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Enfª obstetra Kelle Magalhães DIABETES Antes da descoberta da insulina, a mulher diabética era considerada estéril, ocorrendo prenhez, a mortalidade materna atingia 30% e perinatal 65%. Após o emprego da insulina, a mortalidade materna caiu para menos de 1%, embora a perinatal permanece em torno de 30%. O diabetes ocorre em 3-5% das gestações. O problema do diabetes pré-gestacional é o elevado número de anomalias congênitas (5%), principalmente defeitos no tubo neural/ espinha e coração, representando 50% da mortalidade perinatal nestes infantes. CONCEITO Distúrbio metabólico de etiologia múltipla caracterizado por hiperglicemia decorrente da secreção deficiente de insulina. As consequências do diabetes a longo prazo decorrem das alterações micro e macrovasculares que levam a disfunção, dano ou falência de vários órgãos. As complicações crônicas incluem a nefropatia, retinopatia, neuropatia. FISIOPATOLOGIA A gestação é caracterizada por um acréscimo na resistência periférica à insulina e por incremento na produção de insulina pelas células-beta do pâncreas. A resistência a insulina aumenta durante a gestação devido a secreção placentária de hormônios diabetogênicos como o hormônio do crescimento, cortisol, lactogênio placentário. O metabolismo energético pode ser dividido em duas fases distintas: Fase anabólica: Nesta fase a glicemia da gestante tende a diminuir, em especial quando ocorre jejum prolongado. Fase catabólica: Nesta fase com crescente consumo de nutrientes maternos pelo feto, torna-se evidente o aumento da resistência periférica a insulina. Quando a função pancreática não é suficiente para vencer a resistência a insulina, ocorre o diabetes mellitus gestacional, mesmo nas mulheres com diabetes pré-gestacional, é necessário um acompanhamento devido ao aumento das necessidades de insulina no segundo e terceiro trimestre de gestação. CLASSIFICAÇÃO DO DIABETES É classificado em diabetes pré-gestacional tipo 1 e 2; diabetes gestacional. No diabetes tipo 1 a causa é a deficiência absoluta da secreção de insulina, principalmente por destruição auto-imune das células beta-pancreáticas. Esses pacientes têm tendência a cetoacidose e não vivem sem o uso de insulina exógena, corresponde a 5-10% do total de casos. Já no diabetes tipo 2 a causa é a combinação da resistência à ação da insulina e a resposta secretória insulínica compensatória inadequada. A maioria dos pacientes têm excesso de peso e cetoacidose acontece em raros casos. O diagnóstico é geralmente feito a partir dos 40 anos, acomete 90-95% dos pacientes. A resistência a insulina pode melhorar com a redução do peso ou tratamento farmacológico da hiperglicemia. O risco de ocorrer diabetes tipo 2 aumenta com a idade, obesidade e falta de atividade física, ocorre com maior frequência em mulheres com história de diabetes gestacional e indivíduos hipertensos. O diabetes gestacional é definido como a intolerância aos carboidratos de variável gravidade, com início ou primeiro reconhecimento após a gravidez. DIABETES GESTACIONAL Intolerância a glicose ou carboidratos reconhecido na gravidez, onde seus sintomas desaparecem após o parto. Pode ser confundido com diabetes tipo 2 não identificado anteriormente. Prevalência: corresponde a taxas de 1 a 14% de todas as gestações. Nos últimos anos têm-se observado o aumento gradativo da doença, que está relacionado com aumento da média de idade e do peso das gestantes. RASTREAMENTO E DIAGNÓSTICO DO DIABETES GESTACIONAL São recomendados entre 24-28 semanas de IG, porque nesta época se manifesta o efeito diabetogênico da gestação e ainda há tempo suficiente para o tratamento exercer seus efeitos. Rastreamento: Fatores de risco: Idade; IMC > 25; Diabete em parente de 1º grau; História de diabete gestacional; Macrossomia fetal. DIAGNÓSTICO Para diagnóstico pode-se utilizar a glicemia em jejum ou o TTGO (teste de tolerância a glicose oral). Glicemia: Os critérios utilizados para diagnóstico do diabetes gestacional são os mesmos independente de gestação. A verificação de glicemia ocasional (qualquer hora) maior ou igual 200 mg/dL em duas medidas ou acompanhada de sintomatologia (poliúria, polidipsia e perda de peso) permitem o diagnóstico da doença. Fora da gestação considera-se diabético valores de glicemia entre 100 a 125 mg/dL. No caso de glicemia em jejum, considera-se valor igual ou supeior a 105 mg/dL (confirmado após 1 semana) para diagnóstico. TTGO – TESTE DE TOLERÂNCIA ORAL A GLICOSE Deve ser realizado entre 28 e 30 semanas e repetido de 34 a 36 semanas nas que apresentarem sintomas clínicos relevantes como fetos macrossômicos, uso de corticoesteróides, ganho de peso materno exagerado, manifestação de polis (polifagia, polidipsia e/ou poliúria) e líquido amniótico aumentado ou polidramnia. Este método exige preparo adequado. Há a necessidade de ingesta de dieta hipercalórica 3 dias antes do exame, jejum de 8 a 14 horas antes do exame, suspensão de drogas hiperglicemiantes e estrutura laboratorial para receber a gestante num período de 3 horas. Devem ser ingeridos 75 ou 100 gramas de glicose anidra diluída em 100 a 200 mL de água. Algumas gestantes apresentam náuseas e vômitos que as fazem abandonar o exame algumas vezes. Devem ser realizadas medidas de glicemia de jejum, após 1, 2 e 3 horas da ingestão de glicose. A constatação de 2 ou mais valores alterados em TTGO com sobrecarga de 100g, confirmam o diagnóstico de diabetes mellitus gestacional. COMPLICAÇÕES PARA MÃE E FETO As complicações comprovadas do diabetes são: macrossomia (peso >4.000 g), parto cesáreo por distócia de ombros, fratura de clavícula ou lesão do plexo braquial e alterações metabólicas no neonato (hipoglicemia, hiperbilirrubinemia, hipocalcemia e policitemia). A hipertensão arterial é uma complicação frequente em mães diabéticas. A retinopatia diabética é uma complicação vascular do diabetes, sendo mais prevalente em maiores durações da doença. O controle glicêmico é a maior prevenção. A Nefropatia diabética acomete 20 a 40% dos diabéticos, sendo uma das principais causas de insuficiência renal crônica. A microalbuminúria leva a um maior risco de pré- eclampsia, devendo ser avaliada em pacientes diabéticas. A microalbuminúria é definida como a perca de 30 a 299 mg de albumina na urina coletada em 24 horas, é considerada um estágio precoce da nefropatia diabética. A progressão para macroalbuminúria, valores maiores que 300 mg em urina de 24 horas, associa-se ao desenvolvimento de insuficiência renal crônica. O controle glicêmico e pressórico têm sido a principal forma de intervir na evolução da nefropatia. RISCO DE MALFORMAÇÕES FETAIS Um dos grandes desafios para diminuição das taxas de mortalidade perinatal é diminuir a taxa de malformações fetais. O ideal seria as gestantes passarem pelo acompanhamento pré-concepcional, visto que a hiperglicemia nas primeiras 6 a 8 semanas aumentam o risco de malformações fetais. Os sistemas mais afetados são: cardiovascular, nervoso central, gastrintestinal, geniturinário e musculoesquelético. As malformações cardíacas, principalmente do septo são as mais incidentes. Uma das propostas para diminuir os riscos de malformações é atingir valores de hemoglobina glicosilada menores que 6, após alcançar este valor a paciente poderá engravidar. Macrossomia fetal: feto macrossômico é o que apresenta peso >4kg. Na macrossomia há visceromegalia generalizada, maior desenvolvimento de massa muscular e da adiposidade. O fator primário na macrossomia é a hiperinsulinemia fetal decorrente da hiperglicemia materna. A monitorização rigorosa da glicemia pós-prandial, conduz a menor incidência de fetos macrossômicos. Hipoglicemia Neonatal: acontece em 20-70% dos infantes de mãe com diabetes. O mecanismo da hipoglicemia está altamente relacionado aos níveis da glicemia no parto. A hiperglicemia materna determina hiperplasia nas ilhotas fetais e hiperinsulinemia responsável pela hipoglicemia neonatal. Síndrome da Angústia Respiratória: nos RNs de mães diabéticas, é elevada a incidência de complicações pulmonares (20-30%), principalmente em decorrência a SAR. O bom nível glicêmico e postergação do parto podem reduzir as taxas de SAR. A hiperglicemia e a hiperinsulinemia retardam a maturidade do pulmão fetal. HEMOGLOBINA GLICOSILADA Também abreviada como Hb A1c, é uma forma de hemoglobina presente naturalmente nos eritrócitos humanos que é útil na identificação de altos níveis de glicemia durante períodos prolongados. Este tipo de hemoglobina é formada a partir de reações não enzimáticas entre a hemoglobina e a glicose. Quanto maior a exposição da hemoglobina a concentrações elevadas de glicose no sangue, maior é a formação dessa hemoglobina glicosilada. Na assistência pré-natal, deve-se promover o acompanhamento clínico da gestante diabética independente da classificação da doença, deve-se monitorar as complicações fetais. O tratamento do diabetes gestacional deve envolver uma equipe multidisciplinar e serviços de pré-natal de alto risco equipados para atender esta gestante. A gestante na maioria dos casos não necessita estar internada e acompanha seus valores de glicemia em casa. DIABETES MELLITUS GESTACIONAL Após referenciada ao pré-natal de alto risco, estas gestantes recebem atendimento distinto conforme sua necessidade. No pré-natal busca-se verificar a associação do diabetes com outras doenças como síndromes hipertensivas e avaliar as repercussões fetais. Deve ser realizada USG com o objetivo de avaliar o crescimento fetal devido ao risco de macrossomia. Essas gestantes também apresentam maior risco de bacteriúria assintomática, devendo ser rastreadas e tratadas. As consultas pré-natais devem ter maior frequencia, com intervalos de 7 e 14 dias, dependendo do controle glicêmico e da presença de complicações maternas e fetais TRATAMENTO O tratamento visa ao controle glicêmico estrito, com objetivo de conseguir manter níveis normais e diminuir as complicações maternas e fetais. É importante que ocorra a adaptação da gestante, que deve entender que mesmo com o controle alimentar, talvez seja necessário uso de insulina devido a resistência causada pela gestação. DIETA A educação dietética é muitas vezes suficiente para atingir o controle glicêmico. Os objetivos são atingir a euglicemia, evitar a cetose, promover ganho de peso adequado e contribuir paro o desenvolvimento e bem estar fetal. Durante a gestação a mulher precisa de 300 kcal a mais, porém deve-se levar em conta o peso atual e peso ideal da gestante. A necessidade calórica diária é geralmente entre 1800 e 2200 calorias. A dieta é constituída de 40 a 50% de carboidratos, 30 a 25% de lipídeos e 15 a 20% de proteínas, deverá ser fracionada em 6 refeições (café da manhã, lanche, almoço, lanche, jantar e ceia) A distribuição de calorias será em média 10% no café da manhã, 30% no almoço e jantar, os outros 30% divididos entre os lanches. Deve ser realizado acompanhamento nutricional. Os adoçantes artificiais podem ser ingeridos, dando preferência ao aspartame e aos naturais, como stevia, o ciclamato deve ser evitado. EXERCÍCIOS FÍSICOS O acompanhamento das gestantes diabéticas deve ser realizado por profissional. Os exercícios físicos podem promover melhor controle glicêmico. As pacientes que já praticam exercícios devem manter suas atividades só que adaptadas para as gestantes. As que ainda não faziam deverão fazer devido a atividade física diminuir a intolerância a glicose, podendo reduzir a necessidade diária de insulina. INSULINOTERAPIA A insulina exógena é a terapêutica medicamentosa de escolha do tratamento de diabetes gestacional. A administração de insulina deve ser indicada quando a dieta não for suficiente para o controle glicêmico. As insulinas mais usadas são a NPH (neutral protamine hagedorm) ou rápidas (insulina regular). Normalmente são utilizadas insulina NPH em três tomadas: jejum, almoço e 22 horas). A dose inicial será calculada segundo peso materno, variando de 0,4 a 0,5 UI/kg/dia, onde a maior dose será pela manhã. Caso necessário introduz-se a regular antes das refeições. MONITORIZAÇÃO GLICÊMICA É feita por meio da glicemia capilar (dextro) pela própria paciente. Esse método traz o registro detalhado do perfil glicêmico e facilita o entendimento da gestante sobre sua doença, além de possibilitar que ela verifique os efeitos da dieta sobre o controle da glicemia. Deve ser realizada 4 vezes ao dia – jejum, 2 horas pós- prandiais (café da manhã, almoço e jantar). A meta do controle glicêmico é que as glicemias da gestante com diabetes estejam próximos ao da gestante sem diabetes, com menor frequencia de hipoglicemias possíveis. Cetoacidose diabética: É uma emergência médica, caracterizada por hiperglicemia e acidose desencadeada pelo déficit de insulina. Ocorre em 1 a 3% das gestantes, porém o quadro é grave e pode evoluir para a morte. O quadro clínico é composto por vômitos, poliúria, polidipsia, fraqueza, perda de peso, dor abdominal, desidratação, hipotensão, taquicardia e hiperventilação. Habitualmente encontram-se glicemias acima de 200 mg/dl e presença de corpos cetônicos na urina. Neste caso deve-se posicionar a paciente em DLE, monitorizar SVR e promover oxigenação. Deve-se realizar monitorização de BCF e investigar infecções. Para o tratamento usa-se insulina regular IM ou EV, hidratação e correção do distúrbio hidroeletrolítico que geralmente inclui reposição de potássio e bicabornato. AVALIAÇÃO FETAL Preconiza-se a USG mensal com objetivo de acompanhar crescimento fetal. A presença de macrossomia relaciona- se com o perfil glicêmico. Controle da movimentação fetal. Após o diagnóstico de diabetes gestacional, que ocorre após 28ª semana, realiza-se perfil biofísico fetal (que deverá incluir a cardiotocografia). Momento e tipo de parto: bem controlada, pode-se levar a gestação até 40 semanas. Em casos de complicações ou alterações o parto deve ser antecipado. A via de parto será determinada quanto as condições obstétricas, sendo a vaginal preferencial, exceto quando feto pesar mais de 4.000 g. ASSISTÊNCIA AO PARTO Durante o trabalho de parto deve ser realizado controle glicêmico e da vitalidade fetal. As necessidades de insulina estão diminuídas devido ao jejum relativo e maior utilização de glicose pelo organismo. Deve-se manter controle glicêmico em intervalos de 1 a 3 horas, sendo os valores esperados entre 70 e 140 mg/dL. Infusão venosa de solução de glicose a 5% nas pacientes em jejum. No dia do parto a paciente deve receber de um quarto à metade da dose de insulina NPH que recebenormalmente. Se necessário correção, será feita com regular. Para correção de hipoglicemia, deve infundir soro glicosado a 10% (20 a 30 gotas/min.) até que os valores estejam dentro dos limites. Referência Bibliográfica: BUSSÂMARA, Neme. “Obstetrícia básica”, 3 edição. Editora savier, 2006 REZENDE, Carlos. “Obstetrícia Fundamental”, Editora Goanabara koogan, 11 edição, 2008. ZUGAIB, Marcelo. Obstetrícia. Editora Manole, 2008
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