Buscar

MARX, Karl. O Capital, crítica da economia política. (Prefácio da 1ª edição e Posfácio da 2ª edição)

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 19 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 19 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 19 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Prefácio da primeira edição
A obra, cujo primeiro volume apresento ao público, é acontinuação de meu escrito Contribuição à crítica da eco-nomia políticaa, publicado em 1859. A longa pausa entrecomeço e continuação se deve a uma enfermidade que meacometeu por muitos anos e interrompeu repetidas vezesmeu trabalho.O conteúdo daquele texto está resumido no primeirocapítulo deste volumeb, e isso não só em nome de umamaior coerência e completude. A exposição foiaprimorada. Na medida em que as circunstâncias o per-mitiram, pontos que antes eram apenas indicados foramaqui desenvolvidos, ao passo que, inversamente, aspectosque lá foram desenvolvidos em detalhes são aqui apenasindicados. As seções sobre a história da teoria do valor edo dinheiro foram naturalmente suprimidasc. No entanto,o leitor do texto anterior encontrará novas fontes para ahistória daquela teoria nas notas do primeiro capítulo.Todo começo é difícil, e isso vale para toda ciência. Porisso, a compreensão do primeiro capítulo, em especial daparte que contém a análise da mercadoria, apresentará adificuldade maior. No que se refere mais concretamente àanálise da substância e da grandeza do valor, procureipopularizá-las o máximo possíveld. A forma de valor, cujafigura acabada é a forma-dinheiro, é muito simples e de-sprovida de conteúdo. Não obstante, o espírito humanotem procurado elucidá-la em vão há mais de 2 mil anos, ao
mesmo tempo que obteve êxito, ainda que aproximado, naanálise de formas muito mais complexas e plenas de con-teúdo. Por quê? Porque é mais fácil estudar o corpo desen-volvido do que a célula que o compõe. Além disso, na an-álise das formas econômicas não podemos nos servir demicroscópio nem de reagentes químicos. A força da ab-stração [Abstraktionskraft] deve substituir-se a ambos. Paraa sociedade burguesa, porém, a forma-mercadoria doproduto do trabalho, ou a forma de valor da mercadoria,constitui a forma econômica celular. Para o leigo, a análisedesse objeto parece se perder em vãs sutilezas. Trata-se,com efeito, de sutilezas, mas do mesmo tipo daquelas queinteressam à anatomia micrológica.Desse modo, com exceção da seção relativa à forma devalor, não se poderá acusar esta obra de ser de difícil com-preensão. Pressuponho, naturalmente, leitores desejososde aprender algo de novo e, portanto, de pensar por contaprópria.O físico observa processos naturais, em que eles apare-cem mais nitidamente e menos obscurecidos por influên-cias perturbadoras ou, quando possível, realiza experi-mentos em condições que asseguram o transcurso puro doprocesso. O que pretendo nesta obra investigar é o modode produção capitalista e suas correspondentes relações deprodução e de circulação. Sua localização clássica é, até omomento, a Inglaterra. Essa é a razão pela qual ela servede ilustração principal à minha exposição teórica, mas, se oleitor alemão encolher farisaicamente os ombros ante asituação dos trabalhadores industriais ou agrícolasingleses, ou se for tomado por uma tranquilidade otimista,convencido de que na Alemanha as coisas estão longe deser tão ruins, então terei de gritar-lhe: De te fabula narratur[A fábula refere-se a ti]!e
113/1493
Na verdade, não se trata do grau maior ou menor dedesenvolvimento dos antagonismos sociais decorrentesdas leis naturais da produção capitalista. Trata-se dessaspróprias leis, dessas tendências que atuam e se impõemcom férrea necessidade. O país industrialmente maisdesenvolvido não faz mais do que mostrar ao menosdesenvolvido a imagem de seu próprio futuro.Mas deixemos isso de lado. Onde a produção capit-alista se instalou plenamente entre nós – por exemplo, nasfábricas propriamente ditas –, as condições são muitopiores que na Inglaterra, pois aqui não há o contrapeso dasleis fabris. Em todas as outras esferas, atormenta-nos, domesmo modo como nos demais países ocidentais do con-tinente europeu, não só o desenvolvimento da produçãocapitalista, mas também a falta desse desenvolvimento.Além das misérias modernas, aflige-nos toda uma série demisérias herdadas, decorrentes da permanência vegetativade modos de produção arcaicos e antiquados, com o seuséquito de relações sociais e políticas anacrônicas. Pa-decemos não apenas por causa dos vivos, mas também porcausa dos mortos. Le mort saisit le vif! [O morto seapoderado vivo!]Comparada com a inglesa, a estatística social da Ale-manha e dos demais países ocidentais do continenteeuropeu ocidental é miserável. Não obstante, ela levantasuficientemente o véu para deixar entrever, atrás dele, umacabeça de Medusa. Ficaríamos horrorizados ante nossaprópria situação se nossos governos e parlamentos, comona Inglaterra, formassem periodicamente comissões parainvestigar as condições econômicas; se a essas comissõesfossem conferidas a mesma plenitude de poderes para in-vestigar a verdade de que gozam na Inglaterra; se, paraessa missão, fosse possível encontrar homens tão
114/1493
competentes, imparciais e inflexíveis como os inspetoresde fábrica na Inglaterra, seus relatores médicos sobre publichealth (saúde pública), seus comissários de inquérito sobrea exploração de mulheres e crianças, sobre as condiçõeshabitacionais e nutricionais etc. Perseu necessitava de umelmo de névoa para perseguir os monstros. Nós puxamoso elmo de névoa sobre nossos olhos e ouvidos para podernegar a existência dos monstros.Não podemos nos iludir sobre isso. Assim como aguerra de independência americana do século XVIII fezsoar o alarme para a classe média europeia, a guerra civilamericana do século XIX fez soar o alarme para a classetrabalhadora europeia. Na Inglaterra, o processo revolu-cionário é tangível. Quando atingir certo nível, haverá derepercutir no continente. Ali, há de assumir formas maisbrutais ou mais humanas, conforme o grau de desenvolvi-mento da própria classe trabalhadora. Prescindindo demotivos mais elevados, os interesses mais particulares dasatuais classes dominantes obrigam-nas à remoção de todosos obstáculos legalmente controláveis que travem o desen-volvimento da classe trabalhadora. É por isso que, nestevolume, reservei um espaço tão amplo à história, ao con-teúdo e aos resultados da legislação inglesa relativa àsfábricas. Uma nação deve e pode aprender com as outras.Ainda que uma sociedade tenha descoberto a lei natural deseu desenvolvimento – e a finalidade última desta obra édesvelar a lei econômica do movimento da sociedade mod-erna –, ela não pode saltar suas fases naturais de desenvol-vimento, nem suprimi-las por decreto. Mas pode, sim, ab-reviar e mitigar as dores do parto.Para evitar possíveis erros de compreensão, ainda algu-mas palavras. De modo algum retrato com cores róseas asfiguras do capitalista e do proprietário fundiário. Mas aqui
115/1493
só se trata de pessoas na medida em que elas constituem apersonificação de categorias econômicas, as portadoras dedeterminadas relações e interesses de classes. Meu pontode vista, que apreende o desenvolvimento da formaçãoeconômica da sociedade como um processo histórico-nat-ural, pode menos do que qualquer outro responsabilizar oindivíduo por relações das quais ele continua a ser social-mente uma criatura, por mais que, subjetivamente, elepossa se colocar acima delas.No domínio da economia política, a livre investigaçãocientífica não só se defronta com o mesmo inimigopresente em todos os outros domínios, mas também anatureza peculiar do material com que ela lida convoca aocampo de batalha as paixões mais violentas, mesquinhas eexecráveis do coração humano, as fúrias do interesseprivado. A Alta Igreja da Inglaterraf, por exemplo, per-doaria antes o ataque a 38 de seus 39 artigos de fé do que a1/39 de suas rendas em dinheiro. Atualmente, o próprioateísmo é uma culpa levis [pecado venial] se comparadocom a crítica às relações tradicionais de propriedade.Nesse aspecto, contudo, não se pode deixar de reconhecercerto avanço. Remeto, por exemplo, ao Livro Azulg public-ado há poucas semanas: “Correspondence with herMajesty’s Missions Abroad, Regarding Industrial Ques-tionsand Trade Unions”. Os representantes da Coroainglesa no exterior afirmam aqui, sem rodeios, que na Ale-manha, na França, numa palavra, em todos os países civil-izados do continente europeu, a transformação das re-lações vigentes entre o capital e o trabalho é tão perceptívele inevitável quanto na Inglaterra. Ao mesmo tempo, dooutro lado do Atlântico, o sr. Wade, vice-presidente dosEstados Unidos da América do Norte, declarava em re-uniões públicas: depois da abolição da escravidão, passa à
116/1493
ordem do dia a transformação das relações entre o capital ea propriedade da terra! São sinais dos tempos, que não sedeixam encobrir por mantos de púrpura nem por sotainasnegrash. Eles não significam que amanhã hão de ocorrermilagres, mas revelam que nas próprias classes domin-antes já aponta o pressentimento de que a sociedade atualnão é um cristal inalterável, mas um organismo capaz detransformação e em constante processo de mudança.O segundo volume deste escrito tratará do processo decirculação do capital (Livro II) e das configurações do pro-cesso global (Livro III); o terceiro (Livro IV), da história dateoriai. Todos os julgamentos fundados numa críticacientífica serão bem-vindos. Diante dos preconceitos da as-sim chamada opinião pública, à qual nunca fiz concessões,tomo por divisa, como sempre, o lema do grandeflorentino:
Segui il tuo corso, e lascia dir le genti! [Segue o teu curso edeixa a gentalha falar!]j
Londres, 25 de julho de 1867
117/1493
Capa da primeira edição alemã, publicada em 1867.
Posfácio da segunda ediçãoa
Aos leitores da primeira edição tenho, primeiramente, deapresentar esclarecimentos quanto às modificações realiza-das nesta segunda edição. Salta aos olhos a subdivisãomais clara do livro. Todas as notas adicionais estão indica-das como notas à segunda edição. Com relação ao texto emsi, eis o mais importante:No capítulo 1, item 1, a dedução do valor mediante aanálise das equações nas quais se exprime todo valor detroca é efetuada com maior rigor científico; do mesmomodo, é expressamente destacado o nexo, apenas indicadona primeira edição, entre a substância do valor e a determ-inação da grandeza deste último por meio do tempo detrabalho socialmente necessário. O capítulo 1, item 3 (“Aforma de valor”) foi integralmente reelaborado, o que já oexigia a exposição dupla da primeira edição. (Observo, depassagem, que aquela exposição foi-me sugerida por meuamigo, dr. L. Kugelmann, de Hanover. Encontrava-me devisita em sua casa, na primavera de 1867, quando asprimeiras provas de impressão chegaram de Hamburgo;ele convenceu-me, então, de que uma discussão suple-mentar e mais didática da forma do valor seria necessáriapara a maioria dos leitores.) A última seção do primeirocapítulo, “O caráter fetichista da mercadoria etc.”, foi emgrande parte modificada. O capítulo 3, item 1 (“Medidados valores”) foi cuidadosamente revisto, porquanto essaparte fora negligenciada na primeira edição, com uma
simples remissão à discussão já feita em Contribuição à crít-ica da economia política (Berlim, 1859). O capítulo 7, especial-mente a parte 2, foi consideravelmente reelaborado.Seria inútil discorrer detalhadamente sobre as modi-ficações, com frequência apenas estilísticas, que realizamosem passagens do texto. Elas se encontram dispersas por to-do o livro. Porém, após ter revisado a tradução francesa,que se está publicando em Paris, creio que várias partes dooriginal alemão teriam exigido aqui uma reelaboraçãomais profunda, ali uma revisão estilística mais detalhadaou uma supressão mais cuidadosa de eventuais impre-cisões. Para tanto, faltou-me o tempo necessário, pois anotícia de que o livro se havia esgotado e a impressão dasegunda edição teria de começar já em janeiro de 1872chegou-me apenas no outono de 1871, quando me encon-trava ocupado com outros trabalhos urgentes.A acolhida que O capital rapidamente obteve emamplos círculos da classe trabalhadora alemã é a melhorrecompensa de meu trabalho. Num folhetoa publicadodurante a Guerra Franco-Alemã, o sr. Mayer, industrialvienense, economicamente situado do ponto de vista bur-guês, afirmou corretamente que o grande senso teórico,que é tido como um patrimônio alemão, abandonara com-pletamente as ditas classes cultas da Alemanha para, aocontrário, ressuscitar na sua classe trabalhadora.Na Alemanha, a economia política continua a ser, até omomento atual, uma ciência estrangeira. Em Exposiçãohistórica do comércio, dos ofícios etc., e especialmente nos doisprimeiros volumes de sua obra, publicados em 1830,Gustav von Güllich já havia mencionado as circunstânciashistóricas que, entre nós, inibiam o desenvolvimento domodo de produção capitalista e, por conseguinte, tambéma formação da moderna sociedade burguesa. Faltava,
120/1493
portanto, o terreno vivo da economia política. Esta foi im-portada da Inglaterra e da França como mercadoriaacabada; os professores alemães dessa ciência jamais ultra-passaram a condição de discípulos. Em suas mãos, a ex-pressão teórica de uma realidade estrangeira transformou-se numa coleção de dogmas, que eles interpretavam – querdizer, distorciam – de acordo com o mundo pequeno-bur-guês que os circundava. A sensação de impotênciacientífica, impossível de ser completamente reprimida, as-sim como a má consciência por ter de lecionar numa áreade fato estranha, buscava ocultar-se sob o fausto de umaerudição histórico-literária ou por meio da mistura de ummaterial estranho, tomado de empréstimo das assim cha-madas ciências cameraisc: uma mixórdia de conhecimentospor cujo purgatório tem de passar o esperançosod candid-ato à burocracia alemã.Desde 1848, a produção capitalista tem se desenvolvidorapidamente na Alemanha e hoje já se encontra no plenoflorescer de suas fraudese. Mas, para nossos especialistas, asorte continuou adversa como antes. Enquanto podiampraticar a economia política de modo imparcial, faltavam àrealidade alemã as relações econômicas modernas. Assimque essas relações surgiram, isso se deu sob circunstânciasque já não permitiam seu estudo imparcial dentro do hori-zonte burguês. Por ser burguesa, isto é, por entender a or-dem capitalista como a forma última e absoluta daprodução social, em vez de um estágio historicamentetransitório de desenvolvimento, a economia política sópode continuar a ser uma ciência enquanto a luta declasses permanecer latente ou manifestar-se apenasisoladamente.Tomemos o caso da Inglaterra. Sua economia políticaclássica coincide com o período em que a luta de classes
121/1493
ainda não estava desenvolvida. Seu último grande repres-entante, Ricardo, converte afinal, conscientemente, a an-títese entre os interesses de classe, entre o salário e o lucro,entre o lucro e a renda da terra em ponto de partida desuas investigações, concebendo essa antítese, ingenua-mente, como uma lei natural da sociedade. Com isso,porém, a ciência burguesa da economia chegara a seus lim-ites intransponíveis. Ainda durante a vida de Ricardo, eem oposição a ele, a crítica a essa ciência apareceu na pess-oa de Sismondi1.A época seguinte, de 1820 a 1830, destaca-se naInglaterra pela vitalidade científica no domínio da eco-nomia política. Foi o período tanto da vulgarização e di-fusão da teoria ricardiana, quanto de sua luta contra avelha escola. Celebraram-se magníficos torneios. O que en-tão foi realizado é pouco conhecido no continente europeu,pois a polêmica está dispersa, em grande parte, em artigosde revistas, escritos ocasionais e panfletos. O caráter im-parcial dessa polêmica – ainda que a teoria de Ricardotambém sirva, excepcionalmente, como arma de ataquecontra a economia burguesa – explica-se pelas circunstân-cias da época. Por um lado, a própria grande indústriaapenas começava a sair da infância, como o comprova osimples fato de que o ciclo periódico de sua vida modernasó se inaugura com a crise de 1825. Por outro lado, a lutade classes entre capital e trabalho ficou relegada ao se-gundo plano: politicamente, pela contenda entre o grupoformadopor governos e interesses feudais congregados naSanta Aliança e a massa popular conduzida pelaburguesia; economicamente, pela querela entre o capitalindustrial e a propriedade aristocrática da terra, que, naFrança, se ocultava sob o antagonismo entre a propriedadeparcelada e a grande propriedade fundiária, e que, na
122/1493
Inglaterra, irrompeu abertamente com as leis dos cereais.Nesse período, a literatura da economia política naInglaterra lembra o período de Sturm und Drang [tempest-ade e ímpeto]f econômico ocorrido na França após a mortedo dr. Quesnay, mas apenas como um veranico de maiolembra a primavera. No ano de 1830, tem início a crisedecisiva.Na França e na Inglaterra, a burguesia conquistara opoder político. A partir de então, a luta de classes assumiu,teórica e praticamente, formas cada vez mais acentuadas eameaçadoras. Ela fez soar o dobre fúnebre pela economiacientífica burguesa. Não se tratava mais de saber se este ouaquele teorema era verdadeiro, mas se, para o capital, eleera útil ou prejudicial, cômodo ou incômodo, se con-trariava ou não as ordens policiais. O lugar da investigaçãodesinteressada foi ocupado pelos espadachins a soldo, e amá consciência e as más intenções da apologética sub-stituíram a investigação científica imparcial. De qualquerforma, mesmo os importunos opúsculos lançados aosquatro ventos pela Anti-Corn Law League [Liga Contra aLei dos Cereais]g, tendo à frente os fabricantes Cobden eBright, ainda possuíam um interesse, se não científico, aomenos histórico, por sua polêmica contra a aristocraciafundiária. Mas a legislação livre-cambista, a partir de sirRobert Peelh, arrancou à economia vulgar este último es-porão crítico.A revolução continental de 1845-1849i repercutiu tam-bém na Inglaterra. Homens que ainda reivindicavam al-guma relevância científica e que aspiravam ser algo maisdo que meros sofistas e sicofantas das classes dominantestentaram pôr a economia política do capital em sintoniacom as exigências do proletariado, que não podiam maisser ignoradas. Daí o surgimento de um sincretismo
123/1493
desprovido de espírito, cujo melhor representante é StuartMill. Trata-se de uma declaração de falência da economia“burguesa”, tal como o grande erudito e crítico russo N.Tchernichevski já esclarecera magistralmente em sua obraLineamentos da economia política segundo Mill.Na Alemanha, portanto, o modo de produção capit-alista chegou à maturidade depois que seu caráter ant-agonístico, por meio de lutas históricas, já se havia reve-lado ruidosamente na França e na Inglaterra, num mo-mento em que o proletariado alemão já possuía uma con-sciência teórica de classe muito mais firme do que aburguesia desse país. Quando pareceu que uma ciênciaburguesa da economia política seria possível aqui, tal ciên-cia se tornara, uma vez mais, impossível.Nessas circunstâncias, seus porta-vozes se dividiramem duas colunas. Uns, sagazes, ávidos de lucro e práticos,congregaram-se sob a bandeira de Bastiat, o representantemais superficial e, por isso mesmo, mais bem-sucedido daapologética economia vulgar; os outros, orgulhosos da dig-nidade professoral de sua ciência, seguiram J. S. Mill natentativa de conciliar o inconciliável. Tal como na épocaclássica da economia burguesa, também na época de suadecadência os alemães continuaram a ser meros discípulos,repetidores e imitadores, pequenos mascates do grandeatacado estrangeiro.O desenvolvimento histórico peculiar da sociedadealemã excluía, portanto, a possibilidade de todo desenvol-vimento original da economia “burguesa”, mas não a sua...crítica. Na medida em que tal crítica representa uma classeespecífica, ela só pode representar a classe cuja missãohistórica é o revolucionamento do modo de produção cap-italista e a abolição final das classes: o proletariado.
124/1493
Num primeiro momento, os porta-vozes eruditos e nãoeruditos da burguesia alemã procuraram abafar O capitalsob um manto de silêncio, do mesmo modo como haviamlogrado fazer com meus escritos anterioresj. Assim queessa tática deixou de corresponder às condições da época,passaram a publicar, sob o pretexto de criticar meu livro,instruções “para tranquilizar a consciência burguesa”, masencontraram na imprensa operária – vejam, por exemplo,os artigos de Joseph Dietzgen no Volksstaatk – paladinos su-periores, aos quais devem uma resposta até hoje2.Uma excelente tradução russa de O capital foi publicadaem São Petersburgo, na primavera de 1872. A edição, de 3mil exemplares, já se encontra quase esgotada. Em 1871,em seu escrito A teoria ricardiana do valor e do capital etc., osr. N. Sieber, catedrático de economia política na Univer-sidade de Kiev, já apontava a minha teoria do valor, dodinheiro e do capital, em suas linhas fundamentais, como acontinuação necessária da doutrina de Smith e Ricardo. Oque surpreende o europeu ocidental, na leitura dessa obrameritória, é a manutenção coerente do ponto de vista pura-mente teórico.O método aplicado em O capital foi pouco compreen-dido, como já o demonstram as interpretações contraditóri-as que se apresentaram sobre o livro.Assim, a Revue Positivistel me acusa, por um lado, detratar a economia metafisicamente e, por outro – adivin-hem! –, de limitar-me à mera dissecação crítica do dado,em vez de prescrever receitas (comtianas?) para o cardápioda taberna do futuro. Contra a acusação da metafísica, ob-serva o prof. Sieber: “No que diz respeito à teoria propria-mente dita, o método de Marx é o método dedutivo detoda a escola inglesa, cujos defeitos e qualidades sãocomuns aos melhores economistas teóricos”m.
125/1493
O sr. M. Block, em “Les Théoriciens du Socialisme emAllemagne. Extrait du Journal des Économistes, juillet etaoût 1872”n, descobre que meu método é analítico e diz,entre outras coisas: “Par cet ouvrage M. Marx se classe parmiles esprits analytiques les plus éminents”o.Os resenhistas alemães bradam, naturalmente, contra asofística hegelianap. O Correio Europeu, de São Petersburgo,em um artigo inteiramente dedicado ao método de O capit-al (maio de 1872, p. 427-36), considera meu método de in-vestigação estritamente realista, mas o modo de exposição,desgraçadamente, dialético-alemão. Diz ele:
“À primeira vista, se julgamos pela forma externa de ex-posição, Marx é o mais idealista dos filósofos, e precisamenteno sentido germânico, isto é, no mau sentido da palavra. Noentanto, ele é, na verdade, infinitamente mais realista do quetodos os seus antecessores no campo da crítica econômica [...].De modo algum se pode chamá-lo de idealista.”
Não há como responder melhor ao autor desse artigoqdo que por meio de alguns extratos de sua própria crítica,cuja transcrição poderá, além disso, interessar a muitos dosmeus leitores para os quais o original russo é inacessível.Depois de citar uma passagem de meu prefácio à Con-tribuição à crítica da economia política (Berlim, 1859, p. IV-VII), na qual apresento a fundamentação materialista domeu método, prossegue o senhor autor:
“Para Marx, apenas uma coisa é importante: descobrir a leidos fenômenos com cuja investigação ele se ocupa. E importa-lhe não só a lei que os rege, uma vez que tenham adquiridouma forma acabada e se encontrem numa inter-relação que sepode observar num período determinado. Para ele, importasobretudo a lei de sua modificação, de seu desenvolvimento,isto é, a transição de uma forma a outra, de uma ordem deinter-relação a outra. Tão logo tenha descoberto essa lei, ele
126/1493
investiga em detalhes os efeitos por meio dos quais ela semanifesta na vida social [...]. Desse modo, o esforço de Marxse volta para um único objetivo: demonstrar, mediante escru-pulosa investigação científica, a necessidade de determinadasordens das relações sociais e, na medida do possível, con-statar de modo irrepreensível os fatos que lhe servem de pon-tos de partida e de apoio. Para tanto, é plenamente suficienteque ele demonstre, juntamente com a necessidade da ordematual, a necessidade de outra ordem, para a qual a primeirateminevitavelmente de transitar, sendo absolutamente in-diferente se os homens acreditam nisso ou não, se têm con-sciência disso ou não. Marx concebe o movimento socialcomo um processo histórico-natural, regido por leis que nãosó são independentes da vontade, consciência e intenção doshomens, mas que, pelo contrário, determinam sua vontade,consciência e intenções [...]. Se o elemento consciente desem-penha papel tão subalterno na história da civilização, é evid-ente que a crítica que tem por objeto a própria civilização estáimpossibilitada, mais do que qualquer outra, de ter como fun-damento uma forma ou resultado qualquer da consciência.Ou seja, o que lhe pode servir de ponto de partida não é aideia, mas unicamente o fenômeno externo. A crítica terá delimitar-se a cotejar e confrontar um fato não com a ideia, mascom outro fato. O que importa, para ela, é que se examinemambos os fatos com a maior precisão possível e que estes con-stituam, uns em relação aos outros, diversas fases de desen-volvimento; mas importa-lhe, acima de tudo, que as séries deordens, a sucessão e a concatenação em que estas se ap-resentam nas etapas de desenvolvimento sejam investigadascom a mesma precisão. Dir-se-á, porém, que as leis gerais davida econômica são as mesmas, sejam elas aplicadas nopresente ou no passado. Isso é precisamente o que Marx nega.Para ele, tais leis abstratas não existem [...]. De acordo comsua opinião, ao contrário, cada período histórico possui suaspróprias leis [...]. Tão logo a vida tenha esgotado um determ-inado período de desenvolvimento, passando de um estágio aoutro, ela começa a ser regida por outras leis. Numa palavra,
127/1493
a vida econômica nos oferece um fenômeno análogo ao dahistória da evolução em outros domínios da biologia [...]. Osantigos economistas equivocaram-se sobre a natureza das leiseconômicas ao compará-las às leis da física e da química [...].Uma análise mais profunda dos fenômenos demonstra que osorganismos sociais se distinguem entre si tão radicalmentequanto os organismos vegetais se distinguem dos organismosanimais [...]. Sim, um e mesmo fenômeno é regido por leistotalmente diversas em decorrência da estrutura geral diversadesses organismos, da diferenciação de alguns de seus ór-gãos, da diversidade das condições em que funcionam etc.Marx nega, por exemplo, que a lei da população seja a mesmaem todas as épocas e em todos os lugares. Ao contrário, eleassegura que cada etapa de desenvolvimento tem sua próprialei da população [...]. Com o desenvolvimento diverso daforça produtiva, alteram-se as condições e as leis que asregem. Ao propor a si mesmo a meta de investigar e elucidar,a partir desse ponto de vista, a ordem econômica do capital-ismo, Marx apenas formula, de modo rigorosamentecientífico, a meta que se deve propor toda investigação exatada vida econômica [...]. O valor científico de tal investigaçãoreside na elucidação das leis particulares que regem o nasci-mento, a existência, o desenvolvimento e a morte de determ-inado organismo social e sua substituição por outro, superiorao primeiro. E este é, de fato, o mérito do livro de Marx.”
Ao descrever de modo tão acertado meu verdadeirométodo, bem como a aplicação pessoal que faço deste úl-timo, que outra coisa fez o autor senão descrever o métododialético?Sem dúvida , deve-se distinguir o modo de exposiçãosegundo sua forma, do modo de investigação. A invest-igação tem de se apropriar da matéria [Stoff] em seus detal-hes, analisar suas diferentes formas de desenvolvimento erastrear seu nexo interno. Somente depois de consumadotal trabalho é que se pode expor adequadamente o
128/1493
movimento real. Se isso é realizado com sucesso, e se avida da matéria é agora refletida idealmente, o observadorpode ter a impressão de se encontrar diante de uma con-strução a priori.Meu método dialético, em seus fundamentos, não éapenas diferente do método hegeliano, mas exatamenteseu oposto. Para Hegel, o processo de pensamento, que ele,sob o nome de Ideia, chega mesmo a transformar numsujeito autônomo, é o demiurgo do processo efetivo, o qualconstitui apenas a manifestação externa do primeiror. Paramim, ao contrário, o ideal não é mais do que o material,transposto e traduzido na cabeça do homem.Critiquei o lado mistificador da dialética hegeliana háquase trinta anoss, quando ela ainda estava na moda. Masquando eu elaborava o primeiro volume de O capital, osenfadonhos, presunçosos e medíocres epígonost que hojepontificam na Alemanha culta acharam-se no direito detratar Hegel como o bom Moses Mendelssohn tratavaEspinosa na época de Lessing: como um “cachorro morto”.Por essa razão, declarei-me publicamente como discípulodaquele grande pensador e, no capítulo sobre a teoria dovalor, cheguei até a coquetear aqui e ali com seus modospeculiares de expressão. A mistificação que a dialética so-fre nas mãos de Hegel não impede em absoluto que eletenha sido o primeiro a expor, de modo amplo e con-sciente, suas formas gerais de movimento. Nele, ela se en-contra de cabeça para baixo. É preciso desvirá-la, a fim dedescobrir o cerne racional dentro do invólucro místico.Em sua forma mistificada, a dialética esteve em modana Alemanha porque parecia glorificar o existente. Em suaconfiguração racional, ela constitui um escândalo e umhorror para a burguesia e seus porta-vozes doutrinários,uma vez que, na intelecção positiva do existente, inclui, ao
129/1493
mesmo tempo, a intelecção de sua negação, de seu ne-cessário perecimento. Além disso, apreende toda formadesenvolvida no fluxo do movimento, portanto, incluindoo seu lado transitório; porque não se deixa intimidar pornada e é, por essência, crítica e revolucionária.O movimento da sociedade capitalista, repleto decontradições, revela-se ao burguês prático, de modo maiscontundente, nas vicissitudes do ciclo periódico que a in-dústria moderna perfaz e em seu ponto culminante: a crisegeral. Esta já se aproxima novamente, embora ainda se en-contre em seus estágios iniciais e, graças à ubiquidade deseu cenário e à intensidade de seus efeitos, há de inculcar adialética até mesmo nos parvenus [novos ricos] do novoSacro Império Prussiano-Germânico.
Karl MarxLondres, 24 de janeiro de 1873
130/1493

Outros materiais