamente  as  posturas  municipais,  e  não  para
revogá­las. A solução era manter o código em vigor e substituí­lo o mais breve
possível  por  outro, mais  adequado.  Foi  então nomeada uma  comissão  revisora
integrada pelo vereador Paulo Egídio de Oliveira Carvalho (autor do código de
1873),  pelo  conselheiro  João  Crispiniano  Soares  e  pelo  Dr.  João  Mendes  de
Almeida,  responsáveis  pela  versão que  substituiria  em 31 de março de 1875 o
código rejeitado.
Com  o  rápido  desenvolvimento  da  capital  paulista,  ocorrido  numa  época  de
grande  crescimento  econômico  propiciado  pelo  florescimento  da  atividade
agroexportadora  do  momento,  baseada  no  café,  onze  anos  foram  suficientes
para fazer envelhecer, aos olhos dos edis paulistanos, a apresentação do código
de 1875,  tido agora  como uma compilação de normas municipais de  confusa e
simplória  redação.  A  responsabilidade  de  reorganizar  as  posturas  vigentes  foi
então  atribuída  ao  Dr.  Estevão  Augusto  de  Oliveira  Junior,  comissionado  pela
Câmara para esse trabalho. Convém chamar a atenção aqui para o fato de que
o chamado código de 1886  não era na verdade um novo código, e  sim mera
recodificação  do  código  de  1875,  não  tendo  sido  necessário  cumprir  alguns
trâmites  oficiais  para  a  sua  entrada  em  vigência:  não  foi  solicitada  a  sua
aprovação  provisória  à  presidência  da  Província,  nem  sua  aprovação  definitiva
foi  submetida  à  Assembléia  Provincial.  Foi  simplesmente  aceito  pela  Câmara
Municipal  em 6 de outubro de 1886 e entrou em vigor  imediatamente. A nova
redação  dada  ao  código  em  vigor  desde  1875,  segundo  a  Edilidade,  tinha  a
virtude  de  tornar  mais  claras  as  posturas,  e  o  todo  mais  harmônico,  ficando
separada do resto a parte regulamentar.
Nessa  recodificação,  ou  rearranjo,  foram  incorporadas,  logicamente,  posturas
aprovadas  depois  da  entrada  em  vigência  do  código  de  1875.  O  art.  11,  por
exemplo, transcrevia um padrão edilício só recentemente adotado pela Câmara,
cuja confecção estava prevista no art. 8o do código de 1875. Outra  importante
inclusão  na  reorganização  das  posturas  paulistanas  datada  de  1886  foi  a
padronização dos cortiços.
Os cortiços paulistanos no tempo do Império
Desde  alguns  anos  vinham  essas  moradias  insalubres  infestando  a  Capital.
Constituíam  a  face  negra  da  expansão  econômica  e  física  da  cidade,  sujeita  a
um  processo  de  notável  incremento  populacional,  em  função,  como  dissemos,
do  sucesso  apresentado  pela  economia  agroexportadora  e  pela  política
imigrantista adotada pelo governo provincial. De fato, a falta de moradia já era
sentida desde os últimos anos de 1850, no tempo em que ainda se sonhava com
a  construção  da  estrada  de  ferro  inglesa,  e  só  se  agravou  com  o  passar  das
décadas.  Os  aluguéis  eram  exorbitantes  e  as  construções  oferecidas,  velhas  e
malsãs. Nos primórdios da  industrialização paulistana, ao proletariado nascente
não restava senão amontoar­se em pardieiros ou em sórdidos cubículos erguidos
pelos  especuladores.  O  lucro  auferido  pelos  proprietários  de  cortiços  era  tão
grande  que  a  Câmara  passou  a  cobrar  um  pesado  imposto  sobre  este  tipo  de
habitação subnormal desde ao menos 1877. Em 1881, finalmente, os vereadores
conseguiram  formular  uma  clara  definição  de  cortiço:  quartos  encarreirados
cobertos de meia­água, com pé­direito variando de 10 a 12 palmos  (2.20 m a
2.64  m)  e  cujas  frentes  não  davam  para  a  via  pública  (Atas  da  Câmara
Municipal de São Paulo, 1881. p.77).
Os problemas sociais e de higiene pública decorrentes desse gênero de moradia
coletiva  obrigaram  as  autoridades  a  se  preocupar  mais  seriamente  com  o
assunto.  Primeiramente,  ainda  na  década  de  1870,  cogitou­se  em  criar
companhias  prediais  que  construíssem  casas  de  aluguel  adequadas  às
residências  das  camadas  desfavorecidas,  mas  estas  iniciativas  não  tiveram  o
menor êxito. 
Por  fim, em uma das sessões camarárias de 1881, o vereador Major Domingos
Sertório  (c.1824­1910)  propôs  normas  para  a  regulamentação  de  cortiços,  que
foram imediatamente aprovadas pela corporação municipal. Houve, no entanto,
grande demora para serem apreciadas pelo Legislativo Provincial, o que levou a
Municipalidade,  em 1885,  a  representar  à  Assembléia  a  urgência  da  aprovação
definitiva dos artigos de posturas datados de 1881.
Uma  vez  promulgada  a  lei  n.13,  de  27  março  de  1886,  seriam  suas
determinações  incorporadas  a  seguir  ao  código  de  1875,  que  estava  em
reestruturação  (art.  20  da  recodificação  de  1886).  Os  cortiços  deveriam  ser
construídos  em  terrenos  com  mais  de  15  m  de  largura,  observar  um  espaço
mínimo  de  cinco  metros  entre  cada  linha  de  cortiços,  e,  em  caso  de  ser
constituída  cada  unidade  por  único  cômodo,  este  deveria  ter  pelo menos  cinco
metros  quadrados  de  área  [sic].  A  altura  das  construções  do  solo  à  cimalha
deveria ser de 4,50 m e o piso elevado de 0,20 m do solo. As janelas deveriam
ter  ao menos  de  0,90 m  a  um metro  de  largura  e  o  duplo  correspondente  de
altura. Como  inovação,  inexistente nos  artigos  aprovados pelos  vereadores  em
1881, mas  introduzida  cinco  anos  depois  pela  Assembléia  Provincial  (lei  n.13),
havia  o  parágrafo  4o  (do  art.  20  da  recodificação  de  1886),  exigindo  portas  e
janelas em todas as peças de cada unidade, determinação que, ao dispor sobre
a  parte  interna  das  moradias  para  as  camadas  desfavorecidas,
surpreendentemente extrapolava os  limites estabelecidos pelo art. 71 da  lei de
27 de outubro de 1828 (Regimento das Câmaras Municipais), que  reservava às
edilidades  a  atribuição  de  velar  apenas  pela  “elegancia  e  regularidade  externa
dos edificios”.
A exigência de portas e janelas em todos os cômodos bem pode ter sido copiada
do  Projecto  de  novos  alojamentos  para  a  classe  pobre  da  cidade  do  Rio  de
Janeiro,  apresentado  ao  Governo  Imperial  pela  extincta  Junta  Central  de
Hygiene, cujo teor foi publicado no número da Revista dos Constructores  datado
de 7 de março de 1886. As exigências mínimas para as construções proletárias
constantes  do  projeto  de  lei  carioca  eram  muito  ambiciosas  e  no  artigo  5o
vinham  expressas  as  mesmas  disposições  que  extrapolavam  a  lei  de  27  de
outubro de 1828:
5.º  Serão  construídas  [as  casas]  de  maneira  que  todos  os  aposentos,
sem excepção, tenham janellas [...]
Observa­se por aí a limitação das atribuições das Câmaras Municipais no que se
refere à  regulamentação das construções urbanas durante o  Império. Limitação
contraa  qual  já  se  insurgiam  os  sanitaristas  da  Corte,  preocupados  em  ditar
regras  higiênicas  para  a  parte  interna  das  edificações,  desde  os  anos  de  1870
pelo menos. O Regimento das Câmaras vedava ao poder público aquilo que era
considerado  uma  abusiva  ingerência  na  esfera  do  privado,  numa  atitude  de
proteção  à  liberdade  individual  e  à  inviolabilidade  da  propriedade  particular.
Contudo, essa prática  liberal vinha sendo superada na Europa por novas formas
de  intervenção  pública,  desde  os  primeiros  assolamentos  das  grandes
epidemias, ainda na primeira metade dos Oitocentos.
Origem das vilas operárias na cidade de São Paulo
Como  afirmamos  antes,  a  Câmara  paulistana  aceitou  o  padrão  de  edificações
elaborado  pelo  engenheiro  municipal,  e  o  fez  em  11  de  agosto  de  1886,
mandando  publicá­lo  conjuntamente  com  o  ofício  que  encaminhou  a  proposta,
datado de 26 de julho daquele ano. No Correio Paulistano de 18 do mesmo mês
foi  o  padrão  divulgado  na  íntegra,  desacompanhado  porém  do  texto  do  ofício
correspondente.  Esse  padrão,  repetimos,  veio  a  constituir  o  art.  11  da
recodificação  de  1886.  Na  mesma  ocasião  em  que  o  aceitou,  a  Edilidade
encarregou o seu engenheiro, Luís César do Amaral Gama, de executar mais um
outro padrão, desta feita
para  a  construcção  de  casas,  para  trabalhadores  a  imitação  das
conhecidas no Rio de Janeiro com o nome de Villas, isto é, com entrada
para  um  pateo  commum,  porém  em  melhores  proporções  que  as  dos
actuaes cortiços.
A passagem acima  transcrita é de grande  relevância documental, pois atesta a
origem  das  vilas  operárias  e  vilas  de  classe  média  que  no  século  seguinte
seriam  construídas  na  cidade  de  São  Paulo.  Por  ela  ficamos  sabendo  que  a
denominação  dessa  tipologia  residencial  – vila  –  era  de  procedência  carioca  e
que em sua disposição espacial a vila não passava de uma versão melhorada do
cortiço. 
Este,  por  sua  vez,  chamado  às  vezes  no  Rio  de  Janeiro  pelo  nome  de
estalagem  descendia  das  velhas  albergarias  coloniais  e  imperiais,  como  já
havia sido notado há muito tempo pelo Prof. Nestor Goulart Reis Filho (Quadro
da arquitetura no Brasil,  1969)  .  Situada  fora  ou  na  entrada  das  povoações,  a
Renan
Highlight
Renan
Highlight
estalagem era constituída por fileiras de cubículos dando para um pátio comum.
Nesses  cubículos,  providos  de  porta,  mas  geralmente  sem  janelas,  ficavam
hospedados os tropeiros e os viajantes, num tempo em que não existiam hotéis.
Em  São  Paulo,  havia,  no  início  do  século  XIX,  uma  albergaria  desse  tipo,
instalada  num  ponto  entre  a  saída  do  caminho  de  Sorocaba  (Piques)  e  o
caminho  de  Santo  Amaro  (atual  rua  desse  nome),  pertencente  a  um  homem
cognominado  Bexiga.  Aí  pousou  o  famoso  botânico  francês  Saint­Hilaire  em
1819. Segundo  Francisco de Assis Vieira Bueno  (1816­1908),  em seu A  cidade
de São Paulo,  havia  outra  no  Lavapés,  nas  estrada  que  ia  para  Santos.  Maria
Pais  de  Barros  (1851­1953),  em  No  tempo  de  dantes  (1946),  também  relata
que, em sua infância (c. 1860), quando acompanhava regularmente a família às
fazendas paternas situadas no interior da Província, pernoitava numa estalagem
semelhante à do Bexiga,  localizada nas proximidades de Jundiaí, pertencente a
um português cujo apelido era Barão da Ponte. Tanto o sórdido cortiço, como as
primeiras  vilas  operárias  (que  nada  mais  eram  do  que  cortiços  melhorados)
seguiam  essa  tipologia,  alastrando­se  pelos  fundos  dos  quintais,  ou  seja,  pelo
interior desocupado das quadras. 
No primeiro  terço do século XX, as vilas de classe média não  fariam diferente.
Uma  passagem  comum permitia  o  acesso  da  rua  ao  pátio  interno,  rodeado  de
pequenas habitações unifamiliares, erguidas evidentemente com padrão melhor
que o dos cubículos dos cortiços ou que o das moradias operárias de fins do XIX.
Dispondo  a  área  comum de mais  espaço,  e  às  vezes  de  arborização,  as  casas
das  vilas  de  classe média  seriam  decoradas  de  acordo  com  fantasiosos  estilos
arquitetônicos,  inspiradas  no  Pitoresco  e  no  Ecletismo  para  mais  atrair  a
clientela. Um exemplo desse  tipo é  sem dúvida a Vila Marquesa de  Itu  (1914­
1919),  na  Luz,  de  autoria  do  engenheiro  Eduardo  Aguiar  de  Andrada,  ou  o
extravagante  Parque  Residencial  Savóia  (1939),  erguido  pela  construtora  do
engenheiro Arnaldo Maia Lelo, nos Campos Elísios. 
O padrão das vilas operárias de 1889
O novo padrão para a habitação popular, encomendado pela Câmara paulistana
em  1886,  veio  a  constituir  um  capítulo  de  um  muito  bem  detalhado  padrão
municipal,  a  respeito  do  qual  não  poucos  equívocos  têm  sido  cometidos  por
pesquisadores  recentes  que  se  têm  debruçado  sobre  a  regulamentação  edilícia
paulistana  do  período  anterior  à República.  Com efeito,  a  origem do  engano  é
muito  antiga  e,  estranhamente,  provém  de  fontes  oficiais.  Como  até  hoje  há
quem cometa  equívocos  a  respeito  desse padrão,  consideramos não  ser  ocioso
repetir aqui a cronologia exposta em nossa tese de doutorado.
O novo padrão municipal, elaborado a partir da ordem emitida pela Câmara em
11  de  agosto  de  1886,  era  de  autoria  do  engenheiro  Amaral Gama,  e  trazia  a
data  de  18  de  outubro  de  1886,  posterior,  portanto,  à  reorganização  das
posturas municipais, datadas do dia de sua aceitação pela corporação municipal,
ou  seja,  de  6  de  outubro  daquele  ano.  Achava­se  em  tramitação  pelas
repartições provinciais em julho do ano seguinte e obteve despacho presidencial
favorável em abril de 1888. Permaneceu engavetado por vários meses, até ser
finalmente mandado à publicação por ordem do presidente da Câmara em 17 de
janeiro de 1889.
O edital,  que pôde  ser  lido pela população da Capital  no Correio  Paulistano do
dia subseqüente, iniciava­se da seguinte forma:
A  Camara  Municipal  desta  imperial  cidade,  em  vista  da  deliberação
tomada  em  sessão  de  21  de  Abril  do  anno  proximo  passado,  manda
publicar  o  padrão  para  a  edificação  nesta  capital  organisado  pelo  dr.
engenheiro  da  camara  e  approvado  provisoriamente  pelo  presidente  da
provincia,  devendo  vigorar  depois  de  findo  o  praso  de  trinta  dias,
contados da presente data.
Paço da Camara Municipal de S.Paulo, 17 de Janeiro de 1889
O presidente
Domingos Sertório
O Secretario interino
Joaquim Roberto de Azevedo Marques.
Por motivos  ignorados,  esse  padrão municipal,  o  último  adotado  pela  Câmara
Municipal de São Paulo em tempos  imperiais, acabou confundido com o art. 11
da recodificação aprovada em 6 de outubro de 1886. Este era muito sucinto. O
outro, ao contrário, desenvolvia­se em seis capítulos e só entrou em vigor mais
de dois anos depois, devendo substituir justamente o art. 11 da recodificação de
1886.  Em  leis  posteriores,  porém,  já  na  Primeira  República,  ambos  foram
considerados  de  modo  inexplicável  um  único  padrão  municipal:  “estatuido  no
art.11, do Codigo de Posturas e no Cap. 5o do acto de 11 de Agosto de 1886”,
afirmava confusamente um dos diplomas legais municipais de 1912, erro depois
reparado  no  Ato  n.  849,  de  27  de  janeiro  de  1916  (veja  transcrição),  que
regulamentava disposições relativas a construções que constavam de várias leis,
entre elas o “Padrão Municipal, de 11 de agosto de 1886”. Na reedição do código
de  posturas  de  6  de  outubro  de  1886,  realizada  pelo Departamento  de Cultura
em  1940,  no  entanto,  perdurava  a  ambigüidade,  dando  a  impressão  de  que  o
art.  11  da  recodificação  e  o  padrão mandado  realizar  em  11  de  agosto  desse
ano  e  vigente  a  partir  de  17  de  fevereiro  de  1889,  estavamem  vigor
simultaneamente,  o  que  é  um  absurdo  porque  esses  dois  padrões,  além  de
terem um  lapso  de  tempo de mais  de  dois  anos  entre  as  respectivas  entradas
em vigência, impunham regras um tanto diferentes. 
No  extenso  padrão  posto  a  vigorar  em  16  de  fevereiro  de  1889,  o  que  de
imediato  desperta  a  atenção  é  o  fato  de  ser  bastante  minucioso  e  por  vezes
muito  exigente,  característica  que  deve  ter  provocado  como  de  hábito,  ao
menos  inicialmente,  uma  tendência  à  inobservância  generalizada.  Em  relação
aos  cortiços  isso  é  praticamente  uma  certeza,  sobretudo  à  luz  das  descrições
que  seriam  feitas,  mais  tarde,  dos  cortiços  vistoriados  no  bairro  de  Santa
Ifigênia, no famoso relatório sanitário de 1893.
Este  tipo  de moradia  coletiva,  a  partir  de  16  de  fevereiro  de  1889,  quando  o
padrão  passou  a  ter  validade,  não  mais  poderia  ser  construído  dentro  do
perímetro do comércio (então conhecido pelo nome de Triângulo, formado pelas
ruas  São  Bento,  Direita  e  15  de  Novembro),  revelando  essa  proibição  a
preocupação  das  autoridades  municipais  e  dos  proprietários  de  imóveis  em
geral, ou seja, das camadas mais altas da sociedade paulistana, em promover a
progressiva  valorização  fundiária  e  a  elitização  do  centro  urbano  de  São  Paulo
(fenômeno  que  à  época  já  se  havia  manifestado  em  todas  as  cidades
importantes da Europa burguesa). A área comum em frente das habitações teria
de ser na razão de trinta metros quadrados para cada habitação. Deveria haver
poço  ou  torneira  com  água  e  pequeno  tanque  de  lavagem  para  cada  grupo  de
seis habitações no máximo. Uma latrina para cada duas habitações, tendo essas
latrinas  água  suficiente  para  o  asseio  necessário.  A  área  comum  ou  ruela  de
passagem  seria  a  partir  de  então  arborizada.  Cada  habitação  disporia  de  uma
área de serviço  interna, calçada, de 12 m2. O pé­direito das habitações de um
só  pavimento  teria  no  mínimo  quatro  metros  de  altura  (em  1893,  o  relatório
sobre os  cortiços de Santa  Ifigênia,  do qual  participou o próprio  engenheiro da
Câmara,  Amaral  Gama,  sugeriu  como  ideal  a  altura  de  cinco metros  também
para esse gênero de moradia, mas a proposta, por elevar o custo da construção
da  casa  operária,  nunca  foi  levada  em  consideração).  Os  pavimentos  seriam
atijolados  e  os  aposentos  (sala  e  quarto)  assoalhados  de  madeira.  Cada
habitação  compreenderia  ao  menos  três  compartimentos  (sala,  quarto  e
cozinha)  não menores  de  7,50 m2.  Todos  eles  deveriam  ter  aberturas  para  o
exterior, propiciando ar e luz em abundância. O assoalho do primeiro pavimento
se afastaria do solo 0,50 m no mínimo, etc., etc.
Conforme se vê, a preocupação com a  insalubridade das construções urbanas e
das  cidades não  foi  privilégio da República,  instaurada em 15 de novembro de
1889; na verdade, surgiu nas últimas décadas do Império, com os salubristas da
Corte.  Em  1886,  por  exemplo,  havia  sido  criada  na  Província  de  São  Paulo  a
Inspetoria de Higiene Provincial, dependente da  Inspetoria Geral de Higiene do
Império.  E  a  forma  de  encarar  os  problemas  e  os  meios  de  combatê­los
tratados pelo inspetor de higiene da Província em seu primeiro relatório, datado
de  1887,  não  seriam  muito  diferentes  de  como  a  República  incipiente
enfrentaria a questão. A grande diferença era que no regime político abolido em
1889  tudo  dependia  do  governo  central.  Como  não  havia  uma  organização
administrativa competente, não havia uma firme orientação ideológica a nortear
a prática política, não havia recursos financeiros suficientes e não se reconhecia
o peso político da Província de São Paulo, o governo central não se  interessava
em  liberar  verbas  para  a  tomada  de  medidas  enérgicas  em  defesa  dos
interesses  dos  setores  mais  esclarecidos  da  sociedade  paulista.  Além  disso,
muitas  vezes  as próprias  autoridades provinciais  e municipais  iam ao ponto de
obstaculizar  o  cumprimento  de  providências  emanadas  da  repartição  provincial
paulista. 
Durante a Primeira República, porém, seriam implementadas algumas ações de
franco  caráter  pós­liberal.  Uma  delas,  tomada  no  âmbito  da  municipalidade
paulistana,  foi  o  estabelecimento,  em  1893,  da  exigência  de  aprovação  das
plantas dos edifícios a construir (lei n.38, de 24 de maio desse ano). E, no ano
seguinte, no plano estadual, criou­se o primeiro código sanitário, em que havia
um capítulo especialmente dedicado à regulamentação higiênica das edificações
em  geral,  inclusive  das  partes  internas.  Mas  em  relação  às  casas  operárias,  a
Primeira  República  não  avançou  muito.  Estabeleceu  padrões  mínimos  e
concedeu  facilidades  a  construtores,  mas  nunca  atuou  de  forma  direta  para
resolver  a  extraordinária  carência  de  habitações  populares  que  abrigasse
decentemente os primeiros trabalhadores empregados nas indústrias brasileiras. 
A moradia da classe trabalhadora durante a Primeira República
As primeiras leis de incentivo para a construção de casas operárias
Sob a República, uma das preocupações dominantes seria com a modernização
do Estado, com a descentralização administrativa e com a revalorização política
dos  municípios.  Em  São  Paulo,  a  reorganização  das  estruturas  burocráticas,
tanto  no  nível  municipal  quanto  no  nível  estadual,  objetivaria  precipuamente
renovar­lhes a  capacidade de ação. Segundo Adolfo Augusto Pinto  (História  da
viação pública de S. Paulo, 1903), as coisas, de fato, não haviam mudado tanto
sob o novo regime, no que tange à administração pública:
Assim,  nenhuma  reforma  administrativa  tornava­se  necessaria  n'este
ramo  do  serviço  publico,  em  virtude  da mudança,  ainda  que  profunda,
operada  no  regimen  politico  do  paiz.  Comtudo,  como  ordinariamente
acontece  quando  o  edificio  politico  é  transformado  desde  os  seus
alicerces,  o  espirito  reformista,  invadindo  todos  os  departamentos  da
administração,  não  deixou  de  fazer  sentir  a  sua  acção  sobre  as
repartições encarregadas dos varios serviços de obras publicas.
Informativo AHM
Abertura
Biblioteca
CCAD
Educativo
Estudos e Pesquisas
Intercâmbio
Logradouros
Manuscritos
Números anteriores
Links de apoio
Localização
Cadastro
A  comparação  d’esse  quadro  com  o  da  repartição  congenere  no  ultimo
anno do regimen provincial, quando os serviços a seu cargo não eram de
menor  importancia,  mostra  quanto  se  desenvolveu  o  espírito
burocratico, e com elle o funccionalismo, em consequencia do prurido de
reformas que se manifestou  logo após a  transformação politica por que
passou o paiz em 1889.
Do ponto de vista do controle sanitário, a nova forma de governo inaugurada no
Brasil  em  15  de  Novembro  de  1889  muito  se  beneficiou  com  os  avanços
científicos  ocorridos  durante  o  último  quartel  do  século  XIX:  a  recentíssima
teoria  microbiana  de  contágio  substituiu  a  velha  teoria  dos miasmas,  que  até
então  prevalecera.  A  atmosfera  positivista,  envolvendo  a  máquina  de  Estado,
propiciou  uma  organização  eficiente  do  serviço  sanitário  estadual,  sem
comparação com o serviço que o governo da Província tentou implantar no final
do  Império.  A  competência  profissional  dos  funcionários  admitidos  no  serviço
público,  a  eficiência  administrativa  e  o  autoritarismo  esclarecido  que
preponderou  no  início  da  época  republicana  permitiram  que  o  combate  às
epidemias  tivesse  sucesso  e  garantiu  a  aprovação  de  leis  sanitárias  eficazes  e
atualizadas.
O  lado negativo em  relação à questão da moradia de  interesse  social  era que,
sob a Primeira República, o Estado nunca se envolveudiretamente na resolução
desse  problema.  O  pensamento  liberal  da  época  reconhecia  a  necessidade  de
construção  de  casas  populares  em  quantidade  suficiente  para  abrigar  a  classe
trabalhadora  e  extinguir  os  cortiços,  mas  sempre  deixou  esse  encargo
inteiramente à iniciativa privada, que, mediante incentivos e favores propiciados
pelo  Estado,  deveria  construí­las  e  explorá­las  modicamente.  Os  empresários,
porém,  só  se  interessavam  pela  questão  da  construção  da moradia  proletária,
pelo  viés  imediatista  da  rentabilidade.  Ao  mesmo  tempo,  a  mentalidade
discriminatória  da  burguesia  daquele  tempo  não  admitia  a  presença  do  pobre
dentro da área urbana da cidade. Ele deveria morar longe, na periferia, fora do
alcance  da  vista  dos  cidadãos  decentes,  em  terrenos  insalubres  e  inundáveis,
porque baratos, e próximos das fábricas em que trabalhava. Na opinião aguçada
de  algumas  pessoas  sensíveis  à  questão  social,  essa  política  de  exclusão  só
estimulava  a  insatisfação  da  classe  trabalhadora,  e  a  segregação  espacial  em
que ela  era mantida apenas  criava  condições propícias para a disseminação da
radicalização política, sempre temida pelas camadas superiores de então.
A  leitura de Eu  não  tenho  onde morar  (1985),  de  autoria  da  cientista  social  e
professora  Eva  Blay,  é  muito  elucidativa  a  respeito  das  circunstâncias  que
envolveram  o  assunto  da  construção  da  casa  proletária  durante  a  Primeira
República.  A  pesquisadora  rastreia  as  primeiras  propostas  de  construção  de
casas  operárias  agrupadas  em  vilas  em  São  Paulo,  datando­as  de  1893  –
propostas  feitas  por  empresários  que  requeriam  isenções  e  outros  favores  do
poder  municipal  –,  e  procura  analisar  o  que  ocorria  nos  bastidores  da  política
então praticada na Câmara dos Vereadores.
Exemplo  disso  é  a  Lei  Municipal  n.  315,  de  14  de  agosto  de  1897  (veja
transcrição), que autorizava o contrato com Guilherme Maxwell Rudge para a
construção de 2000 casas, de quatro tipos, formando vilas operárias. O primeiro
tipo residencial, com a clássica repartição em três compartimentos presente na
definição  da  casa  proletária  (sala,  quarto  e  cozinha)  tinha  área mínima  de  30
m2. O segundo, com quatro cômodos (dois quartos), dispunha de 37,50 m2. O
terceiro  tipo  (três  quartos),  de  45  m2.  Conforme  a  planta  apresentada  pelo
concessionário depois da assinatura do contrato, os exíguos compartimentos das
casas eram  todos  intercomunicantes, não havendo espaço para  corredor, a não
ser  do  lado  de  fora  (ou  seja,  à  família  proletária  não  era  dado  direito  à
privacidade),  enquanto  a  latrina  era  sempre  externa  (fig.1).  O  quarto  tipo
aludido  na  lei  referia­se  às  casas  de  comércio  que  seriam  necessárias  para
manter  as  condições  de  vida  nas  vilas.  Admitia­se  que  os  conjuntos
habitacionais  fossem  construídos  em  lugares  distantes  da  cidade  e  para  isso  a
Câmara  entraria  em  contato  com  as  linhas  de  ferro  e  de  bondes  para  obter
passagens reduzidas para os futuros  locatários. Eram postos à disposição vários
favores para o empresário  realizar o empreendimento. Concedida uma área de
500  000  metros  quadrados  em  terrenos  municipais  e  concedida  isenção  de
impostos  e  taxas.  E  ainda  seriam  construídas  à  custa  do  Município  derivações
necessárias  dos  encanamentos  de  águas  e  esgotos.  O  concessionário,  por  sua
vez,  obrigava­se  a  alugar  as  casas  do  1º,  2º  e  3º  tipos,  no  máximo,
respectivamente a 35$000, 48$000 e 58$000 por mês não podendo, entretanto,
cobrar  mais  de  12%  (doze  por  cento)  de  aluguel  sobre  o  custo  real  de  cada
casa.  Aos  inquilinos  das  casas  operárias  era  permitido,  se  assim  o  quisessem,
mediante  uma  taxa mensal,  amortizar  o  valor  do  prédio  alugado,  tornando­se
proprietários no  fim de  certo prazo. O preço da amortização para o  resgate da
propriedade  não  poderia  exceder  de  três  por  cento  em  dez  anos,  sobre  a
avaliação  e  custo  do  prédio.  Quando  o  concessionário  ou  empresa  que
organizasse,  tivesse  construído  as  duas  mil  casas,  a  que  se  referia  o  art.  1°
poderia,  se assim  lhe conviesse e à Câmara, construir maior número mediante
os mesmos favores e ônus. A concessão feita por essa lei vigoraria pelo espaço
de vinte  e  cinco anos,  a  contar da data da assinatura do  contrato.  Este último
foi  celebrado  em  3  de  setembro  de  1897  entre  a  Câmara  de  São  Paulo  e
Guilherme  M.  Rudge.  As  casas,  no  entanto,  jamais  saíram  do  papel,  pois  um
ano após a assinatura do contrato, os vereadores que se haviam colocado contra
a  proposta  do  concessionário  durante  a  votação  da  Lei  n.  315  na  Câmara
conseguiram aprovar a Lei n. 589, de 1º de setembro de 1898, declarando nula
a Lei n. 315 na parte relativa à concessão de terrenos municipais. Sem a cessão
de  terrenos públicos gratuitos para  construção das  casas, o negócio deixava de
ser economicamente interessante para o empresário...
Fig.1 ­ Projeto de casas operárias (1898), apresentadas por Guilherme Maxwell
Rudge à Câmara, em atenção à Lei Municipal n. 315, de 14 de agosto de 1897.
Essa lei autorizava a celebração de um contrato entre Rugde e a Câmara para a
construção de 2000 casas, de quatro tipos, formando vilas operárias. Aqui
vemos os três tipos de moradia (numerados de 1 a 3), sendo o terceiro com
três variações (de A a C).
Acervo AHMWL
Reproduzido, com edição de imagem,
em São Paulo onde está sua história (s.d.).
Segundo Blay,  na  época  da  aprovação da  lei  n.  315,  as  discussões  na Câmara
evoluíram de modo a dividir a Câmara em duas  facções,  formadas por número
quase  igual  de  vereadores:  os  que  não  concordavam  com  o  que  estava  sendo
pleiteado  por  Rudge  e  os  que  defendiam  sua  causa.  Depois  de  muitas
discussões, os que defendiam os interesses de Rudge acabaram por vencer. Mas
a  autora  percebe  por  trás  das  discussões  levadas  a  efeito,  interesses  mais
profundos.  Os  edis  vinham  da  classe  dominante,  eram  proprietários  ou
empresários,  e,  em última  análise,  o  conflito  de  interesses  se  dava  entre  dois
blocos:  os  que  pretendiam  uma  expansão  do  capitalismo  concorrencial,  que
garantisse ampla participação dos vários segmentos da burguesia nos favores de
Estado,  e  os  que  eram  inclinados  a  uma  implantação  capitalista  de  tendência
monopolista, que tentava absorver privilégios fiscais e financeiros para dar início
à produção de habitações operárias em  larga escala. Ou seja, uns defendiam o
direito  de  muitos  empresários  se  beneficiarem  das  concessões  oferecidas  pela
municipalidade  (produção  manufatureira,  de  pequeno  ou  médio  porte);  outros
defendiam  o monopólio  (produção  concentradora  de  capital,  de  grande  porte).
Muito embora nesse estágio, na passagem do século XIX para o XX, o setor da
construção  civil  não  tivesse  abandonado  o  processo  de  produção manufatureiro
em  razão  de  entraves  tecnológicos,  a  tendência  histórica  desenvolveu­se  no
sentido  da  ampliação  do modo  de  produção  capitalista monopolista.  Ainda  que
com atraso, o  setor da  construção civil  seguiu essa mesma  tendência,  sendo a
captação  dos  investimentos  estatais  mediada  pela  casa  operária,  “setor
fundamental  para  a  reprodução  do  próprio  sistema”  capitalista  (BLAY,  p.84  e
85). 
No AHMWL até hoje sobrevive a planta assinada pelo concessionário Guilherme
Rudge apresentando os diferentes tipos de habitação descritas na Lei n. 315. A
exigüidade  das  habitações  e  a  falta  de  privacidade  e  comodidade  eram
compensadas com uma aparência risonha de chalé. Uma maneira de contentar a
estética dominante e, ao mesmo tempo, disfarçarpara o futuro morador a dura
realidade de sua moradia.
Em  1900,  a  Lei  n.498  (veja  transcrição)  estabeleceu  prescrições  para
construção de casas de habitação operária. Nessa lei o que, de imediato, chama
a  atenção  é  o  fato  de  que,  no  caso  das  casas  proletárias,  era  admitido  não
fossem  apresentadas  as  respectivas  plantas,  mas  apenas  a  descrição  do  que
haveria de ser construído, contrariando assim a famosa lei de 1893, instituidora
da  obrigatoriedade  de  apresentação  de  plantas  para  a  obtenção  da  licença  de
construir  emitidas  pelas  autoridades  municipais.  Agora  bastava  informar  o
número  e  as  dimensões  dos  compartimentos  e  suas  respectivas  destinações!
Sem  dúvida,  a  idéia  subjacente  era  simplificar  a  aprovação  desse  tipo  de
edificação altamente padronizada, visando o barateamento das construções e o
aumento  da  margem  de  lucro  do  empreendedor.  Dentro  da  visão  elitista  que
vigorava  então  entre  as  autoridades,  as  casas  proletárias  não  poderiam  ser
levantadas  dentro  do  perímetro  urbano,  ampliado  na mesma  lei  em  função  do
rápido crescimento da cidade.
Na  realidade,  a  lei municipal  só  estava acatando uma determinação do Código
Sanitário  do  Estado  de  São  Paulo  de  1894,  que  exigia  que  as  vilas  operárias
fossem  estabelecidas  fora  da  aglomeração  urbana.  Partia­se  de  uma  simples
constatação:  como  as  doenças  eram  endêmicas  no  ambiente  da  pobreza,  esse
ambiente  deveria  ser  mantido  afastado  da  área  urbana  da  cidade  para  não
causar problemas para o resto da população. Pelo perímetro então estabelecido
já  não  podia  existir  casas  operárias  nas  encosta  do  antigo  morro  da
Tabatinguera,  por  exemplo,  o  que  até  então  fora  comum.  De  fato,  até  hoje
sobrevivem  centenárias  vilas  desse  tipo  naquela  região  profundamente
deteriorada,  parcialmente  marginada  pela  Avenida  Radial  Leste  (Travessa
Ruggero,  Vila  Suíça,  Vila  Carolina Augusta,  etc.).  Vilas  hoje,  infelizmente,  em
avançado  processo  de  descaracterização  e  em  péssimas  condições  de
habitabilidade. Nas proximidades, havia também a Vila Conde de Sarzedas, cujo
nome  fora  dado  em  homenagem  ao  antigo  governador  da  capitania  de  São
Paulo  D.  José  Bernardo  de  Lorena  (1756­1818).  Esse  conjunto  habitacional,
porém,  não  preservado  pela  lei  de  zoneamento  que  instituíu  a  Z8­200  (Lei
n.8.328, 2 de dezembro de 1975), foi simplesmente arrasado e transformado no
atual estacionamento que serve o Fórum João Mendes, situado nas imediações.
As encostas da Tabatinguera, que desciam em direção ao Rio Tamanduateí, hoje
Baixada do Glicério,  incluíam­se na antiga  chácara de  Luís  Pereira Machado. A
propriedade havia pertencido antes a seu cunhado Francisco de Assis Márcio de
Lorena  Silveira  (1789­1835),  filho  do  famoso  capitão­general  Bernardo  José
Maria da Silveira e Lorena, depois 5.° conde de Sarzedas (1805). Falecido Assis
Lorena,  as  terras  da  chácara  da  Tabatinguera  passaram  às  mãos  de  Luís
Machado,  mais  tarde  herdadas  por  sua  filha,  D.  Ana  de  Lorena  Machado,  e  a
seguir pela filha desta, D. Ana Maria de Almeida Lorena Machado, que mandou
loteá­las em fins do século XIX. No alto da encosta, foi erguido então o castelo
hoje tombado (atual Centro Cultural do Museu do Tribunal de Justiça do Estado
de  São  Paulo),  pertencente  a  Luís  de  Lorena  Rodrigues  Ferreira,  outro
descendente  do  5.º  Conde  de  Sarzedas.  Na  parte  geomorfologicamente  mais
desfavorável,  foram  erguidos  vários  conjuntos  residenciais  populares  (fig.  2  a
5).  Mas  a  partir  da  aprovação  da  Lei  n.  498  isso  não  foi  mais  oficialmente
permitido. No AHMWL há, por exemplo, requerimento, acompanhado de planta,
solicitando  aprovação  de  prolongamento  de  uma  das  vilas  operárias  existentes
no  local,  pertencente  a  Possidônio  Inácio  das  Neves  e  erguida  em  1898.
Submetidas  à  aprovação  em  1901,  as  casas  projetadas  em  acréscimo  não
puderam ser executadas em função da citada proibição (fig.6).
Fig.2 a 5 ­ Algumas imagens de casas populares situadas nas imediações da
Baixada do Glicério, tal como se apresentavam em 1978:
Rua Carolina Augusta (n.2),
Vila Suiça (n.3)
e Travessa Ruggero (ns.4 e 5).
Foto: Hugo Segawa
Acervo Sempla
A  Lei  n.  498  é  ainda  importante  por  determinar  uma  série  de  regras,  com
medidas  precisas,  que  deveriam  ser  obedecidas  ao  serem  construídas  as
moradias  populares.  O  objetivo  era  garantir  condições mínimas  de  higiene  aos
lares  destinados  às  pessoas  de  poucas  posses,  sem  deixar  de  favorecer  os
construtores.  Ao  serem admitidos  pés­direitos  de  apenas  3m, mais  baixos  que
os das outras edificações, barateava­se a construção das casas pobres.
Fig.6 ­ Planta de casas operárias a serem acrescidas à vila já existente no
antigo Largo Conde de Sarzedas (1901), hoje Praça Mário Margarido.
Acervo AHMWL
Em 1902 ocorreu outra  tentativa, por parte do governo municipal, de conseguir
fossem  construídas  casas  proletárias  em  grande  quantidade  na  cidade  de  São
Paulo.  A  Lei  n.  604  desse  ano  (veja  transcrição)  autorizava  à  Prefeitura  a
contratar  com  o  dr.  Artur  Pio  Dechamps  de  Montmorency,  empresa  ou
companhia que organizasse, por si ou por outrem, a construção de casas, vilas
operárias  e núcleos  coloniais  em  terrenos que  legalmente  adquirisse,  ficando o
local  escolhido  para  tais  construções,  dependente  de  prévia  aprovação  da
Câmara.  Teria  o  prazo  de  um  ano  para  o  início  das  obras,  sob  pena  de
caducidade,  salvo  caso  de  força  maior  (duas  leis  posteriores  prorrogariam  o
prazo de início das obras, que ao que parece nunca chegaram a ser começadas).
Além  de  desejar  construir  casas  operárias,  o  pretendente  tinha  intenção  de
erguer  na  vila  mercado,  lavanderias  e  banhos  públicos,  e  explorá­los
comercialmente  a  fim  de  aumentar  a  sua  renda,  propondo  entregar  esses
equipamentos  à  Prefeitura  depois  de  30  anos  de  concessão  (a  Lei  n.  604
estipularia  o  prazo  20  anos  para  essa  entrega).  Os  banhos  públicos  até
constituíam  uma  bem­vinda  novidade,  pois  na  casa  proletária  tal  como
concebida naqueles anos, quando alguém queria proceder à higiene corporal, era
necessário  fazê­lo em  tinas  colocadas na  cozinha ou em outro  cômodo, porque
simplesmente  não  existiam  banheiros,  somente  latrinas.  Além  disso,  supomos
ter  sido  nessa  lei  a  primeira  vez  que  ocorreu  a  palavra  embelezamento
acrescida  à  já  bem  conhecida  saneamento,  referindo­se  a  locais  que  deveriam
ser  adequadamente preparados para  receber  a  construção de  casas proletárias.
Na  concepção  da  classe  dominante,  o  pobre  deveria morar  em  locais  exíguos,
por  uma  questão  de  custo  das  construções,  e  minimamente  saudáveis,  não
apenas  para  não  transmitir  doenças  às  outras  camadas  sociais,  como  também
para permitir a necessária reprodução da força de trabalho. Beleza era algo que
só  deveria  ser  considerado  em  termos  urbanos,  ou  seja,  as  casas  proletárias
deveriam  ter uma  fachada decorosa para não prejudicar a paisagem urbana da
cidade, e não para o deleite dos pobres. Afinal, a  fruição estética era um  luxo
reservado  aos  ricos  e  poderosos,  que  só  naquela  altura,  1902,  começavam  a
tomar as primeiras medidas  concretas para o embelezamento da Área Central,
que era a parte da cidade por eles próprios freqüentada. 
Uma  obrigação  que  julgamos  bastante  curiosa,  imposta  ao  empresário  nos
núcleos coloniais, era a arborização dos arruamentos abertos feita com espécies
cujas  madeiras  fossem  úteis  à  marcenaria  e  à  construção,  espécies  que
deveriam  provir  das  áreas  devastadas,  destinadasao  assentamento  das
moradias dos colonos imigrantes. 
As  primeiras  casas  operárias  projetadas  pelo  escritório  técnico  de
Ramos de Azevedo
No  Arquivo  Histórico  Municipal  acha­se  guardada  uma  documentação
importante, até hoje inédita, que torna claros os óbices alegados pela  iniciativa
privada  para  não  produzir  as  tão  necessárias  moradias  de  interesse  social.
Trata­se de um requerimento assinado pelo engenheiro e arquiteto Francisco de
Paula  Ramos  de  Azevedo  (1851­1928),  endereçado,  em  1909,  ao  Prefeito
Antônio  Prado,  em  que  comunica  que  um  cliente  seu,  Dr.  Pádua  Sales,
pretendia  mandar  construir  grupos  de  casas  populares  na  Rua  Livre  (atual
Álvares  Machado),  no  fundo  do  terreno  do  palacete  em  que  morava,  sito  na
Avenida Luís Antônio, n.81. Em razão disso, Ramos de Azevedo apresentava um
projeto  de  pequenas  casas  geminadas,  com  dois  pisos  (um  partido  mais  em
conta  até  então  não  usado  em  casas  operárias  paulistanas),  solicitando  uma
concessão espacial, porque, admitia, por uma questão de economia, não haviam
sido  observadas  todas  as  regras  do  Padrão  Municipal,  considerado
excessivamente rigoroso em algumas exigências relativas à casa proletária.
É muito  instrutivo  ler os pareceres constantes desse processo, entre os quais o
do engenheiro Sá Rocha.  Já de  início, o  técnico da Prefeitura  louva a  iniciativa
do  famoso  requerente,  sobretudo  pela  contribuição  estética  que  seu  projeto
traria à cidade, e faz questão de demonstrar o seu conhecimento sobre os mais
notáveis conjuntos de casas populares então construídos no Exterior, entre eles
a famosa vila operária inglesa chamada Port Sunlight, próxima a Liverpool, até
hoje  existente,  pertencente  à  companhia  multinacional  anglo­holandesa
Unilever.  Manisfesta  ainda  plena  solidariedade  com  o  requerente  acerca  das
exigências  “draconianas”  do  padrão  vigente,  que  impediam  os  empresários  de
se  interessar  em  construir  casas  adequadas  às  camadas  desfavorecidas.  Ao
longo  de  suas  considerações,  Sá  Rocha  reparou  que  as  propostas  de  casas
apresentadas por Ramos de Azevedo se adaptavam melhor às necessidades dos
funcionários  medianos  que  às  dos  representantes  da  classe  operária.  Embora
desprovidos  de  recursos,  os  funcionários  eram  mais  exigentes  em  termos  de
conforto e “decência”.  Isso porque, podemos  inferir, por motivos culturais e de
educação,  não  toleravam  as  promíscuas  casas  proletárias,  com  poucos
compartimentos  e  sem  corredores  internos  que  preservassem a  intimidade  dos
moradores.  Objetou,  porém,  que  para  esse  tipo  de  clientela  mais  refinada
seriam  necessários  banheiros  e  sanitários  internos,  no  1º  pavimento,  o  que,
logicamente,  por  encarecer  as  construções,  não  haviam  sido  previstos.  As
discrepâncias  entre  as  propostas  de  Ramos  de  Azevedo  e  o  Padrão  Municipal
acabaram,  afinal,  por  ser  facilmente  superadas  e  o  prefeito  concordou  em
deferir o requerimento do eminente solicitante. Só que, por sugestão do diretor
de Obras substituto, Eugênio Guilhem, as casas propostas foram aprovadas pela
Prefeitura  em  caráter  “experimental”  (fig.  7  e  8),  o  que muito  provavelmente
resultou  na  falta  de  continuidade  da  iniciativa.  Para  saber  mais  sobre  esse
assunto, ver anexo  com  a  íntegra  dos  documentos  constantes  do  processo  de
aprovação.
A progressista atuação política do vereador Celso Garcia
Em  1905,  Afonso  Celso  Garcia,  um  vereador  ligado  aos  interesses  dos
trabalhadores, advogado de vários sindicatos e associações proletárias, abordou
na Câmara o tema da casa operária com conotações políticas bastante diversas
das  comumente  adotadas  na  época.  Apoiando­se  no  exemplo  de  alguns  países
europeus,  Celso  Garcia  concluiu  que  cabia  ao  Estado,  ao  poder  público,
solucionar  a  questão  da  moradia  do  trabalhador.  Referiu­se  a  soluções  de
natureza  socialista  impostas  por  “pressão  de  partidos  radicais”,  embora
admitisse que não era esse o caso brasileiro, onde a massa proletária ainda não
tinha peso político suficientemente significativo. 
Dois anos mais  tarde, o  recrudescimento das greves  fez com que um vereador
apresentasse  a  proposta  para  a  construção  de  mais  de  20  casas  operárias  a
serem  alugadas  por  preço  inferior  a  40$000.  Era  a  proposta  de  sempre:
construção de casas a cargo de empresários que se beneficiariam com incentivos
e  favores  do  poder  público.  Celso  Garcia  opôs­se  à  idéia,  por  ele  considerada
acanhada. Afinal, inúmeros cortiços se esparramavam pela cidade; em todos os
bairros  industriais  havia  quintais  que eram verdadeiras povoações,  no Brás,  no
Belenzinho,  no  Bom  Retiro...  Apresentou  então  uma  contraposta  inédita:  que
fosse aproveitado para a construção de vilas operárias o “fundo de reserva” ou o
“saldo  que  se  verificar  nas  associações  de  beneficência  de  São  Paulo  ou  nas
associações de auxílio mútuo”. Sugeriu então que as isenções fossem oferecidas
às próprias associações de obreiros para que pudessem construir “casas baratas
e higiênicas para operários”. 
Constata Blay  que Celso Garcia  propunha  assim  “a  captação  daqueles  recursos
provenientes  de  fundos  reunidos  pelos  operários,  para  o  seu  próprio  uso,  em
momentos  de  necessidade,  já  que  o  País  não  dispunha  de  mecanismos
institucionais  de  apoio  aos  trabalhadores.  Estes  fundos  poderiam  servir  para
construir  casas  operárias”.  E  conclui  a  autora:  “Como  se  vê  a  idéia  posta  em
prática  pelo  BNH,  50  anos  mais  tarde,  teve  seu  precursor:  Celso  Garcia
propunha que o Estado  captasse  fundos  capitalizados pelos  próprios  operários”.
(Não nos esqueçamos,  porém, que o BNH, que no  começo de  suas atividades,
durante  o  regime  militar,  1964­1985,  pretendia  cooptar  política  e
ideologicamente a população de baixa renda, tornando­a proprietária, e portanto
avessa  ao  esquerdismo,  acabou  com  o  tempo  deturpando  a  natureza  de  sua
atuação:  deixou  de  financiar  a  construção  de  casas  para  os  trabalhadores,
depois  de  construir  cerca  de  quatro  milhões  de  unidades,  e  foi  financiar
apartamentos para classe alta e para a classe média.)
Cumpre assinalar neste ponto que naquele mesmo ano de 1907, em que Celso
Garcia  reivindicava  o  emprego  dos  recursos  provenientes  de  fundos  reunidos
pelos operários na construção de casas para eles próprios, foi organizada a caixa
de  pensões  vitalícias  Economizadora  Paulista  (fundada  em  20  de  outubro  de
1907). Essa instituição, com o capital acumulado, ergueu uma vila hoje bastante
conhecida,  e  tombada,  formada  por  habitações  originalmente  alugadas  a
trabalhadores e a membros da classe média. Teremos oportunidade de retornar
a esse assunto neste Informativo no texto relativo à Seção de Denominação de
Logradouros Públicos. 
Vilas industriais
Voltando,  porém,  ao  tema  objeto  aqui  de  nossa  atenção,  verificamos  que,
enquanto  o  poder  público municipal  esperava,  inutilmente,  que  empresários  se
interessassem  em  construir  casas  para  a  classe  trabalhadora,  mediante
incentivos  e  isenções  por  ele  oferecidos,  as  fábricas  e  outras  empresas  iam
erguendo  vilas  industriais  para  seus  próprios  trabalhadores.  Dentro  desses
espaços,  às  vezes murados,  viviam  os  operários  e  suas  famílias  sob  o  estrito
controle  dos  patrões.  O  aluguel  era  geralmente  descontado  no  salário  e  o
comércio  dos  empórios  existentes  nessas  vilas  também  estavam muitas  vezes
nas  mãos  dos  industriais,  sendo  o  valor  dos  gêneros  alimentícios  comprados
pelos  operários  descontados  em  folha  de  pagamento;  em  caso  de  greve,  os
moradores poderiam ser expulsosde suas casas,  como o  fez o próprio Prefeito
Antônio Prado, dono da Fábrica de Santa Marina Vitraria, durante a paralisação
de  1909.  Observamos  assim  que  as  casas  construídas  pelos  capitães  de
indústrias para amenizar  a  vida  dura  dos  trabalhadores  tinham,  na  verdade,  o
propósito  de  dar  condições  para  que  fossem  fiscalizadas  as  vidas  particulares
dos  operários,  no  intuito  de  melhorar  o  desempenho  dentro  das  fábricas,  e
podiam, de uma hora para outra,  tornar­se um útil  e  contundente  instrumento
patronal de repressão às greves.
Sob  esse  aspecto,  é  interessante  reparar  no  tipo  de  vida  que  levavam  os
industriários da Vila Maria Zélia  (1911­1916),  uma vila  operária  em sua época
considerada  modelar  (fig.9  a  15).  A  respeito,  recomendamos  que  os  leitores
consultem o texto produzido pelo Serviço Educativo, especialmente desenvolvido
para o presente número de nosso Informativo. 
Fig. 9 a 15 ­ Imagens da Vila Maria Zélia, em estado de relativa integridade em
1978: vista geral.
Fotos de Antônia Regina Luz e Márcia Mallet Machado
Acervo Sempla
Fig. 10 ­ Vila Maria Zélia, 1978: praça.
Fig. 11 ­ Vila Maria Zélia, 1978: casario.
Fig. 12 ­ Vila Maria Zélia, 1978: rua.
Fig. 13 ­ Vila Maria Zélia, 1978: escola de meninas.
Fig. 14 ­ Vila Maria Zélia, 1978: porta da escola.
Fig. 15 ­ Vila Maria Zélia, 1978: armazém e igreja.
Vilas de classe média
Ao longo dos anos de 1910, novas vilas vão surgindo pela cidade, muitas vezes
destinadas a funcionários de mais alto nível, como era o caso da Vila Marquesa
de Itu, na Luz,  já mencionada, ocupada durante certo tempo pelos engenheiros
da San Paulo Railway e suas  famílias  (fig.16 a 19). Nas décadas seguintes  (de
20  a  50)  serão  comuns  as  vilas  destinadas  à  classe média,  que  persistem,  na
memória  de  antigos  moradores,  como  um  local  cheio  de  boas  lembranças
infantis,  assumindo  esse  tipo  de  conjunto  de  casas  agrupadas  o  papel  de
protótipo  idealizado  do  intenso  convívio  familiar  e  da  coexistência  harmoniosa
com  a  vizinhança  (fig.20).  Hoje  as  vilas  são  vistas  como  verdadeiras  ilhas  de
aconchego e conforto, em contraste com o viver desordenado da megalópole, e
até  foram resgatadas pela recente  legislação urbanística (Lei n. 11. 605, de 12
de julho de 1994) por serem consideradas um tipo de assentamento residencial
privilegiado em termos de sossego e segurança na perigosa Paulicéia de nossos
dias.
Fig. 16 a 19 ­ Imagens da Vila Marquesa de Itú ou Vila Inglesa, 1978.
Projeto do engenheiro Eduardo Aguiar de Andrada, 1914­1919.
Foto Leonardo Hatanaka
Acervo Sempla.
Mais uma vez conforme Blay, ao longo da década de 1910 novas propostas para
o  incentivo  de  construção  de  casas  operárias  seriam  apresentadas  à  Câmara
Municipal,  todas,  no  entanto,  obedecendo  à  mesma  fórmula:  construção  de
habitações a cargo da iniciativa privada, mediante isenções e favores dados pelo
governo municipal.  Como  sempre,  nenhuma  das  propostas  vingaria.  Em  1920,
na  Câmara,  um  vereador  chegou  a  relembrar  o  concurso  realizado  pela
Prefeitura  em  1916,  quando  foram  escolhidas  plantas  para  casas  operárias
econômicas. O vereador  sugeriu então a execução destes projetos,  tanto  sob a
forma de casas de aluguel, quanto sob a forma de casas para venda pelo preço
de custo. 
Fig. 20­ Aspecto da pitoresca Vila Savóia, 1984.
Pitoresco projeto de vila de classe média projetado pelo escritório de Arnaldo
Maia Lelo, 1939.
Foto Anita di Marco
Acervo Sempla.
O concurso de 1916 para “casas economicas”
Criado durante a administração do Prefeito Washington Luís, esse concurso teve
como objetivo escolher as melhores plantas para “casas econômicas, destinadas
à  habitação  de  uma  só  família”,  conforme  o  edital.  Os  projetos  ganhadores
foram escolhidos por uma comissão composta de  figuras notáveis, entre eles o
arquiteto  Francisco  de  Paula  Ramos  de  Azevedo,  o  engenheiro  Adolfo  Augusto
Pinto e o engenheiro Vitor da Silva Freire, então ocupando o cargo de diretor da
Diretoria  de  Obras  da  Prefeitura.  Os  planos  vencedores  foram  publicados  em
1918 no relatório de prefeito relativo à administração de dois anos antes. E por
aí  se  vê  de  que modo  os  arquitetos  e  engenheiros  concorrentes  satisfizeram o
edital,  que  exigia  que  a moradia  planejada,  comportando  dois  compartimentos
habitáveis, dos quais um servindo de cozinha (com fogão a  lenha), refeitório e
permanência  diurna,  e  outro  de  dormitório,  destinado  a  casal  sem  filhos,
pudesse  ser  transformada  por  acréscimo  em  outra  moradia,  de  condições
análogas,  mas  com  três  ou  quatro  compartimentos  habitáveis,  para  um  casal
com  filhos  de  um  sexo  ou  de  sexos  diferentes.  Os  projetos  deveriam  atender
quatro condições básicas: higiene; comodidade; estética e economia. 
Após  a  premiação,  os  projetos  selecionados  foram  postos  à  disposição  dos
possíveis  interessados,  conjuntamente  com  os  respectivos  orçamentos  (no
cálculo dos quais não entravam, curiosamente, nem o preço do terreno, nem os
honorários  do  profissional  projetista).  Como  sempre,  nenhum  empresário  se
mostrou  atraído  pelo  resultado  do  concurso.  Na  verdade,  ninguém  deve  tê­lo,
provavelmente,  levado  a  sério.  Pois  se,  na  época  não  se  construíam  casas
simples  para  os  trabalhadores  em  razão  da  conjuntura  econômica  adversa,
durante a Primeira Guerra Mundial, não seria então que se ergueriam casas com
uma relativa sofisticação para os mais pobres. 
O edital pautava­se por um grande senso de irrealidade. Exigia comodidade  e
estética  como  condições  viáveis  para  as  casas  proletárias,  embora  essas
qualidades  implicassem,  invariavelmente,  no  encarecimento  das  construções,  e
ignorava  o  fato  de  no  Brasil  ainda  não  existir  empresários  com  suficiente
espírito  público  para  construí­las,  ao  contrário  do  que  já  ocorria  no  Exterior.
Assim  como  era  igualmente  irrealista  a  atitude  dos  participantes  que
consideravam  suas  propostas  economicamente  exeqüíveis,  tendo  em  vista  as
limitações  características  do  tipo  de  clientela  a  que  se  destinavam.  Nesse
concurso,  na  verdade,  todos  se  iludiam  cortesmente:  a  Prefeitura,  por
apresentar  um  edital  romântico;  os  concorrentes,  por  procurar  satisfazer  o
edital,  introduzindo  nobres  toques  artísticos  nas  propostas,  e  a  comissão
julgadora,  por  aceitar  como  as  melhores  plantas,  projetos  que  seduziam  do
ponto  de  vista  estético  (o  de  Victor  Dubugras,  por  exemplo,  com  elementos
pseudo­neocoloniais, ou o de Ludswig Doetsch, com requintados toques do estilo
Arts and Crafts, também chamado Mission Style), mas que jamais empolgariam
nenhum  homem  de  negócios  que,  agindo  de  acordo  com  a  fria  objetividade
capitalista, tivesse como única preocupação a vil rentabilidade (figs. 21 e 22). 
Fig. 21 ­ Perspectiva interna da casa econômica
projetada por Ludswig Doescht, 1916.
Por esse desenho, é possível observar o apuro com que foi concebido o pequeno
bangalô em estilo Arts and Crafts, inspirado em residências da classe média
norte­americana. Aqui notamos as vigas de madeira a se entrecruzarem no
teto, os painéis revestindo as paredes, o vitral na janela e os típicos móveis do
mencionado estilo. No bufê, vêem­se sopeira e objetos de metal, estes últimos
certamente
de latão ou cobre martelado.
Reproduzido em Relatório de Prefeito de 1916.
Acervo AHMWL
Fig. 22 ­ Proposta para casa econômica
da autoria de Vítor Dubugras, 1916.
Pelos alçados podemos constatar o esmero aplicado no projeto, com os mesmos
ornatos e outros detalhes arquitetônicos pseudo­coloniais que o arquiteto
empregava nos palacetes destinados
a sua clientelade alto nível econômico.
Reproduzido em Relatório de Prefeito de 1916.
Acervo AHMWL
O prefeito pareceu  incomodar­se com as críticas então feitas ao concurso e em
seu  relatório manifestou­se de modo a esclarecer a quem estavam destinadas,
de fato, as plantas selecionadas:
Houve  quem  não  comprehendesse  o  pensamento  da  Prefeitura,
esquecendo  que  o  problema  em  toda  a  sua  latitude  consiste,  como
muito  bem  o  fez  notar  o  conhecido  autor  da  “Housing  Reform”,
Lawrence Veiller, em << proporcionar á grande massa da população que
deseja viver n'um ambiente decente e educar a sua prole em condições
mais  dignas,  quaesquer  subsidios  que  a  auxiliem  em  tão  legitima
ambição >>. Tanto  se  lhe é util  abrindo­se­lhe  credito ou  concedendo­
se­lhe  facilidades  para  acquisição  de  terreno,  como  orientando  a  no
melhor modo de tirar partido d'este e d'aquella.
Foi  a  concorrencia,  conforme  consta  do  relatorio  da  commissão
julgadora, coroada pelo mais brilhante exito. Levou mesmo, o numero e
qualidade  dos  projectos  apresentados,  a  fazer  com que  ella  propuzesse
um augmento nas recompensas a distribuir. 
Houve egualmente quem não comprehendesse o criterio da commissão,
premiando  composições  das  quaes  nem  todas  eram  adequadas  á
moradia do operario de  fabrica ou do empregado menor. Mais uma vez
olvidaram  esses,  como  os  que  haviam  criticado  a  abertura  da  propria
concorrencia, que abrangia ella o campo generico do <> da cidade, quer
dizer todos quantos vivem do seu trabalho, sem capital proprio, desde o
que se occupa de serviços manuaes até o escriptuario, caixeiro de banco
ou funcionario de Secretaria.
A verdade é que, como bem notou Hugo Segawa (Prelúdio da metrópole, 2000,
p.164),  a  questão  da  moradia  para  a  população  de  baixa  renda  jamais  se
resolveria  pela  mera  materialidade  de  uma  casa  bem  projetada,  pois  havia
(como  até  hoje  há) muitas  outras  implicações  de maior magnitude  envolvidas
no  problema  habitacional.  Mas,  a  ingenuidade  no  modo  de  ver  as  coisas
persistiria  décadas  a  fio,  até  os  anos  de  1970  pelo menos.  Nesse  tempo,  nas
faculdades de arquitetura brasileiras, ainda se cobravam dos alunos projetos de
casas populares  com metragem mínima,  vistos  como  forma válida de procurar
solucionar a carência de casas populares no País. 
Moradia popular, um problema até hoje sem solução
Com  a  aceleração  do  desenvolvimento  industrial  na  cidade,  com  o  constante
crescimento populacional, e com a baixa oferta de casas,  já que desde o  início
da  Grande  Guerra  (1914­1918)  não  se  construía  mais  na  capital  paulista,  os
aluguéis das moradias pobres acabaram por atingir as alturas. Tornou­se desde
então uma das metas da luta popular a criação da Lei do Inquilinato. Segundo a
imprensa  operária  da  época,  esse  dispositivo  legal  viria  a  se  tornar  um
instrumento de defesa das camadas de baixa renda,  já que aliviaria as agruras
dos trabalhadores. 
Embora  o  problema  da  casa  operária  não  tenha  saído  de  pauta  durante  os
decênios  imediatamente  seguintes,  nada  de  concreto  foi  realizado  no  período.
Em maio  de  1931,  realizou­se  o  1°.  Congresso  da  Habitação,  promovido  pelo
Instituto  de  Engenharia  de  São  Paulo,  com  21  teses  e  quatro  conferências
apresentadas,  sendo seis  trabalhos  sobre habitação. Dez anos depois ocorreu a
Jornada  de  Habitação  Econômica,  promovida  pelo  Idort,  Instituto  de
Organização  Racional  do  Trabalho  de  São  Paulo,  que  reuniu  35  técnicos  –
engenheiros,  arquitetos,  médicos,  juristas,  etc.  –,  além  de  personalidades  do
meio político e empresarial  (os anais  desse  evento  foram  publicados  na  época
na Revista do Arquivo Municipal de São Paulo – RAM). Ao  longo dos anos 30 e
início dos 40, também foram editados importantes textos analíticos da situação
socioeconômica na citada revista como os de autoria de Donald Pierson, um dos
professores  estrangeiros  da  Escola  Livre  de  Sociologia  e  Política  e membro  da
escola de Chicago –, bem como em outras publicações.
A situação da classe trabalhadora, no entanto, piorava, sem que nada de efetivo
sucedesse.  Durante  o  Estado  Novo  (1937­1945),  foi  instituída  a  Lei  do
Inquilinato  (1942),  lei  que  tinha  como  objetivo  básico  desestimular  o mercado
rentista por meio do  congelamento  dos  aluguéis.  Embora  vista  na  época  como
uma  medida  eficaz  para  forçar  a  baixa  dos  valores  das  locações,  a  Lei  do
Inquilinato,  segundo  a  interpretação  de  Nabil  Bonduki  (Origens  da  habitação
social  no  Brasil,  1998),  acabou  provocando,  ao  contrário,  uma  forte  crise  no
setor habitacional. 
Com a  falta de  imóveis para alugar  (porque ninguém mais os construía para a
obtenção  de  renda)  e  com  o  Estado,  nas  décadas  seguintes,  mostrando­se
incapaz  de  buscar  uma  solução  realmente  válida  para  a  questão  da  moradia
popular,  só  restou  à  população mais  pobre  tentar  solucionar  o  problema  por  si
mesma, por meio da autoconstrução, em loteamentos clandestinos desde então
abertos na periferia dos grandes centros habitacionais, e por meio do fenômeno
do encortiçamento, da favelização e da invasão de áreas públicas e particulares,
hoje amplamente disseminados pela áreas urbanas de todas as grandes cidades
brasileiras. 
Os  programas  de  construção  de  casas  ou  apartamentos  populares,  a  melhoria
das  condições  de  habitabilidade  e  de  saneamento  básico  das  moradias
subnormais, a reurbanização de favelas e a regularização fundiária (em caso de
invasão  de  áreas  públicas  municipais)  constituem,  hoje,  importantes
instrumentos que visam mitigar uma situação dolorosa,  infelizmente, dia a dia
mais grave. Cumpre ao Estado e à iniciativa privada lançar mão deles de forma
adequada,  cada  um  em  sua  esfera  de  atuação,  para  diminuir  o  agudo  déficit
habitacional brasileiro, atualmente estimado em cerca de 8 milhões de unidades
habitacionais.
Eudes Campos
Agradecimentos
À  arquiteta  Maria  Rita  Amoroso,  mestranda  da  PUC­Campinas,  por  nos  ter
indicado  a  documentação  referente  ao  requerimento  de  1909  assinado  por
Ramos de Azevedo.
À  arquiteta  Sylvia  Maria  Luz  Fré,  da  Secretaria  Municipal  de  Planejamento  –
Sempla, por  ter  cedido  gentilmente  parte  do  material  usado  na  redação  e  na
ilustração do presente texto. 
Fonte primária manuscrita
SÃO  PAULO  (Cidade).  AHMWL.  Obras  Particulares.  Requerimento
assinado  por  Ramos  de  Azevedo,  solicitando  aprovação  de  grupos  de
casas populares, e documentos anexos.“Rua Livre”, 1909.
Fontes primárias impressas
ACTAS  DA  CAMARA  MUNICIPAL  DE  SÃO  PAULO.  São  Paulo:  Archivo
Municipal  de  S.Paulo;  Departamento  de  Cultura,  1914­1951.72v.
(período consultado: 1873­1909)
LEIS  e  Actos  do  Municipio  de  S.  Paulo  do  anno  de  1916.  São  Paulo:
Imprensa Official do Estado, 1936.
LEIS, Resoluções e Actos Executivos da Camara Municipal da Capital do
Estado de S. Paulo de 1897 a 1899. São Paulo: Vanorden, 1916.
RELATORIO de 1916 apresentado á Camara Municipal de São Paulo pelo
Prefeito Washington Luis Pereira de Sousa. São Paulo: Vanorden, 1918.
Bibliografia
BLAY, Eva. Eu não tenho onde morar. São Paulo: Nobel, 1985.
BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil.  São  Paulo,
Estação Liberdade, FAPESP,1998.
CAMPOS, Eudes. Arquitetura paulistana sob o Império.  São  Paulo:
tese de doutorado, FAUUSP, 1997. 4v. v. 3.cap. 5 e 6.
CORDEIRO, Simone L. Moradia popular na cidade de São Paulo: (1930­
1940  –  projetos  e  ambições). Histórica,  revista  eletrônica  do  Arquivo
do Estado. São Paulo, AESP, n.1, abril 2005.
Disponível em: http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br.
Acessado em : 1.º de junho de 2008.
SÁ,  A.Nogueira  de.  Notas  à  margem  dum  relatório.  Revista  do
Arquivo Municipal, São Paulo, v. 29, p. 69­86, 1936.
SÃO PAULO onde está sua história. São Paulo: MASP, s.d.
SEGAWA, Hugo. Prelúdio da metrópole.  São  Paulo:  Atelier  Editorial,
2000.
Para citação adote:
CAMPOS, Eudes. Casas e vilas operárias paulistanas. INFORMATIVO ARQUIVO
HISTÓRICO MUNICIPAL, 4 (19): jul/ago.2008
<http://www.arquivohistorico.sp.gov.br>
 
EXPEDIENTE
coordenação
Liliane Schrank Lehmann
edição de texto
Eudes Campos
webdesigner
Ricardo Mendes
distribuição
Maria Sampaio Bonafé (coordenação)
Elisabete De Lucca e Irene do Carmo Colombo 
Normas Editoriais
(2007) (formato PDF) Topo
 
Para receber o Informativo Arquivo Histórico Municipal
­ ou suspender a remessa ­,
envie um e­mail para:
informativoarquivohistorico@prefeitura.sp.gov.br
 
Prefeitura da Cidade de São Paulo ­ 2005­2008 ©
 
SECRETARIA DE CULTURA 
 
Gilberto Kassab 
Prefeito da Cidade de São Paulo 
Carlos Augusto Calil
Secretário de Cultura 
José Roberto Neffa Sadek
Secretário Adjunto 
Paulo Rodrigues 
Chefe de Gabinete 
Walter Pires 
Departamento do Patrimônio Histórico 
Liliane Schrank Lehmann 
Divisão do Arquivo Histórico Municipal Washington Luís

Continue navegando