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Texto O EU E O OUTRO Arthur da Távola

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PSICOLOGIA NAS ORGANIZAÇÕES Profa. Salete Tôrres 
 
 
 Arthur da Távola – Jornal “O GLOBO”.
Veja se dá para entender:
A gente, para a gente mesmo, é a gente. Raramente consegue ser o outro.
A gente, para o outro, não é a gente: é o outro.
Deve estar confuso. Tento de novo:
Cada um de nós vive uma ambigüidade fundamental: ser a gente e ao mesmo tempo, ser o outro. Pra gente, a gente é a gente. Para o outro, a gente é o outro.
Temos, portanto, dois estados: ser o “eu” de cada um de nós e ser o outro. Na vida de relação, pois, temos que saber ser o “eu-individual” e ao mesmo tempo aceitar funcionar em estado de alteridade, ou seja, de “outro”. 
O outro raramente nos considera como a gente (como pessoa singular, peculiar, própria, única, desigual). Em geral, ele nos considera como “o outro”.
Daí surgem os conflitos. Não apenas o outro em geral não nos considera como “a gente”. Também a gente não sabe aceitar (ou raramente aceita) ser tratado como “outro”. A gente quer ser tratada como a gente sabe que é ou imagina que é e não como o outro nos considera.
 A gente sempre tem a esperança que o outro descubra o que a gente é. Mas isso é muito difícil, porque o outro nos vê como “outro” ou como qualquer projeção dele, jamais nos vê como a gente se vê ou quer ser visto ou gostaria de ser visto.
Uma relação de duas pessoas dá-se, portanto, em quatro etapas.
Para Joaquim, Maria é o outro;
Para Joaquim, Joaquim é Joaquim;
Para Maria, Joaquim é o outro;
Para Maria, Maria é Maria.
Mas Maria quer que Joaquim não a veja como “o outro” e sim como Maria. E Joaquim não quer ser visto como “o outro”; ele quer ser visto como Joaquim. Mas nem Maria o vê como Joaquim (e sim como “o outro”), nem Joaquim a vê como Maria (e sim como “o outro”, na pessoa dela).
É essa vontade de que nos vejam como a individualidade que somos, o que nos leva a exigir talvez demais daqueles que se relacionam conosco. Eles talvez não estejam preparados (raramente estão) para nos ver como “eus”, como unidades próprias, como somos ou como queremos ser.
Exigir dos demais que nos vejam em nossa individualidade é um ato de pouca sabedoria. Raramente eles a conseguem, porque se somos “eu” para nós mesmos, somos “outro” para eles. Em estudo de “eudade” (de eu) somos uma pessoa. Em estado de alteridade (outro vem de alter) somos outra pessoa. 
Conseguir (sem exigir ou cobrar); porém, que o outro nos veja como “o outro” que somos para ele, mas como o “eu” que somos para a gente, é ato de sabedoria. Significa saber ser nítido, saber colocar-se como pessoa e como individualidade, saber ocupar o próprio espaço sem qualquer invasão do espaço dos demais ou sem qualquer imitação do que eles são e nós agregamos, por inveja ou admiração (coisas muito parecidas).
Para tal é mister que saibamos ver o outro não apenas como “o outro”, mas como o “eu-dele”, para ele. Mais claro: significa ver o outro como ele é na condição de “eu”, ou seja, de indivíduo próprio, peculiar, semelhante, sim, mas desigual e não na condição de “outro”, que é como ele chega até nós.
Eu devo ser “eu” para mim e para o outro. O outro deve ser o “eu dele” para mim. Eu devo aceitar ser “o outro” para o outro. Mas devo desejar e conseguir ser “eu” para ele. Eu, em estado de “eu” devo aceitá-lo como outro. Eu em estado de “outro” devo aceitá-lo como o eu dele. Eu e ele somos ao mesmo tempo “eu”. Eu e Ele somos ao mesmo tempo “ele”. Eu sou “eu” mas sou “ele”. Ele é “eu” mas também é ele.
Por isso somos (ao mesmo tempo) semelhantes e diferentes. Por isso somos irmãos. Por isso a humanidade é uma só. Por isso a igualdade humana é uma verdade, na diferença individual.
E para terminar um outro alcance, paralelo ao principal, mas muito verdadeiro nas relações humanas:
O outro nunca sabe direito o que ele é e representa para a gente. E a vida nos vai ensinando a ser cada vez mais sozinhos, pelo acúmulo de não correspondência daqueles que sempre nos significaram algo, mas nunca o souberam ou perceberam na exata medida. Ou então, preocupados em excesso com os próprios problemas, nunca atenderam ao potencial de afeto que por eles ou para eles havia em nós e foi se desgastando por desuso ou dispersão, já que não o souberam receber.
Às vezes a gente é esse “outro”. Aí o outro fica com seu gesto de amor à espera da gente.
Às vezes esse “outro” é mesmo o outro. Aí é a gente que fica com o próprio gesto de amor solto no ar à espera de aceitação, entendimento e correspondência. Em ambos os casos, dói.
Mas isso já é outra crônica.

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