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Transtornos Mentais INTRODUÇÃO OS TRANSTORNOS MENTAIS E O ENCÉFALO UMA ABORDAGEM PSICOSSOCIAL DOS TRANSTORNOS MENTAIS UMA ABORDAGEM BIOLÓGICA DOS TRANSTORNOS MENTAIS ■ Quadro 22.1 A Rota da Descoberta: Neurociências, Genes e Transtornos Mentais, por Steven E. Hyman TRANSTORNOS DE ANSIEDADE UMA DESCRIÇÃO DOS TRANSTORNOS DE ANSIEDADE O Transtorno do Pânico A Agorafobia ■ Quadro 22.2 De Especial Interesse: Agorafobia com Ataques de Pânico O Transtorno Obsessivo-Compulsivo AS BASES BIOLÓGICAS DOS TRANSTORNOS DE ANSIEDADE A Resposta de Estresse A Regulação do Eixo HPA pela Amígdala e pelo Hipocampo TRATAMENTOS PARA OS TRANSTORNOS DE ANSIEDADE Psicoterapia Medicações Ansiolíticas TRANSTORNOS DO HUMOR UMA DESCRIÇÃO DOS TRANSTORNOS DO HUMOR A Depressão Maior O Transtorno Bipolar ■ Quadro 22.3 De Especial Interesse: Um Laranjal Mágico em um Pesadelo AS BASES BIOLÓGICAS DOS TRANSTORNOS DO HUMOR A Hipótese Monoaminérgica A Hipótese Diátese-Estresse TRATAMENTOS PARA OS TRANSTORNOS DO HUMOR Eletroconvulsoterapia Psicoterapia Antidepressivos Lítio ESQUIZOFRENIA UMA DESCRIÇÃO DA ESQUIZOFRENIA AS BASES BIOLÓGICAS DA ESQUIZOFRENIA Os Genes e o Ambiente A Hipótese Dopaminérgica A Hipótese Glutamatérgica TRATAMENTOS PARA A ESQUIZOFRENIA CONSIDERAÇÕES FINAIS 22 C A P Í T U L O 22 Bear_22.indd 661Bear_22.indd 661 07.02.08 17:39:3807.02.08 17:39:38 662 C A P Í T U L O 2 2 • TRANSTORNOS MENTAIS INTRODUÇÃO ▼ A Neurologia é um ramo da medicina que estuda o diagnóstico e o tratamento dos distúrbios do sistema nervoso. Já discutimos vários distúrbios neurológi- cos neste livro, desde a esclerose múltipla até a afasia. Além de serem signi- fi cativos e fascinantes por si, os distúrbios neurológicos ajudam a ilustrar o papel dos processos fi siológicos na função encefálica normal – por exemplo, a importância da mielina para a condução do potencial de ação e o papel do lobo frontal na linguagem. A Psiquiatria, por outro lado, tem um foco diferente. Esse ramo da medici- na se preocupa com o diagnóstico e o tratamento dos transtornos que afetam a mente, ou a psique. (Na mitologia grega, a bela jovem Psique era a perso- nifi cação da alma humana.) Já se acreditou que alguns aspectos da função encefálica que estão alterados nos transtornos mentais – nossos medos, nosso humor e nossos pensamentos – estariam além dos limites das neurociências. Entretanto, como vimos nos primeiros capítulos da Parte III deste livro, muitas das funções encefálicas superiores já começaram a ter seus segredos desvenda- dos. Existe, hoje, uma expectativa concreta de que as neurociências ajudarão a resolver os enigmas dos transtornos mentais. Neste capítulo, discutiremos alguns dos transtornos psiquiátricos mais pre- valentes e mais graves: os transtornos da ansiedade, do humor e a esquizofre- nia. Mais uma vez, veremos o quanto se pode aprender a respeito do sistema nervoso estudando o que acontece quando as coisas dão errado. OS TRANSTORNOS MENTAIS E O ENCÉFALO ▼ O comportamento humano é o produto da atividade encefálica, e o encéfalo é o produto de dois fatores que interagem: a hereditariedade e o ambiente. Obviamente, um fator determinante de sua individualidade é o seu ADN, que, a menos que você tenha um irmão gêmeo idêntico, é único. Isso signifi ca que, fi sicamente, o seu encéfalo é diferente de todos os outros, assim como suas digitais. O segundo fator que faz de seu encéfalo uma entidade única é sua história de experiências pessoais. As experiências podem incluir traumas e doenças, mas, como vimos no caso da plasticidade do mapa somatossensorial (Capítulo 12), a própria percepção do ambiente pode produzir marcas perma- nentes no encéfalo. (Retornaremos a esse tema na Parte IV, quando discutir- mos desenvolvimento, aprendizado e memória.) Assim, apesar da semelhança física que você compartilha com seu irmão gêmeo idêntico, em uma escala mais fi na, nem seus encéfalos, nem seus comportamentos são idênticos. Para complicar mais um pouco as coisas, variações na composição genética e nas experiências fazem com que o encéfalo apresente diferentes suscetibilidades a modifi cações por experiências subseqüentes. São essas variações genéticas e de experiência, todas expressas, em última análise, via mudanças físicas no encéfalo, que levam ao aparecimento da enorme variedade de comportamen- tos exibidos pela população humana. Saúde e doença são dois pontos situados em um contínuo de funções cor- porais, e o mesmo pode ser dito acerca da saúde mental e da doença mental. Enquanto qualquer um de nós tem alguma característica bizarra, um indivíduo é dito “mentalmente doente” quando apresenta um transtorno diagnosticável do pensamento, do humor ou do comportamento, que causa difi culdades de adaptação ou prejuízo funcional. Uma herança infeliz de nossa antiga ignorân- cia acerca do encéfalo é a distinção entre saúde “física” e “mental”. As raízes fi losófi cas dessa distinção podem ser traçadas até a proposição de Descartes de separação do corpo e da mente (ver o Capítulo 1). Distúrbios do corpo (que, para Descartes, incluíam o encéfalo) tinham uma base orgânica e deviam ser preocupação dos médicos e da medicina. Transtornos da mente, por outro lado, eram espirituais ou morais, e deles se ocupavam o clero e a religião. Essa dico- tomia foi reforçada pelo fato de que a maioria dos transtornos do humor, do pensamento e do comportamento vinham, até muito recentemente, resistindo às explicações e tratamentos de natureza biológica. Bear_22.indd 662Bear_22.indd 662 07.02.08 17:39:3907.02.08 17:39:39 ▼ OS TRANSTORNOS MENTAIS E O ENCÉFALO 663 Uma Abordagem Psicossocial dos Transtornos Mentais Um importante avanço na secularização da doença (ou transtorno) mental foi o aparecimento da psiquiatria como uma disciplina médica voltada para o tratamento dos transtornos do comportamento humano. O neurologista e psiquiatra austríaco Sigmund Freud (1856-1939) teve uma enorme infl uência nesse campo, especialmente nos Estados Unidos (Figura 22.1). A teoria da psi- canálise de Freud baseava-se em duas hipóteses: (1) que muito da vida mental é inconsciente (além da percepção consciente), e (2) que as experiências pas- sadas, particularmente as da infância, determinam como uma pessoa sentirá e responderá durante toda a vida. De acordo com Freud, o transtorno mental resulta de um confl ito de elementos conscientes e inconscientes da psique. A maneira de resolver esse confl ito e tratar o transtorno mental seria ajudar o paciente a desvendar os segredos escondidos em seu inconsciente. Geralmen- te esses segredos sombrios estão relacionados com incidentes (p. ex., algum abuso sexual, físico ou mental) que ocorreram na infância e foram suprimidos pela consciência. Uma teoria diferente acerca da personalidade, defendida pelo psicólogo B.F. Skinner (1904-1990), da Universidade de Harvard, baseia-se na hipótese de que muitos comportamentos são respostas aprendidas ao ambiente. O behaviorismo rejeita a noção de confl itos reprimidos e do inconsciente e concentra-se, em vez disso, em comportamentos observáveis e seu controle pelo ambiente. No Capítulo 16, aprendemos acerca de algumas das forças que motivam o com- portamento. A probabilidade de um tipo de comportamento ocorrer aumenta quando ele satisfaz uma ânsia ou produz uma sensação de prazer (reforço posi- tivo) e diminui quando as conseqüências são interpretadas como desprazerosas ou insatisfatórias (reforço negativo). De acordo com essa teoria, os transtornos mentais podem representar comportamentos mal-adaptados que foram apren- didos. O tratamento consiste em tentativas ativas de “fazer desaprender” por meio de modifi cações do comportamento, seja pela introdução de novos tipos de reforços comportamentais, seja dando oportunidades para o pacienteobser- var e reconhecer respostas comportamentais mais apropriadas. Essas abordagens “psicossociais” de tratar o transtorno mental têm sólidas bases neurobiológicas. O encéfalo é modifi cado estruturalmente pelo apren- dizado e por experiências precoces, e essas modifi cações alterarão as respostas comportamentais. O tratamento baseia-se na psicoterapia, o uso da comunica- ção verbal para ajudar o paciente. É claro que a “terapia usando a fala” não é apropriada para todos os transtornos mentais, assim como um antibiótico não é apropriado para todas as infecções. No entanto, até a recente revolução na psi- quiatria biológica, variações na psicoterapia eram as únicas ferramentas dispo- níveis para os psiquiatras. Além disso, apesar de o fator “culpa” ter-se deslocado do caráter moral para as experiências da infância, a psicoterapia acabou contri- buindo para o estigma de que o transtorno mental (ao contrário das doenças físicas) poderia desaparecer pela força de vontade. O próprio Freud reconheceu as falhas da psicoterapia, escrevendo que as “defi ciências na nossa descrição [psicanalítica] provavelmente desapareceriam se já estivéssemos em posição de substituir os termos psicológicos por termos fi siológicos ou químicos” (1920, p. 54). Agora, quase um século depois, as neurociências avançaram a um ponto em que esse objetivo parece atingível. Uma Abordagem Biológica dos Transtornos Mentais Um sucesso espetacular no diagnóstico biológico precoce e no tratamento dos transtornos mentais ocorreu, na verdade, no tempo de Freud. Um transtorno psiquiátrico bastante importante no começo do século XX, chamado de paresia geral do insano, afl igia 10 a 15% dos pacientes de instituições psiquiátricas. O transtorno tinha um curso progressivo, começando com sintomas de mania – excitação, euforia e delírios de grandeza –, evoluía para deterioração cognitiva e, por fi m, paralisia e morte. Inicialmente, atribuiu-se essa enfermidade a fatores psicológicos, mas, posteriormente, descobriu-se que a causa era uma infecção FIGURA 22.1 Sigmund Freud. Freud propôs teorias psicanalíticas para os transtornos mentais. Bear_22.indd 663Bear_22.indd 663 07.02.08 17:39:3907.02.08 17:39:39 664 C A P Í T U L O 2 2 • TRANSTORNOS MENTAIS Quadro 22.1 A R O T A D A D E S C O B E R T A Em 1996, tornei-me diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental (nos Estados Unidos; NIMH, da sigla em inglês), cuja mis- são é realizar e apoiar pesquisas que visem a eliminar os sofri- mentos e as incapacidades causados por doenças mentais. Em- bora o termo “doença mental” seja um anacronismo, originado da era anterior às neurociências, o impacto desses transtornos é atual e muito real. A depressão sozinha é a principal causa de incapacidades e também a maior causa de suicídios no mundo todo. Essas condições, que incluem a esquizofrenia, o transtorno bipolar, o autismo e o transtorno obsessivo-compulsivo, tipica- mente iniciam cedo e assumem um curso crônico ou recorren- te. Uma vez que os transtornos mentais causam prejuízos em vários aspectos da cognição, da emoção e do comportamento, eles prejudicam a capacidade da pessoa para o trabalho ou para o estudo. Apesar de seus efeitos profundamente negativos, os transtornos mentais têm sido mal compreendidos e estigma- tizados, exacerbando o sofrimento dos pacientes e familiares e interferindo no acesso a cuidados médicos. Meu objetivo como diretor do NIMH, construído sobre o trabalho de tantos outros, era trazer a investigação dos trans- tornos mentais para as tendências atuais da biologia e da medi- cina e ajudar a mudar a percepção pública, de modo que esses transtornos fossem vistos como transtornos do encéfalo, ao em vez de falhas de propósitos. As principais vias para esses objetivos eram as neurociências e a genética. A genética foi es- pecialmente importante para o NIMH por duas razões. Primei- ro, muitos transtornos mentais são fortemente infl uenciados pela genética. Segundo, dada a surpreendente complexidade do encéfalo, o estudo de genes que representassem um risco poderia fornecer um atalho para a descoberta de mecanismos subjacentes a esses transtornos. No entanto, próximo à virada do século, mesmo com o Projeto Genoma Humano rumando para um término bem sucedido, obstáculos signifi cativos ain- da existiam. Diversas ligações de marcadores genéticos com transtornos mentais amplamente relatadas foram rapidamente seguidas por fracassos em replicar os achados. Alguns pesqui- sadores começaram a perguntar se a dissecação genética dos transtornos mentais era cientifi camente exeqüível. Juntamente com esses desafi os científi cos, em meados da década de 1990, o NIMH enredou-se em controvérsias acerca da aplicação da genética fora do estudo de transtor- nos, especifi camente na pesquisa acerca da agressividade e do comportamento criminoso. Enquanto o estudante das neu- rociências modernas pode ver a genética humana como uma ferramenta crítica para a compreensão do funcionamento do encéfalo e das doenças, a aplicação da genética ao comporta- mento humano tem um passado sombrio. Entre 1907 e 1944, programas eugênicos nos Estados Unidos levaram a mais de 40.000 esterilizações, em 30 estados, de pessoas com retardo mental ou com transtornos mentais, ou que apresentassem outros comportamentos considerados indesejáveis. O entu- siasmo pela eugenia terminou apenas com o reconhecimento de seu papel para justifi car o assassinato em massa na Alema- nha Nazista. A oposição à pesquisa da genética do comporta- mento ressurgiu na segunda metade do século XX. Os oposi- tores acreditavam que uma visão genética da inteligência e de comportamentos problemáticos encorajaria o determinismo fatalista em políticas sociais e reforçaria estereótipos negati- vos de algumas minorias. Paradoxalmente, a mesma observação fundamental, que poderia ter confortado aqueles que temiam uma genética do comportamento determinística, também frustraria aqueles que acreditavam que a genética aceleraria a cura de terríveis transtornos. Enquanto os genes desempenham um papel sig- nifi cativo em fenótipos comportamentais comuns, incluindo transtornos mentais, esses traços parecem ser “geneticamen- te complexos”, ou seja, resultam da interação de um grande número de genes e fatores não-genéticos. Distúrbios de um único gene, incluindo transtornos do comportamento, tendem a resultar de fenótipos graves, que diminuem a adequação re- produtiva e que, portanto, são raros. Modelos determinísticos simples – por exemplo, a “existência de um gene da inteligência ou um gene para a depressão” – não parecem relevantes para fenótipos comportamentais comuns. Essas difi culdades reforçam a necessidade de que as neu- rociências refi nem fenótipos e, assim, minimizem a heteroge- neidade em estudos genéticos. Dado o efeito relativamente pequeno de quaisquer determinados genes, grandes números de participantes serão necessários para alcançar “poder esta- tístico” para a detecção de alelos de risco. Estabeleci então uma política que gerou controvérsia, ao requerer dos pesquisa- dores que apoiávamos (com fundos pagos pelo contribuinte) que armazenassem amostras de ADN (às custas do NIMH), juntamente com amplos dados de fenótipos, e os deixassem disponíveis a outros investigadores que estivessem elaborando grandes bancos de dados ou experimentando novas tecnolo- gias. Além disso, o NIMH começou a contribuir para o desen- volvimento de novas tecnologias para a utilização na análise genética, não apenas de transtornos mentais, mas de todas as doenças geneticamente complexas. Ainda não sabemos se tivemos sucesso na obtenção de in- formações genéticas ou neurobiológicas úteis para uma maior compreensão e para novos tratamentos dos transtornos men- tais. Um grande número de pessoas depende de nosso sucesso. Talvez um dos estudantesque utilizam este livro vá juntar-se a nós nesse empreendimento desafi ador e de crítica importância. Neurociências, Genes e Transtornos Mentais por Steven E. Hyman Bear_22.indd 664Bear_22.indd 664 07.02.08 17:39:4007.02.08 17:39:40 ▼ TRANSTORNOS DE ANSIEDADE 665 encefálica pelo Treponema pallidum, o microrganismo causador da sífi lis. Assim que a causa foi estabelecida, tratamentos efetivos rapidamente apareceram. Ao redor de 1910, o microbiologista alemão Paul Ehrlich estabeleceu que a droga arsfenamina podia agir como uma “bala mágica”, matando o T. pallidum no san- gue, sem causar danos ao seu hospedeiro humano. Posteriormente, demons- trou-se que o antibiótico penicilina (descoberto em 1928 pelo microbiologista inglês Alexander Fleming) era tão efetivo contra o T. pallidum que as infecções encefálicas já existentes puderam ser completamente erradicadas. Assim, quan- do a penicilina tornou-se amplamente disponível no fi nal da II Guerra Mundial, um importante transtorno psiquiátrico foi praticamente eliminado. Muitas outros transtornos mentais têm suas causas biológicas estabeleci- das. Por exemplo, a defi ciência de niacina (uma vitamina do complexo B) na dieta pode causar agitação, difi culdade de raciocínio e depressão. A entrada do vírus da imunodefi ciência humana (HIV, da sigla em inglês) no encéfalo cau- sa problemas progressivos na cognição e no comportamento. Recentemente, uma forma de transtorno obsessivo-compulsivo (discutido a seguir) foi rela- cionada com a resposta auto-imune acionada por faringite estreptocócica em crianças. A compreensão das causas dessas doenças nos permitirá estabele- cer tratamentos e, por fi m, chegar à cura dos transtornos mentais associados (Quadro 22.1). Por outro lado, transtornos mentais graves também ocorrem em indivíduos bem-nutridos e livres de infecção. Apesar de as causas ainda serem desconhe- cidas, é seguro dizer que as raízes dessas doenças encontram-se em alterações na anatomia, química e função do encéfalo. A seguir, examinaremos os princi- pais transtornos psiquiátricos e veremos como as neurociências têm contribuído para sua compreensão e tratamento. TRANSTORNOS DE ANSIEDADE ▼ O medo é uma resposta adaptativa a situações de perigo. Como aprendemos no Capítulo 18, o medo é expresso pela resposta de luta-ou-fuga, mediada pela di- visão simpática do sistema nervoso vegetativo (SNV) (ver o Capítulo 15). Mui- tos medos são inatos e característicos de cada espécie: um camundongo não precisa aprender a ter medo de um gato. No entanto, o medo também pode ser aprendido. Um toque em uma cerca eletrifi cada geralmente é mais que su- fi ciente para que um cavalo aprenda a temê-la. O valor adaptativo do medo é evidente. Como diz o ditado dos aviadores: “Existem pilotos velhos e existem pilotos audaciosos, mas não existem pilotos velhos e audaciosos”. Contudo, o medo não é uma resposta apropriada ou adaptativa em todas as circunstâncias. A expressão inadequada de medo caracteriza os transtornos de ansiedade, os mais comuns dos transtornos psiquiátricos. Uma Descrição dos Transtornos de Ansiedade As estimativas apontam que, no período de um ano, mais de 15% dos norte- americanos sofrerão de algum dos transtornos de ansiedade reconhecidos, lis- tados na Tabela 22.1. Apesar de diferirem em termos dos estímulos que evo- cam a ansiedade (reais ou imaginários) e das respostas comportamentais que o indivíduo utiliza para tentar diminuí-la, esses transtornos têm, em comum, a expressão patológica de medo. O Transtorno do Pânico. Ataques de pânico são sentimentos repentinos de intenso terror, que ocorrem sem qualquer aviso. Os sintomas incluem palpi- tação, sudorese, tremor, falta de ar, dores no peito, náusea, tonturas, sensação de formigamento e calafrios ou “calorões”. A maioria das pessoas reporta um medo opressivo de estar morrendo ou enlouquecendo, fogem do local onde o ataque começou e, freqüentemente, buscam assistência médica. Os ataques têm curta duração, geralmente durando menos de 30 minutos. Ataques de pânico podem ocorrer em resposta a estímulos específi cos e podem ser uma Bear_22.indd 665Bear_22.indd 665 07.02.08 17:39:4007.02.08 17:39:40 666 C A P Í T U L O 2 2 • TRANSTORNOS MENTAIS característica de diversos transtornos de ansiedade, mas também podem ocor- rer espontaneamente. A condição que os psiquiatras chamam de transtorno do pânico é carac- terizada por ataques de pânico recorrentes, aparentemente não-provocados, se- guidos de uma preocupação persistente acerca da possibilidade de sofrer novos ataques. Cerca de 2% da população sofre de transtorno do pânico, sendo esse duas vezes mais comum em mulheres do que em homens. Sua manifestação inicial ocorre comumente após a adolescência e antes dos 50 anos. Metade dos indivíduos que sofre de transtorno do pânico também apresentará depressão maior (ver a seguir), e 25% deles poderão tornar-se alcoolistas ou desenvolver problemas com outras drogas de abuso. A Agorafobia. A agorafobia (do grego “medo de praças abertas”) caracte- riza-se por uma grave ansiedade com respeito a estar em situações das quais parece difícil ou embaraçoso escapar. A ansiedade leva os pacientes a evitar situações percebidas irracionalmente como ameaçadoras, como fi car sozinho fora de casa, em uma multidão, em um carro ou avião, em uma ponte ou em um elevador. A agorafobia é freqüentemente uma conseqüência adversa do transtorno do pânico, como descrito na situação do Quadro 22.2. Cerca de 5% da população é agorafóbica, com a incidência em mulheres sendo duas vezes maior do que em homens. O Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Pessoas com o transtorno obsessi- vo-compulsivo (TOC) apresentam obsessões, que são pensamentos, imagens, idéias ou impulsos recorrentes que se impõem e que são percebidos como ina- propriados, grotescos ou proibidos. São temas comuns pensamentos de conta- minação com germes ou fl uidos corporais, idéias de que se tenha causado mal a alguém, e impulsos violentos ou sexuais. Esses pensamentos são reconhecidos como de natureza estranha e evocam considerável ansiedade. Pessoas com TOC também apresentam compulsões, comportamentos ou atos mentais repetitivos, realizados para diminuir a ansiedade associada às obsessões. Exemplos são as repetidas lavagens de mãos, ou o contar e conferir para se ter certeza de que alguma coisa não está fora do lugar. O TOC afeta mais de 2% da população, com igual incidência em homens e mulheres. Esse transtorno geralmente aparece no início da vida adulta, e os sintomas fl utuam em resposta aos níveis de estresse. Tabela 22.1 Transtornos da Ansiedade NOME DESCRIÇÃO Transtorno do Pânico Freqüentes ataques de pânico, consistindo em episódios discretos com início súbito, de intensa apreensão, medo extremo e terror, geralmente associados a sentimentos de morte iminente Agorafobia Ansiedade acerca de, ou evitação de, lugares ou situações de onde escapar pode ser difícil ou embaraçoso, ou onde o socorro pode não ser possível no caso de um ataque de pânico Transtorno obsessivo-compulsivo Obsessões que podem causar intensa ansiedade ou perturbação e/ou compulsão, que serve para neutralizar a ansiedade Transtorno de ansiedade generalizada Mínimo de seis meses de ansiedade e apreensão persistente e excessiva Fobias específi cas Ansiedade clinicamente signifi cativa provocada pela exposição a determinados objeto ou situação temidos, geralmente levando a comportamento de evitação Fobia social Ansiedade clinicamente signifi cativa provocada pela exposição a certas situações sociais ou desempenhos, geralmente levando a comportamentos de evitação Transtorno de estresse pós-traumático Rememoração de um evento extremamente traumático, acompanhada por sintomas de aumento do estado de alerta e de evitação dos estímulos associados ao trauma Fonte: Adaptado daAssociação Psiquiátrica Americana, 2000. Bear_22.indd 666Bear_22.indd 666 07.02.08 17:39:4107.02.08 17:39:41 ▼ TRANSTORNOS DE ANSIEDADE 667 As Bases Biológicas dos Transtornos de Ansiedade Uma predisposição genética já foi estabelecida para muitos dos transtornos de ansiedade, apesar de os genes específi cos ainda não terem sido identifi cados. Outros transtornos de ansiedade parecem ter suas raízes mais ligadas à ocorrên- cia de eventos estressantes da vida. O medo é geralmente evocado por um estímulo aversivo, também chama- do de estressor, e é manifestado por uma resposta conhecida como resposta de estresse. Como mencionado anteriormente, a relação estímulo-resposta pode ser reforçada pela experiência (lembre-se do cavalo e da cerca eletrifi cada), mas também pode ser enfraquecida. Considere, por exemplo, um esquiador profi s- sional, que já não vê uma súbita queda como algo amedrontador. Uma pessoa saudável regula a resposta de estresse por meio do aprendizado. A característica Quadro 22.2 D E E S P E C I A L I N T E R E S S E Para que se possa compreender a angústia e a perturbação causadas pelos transtornos de ansiedade, veja esta descrição de caso, extraída do livro The broken Brain, de Nancy C. An- dreasen: Greg Miller é um programador de computador de 27 anos, solteiro. Quando lhe foi perguntado a respeito de seu maior problema, ele respondeu: “eu tenho medo de sair de casa ou dirigir meu carro”. Os problemas do paciente começaram há aproxima- damente um ano. Na época, ele estava dirigindo sobre uma ponte que devia atravessar todos os dias para ir ao traba- lho. Enquanto dirigia no meio do zumbido de um tráfego de seis pistas, ele começou a pensar (como geralmente fazia) em como seria horrível sofrer um acidente naquela ponte. Seu pequeno e vulnerável conversível VW poderia ser esmagado como uma lata de alumínio, e ele poderia morrer sangrando, com dor, ou poderia fi car aleijado para toda a vida. Seu carro poderia mesmo ser arremessado pela lateral da ponte e mergulhar no rio. Enquanto pensava a respeito dessas possibilidades, ele foi fi cando incrivelmente tenso e ansioso. Olhou para os carros que estavam atrás e na frente e fi cou com medo de bater em algum deles. Sentiu, então, uma intensa onda de medo e pânico. Seu coração começou a bater forte, e ele sentiu como se fosse sufocar. Começou a respirar mais e mais fundo, mas isso só aumentou sua sensação de sufocamento. Seu peito fi cou apertado, e ele começou a achar que poderia morrer de um ataque cardíaco. Ele sen- tiu que alguma coisa horrível iria acontecer com ele logo mais. Parou, então, o carro na faixa da direita, para tentar restabelecer o controle sobre seu corpo e seus sentimen- tos. Um engarrafamento se formou atrás dele, com muitos carros buzinando, enquanto os motoristas passando por ele gritavam obscenidades. Para piorar seu estado de ter- ror, passou também a sentir-se mortifi cado. Cerca de três minutos mais tarde, o sentimento de pânico foi diminuin- do, e foi capaz de prosseguir ao longo da ponte e chegar ao trabalho. Durante o resto do dia, entretanto, ele fi cou apreensivo, sem saber se conseguiria ou não voltar para casa, em sua jornada sobre a ponte, sem vivenciar nova- mente aquele medo incapacitante. Ele foi capaz de fazê-lo nesse dia, porém, nas semanas seguintes, começou a experimentar ansiedade toda vez que se aproximava da ponte, e em três ou quatro ocasiões ele teve ataques de pânico recorrentes. Esses ataques co- meçaram a ocorrer mais freqüentemente, até se tornarem diários. A essa altura, ele estava completamente dominado pelo medo e começou a permanecer em casa, dizendo no trabalho, todos os dias, que estava doente. Ele sabia que seu principal sintoma era um medo irracional de dirigir na ponte, mas também achava possível que tivesse algum problema cardíaco. Consultou o médico da família, que não achou qual- quer evidência de alguma doença grave e lhe disse que seu problema era ansiedade excessiva. O médico prescreveu-lhe um tranqüilizante e lhe disse para tentar voltar ao trabalho. Nos seis meses seguintes, Greg lutou contra o medo de dirigir na ponte. Ele não tinha muito sucesso e freqüen- temente faltava ao trabalho. Finalmente, ele foi colocado de licença por alguns meses e foi aconselhado pelo médi- co da empresa a procurar tratamento psiquiátrico. Greg estava relutante e embaraçado e, em vez de fazer isso, fi cou em casa a maior parte do tempo, lendo, ouvindo música, jogando xadrez com o computador e fazendo vá- rias coisas nas proximidades de casa. Desde que fi casse em casa, ele tinha poucos problemas com relação à an- siedade ou aos terríveis ataques de pânico. No entanto, quando tentava dirigir seu carro, mesmo para um centro de compras próximo, ele, às vezes, voltava a sofrer de ata- ques de pânico. Conseqüentemente, passou a fi car em casa durante praticamente todo o dia e logo tornou-se um tipo recluso. (Andreasen, 1984, pp. 65-66.) Agorafobia com Ataques de Pânico Bear_22.indd 667Bear_22.indd 667 07.02.08 17:39:4107.02.08 17:39:41 668 C A P Í T U L O 2 2 • TRANSTORNOS MENTAIS dos transtornos de ansiedade é a resposta de estresse inadequada, quando o es- tressor não está presente ou quando não houver ameaça imediata. Assim, uma chave para se compreender a ansiedade é saber como a resposta de estresse é regulada pelo encéfalo. A Resposta de Estresse. A resposta de estresse é a reação coordenada que ocorre em função de estímulos ameaçadores. É caracterizada pelos seguintes aspectos: Comportamento de evitação ou ■ esquiva Aumento da vigilância e do alerta ■ Ativação da divisão simpática do SNV ■ Liberação de cortisol pelas glândulas adrenais ■ Não deveria ser uma surpresa que o hipotálamo tenha um papel cen- tral em orquestrar uma resposta humoral, visceromotora e somático-motora apropriada (ver o Capítulo 16). Para se ter uma idéia de como essa resposta é regulada, vamos focar nossa atenção na resposta humoral, que é mediada pelo eixo hipotálamo-hipófi se-adrenal (ou hipotálamo-pituitária-adre- nal, HPA) (Figura 22.2). Hipotálamo Hipófise anterior Estresse Glândula adrenal Rim ACTH Cortisol CRH Mudanças fisiológicas necessárias à resposta de luta-ou-fuga FIGURA 22.2 O eixo hipotálamo-hipófi se-adrenal. O eixo HPA regula a secreção de cortisol pela glândula adrenal em resposta ao estresse. O CRH é o mensageiro químico entre o núcleo paraventricular do hipotálamo e a hipófi se anterior. O ACTH liberado pela hipófi se viaja pela circulação sangüínea até a glândula adrenal, localizada acima do rim, estimulando a liberação de cortisol. O cortisol contribui para a resposta fi siológica do corpo ao estresse. Bear_22.indd 668Bear_22.indd 668 07.02.08 17:39:4107.02.08 17:39:41 ▼ TRANSTORNOS DE ANSIEDADE 669 Como aprendemos no Capítulo 15, o hormônio cortisol, um glicocorticói- de, é liberado pelo córtex da glândula adrenal em resposta a um aumento nos níveis sangüíneos do hormônio adrenocorticotrópico (ACTH). O ACTH é liberado pela hipófi se anterior, em resposta ao hormônio liberador de cor- ticotropina (CRH, do inglês corticotropin-releasing hormone). O CRH é liberado no sangue da circulação portal, pelos neurônios neurossecretores parvocelu- lares, que se localizam no núcleo paraventricular do hipotálamo. Assim, essa parte da resposta de estresse pode ser traçada até a ativação dos neurônios que contêm CRH no hipotálamo. Muito pode ser aprendido acerca dos trans- tornos de ansiedade compreendendo-se como a atividade desses neurônios é regulada. Por exemplo, camundongos manipulados geneticamente, para que ocorra a superexpressão de CRH, apresentam aumento de comportamentos que podem ser interpretados como maior “ansiedade”. Quando os receptores para CRH são eliminados geneticamente,os camundongos apresentam menos comportamentos desse tipo do que animais normais. A Regulação do Eixo HPA pela Amígdala e pelo Hipocampo. Os neu- rônios hipotalâmicos que secretam CRH são regulados por duas estruturas anatômicas que foram estudadas em capítulos anteriores, a amígdala e o hi- pocampo (Figura 22.3). Como aprendemos no Capítulo 18, a amígdala é crí- tica para a resposta de medo. As informações sensoriais entram via amígdala basolateral, onde são processadas e retransmitidas para neurônios no núcleo central. Quando o núcleo central da amígdala se torna ativo, a resposta de es- tresse é acionada (Figura 22.4). A ativação inadequada da amígdala, que pode ser medida por meio de imageamento por ressonância magnética funcional (IRMf) (ver o Quadro 7.3), tem sido relacionada com alguns transtornos de ansiedade. Na seqüência de ativação, após a amígdala, existe uma coleção de neurônios, chamada núcleo próprio da estria terminal. Os neurônios desse núcleo ativam o eixo HPA e a resposta ao estresse. O eixo HPA também é regulado pelo hipocampo. No entanto, a ativação do hipocampo suprime, em vez de estimular, a liberação de CRH. O hipocam- po contém numerosos receptores para glicocorticóides, que são ativados pelo cortisol liberado pela adrenal em resposta à ativação do eixo HPA. As- sim, o hipocampo normalmente participa da regulação por retroalimentação do eixo HPA, inibindo a liberação de CRH (e a subseqüente liberação de ACTH e cortisol) quando o cortisol circulante está em níveis muito altos. A exposição contínua ao cortisol, como ocorre durante os períodos de estresse crônico, pode levar à retração das ramifi cações e à morte dos neurônios hipocampais em ex- FIGURA 22.3 Localização da amígdala e do hipocampo. Amígdala (abaixo do córtex sobreposto) Hipocampo (abaixo do córtex sobreposto) Bear_22.indd 669Bear_22.indd 669 07.02.08 17:39:4207.02.08 17:39:42 670 C A P Í T U L O 2 2 • TRANSTORNOS MENTAIS perimentos realizados em animais (ver o Quadro 15.1). Essa degeneração do hipocampo pode estabelecer um círculo vicioso, no qual a resposta de estresse se torna mais pronunciada, levando a uma maior liberação de cortisol e maio- res danos ao hipocampo. Estudos com neuroimagens do encéfalo de humanos mostram uma diminuição no volume do hipocampo de algumas pessoas que sofrem do transtorno de estresse pós-traumático, um transtorno de ansiedade que é desencadeado por um estresse inescapável (Tabela 22.1). Em resumo, a amígdala e o hipocampo regulam o eixo HPA e a resposta de estresse de uma maneira coordenada (Figura 22.5). Os transtornos de ansieda- de têm sido relacionados tanto com a hiperatividade da amígdala quanto com a diminuição da resposta do hipocampo. É importante termos em conta, porém, que tanto a amígdala quanto o hipocampo recebem informação altamente pro- cessada do neocórtex. Realmente, outro achado consistente em humanos com transtornos de ansiedade tem sido a atividade elevada do córtex pré-frontal. Tratamentos para os Transtornos de Ansiedade Muitos tratamentos para os transtornos de ansiedade estão, hoje, disponíveis. Em muitos casos, os pacientes respondem bem à psicoterapia e ao aconselha- mento; em outros casos, medicação específi ca é preferível. Psicoterapia. Como vimos, existe um forte componente de aprendizado no medo, portanto não é surpresa que a psicoterapia pode ser um tratamento efe- tivo para muitos dos transtornos de ansiedade. O terapeuta aumenta gradual- mente a exposição do paciente aos estímulos que produzem ansiedade, refor- çando a noção de que os estímulos não são perigosos. No nível neurobiológico, o propósito da psicoterapia é alterar as conexões no encéfalo, de modo que esses estímulos, imaginários ou reais, não evoquem mais a resposta de estresse. Medicações Ansiolíticas. Drogas que reduzem a ansiedade são descritas como ansiolíticos e agem alterando a transmissão sináptica química no encé- falo. As principais classes de drogas usadas atualmente para o tratamento dos transtornos de ansiedade são os benzodiazepínicos e os inibidores seletivos da recaptação de serotonina. Lembre-se que o ácido �-aminobutírico (GABA) é um importante neuro- transmissor inibitório do sistema nervoso central. Receptores GABAA possuem Amígdala Amígdala Núcleos basolaterais Núcleo central Hipotálamo Substância cinzenta periaquedutal Sistemas modulatórios difusosInformação sensorial Resposta de estresse Ativação do eixo HPA Ativação do sistema nervoso simpático Comportamento de esquiva Aumento do estado de alerta FIGURA 22.4 Controle da resposta de estresse pela amígdala. A amígdala recebe informação sensorial ascendente do tálamo e recebe aferências descendentes do neocórtex. Essas informações são integradas pelos núcleos basolaterais e retransmitidas para o núcleo central. A ativação do núcleo central leva à resposta de estresse. Amígdala Hipocampo HPA Cortisol + +– FIGURA 22.5 Regulação coordenada do eixo HPA pela amígdala e pelo hipocampo. A ativação da amígdala estimula o eixo HPA e a resposta de estresse (linhas verdes). A ativação do hipocampo, por outro lado, suprime a atividade do eixo HPA (linha vermelha). O hipocampo tem receptores glicocorticóides sensíveis ao cortisol circulante. Assim, o hipocampo é importante para a regulação do eixo HPA por retroalimentação, prevenindo a liberação excessiva de cortisol. Bear_22.indd 670Bear_22.indd 670 07.02.08 17:39:4307.02.08 17:39:43 ▼ TRANSTORNOS DE ANSIEDADE 671 canais de cloreto ativados por esse neurotransmissor, que medeiam potenciais inibitórios pós-sinápticos (PIPSs) rápidos (ver o Capítulo 6). A ação adequada do GABA é crítica para o correto funcionamento do encéfalo: muita inibição re- sulta em coma, e pouca inibição resulta em convulsões. Além do sítio de ligação para o GABA, os receptores GABAA contêm sítios nos quais drogas podem agir para modular fortemente as funções do canal. Os benzodiazepínicos ligam-se a um desses sítios e atuam no sentido de tornar o GABA muito mais efetivo em abrir o canal e produzir a inibição (Figura 22.6). O sítio onde os benzodiazepí- nicos se ligam no receptor parece ser usado, normalmente, por um ligante quí- mico de ocorrência natural no encéfalo, apesar de a identidade dessa molécula endógena ainda não ser conhecida. Os benzodiazepínicos, dos quais provavelmente o Valium (diazepam) é o mais conhecido, são altamente efetivos para o tratamento da ansiedade agu- da. De fato, praticamente todas as drogas que estimulam a ação do GABA são ansiolíticas, inclusive o álcool etílico. A redução da ansiedade provavelmente pode explicar, pelo menos em parte, o amplo uso social do álcool. Os efeitos ansiolíticos do álcool também são um motivo óbvio para o fato de os distúrbios da ansiedade e o abuso do álcool andarem juntos. Podemos inferir que os efeitos calmantes dos benzodiazepínicos se devem à supressão da atividade dos circuitos encefálicos utilizados na resposta de es- tresse. Tratamento com benzodiazepínicos talvez seja necessário para restau- rar a função normal desses circuitos. De fato, um estudo com pacientes com transtorno do pânico, usando tomografi a por emissão de pósitrons (TEP) (ver o Quadro 7.3), mostrou que o número de sítios de ligação para benzodiazepínicos está reduzido em regiões do córtex frontal que mostram hiper-responsividade durante a ansiedade (Figura 22.7). Tais achados são promissores, não somente porque podem revelar os sítios de ação dos benzodiazepínicos no encéfalo, mas também porque sugerem que uma alteração na regulação endógena dos recep- tores GABA seja uma causa dos transtornos de ansiedade. Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs), dos quais o Prozac (fl uoxetina) é o mais conhecido, são amplamente utilizados para o tratamentodos transtornos do humor, como discutiremos a seguir. Os ISRSs, entretanto, também são altamente efetivos no tratamento dos transtornos de ansiedade, incluindo especialmente o TOC. Lembre-se que a serotonina é libe- FIGURA 22.6 A ação dos benzodiazepínicos. Os benzodiazepínicos ligam-se a um sítio do receptor GABAA, tornando-o muito mais responsivo ao GABA, que é o principal neurotransmissor inibitório do prosencéfalo. O etanol pode ligar-se a um sítio diferente, no mesmo receptor, também tornando-o mais responsivo ao GABA. Canal de cloreto ativado por GABA (receptor GABAA) Benzodiazepínico Etanol GABA FIGURA 22.7 Diminuição da ligação de benzodiazepínicos marcados (radioativos) em um paciente com transtorno do pânico. Imagem por TEP no plano horizontal do encéfalo de uma pessoa sadia (à esquerda) e de uma pessoa com transtorno do pânico (à direita). O código de cores indica o número de sítios de ligação para os benzodiazepínicos no encéfalo (cores quentes indicam maior quantidade; cores frias, menor). O córtex frontal, na parte superior da imagem, mostra menos sítios de ligação no indivíduo com transtorno do pânico. (Fonte: Malizia et al., 1998, Figura 1.) Bear_22.indd 671Bear_22.indd 671 07.02.08 17:39:4307.02.08 17:39:43 672 C A P Í T U L O 2 2 • TRANSTORNOS MENTAIS rada em todo o encéfalo por um sistema modulatório difuso, que se origina dos núcleos da rafe, no tronco encefálico (Figura 22.8). As ações da serotonina são mediadas principalmente por receptores ligados à proteína G e são encerradas pela recaptação no terminal axonal, via proteínas transportadoras de serotoni- na. Assim, exatamente como expresso pelo seu nome, os ISRSs prolongam as ações da serotonina liberada pela inibição da recaptação, de modo que ela possa continuar a agir nos seus receptores. Em um estudo recente, a presença em algumas famílias de uma rara mutação no gene do transportador de serotonina estava associada à presença de TOC, constituindo outra evidência do envolvi- mento da serotonina nas origens dessa doença. Diferentemente dos benzodiazepínicos, entretanto, a ação ansiolítica dos ISRSs não é imediata. Os efeitos terapêuticos se desenvolvem lentamente, du- rante semanas, em resposta a doses regulares diárias. Esse achado signifi ca que o aumento imediato nos níveis extracelulares de serotonina, causado pelos ISRSs, não é responsável pelo efeito ansiolítico. Ao contrário, o efeito parece ser devido a uma adaptação do sistema nervoso aos níveis encefálicos croni- camente elevados de serotonina, via alguma mudança estrutural ou funcional que ainda não está bem compreendida. Voltaremos a discutir a ação dos ISRSs mais adiante, neste Capítulo, quando discutirmos a depressão. No contexto dos transtornos de ansiedade, entretanto, é muito interessante que uma das respostas adaptativas aos ISRSs seja um aumento dos receptores para glicocor- ticóides no hipocampo. Os ISRSs podem diminuir a ansiedade aumentando a regulação por retroalimentação negativa dos neurônios CRH no hipotálamo (ver a Figura 22.5). Embora os benzodiazepínicos e os ISRSs tenham se mostrado efetivos no tratamento de uma grande variedade de transtornos de ansiedade, novas dro- gas estão sendo desenvolvidas com base em nosso conhecimento da resposta de estresse. Um alvo molecular muito promissor são os receptores para CRH. O CRH não é utilizado somente pelos neurônios hipotalâmicos para controlar a liberação de ACTH da hipófi se, mas também é utilizado como neurotransmissor em alguns circuitos centrais envolvidos na resposta de estresse. Por exemplo, alguns neurônios do núcleo central da amígdala contém CRH, e injeções de CRH no encéfalo podem produzir uma resposta de estresse completa e sinais de ansiedade. Assim, existe a possibilidade de que os antagonistas dos receptores de CRH sejam úteis no tratamento dos transtornos de ansiedade. Hipotálamo Neocórtex Sistema serotoninérgico Cerebelo Para a medula espinhal Lobo temporal Núcleos da rafe Tálamo Núcleos da base Hipotálamo Neocórtex Sistema noradrenérgico Cerebelo Para a medula espinhal Lobo temporal Locus ceruleus Tálamo FIGURA 22.8 Os sistemas modulatórios difusos implicados nos transtornos do humor. Bear_22.indd 672Bear_22.indd 672 07.02.08 17:39:4407.02.08 17:39:44 ▼ TRANSTORNOS DO HUMOR 673 TRANSTORNOS DO HUMOR ▼ Afeto é o termo médico para estado emocional ou humor. Transtornos afeti- vos são doenças do humor e são caracterizados por perturbações das emoções. No período de um ano, mais de 7% da população irá sofrer de algum trans- torno do humor. Uma Descrição dos Transtornos do Humor Um breve e ocasional sentimento de depressão – sentir-se “na fossa” – é uma res- posta comum aos eventos da vida, como o sofrimento por uma perda ou um desa- pontamento, e não podemos chamá-lo de transtorno. O transtorno afetivo que os psiquiatras e psicólogos chamam de depressão é, entretanto, algo mais prolongado e muito mais grave, caracterizado por sentimentos de falta de controle sobre o próprio estado emocional. A depressão pode ocorrer subitamente, geralmente sem uma causa externa óbvia, e, se não for tratada, pode durar de 4 a 12 meses. A depressão é um transtorno grave; é uma das principais causas de suicídio e tira a vida de mais de 300.000 pessoas por ano somente nos Estados Unidos. A depressão também é muito difundida: cerca de 20% da população sofrerá algum episódio importante e incapacitante de depressão durante suas vidas. Em outro grupo de pacientes, com transtorno bipolar, episódios de depressão são intercalados com períodos de mania que também podem ser perigosos. A Depressão Maior. O transtorno mental conhecido como depressão maior é o transtorno do humor mais comum, afetando 5% da população todos os anos. Os principais sintomas são o humor deprimido e a diminuição do inte- resse ou prazer em todas as atividades. Para se fazer o diagnóstico de depressão maior, esses sintomas devem estar presentes todos os dias durante um período de pelo menos 2 semanas, sem qualquer relação óbvia com situações de luto. Outros sintomas também podem ocorrer, incluindo: Perda (ou aumento) do apetite ■ Insônia (ou excesso de sono) ■ Fadiga ■ Sentimentos de inutilidade e culpa ■ Difi culdade de concentração ■ Pensamentos recorrentes acerca da morte ■ Episódios de depressão maior raramente duram mais de 2 anos, embora o transtorno apresente um curso crônico e sem remissão em cerca de 17% dos pacientes. Sem tratamento, entretanto, a depressão recorre em 50% dos casos e, após 3 ou mais episódios, as chances de recorrência aumentam para mais de 70%. Outro tipo de depressão, que afeta 2% da população adulta, é chamado de disti- mia. Embora mais leve do que a depressão maior, a distimia tem um curso crônico e “arrastado” e raramente desaparece de forma espontânea. A depressão maior e a distimia são duas vezes mais comuns em mulheres do que em homens. O Transtorno Bipolar. Assim como a depressão maior, o transtorno bipolar é uma doença recorrente do humor. Consiste em episódios repetidos de mania ou episódios mistos de mania e de depressão e, por isso, também é chamado de transtorno maníaco-depressivo. A mania (derivada da palavra francesa para “lou- co” ou “maluco”) é um período distinto de humor anormal e persistentemente elevado, expansivo ou irritável. Durante a fase de mania, outros sintomas co- muns incluem: Auto-estima exagerada ou sensação de grandiosidade ■ Diminuição da necessidade de sono ■ Loquacidade aumentada ou sentimentos de prazer em continuar falando ■ Bear_22.indd 673Bear_22.indd 673 07.02.08 17:39:4507.02.08 17:39:45 674 C A P Í T U L O 2 2 • TRANSTORNOS MENTAIS Fuga de idéias ou sensação de que os pensamentos passam rápido ■ Distração ■ Aumento de atividades dirigidasa um objetivo ■ Outro sintoma é o julgamento inadequado. Comportamentos como com- pras excessivas, comportamento desinibido ou ofensivo, promiscuidade sexual e outros comportamentos temerários são comuns. De acordo com os critérios diagnósticos, existem dois tipos de transtorno bipolar. O transtorno bipolar do tipo I é caracterizado pelos episódios manía- cos descritos acima (com ou sem crises de depressão maior) e ocorre em cerca de 1% da população, afetando igualmente homens e mulheres. O transtorno bipolar do tipo II afeta cerca de 0,6% da população e é caracterizado por hipo- mania, uma forma mais leve de mania, que não está associada à ocorrência de julgamentos ou desempenho inadequados. Na realidade, a hipomania pode ser vista em alguns casos como um aumento na efi ciência, nas habilidades e na criatividade (Quadro 22.3). O transtorno bipolar do tipo II, no entanto, está sempre associado a episódios de depressão maior. Quando a hipomania é alternada com períodos de depressão que não são graves o bastante para serem chamados de “maior” (i.e., poucos sintomas e de curta duração), o transtorno é chamado de ciclotimia. As Bases Biológicas dos Transtornos do Humor Assim como em muitos outros transtornos mentais, as disfunções do humor re- fl etem a função alterada de muitas partes do encéfalo ao mesmo tempo. De que outra maneira poderíamos explicar a coexistência de sintomas que vão desde transtornos do sono e do apetite até a perda da capacidade de concentração? Por essa razão, as pesquisas têm considerado o papel dos sistemas modulatórios difusos, com seu longo alcance e seus diversos efeitos. Nos últimos anos, entre- tanto, o desequilíbrio do eixo HPA também tem sido implicado como tendo um papel importante na depressão. Vamos examinar mais de perto a neurobiologia dos transtornos do humor. A Hipótese Monoaminérgica. A primeira indicação de que a depressão pode resultar de um problema com os sistemas modulatórios difusos centrais surgiu na década de 1960. A reserpina, uma droga introduzida para controlar a hipertensão, causou depressão psicótica em cerca de 20% dos pacientes. A reserpina depleta as catecolaminas centrais e a serotonina, interferindo no acúmulo desses neurotransmissores nas vesículas sinápticas. Uma outra clas- se de drogas, introduzida para tratar da tuberculose, promovia uma notável melhora do humor. Essas drogas inibem a monoaminoxidase (MAO), a enzima que destrói as catecolaminas e a serotonina. Outra peça do quebra-cabeça surgiu quando os cientistas observaram que a droga imipramina, introduzida alguns anos antes como um anti-depressivo, inibia a recaptação da seroto- nina e da noradrenalina após essas serem liberadas, incrementando, assim, sua ação na fenda sináptica. Dessas observações, surgiu a hipótese de que o humor está intimamente ligado aos níveis dos neurotransmissores “mono- aminérgicos” – noradrenalina (NA) e/ou serotonina (5-HT) – liberados no encéfalo. De acordo com essa idéia, chamada de hipótese monoaminérgica dos trantornos do humor, a depressão é conseqüência de um defeito em um desses sistemas modulatórios difusos (ver a Figura 22.8). Na verdade, como veremos a seguir, muitas das drogas usadas atualmente para o trata- mento da depressão têm, em comum, o aumento da atividade nas sinapses noradrenérgicas e serotoninérgicas centrais. Uma correlação direta entre o humor e os moduladores, no entanto, é muito simplista. Talvez o problema mais intrigante seja o achado clínico de que a ação antidepressiva dessas drogas leva diversas semanas para aparecer, apesar de seus efeitos serem quase imediatos na transmissão das sinapses modulatórias. Outro problema é que outras drogas que aumentam os níveis Bear_22.indd 674Bear_22.indd 674 07.02.08 17:39:4507.02.08 17:39:45 ▼ TRANSTORNOS DO HUMOR 675 Quadro 22.3 D E E S P E C I A L I N T E R E S S E Winston Churchill a chamava de “meu cachorro negro”1. O escritor F. Scott Fitzgerald freqüentemente se descobria “... odiando a noite, quando não podia dormir, e odiando o dia, que levava à noite”2. Para o compositor Hector Berlioz, era “o mais terrível dos demônios da existência”3. Eles estavam falan- do de suas lutas de toda a vida contra a depressão. Do poeta escocês Robert Burns ao roqueiro grunge americano Kurt Cobain, pessoas extraordinariamente criativas têm sofrido, de modo incomum, de transtornos do humor. Estudos biográfi cos de artistas reconhecidos têm sido consistentes e alarmantes: as estimativas de que venham a desenvolver depressão maior são cerca de 10 vezes maiores do que na população em geral, e a taxa de transtorno bipolar pode ser até 30 vezes mais alta. Muitos artistas têm descrito suas desgraças de forma elo- qüente. Contudo, podem os transtornos do humor realmente reforçar o talento e a produtividade criativa? Com certeza muitas pessoas com transtornos do humor não são artistas ou extraordinariamente criativas, e a maioria dos artistas não é maníaco-depressiva. Artistas com transtorno bipolar podem, entretanto, tirar vigor e inspiração de sua condição. Edgar Allan Poe escreveu a respeito de seus ciclos de mania e depressão, “Eu sou excessivamente preguiçoso, e maravilhosamente pro- dutivo e dedicado – em surtos”4. O poeta Michael Drayton re- fl etiu a respeito “dessa loucura admirável... que de direito deve se apossar do cérebro de um poeta”5. Estudos têm sugerido que a hipomania pode facilitar certos processos cognitivos, au- mentar pensamentos originais e idiossincráticos e até mesmo aumentar habilidades lingüísticas. Estados maníacos também podem diminuir a necessidade de sono, encorajar concentra- ção intensa e obsessiva, gerar autoconfi ança inabalável e elimi- nar a preocupação com normas sociais – exatamente o que você precisaria, talvez, para desatar sua criatividade artística. A loucura de um poeta é muito mais um fl agelo do que uma inspiração. Para Robert Lowell, experiências maníacas eram “um laranjal mágico em um pesadelo”6. O marido de Virginia Woolf descreveu como “ela falava quase sem parar por dois ou três dias, sem prestar atenção em ninguém ao seu redor ou em qualquer coisa que lhe diziam”7. É difi cil exagerar quando se imagina a profundidade da melancolia que acompanha a depressão maior. A taxa de suicídio entre poetas famosos seria 5 a 18 vezes maior do que na popula- ção em geral. O poeta John Keats escreveu com desespero “eu estou naquele estado de humor no qual, se estivesse debaixo da água, difi cilmente tentaria retornar à superfície”8. No entanto, quando o estado de humor de Keats mudou para o outro extremo, ele escreveu a maior parte de seus melhores poemas, durante um período de nove meses, no ano de 1819, antes de morrer de tuberculose aos 25 anos de idade. A Figura A mostra como a produção musical de Robert Schumann fl utuava amplamente e coincidia com as oscilações de seus episódios maníaco-depressivos. A psiquiatra Kay Redfi eld Jamison sugeriu que “a depres- são é uma visão do mundo através de um vidro negro, e a mania é o mundo visto por um caleidoscópio – geralmente brilhante, mas facetado”9. Felizmente, hoje em dia existem tra- tamentos efetivos para ambas as condições, pois o vidro negro e o caleidoscópio cobram um preço muito elevado. Um Laranjal Mágico em um Pesadelo 1829 1831 de pre ssã o gra ve hip om an ia em to do o an o de 18 40 de pre ssã o g ra ve e m tod o o an o d e 1 84 4 hip om an ia em to do o an o de 18 49 ten tat iva de su icíd io m or te em um as ilo (ina niçã o a uto -ind uzid a) N úm er o de c om po siç õe s 1833 1835 1837 1839 1841 1843 1845 1847 1849 1851 1853 1855 27 composições 9 composi- ções FIGURA A Produção musicalde Schumann. (Fonte: Adaptado de Slater e Meyer, 1959.) 1 Citado em Ludwig AM. 1995. The Price of Greatness: Resolving the Cre- ativity and Madness Controversy. New York: Guilford Press, p. 174. 2 F. Scott Fitzgerald. 1956. The Crack-Up. Em The Crack-Up and Other Stories. New York: New Directions, pp. 69-75. 3 Hector Berlioz. 1970. The Memoirs of Hector Berlioz, trad. para o in- glês, David Cairns. St. Albans, England: Granada, p. 142. 4 Edgar Allan Poe. 1948. Letter to James Russell Lowell, 2 de junho, 1844. Em The Letters of Edgar Allan Poe, Vol. 1, ed. John Wand Os- trom. Cambridge, MA: Harvard University Press, p. 256. 5 Michael Drayton. 1753. “To my dearly beloved Friend, Henry Rey- nolds, Esq.; of Poets and Poesy”, linhas 109-110, The Works of Mi- chael Drayton, Esq., vol. 4, London: W. Reeve. 6 Ian Hamilton. 1982. Robert Lowell: A Biography. New York: Random House, p. 228. 7 Leonard Woolf. 1964. Beginning Again: An Autobiography of the Years 1911 to 1918. New York: Harcourt Brace, p. 172-173. 8 Citado por Kay Jamison em uma apresentação na Associação para a Depressão e Doenças do Humor relacionadas (Depression and Related Affective Disorders Association)/ Simpósio John Hopkins, Baltimore, Maryland, abril de 1997. 9 Jamison KR. Manic-depressive illness and creativity. Scientifi c Ame- rican 272:62-67. Bear_22.indd 675Bear_22.indd 675 07.02.08 17:39:4507.02.08 17:39:45 676 C A P Í T U L O 2 2 • TRANSTORNOS MENTAIS de noradrenalina na fenda sináptica, como a cocaína, não são efetivas como antidepressivos. Uma nova hipótese é que as drogas efetivas promovam mu- danças adaptativas a longo prazo no encéfalo, envolvendo alterações na ex- pressão gênica, que levam à melhora da depressão. Uma adaptação ocorre no eixo HPA, o qual, como discutimos a seguir, também está envolvido nos transtornos do humor. A Hipótese Diátese-Estresse. Há boas evidências de que os transtornos de humor ocorram em famílias e que haja uma predisposição genética a esse tipo de transtorno mental. O termo clínico para a predisposição a uma certa doença é diátese. Pesquisadores também têm estabelecido, no entanto, que o abuso ou a negligência no início da infância, além dos estresses da vida, são importan- tes fatores de risco no desenvolvimento dos transtornos do humor em adultos. Em uma tentativa de integrar essas observações, Charles Nemeroff e seus co- legas, da Universidade Emory, propuseram a hipótese diátese-estresse para os transtornos do humor. De acordo com essa nova idéia, o eixo HPA é o principal sítio para o qual convergem as infl uências genéticas e ambientais para causar os transtornos do humor. Como vimos, a atividade exagerada do eixo HPA está associada a trans- tornos de ansiedade. No entanto, a ansiedade e a depressão freqüentemente coexistem (de fato, essa “camorbidade” é regra, e não exceção). Na realidade, um dos achados mais consistentes na psiquiatria biológica é a hiperatividade do eixo HPA em pacientes gravemente deprimidos: o cortisol sangüíneo está elevado, assim como a concentração de CRH no líquido cefalorraquidiano. Po- deria essa hiperatividade do eixo HPA, com o resultante efeito deletério das funções encefálicas, ser a causa da depressão? Os estudos com animais são muito sugestivos. Injeções de CRH no encéfalo de animais produzem efeitos compor- tamentais semelhantes aos da depressão maior: insônia, diminuição do apetite, diminuição do interesse sexual e, é claro, um aumento na expressão de com- portamentos de ansiedade. Lembre-se que a ativação dos receptores glicocorticóides hipocampais pelo cortisol normalmente leva a uma retroalimentação negativa do eixo HPA (ver Figura 22.5). Nos pacientes deprimidos, essa retroalimentação não funciona, o que explica por que a função do eixo HPA encontrava-se hiperativa. Uma base molecular para a diminuição da resposta hipocampal ao cortisol é uma dimi- nuição do número de receptores para glicocorticóides. E o que regula o número dos receptores para glicocorticóides? Em um paralelo fascinante com os fatores implicados nos transtornos do humor, a resposta envolve genes, monoaminas e as experiências da infância. Receptores para glicocorticóides, assim como todas as proteínas, são produ- to da expressão gênica. Foi demonstrado, em ratos, que experiências sensoriais precoces regulam o grau de expressão gênica de receptores para glicocorticóides. Ratos que receberam muito cuidado materno quando eram fi lhotes expressam mais receptores glicocorticóides no seu hipocampo, menos CRH no hipotálamo, e apresentam menor ansiedade quando adultos. Além disso, a infl uência mater- na pode ser substituída pela estimulação tátil dos fi lhotes. O estímulo tátil ativa aferências serotoninérgicas ascendentes para o hipocampo, e a serotonina causa um aumento duradouro na expressão dos genes dos receptores glicocorticóides. Mais receptores glicocorticóides permitem ao animal “lidar” melhor com o es- tresse quando adulto. Os efeitos benéfi cos da experiência, entretanto, estão res- tritos a um período crítico, no início da vida pós-natal; a estimulação dos ratos quando adultos não tem o mesmo efeito. O abuso e a negligência durante a infância, em adição aos fatores genéti- cos, são fatores conhecidos que colocam as pessoas em risco de desenvolver transtornos de ansiedade e de humor, e esses achados em animais sugerem uma causa. A elevação do CRH encefálico e a diminuição da inibição por re- troalimentação do sistema HPA podem tornar o encéfalo especialmente vul- nerável à depressão. Bear_22.indd 676Bear_22.indd 676 07.02.08 17:39:4507.02.08 17:39:45 ▼ TRANSTORNOS DO HUMOR 677 Tratamentos para os Transtornos do Humor Os transtornos do humor são muito comuns e causam um enorme prejuízo à saúde, ao bem-estar e à produtividade humana. Felizmente, temos diversos tratamentos disponíveis. Eletroconvulsoterapia. Talvez você se surpreenda ao aprender que um dos mais efetivos tratamentos para depressão e mania envolve a indução de ativi- dade convulsiva nos lobos temporais. Na eletroconvulsoterapia (ECT), uma corrente elétrica é aplicada entre dois eletrodos colocados no escalpo. A estimu- lação elétrica localizada dispara uma descarga convulsiva no encéfalo, mas o pa- ciente é anestesiado e recebe relaxantes musculares para prevenir movimentos violentos durante o tratamento. Uma vantagem da ECT é que o alívio ocorre rapidamente, algumas vezes após a primeira sessão de tratamento. Esse atributo da ECT é especialmente importante quando existe um grande risco de suicídio. Um efeito adverso, entretanto, é a perda de memória. Como veremos no Capí- tulo 24, estruturas do lobo temporal, incluindo o hipocampo, têm um papel vi- tal na memória. A ECT geralmente apaga a memória de eventos que ocorreram antes do tratamento, em um período de 6 meses, em média. Além disso, a ECT pode difi cultar temporariamente o armazenamento de novas informações. O mecanismo pelo qual a ECT alivia a depressão é desconhecido. Como já foi mencionado, entretanto, uma estrutura do lobo temporal afetada pela ECT é o hipocampo, que, como vimos, está envolvido na regulação do CRH e do eixo HPA. Psicoterapia. A psicoterapia pode ser efetiva no tratamento de casos de de- pressão leve a moderada. O principal objetivo da psicoterapia é ajudar o pa- ciente deprimido a superar a visão negativa que ele tem de si mesmo e acerca do futuro. As bases neurobiológicas desse tratamento não estão estabelecidas, embora possamos supor que estejam relacionadas com o estabelecimento de um controle cognitivo neocortical sobre os padrões de atividade em circuitos funcionalmente perturbados. Antidepressivos. Há um grande número de tratamentos farmacológicos dis- ponível para os transtornos de humor. Os fármacos antidepressivos mais po- pulares são (1) os compostos tricíclicos (assim chamados devidoa sua estrutura química), como a imipramina, que bloqueia a recaptação de NA e de 5-HT por seus transportadores; (2) ISRSs, como a fl uoxetina, que age somente nos ter- minais que liberam serotonina; (3) inibidores seletivos da recaptação de nora- drenalina, como a reboxetina e (4) inibidores da MAO, como a fenelzina, que reduz a degradação enzimática da serotonina e da noradrenalina (Figura 22.9). Todas essas substâncias elevam os níveis dos neurotransmissores monoaminér- gicos no encéfalo. No entanto, como mencionamos anteriormente, suas ações terapêuticas levam semanas para se desenvolver. A resposta adaptativa no encéfalo, responsável pela efi ciência clínica des- sas drogas, ainda não foi bem esclarecida. Todavia, um achado curioso é que um tratamento clínico efetivo com antidepressivos promove a diminuição da hiperatividade do sistema HPA em humanos. Estudos realizados em animais sugerem que esse efeito se deva, em parte, a um aumento na expressão dos receptores para glicocorticóides no hipocampo, que ocorre em resposta a uma elevação de longo prazo da serotonina. Lembre-se que o CRH tem um papel crucial na resposta do eixo HPA ao estresse. Novos fármacos que atuam como antagonistas nos receptores para CRH estão em fase de desenvolvimento ou tes- tes, e alguns têm se mostrado promissores como antidepressivos em testes clíni- cos. Pesquisas recentes também demonstram que o tratamento prolongado com ISRSs aumenta a neurogênese, a proliferação de novos neurônios, no hipocampo. É digno de nota que essa proliferação possa ser importante para os efeitos com- portamentais benéfi cos dos ISRSs, embora não se conheça a razão para tal. Bear_22.indd 677Bear_22.indd 677 07.02.08 17:39:4507.02.08 17:39:45 678 C A P Í T U L O 2 2 • TRANSTORNOS MENTAIS Lítio. Você deve estar com a impressão (correta) de que, até muito recentemen- te, a maioria dos tratamentos para os transtornos psiquiátricos foi descoberta ba- sicamente ao acaso. Por exemplo, a ECT foi introduzida inicialmente na década de 1930, como um último recurso para o comportamento psicótico, com base na crença errônea de que a epilepsia e a esquizofrenia não poderiam coexistir na mesma pessoa. Apenas posteriormente demonstrou-se que a ECT era um trata- mento efetivo para a depressão maior, por razões ainda desconhecidas. Descobertas acidentais (serendipidade) ocorreram novamente quando da des- coberta de um tratamento altamente efetivo para o transtorno bipolar. Na década de 1940, o psiquiatra australiano John Cade procurava substâncias psicoativas na urina de pacientes acometidos de mania. Ele injetou essa urina, ou constituintes dela, em cobaios (porquinhos-da-índia) e observou seus efeitos sobre o compor- tamento. Cade queria testar o efeito do ácido úrico, mas ele tinha difi culdades em mantê-lo dissolvido. Por essa razão, ele utilizou urato de lítio, já que essa prepa- ração se dissolvia com facilidade e podia ser encontrada até mesmo em farmácias. Ele observou, de forma um tanto inesperada, que esse tratamento acalmava os animais (ele esperava o efeito contrário). Uma vez que outros sais de lítio também produziam o efeito comportamental, ele concluiu que era o lítio*, e não algum constituinte da urina, o responsável. Ele começou a testar o tratamento com lítio NE – – – – NA NA Noradrenalina (NA)) NA Tricíclicos Fluoxetina Produtos de degradação Transportador Inibidor da MAO Ativação de receptores pré-sinápticos e pós-sinápticos Ativação de receptores pré-sinápticos e pós-sinápticos 5-HT 5-HT 5-HT Serotonina (5-HT) MAO FIGURA 22.9 Drogas antidepressivas e os ciclos bioquímicos da noradrenalina e da serotonina. Inibidores da MAO, tricíclicos e ISRSs são usados como antidepressivos. Inibidores da MAO impedem a destruição enzimática da NA e da 5-HT, aumentando sua ação. Os tricíclicos aumentam a ação da NA e da 5-HT bloqueando sua recaptação. Os ISRSs agem da mesma maneira, mas são seletivos para a serotonina. * N. de T. Uma curiosidade para os brasileiros: o descobridor do minério (petalita) no qual se de- tectou pela primeira vez a presença de lítio foi nada menos que o Sr. José Bonifácio de Andrada e Silva, que publicou sua descrição em 1800, antes de ingressar na política. O “patriarca” intuiu a presença de um álcali leve, diferente dos então conhecidos – o sódio e o potássio. Entretanto, como não fez uma análise mais cuidadosa dos componentes químicos, o crédito acabou atribuído ao sueco Arfwedson, em 1817. A propósito, o nome “lítio” deriva do grego para “pedra”, para assinalar o primeiro álcali encontrado originalmente em uma rocha, já que o sódio e potássio haviam sido detectados primeiramente em plantas. Bear_22.indd 678Bear_22.indd 678 07.02.08 17:39:4607.02.08 17:39:46 ▼ ESQUIZOFRENIA 679 em pacientes com mania, e, surpreendentemente, o tratamento funcionou. Es- tudos subseqüentes mostraram que o lítio é altamente efi caz em estabilizar o hu- mor dos pacientes com transtorno bipolar, não somente prevenindo a recorrência da mania, mas também por prevenir episódios de depressão (Figura 22.10). O lítio afeta os neurônios de diversas maneiras. Em solução, ele é um cá- tion monovalente que passa livremente através dos canais neuronais de sódio. Dentro do neurônio, o lítio previne a renovação normal de fosfatidilinositol (PIP2), um precursor para uma importante molécula de segundo mensageiro, gerada em resposta à ativação de alguns receptores para neurotransmissores acoplados à proteína G (ver Capítulo 6). O lítio também interfere nas ações da adenilato ciclase, essencial para a geração do segundo mensageiro monofosfato de adenosina cíclico (AMPc) e de glicogênio sintetase cinase, uma enzima crítica para o metabolismo energético celular. O porquê de o lítio ser um tratamento tão efetivo para o transtorno bipolar, entretanto, permanece completamente desconhecido. Assim como outros antidepressivos, os efeitos terapêuticos do lítio requerem uma utilização de longo prazo. A resposta parece novamente se dever a uma mudança adaptativa no sistema nervoso central (SNC), mas a natureza dessa mudança permanece desconhecida. ESQUIZOFRENIA ▼ Talvez não compreendamos completamente a gravidade dos transtornos de an- siedade ou de humor, mas todos temos alguma idéia acerca deles, pois são ex- tremos no espectro de estados mentais que fazem parte da experiência normal. A mesma coisa não pode ser dita com relação à esquizofrenia. Esse grave trans- torno mental distorce pensamentos e percepções de maneira tal que pessoas sadias acham difícil de compreender. A esquizofrenia é um grande problema de saúde pública, afetando 1% da população. Mais de 2 milhões de pessoas sofrem desse transtorno somente nos Estados Unidos. Uma Descrição da Esquizofrenia A esquizofrenia é caracterizada por uma perda de contato com a realidade e por pertubações de pensamento, percepção, humor e movimento. Esse trans- torno se torna aparente durante a adolescência ou no início da vida adulta e em geral persiste ao longo de toda a vida. O nome, introduzido em 1911 pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler, signifi ca, grosso modo, “mente dividida”, devido a observação feita por esse psiquiatra de que muitos pacientes pareciam osci- lar entre um estado normal e outro anormal. Há, entretanto, muitas variações nas manifestações da esquizofrenia, incluindo aquelas que mostram um curso 1960 1961 1962 1963 1964 1965 Mania Depressão Administração de lítio FIGURA 22.10 Efeito estabilizador do humor da terapia com lítio no tratamento de cinco pacientes. Em 1965, após 5 anos de tratamento, o lítio fez cessar efi cientemente os episódios maníaco-depressivos em todos os cinco casos. (Fonte: Adaptado de Barondes, 1993, p. 139.) Bear_22.indd 679Bear_22.indd 679 07.02.08 17:39:4607.02.08 17:39:46 680 C A PÍ T U L O 2 2 • TRANSTORNOS MENTAIS contínuo de deterioração. De fato, ainda não está claro se o que se chama de esquizofrenia é uma única doença ou se são várias doenças. Os sintomas da esquizofrenia são divididos em duas categorias: positivos e negativos. Os sintomas positivos refl etem a presença de pensamentos e comporta- mentos anormais, como os que se seguem: Delírios ■ Alucinações ■ Discurso desorganizado ■ Comportamento grosseiramente desorganizado ou catatônico ■ Os sintomas negativos refl etem a ausência de respostas que normalmente es- tão presentes. Esses sintomas incluem: Reduzida expressão de emoção ■ Discurso pobre ■ Difi culdade em iniciar comportamentos dirigidos a uma meta ■ Prejuízo da memória ■ De acordo com os critérios diagnósticos correntes, a esquizofrenia pode ser classifi cada em vários tipos, com base na constelação dos sintomas proeminentes que estão presentes. A esquizofrenia paranóide é caracterizada por uma preocupação, com delírios organizadas ao redor de um tema; por exemplo, o paciente acredita que inimigos poderosos estão querendo capturá-lo. Esses delírios estão geralmente acompanhados por alucinações auditivas (ouve vozes imaginárias, por exemplo) relacionadas com o mesmo tema. De todos os pacientes com esquizofrenia, aque- les do tipo paranóide são os que têm as melhores chances de reabilitação. As perspectivas são menos otimistas para os casos de esquizofrenia desorgani- zada. As características desse tipo de esquizofrenia incluem a falta de expressão emocional (chamada de “afeto embotado”), juntamente com comportamento desorganizado e discurso incoerente. O discurso pode ser acompanhado por comentários tolos e risos que parecem não ter qualquer relação com o que está sendo dito. Essa forma de esquizofrenia tem um curso com piora progressiva, sem qualquer remissão signifi cativa. Um terceiro tipo comum é a esquizofrenia catatônica, caracterizada por distúrbios peculiares dos movimentos voluntários, como a imobilidade e o estupor (catatonia), posturas bizarras e sinistras e a re- petição de frases ou palavras sem sentido. As Bases Biológicas da Esquizofrenia Entender as bases neurobiológicas da esquizofrenia representa um dos maiores desafi os das neurociências, porque esse transtorno afeta muitas das característi- cas que nos fazem humanos: o pensamento, a percepção e a consciência. Apesar de muito progresso ter sido realizado, ainda temos muito para aprender. Os Genes e o Ambiente. A esquizofrenia ocorre em famílias. Como mostrado na Figura 22.11, a probabilidade de um indivíduo apresentar esse transtorno varia segundo o número de genes compartilhados com o membro afetado da família. Se o seu gêmeo idêntico for acometido de esquizofrenia, a probabili- dade de que você também manifeste o transtorno será de 50%. As chances de manifestar a doença diminuem conforme diminui o número de genes com- partilhados com a pessoa enferma. Esses achados sugerem que a esquizofrenia seja uma doença principalmente genética. Recentemente, pesquisadores iden- tifi caram diversos genes específi cos que parecem aumentar a suscetibilidade à esquizofrenia. Praticamente todos esses genes apresentam papéis importantes na transmissão sináptica, em sua plasticidade ou no crescimento de sinapses. Lembre-se, entretanto, que gêmeos idênticos têm exatamente os mesmos genes. Então, por que, em 50% dos casos, um dos gêmeos é poupado, enquanto o outro torna-se esquizofrênico? A resposta deve estar no ambiente. Em outras Bear_22.indd 680Bear_22.indd 680 07.02.08 17:39:4607.02.08 17:39:46 ▼ ESQUIZOFRENIA 681 palavras, genes defeituosos parecem tornar algumas pessoas vulneráveis a fato- res ambientais que levam à esquizofrenia. Embora os sintomas possam não apa- recer até que a pessoa entre na terceira década de vida, evidências considerá- veis indicam que as alterações biológicas que causam essa condição iniciam em períodos precoces do desenvolvimento, talvez no período pré-natal. Infecções virais durante o desenvolvimento fetal e na infância têm sido sugeridas como possíveis causas, assim como uma nutrição materna defi ciente. Além disso, sa- be-se que o estresse ambiental ao longo da vida exacerba o curso da doença. Até o momento, entretanto, nem os genes, nem os fatores ambientais responsáveis foram identifi cados. A esquizofrenia está associada a mudanças físicas no encéfalo. Um exemplo interessante aparece na Figura 22.12. A fi gura mostra imagens encefálicas de gêmeos idênticos, um esquizofrênico e o outro não. Normalmente, as estruturas dos encéfalos de gêmeos idênticos são aproximadamente idênticas*. Nesse caso, entretanto, o encéfalo do paciente esquizofrênico mostra ventrículos laterais aumentados, provavelmente devido à atrofi a do tecido neural ao seu redor. Essa evidência é consistente ao examinar-se um grande número de pessoas; os encéfalos de esquizofrênicos apresentam, em média, uma razão tamanho do ventrículo/tamanho do encéfalo signifi cativamente maior do que pessoas que não apresentam o transtorno. Tais mudanças tão pronunciadas não são sempre evidentes no encéfalo dos esquizofrênicos. Importantes mudanças físicas encefálicas também ocor- rem em nível estrutural microscópico e funcional das conexões corticais. Por exemplo, esquizofrênicos freqüentemente apresentam defeitos nas bainhas de mielina que envolvem axônios no córtex cerebral, embora não esteja claro se isso é uma causa ou uma conseqüência da doença. Um outro achado comum no córtex de esquizofrênicos são agrupamentos anormais de neurônios. Alte- rações em sinapses e em diversos sistemas de neurotransmissores também têm sido implicadas na esquizofrenia. Como veremos a seguir, particular atenção tem sido dada às alterações na transmissão sináptica química mediada pela dopamina e pelo glutamato. * N. de T. Pelo menos nos aspectos macroscópicos mais grosseiros; em detalhes morfológicos mais fi nos (sem falar de aspectos citoarquitetônicos e neuroquímicos), não parece ser possível haver dois encéfalos exatamente “idênticos”, a exemplo do que ocorre com as impressões digitais, mes- mo entre “gêmeos idênticos”. População em geral 1% 2% 2% 4% 5% 6% 6% 9% 13% 17% 48% Genes compartilhados 17,5% (parentes em terceiro grau) 25% (parentes em segundo grau) Primos Tios Sobrinhos Netos Meio-irmãos Pais Irmãos Filhos Gêmeos fraternos Gêmeos idênticos 50% (parentes em primeiro grau) 100% 0 10 20 30 40 50 Risco de desenvolver esquizofrenia ao longo da vida (%) FIGURA 22.11 Incidência familiar da esquizofrenia. O risco de esquizofrenia aumenta com o número de genes compartilhados, sugerindo uma base genética para a doença. (Fonte: Adaptado de Gottesman, 1991, p. 96.) FIGURA 22.12 Aumento dos ventrículos laterais na esquizofrenia. Essas imagens obtidas por IRM são de encéfalos de gêmeos idênticos. O gêmeo na imagem superior era normal; o da imagem na parte inferior da fi gura foi diagnosticado como esquizofrênico. Observe o aumento dos ventrículos laterais no irmão esquizofrênico, indicando perda de tecido cerebral. (Fonte: Barondes, 1993, p. 153.) Bear_22.indd 681Bear_22.indd 681 07.02.08 17:39:4607.02.08 17:39:46 682 C A P Í T U L O 2 2 • TRANSTORNOS MENTAIS A Hipótese Dopaminérgica. Lembre-se que a dopamina é o neurotransmis- sor usado por outro dos sistemas modulatórios difusos (Figura 22.13). Uma li- gação entre a esquizofrenia e o sistema dopaminérgico mesocorticolímbico tem sido proposta, com base em duas observações principais. A primeira relaciona-se com o efeito da anfetamina em pessoas sadias. Lembre-se, de nossa discussão, no Capítulo 15, que a anfetamina aumenta a neurotransmissão nas sinapses catecolaminérgicas e promove a liberação de dopamina. A habitual ação esti- mulante da anfetamina
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