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Aula 6 – Novas e Velhas Mentalidades
Como vimos nas aulas anteriores, o pensamento medieval não foi simplesmente substituído por uma nova mentalidade. Ele, na verdade, surgiu como base para o pensamento moderno. Mesmo no interior da Igreja Católica, existiam pensadores que procuravam conciliar as novas transformações e descobertas com a ideologia católica. Neste contexto, destacamos a obra de São Tomás de Aquino, que consegue, através das obras que produziu ao longo de sua vida, alinhar duas instâncias aparentemente incompatíveis, a fé e a razão. A escola de pensamento fundada por São Tomás se denominará tomismo e seus princípios foram fundamentais para a manutenção do ideal eclesiástico durante a Idade Moderna.
Cabe lembrar que ele era filho de uma família nobre e abastada e pôde estudar em Nápoles, uma das mais importantes universidades de seu tempo. Se levarmos em consideração apenas os marcos temporais, aqueles que discutimos anteriormente, restringiríamos seu pensamento à Idade Média, já que este filósofo viveu no século XIII e, pelos marcos tradicionais, a Idade Moderna começaria somente no século XV.
Mas seus escritos serão uma das mais importantes bases do pensamento moderno, o que é também um exemplo de como não devemos nos prender tão fixamente a esses marcos. Quando fazemos nossa análise sobre os diversos processos históricos, vemos que não há uma rigidez para que possamos realmente determinar o fim de uma era e o começo de outra.
De fato, para elaborar suas teses, São Tomás recupera um filósofo da antiguidade, Aristóteles. Hoje, quando pensamos em filosofia, entendemos essa disciplina como algo inteiramente ligado ao mundo das ideias, e, aparentemente, descolado do mundo físico e das ciências exatas. Essa concepção é em si, um equívoco, já que a filosofia constituiu o fundamento da maior parte das ciências e os grandes cientistas e artistas eram, também, filósofos. Portanto, quando pensamos na filosofia na antiguidade, devemos compreender que esses filósofos estavam envolvidos nos mais diversos campos do conhecimento. Aristóteles, por exemplo, dedicava-se à política, à poesia e à astronomia, tendo sido um dos primeiros a defender o modelo geocêntrico de universo que foi refutado posteriormente por Copérnico e Galileu.
Podemos reconhecer aqui um exemplo de como o conhecimento é cumulativo. Sabemos hoje que o modelo geocêntrico não está correto. Entretanto, ele serviu como ponto de partida para a elaboração de novas teorias. Essa é a dinâmica pela qual os saberes se aprimoram. Ao retomar Aristóteles, São Tomás destaca o método de observação de mundo desse filósofo, na qual todos os eventos e todos os indivíduos tem um propósito implícito. Há, portanto, uma ordem universal nas coisas que, para São Tomás, é dada pela vontade divina. Dessa forma, a partir do pensamento tomista, a igreja adquire um fundamento teológico, baseado na Bíblia e um fundamento racional, baseado na filosofia. Podemos resumir essa improvável junção entre fé e razão em uma famosa frase de São Tomás. Crer para poder entender e entender para crer.
Como vemos, a fé se mantém como o fundamento da obra tomista, mas ao dedicar sua vida a racionalizar os princípios da fé, sendo reconhecido pela igreja por sua contribuição ideológica, o filósofo buscou demonstrar que todas as coisas que existem provinham de Deus e não havia, portanto, nenhuma contradição ou separação entre a fé e a ciência. Ao abraçar as ideias tomistas, podemos perceber que a igreja não permanece estática e imutável ao longo dos séculos, mesmo sendo sua ideologia fundada em dogmas.
Dogmas...esse é outro conceito que precisamos definir antes de continuarmos. Em termos religiosos, dogmas são princípios irrefutáveis e a partir dos quais uma crença é fundada. Tomemos o exemplo cristão: na ideologia cristã, Maria, mãe de Jesus, concebeu virgem. Esse é um princípio de fé: ou acreditamos ou não acreditamos. Ele não pode ser racionalizado, pois é um...dogma, ou seja, uma verdade absoluta. Na verdade, não só o catolicismo é fundado em dogmas, mas todas as religiões os possuem. Outro dogma cristão é que há um único Deus. Esse é um princípio no qual se sustenta a fé católica, não podendo, portanto, ser questionado.
Em grande parte, são os dogmas católicos que nos passam a impressão da Igreja como um corpo rígido, o que está muito longe de ser verdadeiro, como podemos notar nas teses de São Tomás. Suas ideias fazem com que ele seja um dos principais representantes da filosofia escolástica. A escolástica é uma corrente filosófica muito disseminada na Idade média, em especial a partir do século XI e que teria servido como ponto de partida para a filosofia moderna.
Sem dúvida, São Tomás foi também profundamente influenciado pela sua formação napolitana. Durante o século XIII, as cidades italianas, como vimos nas aulas passadas, viviam um intenso movimento de renascimento urbano e comercial e muitas culturas confluíam para elas, formando um caldeirão cultural propício ao surgimento e desenvolvimento de novas teorias.
Além disso, como vimos na última aula, o acúmulo de riquezas oriundas do comércio permitiu à burguesia napolitana patrocinar diversos artistas e pensadores. Mesmo pintores renascentistas que não eram italianos, como o flamenco Pieter Brueghel, ficaram encantados com o cosmopolitismo e a paisagem napolitana, imortalizando-a em suas obras.
Nesta obra, Brueghel retrata o porto, fonte de poder e riqueza não só de Nápoles, mas das cidades italianas como um porto. É interessante pensarmos que o porto não era somente o meio de escoar e receber mercadorias, mas era também um lugar por onde chegavam mercadores de terras distantes, burgueses, filósofos e artistas. Quando vemos obras como essas e outras que pudemos estudar na última aula, vemos o surgimento de um mundo novo, de luxo e riqueza para os nobres e de ascensão social para a burguesia.
São estas as classes retratadas nas pinturas e documentos, são sobre elas os documentos que são escritos. Mas...e as classes subalternas? Onde estão os camponeses, os pobres, os mendicantes? Em que parte da história eles se encaixam? Aquelas que não podem pagar por seus retratos, não conseguem frequentar as universidades, não vivem nas grandes e efervescentes cidades, como conhecê-las? As classes baixas foram, durante muito tempo, uma classe silenciosa. Não tinham livros escritos sobre ela, não narravam suas memórias, não eram imortalizadas na literatura ou nas artes plásticas, mas sempre estiveram ali, e sempre foram importantes e mostraram suas forças nas grandes eclosões sociais como os motins de fome e as revoluções burguesas. Somente no século XX, a historiografia, sendo a Inglaterra uma das pioneiras nesse processo, retomou a história das classes populares, em sua history from bellow, ou história vista de baixo. De fato, a metodologia histórica foi profundamente renovada durante o século XX, com a escola dos Annales e as novas correntes historiográficas inglesa e italiana. A partir de então, a cultura popular também foi considerada um objeto da história e percebeu-se que havia muito ainda a ser descoberto e estudado.
Mas como revelar a história das classes que durante séculos se mantiveram sem voz? Esse foi um dos primeiros grandes obstáculos que, a princípio, pareceram quase instransponíveis. Quase. Uma das mais preciosas ferramentas para transmitir o conhecimento entre as classes baixas era a oralidade. Assim, práticas cotidianas, artes de cura, senso comum, histórias diversas, lendas, mitos passavam de pai para filho através da oralidade. Mas é claro, cada geração ouvia e transformava aquilo que escutava de acordo com suas próprias experiências e com o tempo em que vivia. Os historiadores voltaram-se então para esses relatos, alguns seculares, como são aqueles que chamamos de contos de fadas, que foram reunidos por diversas pessoas, sendo os irmãos Grimm os seus mais famosos compiladores.
Como contribuição para o estudo do pensamento das classes populares, o historiador italiano Carlo Ginzburg recuperouum processo inquisitorial que trouxe à tona uma parcela da mentalidade do homem comum da época. Estudando os arquivos inquisitoriais italianos, Ginzburg deparou-se com um processo de um moleiro, chamado Domenico Scandella, conhecido como Menocchio, e sobre ele traçou um dos mais importantes estudos de caso para a compreensão da mentalidade popular da época.
Antes de falarmos sobre este caso propriamente dito, vejamos um conceito fundamental para a sua compreensão: o de circularidade cultural. Ginzburg defende a existência de uma influência recíproca entre as culturas das classes abastadas e das classes subalternas. “Pode-se ligar essa hipótese àquilo que já foi proposto, em termos semelhantes, por Mikhail Bakhtin, e que é possível resumir no termo “circularidade”: entre a cultura das classes dominantes e a das classes subalternas existiu, na Europa pré-industrial, um relacionamento circular feito de influências recíprocas, que se movia de baixo para cima, bem como de cima para baixo...” (GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo: Cia das Letras, 2009). Partindo desse trecho, há várias questões importantes que devemos discutir. Vamos começar com a citação a Mikhail Bakhtin. Bakthin foi um estudioso e linguista russo que se dedicou, dentre outros objetos, a estudar a literatura e a cultura popular na Idade Média. Bakhtin escreveu diversas obras importantes, mas para apreendermos sobre a questão da circularidade veremos o trabalho intitulado Cultura popular na Idade Média e no renascimento: o contexto de François Rabelais. Nele, o autor estuda a obra de Rabelais a partir das trocas entre a cultura popular e a cultura erudita de seu tempo, entendendo seu contexto também a partir da influência da igreja no período em que Rabelais viveu.
Ao se utilizar de um conceito gestado originalmente na linguística e na filosofia da linguagem, áreas de atuação principais de Bakthin, Ginzburg faz uso da interdisciplinaridade. Lembra-se de quando falamos sobre transformações na historiografia do século XX? A interdisciplinaridade é uma dessas transformações. Ela propõe o uso de conceitos produzidos por diversas ciências humanas, ou seja, um livre trânsito de utilizações e usos dos conceitos. Na verdade, em outras obras, Ginzburg diz, a respeito da sociologia, que quanto mais a história for sociológica e a sociologia for histórica, melhor para ambas. De fato, o uso de múltiplos conceitos de diferentes áreas amplia sobremaneira as possibilidades do fazer história, enriquecendo os textos e ampliando o conhecimento de um modo geral. A outra questão importante diz respeito à ideia de circularidade cultural em si. Na verdade, em outras obras, Ginzburg diz, a respeito da sociologia, que quanto mais a história for sociológica e a sociologia for histórica, melhor para ambas. Por mais que aparentemente exista uma cultura dominante e esta seja mais visível em monumentos, documentos e fontes, esta cultura jamais será “pura”. Ela sempre estará em contato e absorverá a característica da cultura popular e vice-versa. Isso pode ser percebido nos modos de falar, nos costumes em geral, modos de vestir, artes, enfim, no campo cultural como um todo.
Depois dessa necessária parada metodológica, voltemos ao estudo de caso de Ginzburg: o moleiro Menocchio. Veremos também uma outra forma de cultura popular na qual podemos verificar a mentalidade do homem moderno: o teatro. Nesse caso, vamos falar de um dos maiores dramaturgos da história: William Shakespeare. Continuando, as criações de Shakespeare não eram movidas pela vontade divina, mas faziam suas escolhas, certas ou erradas, e sofriam as consequências de seus atos. Othelo mata sua amada por ciúmes, Hamlet enlouquece, Romeu e Julieta preferem morrer juntos a viver separados. O homem assume as rédeas de seu próprio destino, um dos princípios do humanismo. Nas suas peças convivem o real e o sobrenatural, assim como na mentalidade moderna do homem. Nesta tela do século XVIII vemos uma cena de Hamlet, na qual o personagem principal vê o fantasma de seu pai. Em uma sociedade cuja maioria era analfabeta, é através do teatro que essas ideias que circulam no mundo letrado chegam à população.
Tanto o Menocchio de Ginzburg quanto a recepção ao teatro Shakesperiano demonstram recepção do homem comum, das classes subalternas, as mudanças que se operam na Europa na transição do medievo para a modernidade. Nas palavras de Ginzburg, são homens como nós, mas ainda assim, muito diferentes de nós. Devem, portanto, ser entendidos a partir da dimensão humana, como indivíduos inseridos em sua própria época e que dispõem de seu próprio conjunto de ideias e costumes, e não serem pensados como uma massa, uniforme e sem rosto, que atua como coadjuvante nos processos históricos.
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