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Ca´lculo III Departamento de Matema´tica - ICEx - UFMG Marcelo Terra Cunha Integrais Duplas em Regio˜es Limitadas Ou por curiosidade, ou inspirado nas poss´ıveis aplicac¸o˜es, e´ natural querer usar integrais duplas em regio˜es na˜o necessariamente retangulares. Isso pode ser feito, com algumas exigeˆncias ou naturais ou te´cnicas. Discutiremos aqui regio˜es limitadas. Ha´ algumas sutilezas que na˜o sa˜o abordadas em um curso de ca´lculo sobre a forma que uma regia˜o deve ter. Vamos esconder atra´s da expressa˜o “regia˜o bem comportada” todas essas exigeˆncias, que sa˜o satisfeitas por todas as regio˜es que aparecera˜o nesta discussa˜o. Em especial, uma regia˜o e´ dita limitada quando e´ um subconjunto de algum retaˆngulo [a, b]× [c, d]. Do ponto de vista abstrato, pode-se considerar a integral dupla de uma func¸a˜o f em uma regia˜o limitada R como a integral no retaˆngulo [a, b]× [c, d] da func¸a˜o que coincide com f em R e e´ nula fora de R. Ou trabalhar definindo partic¸o˜es desta regia˜o limitada e por somas de Riemann definir a integral dupla. Novamente, os resultados mais interessantes na˜o veˆem da definic¸a˜o da integral para regio˜es mais gerais, mas sim da sua utilizac¸a˜o. 2.1 Algumas regio˜es especiais Existem algumas regio˜es planas particularmente importantes, e adequadas para se trabalhar. Considere duas func¸o˜es γ, φ : [a, b] → R, com γ (x) ≤ φ (x)∀x ∈ [a, b]. Agora considere a regia˜o definida por R = { (x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ b, γ (x) ≤ y ≤ φ (x)} . Exerc´ıcio: Fac¸a uma figura que ilustre uma regia˜o como esta, identificando as constantes a e b e as func¸o˜es γ e φ. Regio˜es como essa, que alguns autores chamam de “Tipo I”, sa˜o par- ticularmente adequadas para se calcular integrais duplas usando integrais iteradas, ja´ que pode-se mostrar que∫ ∫ R f (x, y) dA = ∫ b a ∫ φ(x) γ(x) f (x, y) dy dx. 1 Voceˆ pode interpretar este resultado de duas maneiras distintas, mas comple- mentares. Por um lado pode pensar que para cada valor fixo de x, a regia˜o de integrac¸a˜o “comec¸a” em y = γ (x) e “termina” em y = φ (x). Por outro, pode escolher c < γ (x) e d > φ (x) e considerar que esta´ fazendo a integral no retaˆngulo [a, b] × [c, d] da func¸a˜o que coincide com f em R e e´ nula fora de R. Mas isso significa que, para cada valor de x, a func¸a˜o vale zero para c ≤ y < γ (x) e para φ (x) < y ≤ d, restando apenas calcular a integral com y variando de γ (x) ate´ φ (x). Caso ana´logo e´ dado quando se escolhem func¸o˜es α, β : [c, d] → R e a regia˜o R = { (x, y) ∈ R2 : c ≤ y ≤ d, α (y) ≤ x ≤ β (y)} . Exerc´ıcio: Fac¸a uma figura tambe´m para este caso. Regio˜es assim sa˜o chamadas “Tipo II”. Novamente e´ simples calcular integrais duplas, agora fazendo∫ ∫ R f (x, y) dA = ∫ d c ∫ β(y) α(y) f (x, y) dx dy. Interpretac¸o˜es ana´logas a`s anteriores podem ser feitas aqui. 2.2 Por que essas regio˜es na˜o sa˜o ta˜o especi- ais assim... E´ claro que dada uma regia˜o limitada arbitra´ria, ela na˜o e´ nem do tipo I nem do tipo II. Mas o que torna tais regio˜es importantes, ale´m da facilidade intr´ınseca em lidar com elas, e´ que se temos uma regia˜o qualquer R e atrave´s de uma linha separamos duas subregio˜es R1 e R2, de modo que R = R1∪R2, para toda func¸a˜o integra´vel vale∫ ∫ R f (x, y) dA = ∫ ∫ R1 f (x, y) dA+ ∫ ∫ R2 f (x, y) dA. A condic¸a˜o essencial para este resultado e´ que as regio˜es R1 e R2 tenham intersecc¸a˜o “essencialmente vazia”, ou seja, sem a´rea. Por isso foi usada a ide´ia de separar essas regio˜es por uma linha. Novamente, devemos nos con- centrar nos casos que aparecem nos primeiros exemplos, ao inve´s de procurar diretamente quando essas condic¸o˜es falham. 2 Com esta propriedade, podemos sempre “quebrar” uma regia˜o limitada arbitra´ria em regio˜es mais simples de se trabalhar. De certa forma, as regio˜es “tipo I” e “tipo II” sa˜o os “tijolinhos” para que “brinquemos de Lego” para calcular integrais duplas. 2.3 Teorema de Fubini e Mudanc¸a na Ordem de Integrac¸a˜o Um caso ainda mais interessante acontece quando uma regia˜o e´, ao mesmo tempo, do tipo I e do tipo II. Neste caso, qualquer das ordens de integrac¸a˜o e´ va´lida e, ainda mais que no caso de retaˆngulos, a escolha da ordem de integrac¸a˜o pode distinguir um exerc´ıcio fa´cil de um imposs´ıvel. Vamos dar duas descric¸o˜es para uma mesma regia˜o, e voceˆ deve fazer uma figura para visualiza´-la das duas formas: T = {(x, y) : 0 ≤ x ≤ 1, 0 ≤ y ≤ x} = {(x, y) : 0 ≤ y ≤ 1, y ≤ x ≤ 1} . Aproveitando as duas descric¸o˜es acima da regia˜o T , note que∫ 1 0 ∫ 1 y ex 2 dx dy = ∫ ∫ T ex 2 dA = ∫ 1 0 ∫ x 0 ex 2 dy dx = ∫ 1 0 xex 2 dx = [ 1 2 ex 2 ]x=1 x=0 = 1 2 (e− 1) . Para que fique claro como tais exemplos abundam, sa˜o regio˜es tanto de tipo I quanto II triaˆngulos (e todo pol´ıgono pode ser decomposto em triaˆngulos), c´ırculos, elipses e va´rias outras regio˜es. 2.4 Ca´lculo de A´reas e outras aplicac¸o˜es Falamos muito em integrar func¸o˜es e nas aplicac¸o˜es ja´ pensamos em den- sidades de massa, carga... mas ha´ uma aplicac¸a˜o muito mais simples, que vem da seguinte interpretac¸a˜o: o que acontece quando integramos a func¸a˜o constante igual a 1 em uma regia˜o R? 3 Novamente temos (pelo menos) duas maneiras de pensar nessa questa˜o. Uma e´ pensar que esta func¸a˜o e´ na˜o-negativa, portanto podemos interpretar essa integral como um volume abaixo do gra´fico. O gra´fico e´ parte do plano z = 1, assim o so´lido em questa˜o sera´ um cilindro sobre R (o cilindro mais conhecido e´ o cilindro circular, mas ele na˜o e´ o u´nico). Tal volume e´ dado, geometricamente, por V = Abh, onde Ab e´ a a´rea da base e h a altura, que neste caso vale 1. Portanto, a integral dupla da func¸a˜o constante igual a 1 da´ a a´rea da regia˜o onde se fez a integral. A outra maneira de chegar a` mesma conclusa˜o, mais geome´trica e direta, e´ lembrar da origem da integral dupla, via somas de Riemann (veja resumo da aula 1). Se a func¸a˜o a se integrada e´ constante, ela pode sair do somato´rio, por ser um fator comum (no caso em que vale 1, esse fator sequer precisa ser escrito), e assim, qualquer soma de Riemann para esta func¸a˜o nesta regia˜o se reduz a` soma das a´reas de cada pequena regia˜o da partic¸a˜o. Esta soma da´ a a´rea da regia˜o toda. Por qualquer das interpretac¸o˜es, conclu´ımos que∫ ∫ R 1 dA = A (R) , onde e´ usual omitir o 1 nesta notac¸a˜o. Vamos destacar mais uma aplicac¸a˜o bastante importante: o ca´lculo de me´dias. A primeira noc¸a˜o de me´dia que aprendemos e´ a me´dia aritme´tica: para uma quantidade finita de dados (por exemplo, a altura de cada estudante de uma turma), somamos todos eles e dividimos pela quantidade de dados. Uma segunda, um pouco mais sofisticada, e´ a de me´dia ponderada: cada dado pode ter um peso diferente na conta: multiplicamos o valor do dado pelo seu peso e dividimos pela soma dos pesos. O mesmo exemplo das alturas de estudantes de uma turma pode ser pensado em termos de me´dias ponderadas, se, por exemplo, considerarmos as alturas com precisa˜o de cent´ımetros e contarmos quantos estudantes teˆm cada altura (em geral a quantidade de alturas e´ menor que a quantidade de estudantes, e cada altura ganha como “peso” a quantidade de alunos que teˆm essa altura). No ca´lculo I voceˆ deve ter aprendido a generalizar estes conceitos para func¸o˜es reais definidas em um intervalo. Se queremos a o valor me´dio de uma func¸a˜o f : [a, b]→ R, devemos calcular 1 b− a ∫ b a f (x) dx. 4 Esta e´ uma generalizac¸a˜o da ide´ia de me´dia aritme´tica. Se, por outro lado, temos ainda uma func¸a˜o ρ que faz o papel do “peso” na me´dia ponderada, a generalizac¸a˜o adequada e´ ∫ b a f (x) ρ (x) dx∫ b a ρ (x) dx . Este e´ o valor me´dio da func¸a˜of no intervalo [a, b] com a densidade ρ. As generalizac¸o˜es para func¸o˜es de duas varia´veis sa˜o imediatas. Se quer- emos o valor me´dio de uma func¸a˜o f : R→ R onde R e´ uma regia˜o limitada, sem levar qualquer densidade em considerac¸a˜o, devemos calcular 1 A (R) ∫ ∫ R f (x, y) dA. Ja´ quando temos uma densidade ρ em jogo, a conta que se deve fazer e´∫ ∫ R f (x, y) ρ (x, y) dA∫ ∫ R ρ (x, y) dA . Excelentes exemplos desta situac¸a˜o geral sa˜o as determinac¸o˜es das coor- denadas do centro de massa, ou do centro de carga, de placas com densidades (de massa ou carga, respectivamente) conhecidas. Como u´ltimo exerc´ıcio teo´rico da aula, voceˆ deve escrever expresso˜es para as coordenadas (X, Y ) do centro de massa de uma placa que ocupa a regia˜o R e tem densidade de massa dada por ρ (x, y). 5
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