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Teoria da História Aula 05 Os direitos desta obra foram cedidos à Universidade Nove de Julho Este material é parte integrante da disciplina, oferecida pela UNINOVE. O acesso às atividades, conteúdos multimídia e interativo, encontros virtuais, fóruns de discussão e a comunicação com o professor devem ser feitos diretamente no ambiente virtual de aprendizagem UNINOVE. Uso consciente do papel. Cause boa impressão, imprima menos. Aula 05: A documentação como fonte histórica Objetivo: Apresentar as diferentes possibilidades de pesquisa documental e discutir a importância desse tipo de fonte para a pesquisa histórica. Documento e informação A cena acontece todos os dias. Quando saímos de casa para o trabalho ou qualquer outra atividade, levamos na bolsa – ou em algum bolso, nossa carteira e nossos documentos. Porém, se damos conta que saímos sem eles, de que os esquecemos em casa, de imediato nos chateamos só de pensar nos problemas que podemos enfrentar. E se os perdemos ou temos os documentos roubados, ficamos em geral transtornados! A razão disso é que em uma sociedade como a nossa, tão burocratizada, portar os documentos pessoais é fundamental para que alguém prove sua identidade, seja para o banco ou para uma simples noite de lazer. O documento serve apenas para nos identificar socialmente? Pensando melhor, perceberemos que não é só isso. Documentos pessoais trazem informações sobre os seus portadores. São, em essência, um testemunho formal a respeito de alguém, cumprindo o papel de informar. Em termos gerais, podemos dizer que documento é aquilo que traz informação. Segundo Smit (1987), “a noção de informação pode ser analisada sob vários ângulos, sendo que a abordagem mais simples vê nela a matéria-prima e o produto acabado do processo de pesquisa e desenvolvimento” (SMIT, 1987, p. 26). Portanto, relativamente ao documento, temos algo muito importante para quem busca informar-se com o intuito de realizar um trabalho de natureza científica. O historiador, como vimos na aula anterior, tem como trabalho principal a investigação do passado, e tal informação está expressa ou implícita no documento que o historiador tiver em mãos. Como disse a autora citada, o documento é a “matéria-prima” da pesquisa. Nós podemos dizer: o documento é uma importantíssima fonte histórica. Nossa cédula de identidade é uma fonte oficial de informação pessoal, mas pode se tornar também uma fonte biográfica ou social de interesse histórico. As informações sobre “naturalidade”, “filiação”, “data de nascimento”, “data de expedição”, a própria “fotografia”, constituem-se em dados que podem estar sob o foco do historiador. Tomemos agora, para efeito de comparação, uma cédula de identidade de meados do século passado. Pensemos em outras questões: a tinta e as técnicas usadas para a impressão, o formato e tamanho do documento, o penteado e o modelo dos óculos que a pessoa usa na fotografia... O universo de análise se amplia, pois temos também informações de natureza social e técnica, a revelar tempos diferentes. Para o historiador, um documento como esse torna-se uma fonte preciosa de contato com o passado. A documentação histórica e sua multiplicidade É claro que a documentação com a qual trabalha o historiador é muito mais ampla. Os documentos pessoais são apenas uma das modalidades de documentos existentes. Podemos afirmar que quase tudo o que existe enquanto produto da sociedade humana pode ser um potencial documento para uso do historiador. No entanto, nem sempre foi assim. Até o século XVIII, a ideia de documento histórico ligava-se aos registros produzidos oficialmente pelas instituições de poder, gravados em pedra ou outro tipo de suporte como o papiro ou pergaminho. A história da documentação apresenta uma longa caminhada. Na Idade Média, no âmbito da cultura ocidental, a guarda de documentos escritos tornou-se uma das atribuições assumidas pelos mosteiros da igreja. Monges especializaram- se no trabalho de copiar e de preservar documentos. A partir do Renascimento1 (séculos XIV, XV e XVI), historiadores humanistas enfatizaram a confirmação da origem e da veracidade documental – pois muitos dos documentos citados nos escritos medievais eram atribuídos falsamente a pessoas importantes e outros nem sequer existiam. No entanto, a questão do poder continuava decisiva na valoração documental. Uma carta de um nobre do século XVII dirigida a outra pessoa importante, que tivesse o selo oficial a atestar esse status social e político, não se poria em dúvida quanto a ser um documento de interesse histórico. Quanto mais se o documento em questão fosse uma bula papal2 do século XV, um édito real do tempo das monarquias absolutistas ou uma letra de câmbio emitida por um banqueiro burguês dos séculos renascentistas. O conceito de documento se ampliou consideravelmente a partir de meados do século XIX, com o advento da leitura crítica da história proposta por Karl Marx3, no seu texto A ideologia alemã. Ganham importância, em particular, as lutas dos camponeses e trabalhadores por seu reconhecimento em meio à opressão da burguesia industrial europeia e norte-americana. A necessidade de se reconhecer e dar espaço à voz do povo simples e explorado ecoou diretamente na questão documental. Assim, foram recuperados e reexaminados documentos de tempos anteriores, como “Os Doze Artigos dos Camponeses” do século XVI, redigido pelo líder desses trabalhadores, Thomas Münzer. Sobre ele trabalhou F. Engels4 no seu livro A Guerra dos Camponeses Alemães, de 1850, no intuito de construir uma reflexão histórica das lutas populares. Os documentos produzidos pelas classes trabalhadoras revelaram a verdade da história mais do que os documentos oficiais produzidos pelas elites e classes dominantes. Com isso, também se renovou o interesse pelo levantamento e estudo de toda uma documentação escrita ligada às pessoas que tiveram sua vida e reivindicações desprezadas anteriormente pelos escritos pretensamente históricos. No século XX surgiram novas possibilidades para a ciência histórica. O conceito de documento deixou os limites dos textos escritos e se estendeu para todo tipo de suporte que fornecesse informação relevante ao historiador. A fotografia, a produção artística, literária e jornalística, os objetos tridimensionais e, mais recentemente, a virtualidade possibilitada pela rede mundial de computadores (internet), todas essas fontes são passíveis de revelar ao historiador informação fundamental para a sua pesquisa. Com tantas possibilidades, o nível de exigência para o estudioso tornou-se mais elevado, mas também é verdade que as possibilidades da descoberta histórica se multiplicaram enormemente desde então. Em outras palavras: há para o historiador uma infinidade documental que se diferencia dos termos como tradicionalmente esses documentos eram concebidos até os séculos XVIII e XIX. Muito do progresso moderno e contemporâneo da pesquisa histórica se deve a essa ampliação do universo documental. A utilização dos documentos escritos institucionais Exemplifiquemos agora como na prática o historiador trabalha com a documentação disponível. Comecemos com o documento produzido intencionalmente por uma determinada instituição, documento esse que dá suporte aos intentos de uma classe dominante ou grupo pertencente aos círculos do poder político em determinado período da história. Uma das obras mais conhecidasdas últimas décadas na historiografia mundial é o livro do historiador italiano Carlo Ginzburg (1986), O queijo e os vermes. Sua metodologia focaliza-se em Menocchio, dono de um moinho na aldeia de Montereale, região italiana do Friuli. Por meio desse homem, um herege descoberto por acaso em uma pesquisa que Ginzburg fazia nos processos da Inquisição nos arquivos da Cúria em Udine, o autor estudou os costumes e as ideias dos camponeses que viviam nessa região em meados do século XVI e apontou para as relações entre esse mundo do interior e os centros urbanos italianos da época. Menocchio foi condenado à morte pela Inquisição como herege religioso. Temos aqui um ótimo exemplo do que é um documento escrito de caráter oficial e de como o historiador pode utilizá-lo de maneira original. Ginzburg tinha em suas mãos um documento produzido pela Inquisição com o objetivo formal de reunir provas contra Menocchio para condená-lo. Na utilização que o historiador faz dele, o documento se torna uma fonte de leitura das ideias de um representante dos camponeses, de alguém pertencente às classes submetidas. Permite, portanto, o desvelamento simultâneo da visão de mundo das classes dominantes e das classes subalternas, e de como tais concepções circulam nesse ambiente cultural complexo. O que faz o historiador, portanto, diante de um documento oficial? Estuda-o criticamente. Apropria-se de tal fonte com novas perguntas. Utiliza-se das ferramentas mais modernas que lhe permite a erudição acadêmica. Assim, pode examinar correspondências, relatórios, ofícios, processos, editais, a fim de entende- los em suas reais motivações. É o desbaratamento da história na apropriação da documentação oficial. A utilização dos documentos do cotidiano social Tornou-se prática comum entre os historiadores a pesquisa em outras fontes, que não se enquadram nos termos tradicionais que amparam a “história factual”. Uma tosca caderneta de controle de despesas familiares, por exemplo, torna-se um documento interessante para um pesquisador que queira medir o impacto do custo de vida no cotidiano das famílias proletárias de certo período histórico. Evidentemente, o trabalhador que anota as suas despesas não o faz pensando em qualquer tipo de providência para amparar a pesquisa histórica. Porém, ao registrar o seu controle, providencia, sem saber, uma fonte de informação muito mais fidedigna do que os registros oficiais, uma vez que tais anotações refletem com realismo a condição das classes exploradas. No que se refere ao exame das práticas das classes dominantes, pode-se fugir dos documentos oficiais para a obtenção de resultados bastante satisfatórios. Há estudos que tomam os comerciais da televisão de determinado período histórico como documento, a fim de revelar o comprometimento das empresas de comunicação com os grandes grupos econômicos, sustentáculos da ideologia burguesa. Da mesma forma, ainda referindo-se à televisão, há trabalhos sobre as telenovelas, os telejornais, os programas esportivos, e como tais programas, transformados pelo historiador em documento histórico e fonte de pesquisa, revelam as tramas dominantes de uma época. Conclusão O historiador não pode abrir mão das fontes documentais. Elas não somente concedem informação, mas são a evidência que o historiador precisa para ancorar firmemente a historiografia que produz no chão do passado histórico, afastando-se assim da mera opinião e da especulação. Saiba Mais Renascimento1: Período da história do Ocidente que geralmente está referido aos séculos XIV, XV e XVI. Liga-se aos processos de transformação europeia ao mundo dominado pelo capitalismo e sua cultura. Bula papal2: Documento dos papas da Igreja Católica Apostólica Romana. Tem o objetivo de divulgar decisões que tem força de lei no âmbito da igreja. Karl Marx3: Pensador alemão do século XIX e intelectual de fundamental importância. Principal articulador do pensamento de esquerda, conhecido como “materialismo histórico”. Friedrich Engels4: Parceiro de Karl Marx em alguns dos textos mais importantes produzidos no século XIX, onde faz uma crítica violenta e extremamente bem fundamentada ao capitalismo e à sociedade de consumo. Chegamos ao fim desta aula. Agora, acesse o Fórum para dividir a opinião com seus colegas. Se as dúvidas persistirem, não deixe de esclarecê-las com o seu professor. REFERÊNCIAS BORGES, V. P. O que é História. São Paulo: Brasiliense, 1981. GINZBURG, C. O queijo e os vermes – A trajetória de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. SMIT, J. O que é documentação. São Paulo: Brasiliense, 1987.
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