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Aula 7 Gramaticalização e mudança linguística

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CEDERJ – CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA 
DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 
 
CURSO: Letras DISCIPLINA: Português VIII 
 
CONTEUDISTAS: 
Ana Cláudia Machado Teixeira 
Luciana Sanchez Mendes 
Nadja Pattresi de Souza e Silva 
José Carlos Gonçalves 
 
 
Aula 7 – Gramaticalização e mudança linguística 
 
Meta 
Nesta aula, discutimos o conceito de mudança na perspectiva da Sociolinguística e do 
Funcionalismo Linguístico de linha norte-americana, apresentando a abordagem do 
Sociofuncionalismo. Complementarmente, examinamos o conceito de gramaticalização, 
seu papel e sua aplicabilidade no âmbito dos estudos sobre mudança linguística bem como 
o conceito de pancronia. Finalizamos com a constatação de que variabilidade e mudança 
implicam a modelagem da gramática ao uso que fazemos da língua. 
 
Objetivos 
 
Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: 
 
1. Reconhecer e identificar a complementaridade do conceito de mudança nas duas 
abordagens linguísticas: Sociolinguística e Funcionalismo Linguístico; 
2 
2. Compreender o conceito de discurso, gramática e gramaticalização, esse último como um 
mecanismo natural de desenvolvimento de palavras, expressões, construções novas a partir 
de palavras, expressões, construções já existentes na língua; 
 
3. Identificar a vinculação da gramaticalização com a variação diacrônica; 
 
4. Constatar que a língua é um organismo vivo que varia e muda constantemente a fim de 
atender às demandas comunicativas. 
 
Introdução 
 
Nas aulas anteriores, estudamos as diversas maneiras pelas quais uma língua natural, como 
o português, se molda ao uso que os falantes fazem dela. Nesse sentido, os conceitos de 
uso, variação e mudança fazem parte de um conjunto de termos relacionados aos estudos 
linguísticos que consideram o papel relevante do discurso. 
 
Na abordagem funcionalista, dois conceitos são fundamentais. O primeiro deles é o de 
discurso, que se refere aos modos de falar dos usuários da língua, com suas particularidades 
e formas individuais de expressão. O segundo é o de gramática, que se relaciona ao 
conjunto de regras que são constituídas a partir do uso discursivo. Na próxima seção, esses 
conceitos serão retomados e aprofundados. 
 
Nas aulas deste curso, temos apresentado temas associados à área de pesquisa da 
Sociolinguística. Para trabalharmos o conceito de gramaticalização a partir da mudança 
linguística, vamos adentrar em outra área de pesquisa que tem contribuído bastante para os 
estudos da gramaticalização, o Funcionalismo Linguístico. Como representante dessa área 
de estudos, destacamos aqui a linha de pesquisa de orientação norte-americana. 
 
Passemos, então, a identificar a complementaridade do conceito de mudança na 
Sociolinguística e no Funcionalismo Linguístico. Como vimos até aqui, é fato que as 
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línguas mudam e podemos verificar isso naturalmente se observarmos a maneira de falar 
dos nossos avós, a nossa, assim como a de moradores de regiões geográficas distintas, 
como Santa Catarina e Recife, e a de grupos sociais distintos, como os profissionais do 
surfe e os cantores de rap, por exemplo. 
 
Neste momento, é conveniente lembrarmos a afirmação de Saussure (1975, p. 115) de que: 
“tudo quanto seja diacrônico na língua não o é senão pela fala. É na fala que se acha o 
germe de todas as modificações: cada uma delas é lançada a princípio por um certo número 
de indivíduos, antes de entrar no uso”. É entrelaçando termos como língua, uso, tempo e 
falantes que podemos apresentar os conceitos de mudança em ambas as perspectivas. 
 
Como vimos, para a Sociolinguística, a variação é compreendida como um mecanismo 
essencial das línguas que pode ser sistematizado através de influências diatópicas, 
diastráticas, socioculturais. As formas variantes podem coexistir por séculos ou se 
encontrarem em estágio de modificação. A diferença principal é que, no primeiro caso, as 
formas competem pelo uso e as duas são utilizadas pelos usuários da língua, como, por 
exemplo, o uso de “nós” e “a gente” para o tratamento da primeira pessoa do plural. No 
segundo caso, uma das formas variantes tende a desaparecer, sendo que a mais nova 
assume o lugar da mais velha. Como em um sistema de acomodamento, essa forma mais 
nova vai, aos poucos, tomando os lugares que antes eram somente ocupados pela forma 
anterior, a mais antiga. Um exemplo clássico dessa última é a trajetória de mudança 
linguística da forma “vossa mercê” até chegar a forma “você”. 
 
Na presença de um fenômeno de variação, a partir dos fatores linguísticos e 
extralinguísticos vistos nas aulas anteriores, os estudos da área trabalham na linha da 
variação estável ou na de mudança em progresso. Nesse sentido, se uma única informação 
possui duas ou mais formas de ser veiculada, recebe o status de variação, como os itens “a 
gente” e “nós”. Se esse caso se mantiver bem definido por grupos regionais ou sociais, é 
atribuído o caráter de variação estável. Um exemplo para esse último caso seria o crescente 
desuso da segunda pessoa do singular “tu” e do plural “vós”. Se essa mesma variação 
4 
estável, porém, for assumida por outros grupos dialetais, abrangendo toda a comunidade de 
fala, isso pode indicar que estamos diante de uma mudança em progresso. 
 
Essa trajetória pode ser exemplificada pela mudança do pronome de tratamento “vossa 
mercê” para o pronome “você”, já finalizada, estando a forma “vossa mercê” obsoleta. 
Nesse caso, a mudança seguiu micropassos ao longo do tempo, alterando seu uso conforme 
o contexto de produção em que se inseria, exemplificada por vossa Mercê > vossemecê > 
vosmecê > vosm’cê > voscê > você. 
 
INÍCIO DO VERBETE 
A expressão “micropasso” define qualquer alteração ocorrida seja no nível da forma - 
fonologia, morfologia, sintaxe - seja no nível do sentido - semântica, pragmática e 
discursivo-funcional - da forma linguística que justifique uma inovação, consequentemente, 
uma camada. Por exemplo, no caso da trajetória “vossa mercê” > “você”, diferentes formas 
de tratamento começaram a surgir em função das mudanças nas relações sociais 
estabelecidas a partir do enfraquecimento da nobreza e o aumento da atuação da burguesia. 
Para localizar esse fator extralinguístico na mudança em processo, precisamos, 
necessariamente, identificar algum ponto da trajetória em que essa micromudança pode ser 
detectada na forma linguística. 
FIM DO VERBETE 
 
Para dar conta do estudo da variação e mudança, a Sociolinguística trabalha com uma 
metodologia que dispõe de ferramentas para estabelecer variáveis, bem como coleta e 
codificações dos dados, instrumentos computacionais para definir e analisar o fenômeno. 
No que se refere ao Funcionalismo Linguístico, os processos de regularização, ou seja, as 
alterações que partem do estado de uso individual para o de uso comum de toda 
comunidade linguística, e os de mudança na língua são observados em função das pressões 
de expressividade e, portanto, inovação, de um lado, e de sistematização e, por conseguinte, 
manutenção, de outro. Essa observação é realizada por meio dos contextos de uso, local em 
que acontece o discurso oriundo da díade comunicativa. 
5 
INÍCIO DE VERBETE 
A díade comunicativa está na base dos processos de interação. Refere-se aos 
interlocutores de uma determinada cena comunicativa, ou seja, o EU e o TU de uma 
conversação. 
FIM DE VERBETE 
 
Dessa forma, os fatores linguísticos e extralinguísticos são levados em consideração a partir 
do que acontece no discurso. Portanto, o contexto de uso ganha maior relevância, e é a 
partir dele que se estuda o fenômenosob mudança. Daí vem a necessidade de se 
esmiuçarem os tipos de contexto que viabilizam as mudanças. Na escola funcionalista, as 
características dos grupos sociais não são observadas a partir dos grupos em si, por isso não 
se consideram mudanças a partir de variantes diastráticas, diatópicas e as demais. 
 
Nesse momento, o que se observa é se o fenômeno estudado sofreu algum tipo de pressão 
de uso e se essas pressões são detectáveis a partir do material linguístico, isto é, das 
palavras, construções e estruturas da língua, etapa chamada de inovação, na qual se 
analisam as motivações para a mudança. Essa fase de inovação é associada aos contextos 
que chamamos “ponte”, em que se observam inferências, implícitos, ambiguidades, marcas 
que justificariam duas leituras de uma mesma informação. 
 
Isso quer dizer que existe um tipo de contexto que faz uma ponte entre o contexto fonte, ou 
seja, os contextos em que figuravam os usos mais típicos, em que, por exemplo, o pronome 
“Vossa mercê” atuava com exclusividade, e o outro contexto que chamamos de isolado, em 
que a mudança se consolidou e em que agora atua o pronome “você”. 
 
Nessa perspectiva, dizemos que o fenômeno é observado em camadas, pois os sentidos são 
polissêmicos. Uma cadeia polissêmica é constituída de sentidos mais concretos; ligados aos 
contextos fonte, nos quais se observam os usos típicos do fenômeno estudado; e de outros 
sentidos motivados, muitas vezes, por transferência metafórica e metonímica. A mudança 
estabilizada, ou concluída, é observada nos contextos chamados de “isolados”, em que não 
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há como inferirmos outro sentido, ou seja, apenas um sentido é admitido. Um exemplo 
disso é o uso do verbo “ir”, que, de um sentido mais concreto, típico, vinculado ao contexto 
fonte de verbo principal, expressando deslocamento espacial, como em “Eu vou para minha 
casa agora.”, passa a ser usado em um sentido mais abstrato, menos típico, vinculado ao 
contexto isolado de verbo auxiliar, expressando tempo futuro, como em “Eu vou almoçar 
na sua casa amanhã”. 
 
INÍCIO DE VERBETE 
Transferência metafórica está associada à extensão que se faz de um domínio (campo) 
funcional fonte para um domínio (campo) alvo, como, por exemplo, o verbo “ir” em 
“Maria, não sai daqui que eu vou à cozinha” com sentido de deslocamento espacial, 
domínio fonte (espaço), e em “Eu vou dançar com minhas amigas amanhã” com sentido de 
futuro, funcionando como verbo auxiliar na locução verbal, domínio funcional alvo 
(tempo). Nesse exemplo, diz-se que o sentido de futuro deriva do sentido de espaço, pois o 
último é mais abstrato do que o primeiro. 
 
Transferência metonímica é associada aos elementos na cadeia sintagmática (elementos 
que se associam na linha da sentença) que permitem leituras distintas. Para o 
Funcionalismo Linguístico, no exemplo do verbo “ir”, podemos dizer que, na primeira 
situação, os elementos “não sai daqui” e “cozinha” justificam a leitura espacial, porque são 
elementos indicadores de espaço presentes no contexto. Já no segundo exemplo, o item 
“amanhã”, presente no contexto, viabiliza a leitura de futuro, levando o deslocamento para 
um plano virtual, por meio de um tempo imaginário, depois do momento presente. 
FINAL DO VERBETE 
 
Para finalizar esta introdução, apresentamos a orientação de pesquisa denominada 
Sociofuncionalismo, adotada por alguns pesquisadores que originaram seus estudos no 
campo da Sociolinguística e se aproximaram dos conceitos do Funcionalismo Linguístico. 
Citamos, dentre esses estudos, o da pesquisadora Maria Alice Tavares, filiada à 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). 
7 
Tavares (2013) faz referência à afirmação de Neves (1999) de que a expressão 
“Sociofuncionalismo” surgiu entre os investigadores do Programa de Estudos sobre o Uso 
da Língua (PEUL/RJ). A partir das pesquisas que, de alguma maneira, combinavam 
orientações “da Sociolinguística Variacionista e do Funcionalismo norte-americano”, as 
análises têm por objetivo pesquisar “tendências de uso variável como sendo reflexo da 
organização do processo comunicativo”. 
 
Essa abordagem integrada das duas orientações se fundamenta na ideia de que a língua é 
um organismo vivo, portanto, variável e que essa variação se realiza em todos os níveis da 
gramática, ou seja, no fonético-fonológico, no morfossintático, no semântico-pragmático e 
no discursivo-funcional. Sob esse ponto de vista, as regras da gramática se originam do uso, 
porque são derivadas da experiência que o falante faz da língua em situações contextuais 
reais, por isso tais regras se moldam ao discurso. 
 
Segundo Bybee (2010, p. 114), “em uma teoria baseada no uso, os estudos quantitativos 
passam a ser extremamente importantes para a compreensão da amplitude da experiência 
com a língua. A tradição variacionista iniciada por Labov (1966, 1972), embora destinada à 
compreensão de como ocorre a interação de fatores sociais com a fonologia e a gramática, 
também fornece uma metodologia apropriada para o estudo da variação e da mudança 
gramatical”. 
 
Existem outras orientações e diretrizes que são mutuamente consideradas pelas duas 
abordagens linguísticas por estudarem o uso efetivo da língua como base para se analisar a 
mudança linguística. Destacamos, nesta aula, que a “cola” principal que une as duas linhas 
de pesquisa é a ideia de que o conhecimento gramatical de um falante tem origem em sua 
experiência particular com as formas linguísticas em termos de frequência e contextos de 
uso. Um exemplo disso são alguns verbos como o “ser” e o “estar” que, apesar de 
irregulares, mantêm-se com a mesma forma por causa de sua alta frequência, vinculada a 
vários contextos. Já alguns outros irregulares como “mediar”, devido à baixa frequência e à 
8 
relação com contextos específicos, tendem a ser usados como regulares. É o que acontece 
em casos como "Maria media o programa" em vez de “Maria medeia o programa”. 
 
INÍCIO DO BOX PARA SABER MAIS 
Para conhecer melhor a abordagem Sociofuncionalista, acesse o texto da pesquisadora 
Maria Alice Tavares na íntegra em: 
<http://www.seer.ufs.br/index.php/interdisciplinar/article/viewFile/1312/1162>. Outras 
fontes de pesquisa são os textos Tavares (2003, 2013) e Tavares e Görski (2013), que você 
pode verificar nas referências bibliográficas desta aula. 
FIM DO BOX 
 
Atividade 01 
Vamos testar o que estudamos até aqui? 
Complete o quizz abaixo com CERTO ou ERRADO e confira o quanto você compreendeu 
dessa parte introdutória. Caso o seu resultado não seja positivo, vale a pena ler o material 
complementar que destacamos no boxe “Para saber mais”. 
a) As formas variantes podem coexistir por séculos. 
Quando isso acontece, as formas competem pelo uso e as 
duas são utilizadas pelos usuários da língua. 
Certo ( ) Errado ( ) 
b) Na escola funcionalista, o que se observa é se o 
fenômeno estudado sofreu algum tipo de pressão de uso e se 
essas pressões são detectáveis a partir do material 
linguístico. Por isso, não se trabalha os contextos de uso já 
que eles não são observáveis. 
Certo ( ) Errado ( ) 
c) A fase da inovação é associada aos contextos “ponte” 
em que se verificam os grupos sociais por escolaridade, 
faixa etária e gênero (sexo). 
Certo ( ) Errado ( ) 
d) Quando a mudança linguística está estabilizada, ou 
concluída, observamos o objeto de pesquisa nos contextos 
chamados de “isolados”, em que não há como inferirmos 
outro sentido. 
Certo ( ) Errado ( ) 
e) A transferência metonímica é associada aos elementos 
na cadeia sintagmática que ancoram leituras distintas. Já a 
transferência metafórica está associada à extensãode 
Certo ( ) Errado ( ) 
9 
sentido que se faz de um domínio fonte para um domínio 
alvo. 
f) A abordagem sociofuncionalista se fundamenta na ideia 
de que a língua é um organismo vivo, portanto variável e 
que essa variação se realiza em todos os níveis da gramática, 
ou seja, no fonético-fonológico, no morfossintático, no 
semântico-pragmático e no discursivo-funcional. 
Certo ( ) Errado ( ) 
g) O conhecimento gramatical de um falante tem origem 
em sua experiência particular com as formas linguísticas em 
termos de frequência e contextos de uso. Essa não é a 
orientação principal que une a Sociolinguística ao 
Funcionalismo. 
Certo ( ) Errado ( ) 
 
Respostas: a) certo, b) errado, c) errado, d) certo, e) certo, f) certo, g) errado. 
FIM DA ATIVIDADE 
 
Nosso próximo passo é explorar um tema caro aos estudos linguísticos que têm por 
objetivo examinar a gramática e a mudança linguística, a gramaticalização. Como o próprio 
sufixo anuncia, estamos falando de uma ação, de um movimento que, no caso da 
gramaticalização, vai envolver elementos lexicais, elementos gramaticais, uso, frequência, 
contexto e uma trajetória no tempo. Antes, porém, vamos conceituar discurso e gramática. 
 
1. Discurso, gramática e gramaticalização: os caminhos da mudança linguística 
 
Como mencionamos na introdução desta aula, o discurso é o tema do qual as abordagens 
funcionalistas vão se ocupar para estudar as mudanças linguísticas. E isso acontece porque 
é a partir dele que podemos observar toda a gama de formas de dizer, incluídos os 
implícitos, subentendidos, inferências, deslizamentos semânticos, ambiguidades. O 
discurso se vincula a determinados contextos, sendo estes, então, os locais onde o 
pesquisador vai procurar os fenômenos para sua investigação. 
 
O discurso é compreendido, assim, como interação linguística, em que estão envolvidos 
diversos fatores como: o contexto de produção e de utilização dos textos orais ou escritos 
10 
(onde, para que, por que, quando), as informações pragmáticas que falante e ouvinte 
possuem e julgam que possuem um do outro (como, de que maneira), o planejamento da 
interação (o que), o perfil dos participantes (quem) da cena comunicativa, entre outros. 
 
Nessas circunstâncias, o discurso se define pelo modo individual de organização da língua, 
ou seja, a maneira pela qual determinada pessoa organiza seu conhecimento linguístico. 
Esse modo individual também se relaciona às necessidades de natureza pragmática em que 
atuam interferências, como tipo de texto, intencionalidade, modalidade oral ou escrita, 
variáveis sociais (como, por exemplo, nível de escolaridade, faixa etária e gênero, relativos 
aos assuntos abordados nas unidades 04, 05 e 06). Por isso, diz-se que a esfera discursiva é 
o lugar da escolha, da seleção das alternativas mais capazes e adequadas de comunicação. 
O discurso, portanto, é capaz de expressar a individualidade que nos difere linguisticamente 
uns dos outros. 
 
A partir do viés funcionalista, a gramática está ancorada em três pontos básicos: i) o uso da 
língua em relação a todo o sistema linguístico, ii) o significado analisado em função da 
forma e a forma analisada em razão do significado e iii) o nível social atuando nas escolhas 
individuais do falante (NEVES, 2004). 
 
Segundo Oliveira e Votre (2009, p.3), os conceitos de discurso e de gramática “vão marcar 
a tradição da pesquisa funcionalista de vertente norte-americana”. Assim, o primeiro termo 
passa a se referir tanto às estratégias criativas dos usuários na organização de sua produção 
linguística, quanto aos modos individuais com que cada membro da comunidade elabora 
suas formas de expressão verbal. Já o segundo termo é concebido como o conjunto das 
regularidades linguísticas, como o modo ritualizado ou comunitário do uso. Se ao discurso 
cabe a liberdade e a autonomia da expressão, à gramática compete a sistematização e a 
regularização. Ainda, segundo os autores (op.cit.), “além da fixação de ambas as 
concepções, esse viés funcionalista firma também a intrínseca relação dos planos discursivo 
e gramatical, na proposição da origem discursiva dos padrões gramaticais”. 
 
11 
O que os pesquisadores querem dizer com isso? O entendimento de gramática passa pela 
organização de regras efetivas de uso, ou seja, padrões que se cristalizaram em determinada 
comunidade linguística. A origem desses padrões, então, vem do discurso, que é lugar onde 
as mudanças acontecem. 
 
Vamos pensar nos conceitos de discurso e gramática por meio de uma comparação. Um 
grupo de três pessoas gosta de praticar esportes porque considera que essa atividade é 
essencial para a saúde. Eles se reúnem para jogar, mas cada um leva um objeto diferente: o 
primeiro leva uma bola de vôlei; o segundo, um par de raquetes; o terceiro, um conjunto de 
traves/baliza para o gol. Para que eles não fiquem parados sem se comunicar ativamente, 
resolvem tentar jogar. Cada um sugere uma maneira de jogar, e eles acabam se divertindo. 
 
Depois de algum tempo, começam a escrever a regra do jogo para que eles não se 
esqueçam e possam jogar com mais pessoas. À medida que outros vão jogando, o grupo 
inovador vai refazendo as regras para ajustar a outros contextos de jogo, por exemplo, 
quando se disputa em times mistos (homens e mulheres na mesma partida); quando o 
jogador comete uma falta e joga de forma inadequada ao contexto; quando podem entrar 
novos jogadores e muitos outros. Assim, o jogo continua sendo criativo e as regras vão se 
ajustando para se adequar às inovações e para comportar as mudanças que são admitidas 
pelo grupo. 
 
É assim que acontece com o discurso e a gramática! O jogo, e tudo o que envolve essa 
atividade, está associado ao discurso, e as regras que se adéquam às inovações e que 
comportam as mudanças assumidas por todo o grupo estão relacionadas à gramática. E a 
gramaticalização, onde se encaixa? 
 
Já dissemos que os caminhos que a mudança persegue começam no discurso, campo em 
que tudo acontece. A interação entre o locutor e o interlocutor, seja no texto oral seja no 
escrito, é o ponto de partida para a comunicação entre os indivíduos. É na interação que 
inovamos e/ou mantemos nossa forma de expressão e é nela que não só nos 
12 
individualizamos, mas também nos coletivizamos, tendo em vista que fazemos parte de 
uma comunidade de fala. 
 
O discurso, então, é um produto da interação, contextualizado no espaço e no tempo, 
envolvendo uma parte linguística e outra extralinguística (conhecimento compartilhado, 
estatuto social, relações interpessoais, aspectos culturais, entre outros.). 
 
A gramática que se molda ao discurso é “marcada pela maleabilidade e instabilidade, as 
classes são fluidas, de contornos pouco precisos, com destaque para os fenômenos de 
derivação de sentido e de mudança categorial” (OLIVEIRA; VOTRE, 2009, p. 99-100). 
Nesse sentido, discurso e gramática poderiam ser pensados em termos de pragmática e 
sintaxe e, assim, o nível pragmático precederia ao sintático no desenvolvimento da 
linguagem humana. 
 
O conceito de gramaticalização vai dar conta justamente da passagem que vai do discurso à 
gramática, sendo entendida como um mecanismo de criação de elementos gramaticais. 
Desse modo, gramaticalização, no sentido clássico do termo, é concebida como o processo 
pelo qual as formas linguísticas partem do léxico para a gramática ou, se essas formas já 
fazem parte da gramática tornam-se ainda mais gramaticais. Essa passagem inclui variação 
nos níveis do sentido e da forma e, portanto, podem: 
 
1) mudar de categoria sintática (por exemplo, o verbo principal “ir” em “Maria,não 
sai daqui que eu vou a cozinha” com sentido de deslocamento espacial, e em “Eu 
vou dançar com minhas amigas amanhã” com sentido de futuro, funcionando como 
verbo auxiliar na locução verbal); 
2) receber propriedades funcionais na sentença (como o advérbio francamente em 
“Ele fala francamente”, atuando como um advérbio de modo e em “Francamente, 
achei que você seria incapaz de fazer isso”, funcionando como advérbio sentencial); 
3) sofrer alterações semânticas e fonológicas (por exemplo, “O casaco está aí em 
cima da mesa”, em que “estar” funciona como verbo principal e “aí” como pronome 
13 
adverbial locativo e “Taí, eu fiz tudo para você gostar de mim” em que “está” e “aí” 
se aglutinam fonológica e morfologicamente e passam a atuar como marcador 
discursivo, com sentido de constatação); 
4) deixar de ser uma forma livre (como a formação da categoria de futuro do 
presente no português, resultante da aglutinação de duas formas verbais em um só 
vocábulo (habere > cantare habeo > cantare + [abeo] = cantarei, cantarás, cantará...); 
5) e até desaparecer como consequência de uma cristalização extrema, ou, em 
termos sociolinguísticos, sofrer uma mudança que se consolidou, e a forma 
antiga se tornar obsoleta, ou seja, cair em desuso (como é o caso de “vossa 
mercê > você”) 
 
Resumidamente, as características que configuram a gramaticalização, segundo Neves 
(2002) são: 
 
(i) caráter não discreto das categorias, ou seja, um elemento da categoria advérbio, por 
exemplo, pode atuar na classe de conjunções. Como em: Cacilda não se comporte assim 
(advérbio de modo) e Cacilda se comportou muito mal na aula, assim foi expulsa da sala; 
(ii) fluidez semântica, com valorização do papel do contexto, isto é, o sentido de um termo 
vai depender do contexto em que ele é usado. O exemplo de “assim” também demonstra 
isso, já que as outras palavras que estão na sentença e que fazem parte do contexto ajudam 
a compreender o sentido da atuação como advérbio e o da atuação como conjunção; 
(iii) unidirecionalidade e gradualidade das mudanças. No conceito clássico de 
gramaticalização, a mudança sempre parte do léxico para a gramática e, por isso, tem uma 
única direção. A gradualidade da mudança é natural, já que estamos analisando as pequenas 
alterações (micropassos) seja na forma (fonologia, morfologia, sintaxe) seja no sentido 
(semântica, pragmática, discurso); 
(iv) coexistência de etapas, com consequente polissemia. Até que uma forma linguística 
finalize seu processo de gramaticalização, de mudança em processo, a forma estabilizada 
pode passar por etapas e até permanecer como mudança estável por algum tempo. Durante 
14 
essa trajetória, podem coexistir formas diferentes para o mesmo processo. É o caso do 
exemplo de “vossa mercê > você”; 
(v) regularização, idiomatização e convencionalização contínuas. Nesse estágio, as formas 
linguísticas novas são aceitas na comunidade de fala e se tornam disponíveis para o uso na 
interação. O caso de “você” e “assim” exemplificam isso. 
 
INÍCIO DE VERBETE 
A fluidez semântica está relacionada aos diferentes sentidos que uma palavra assume 
dependendo do contexto em que está sendo usada. Dessa forma, a palavra “chave” pode ser 
usada como substantivo “A chave está em cima do armário”, indicando um objeto utilizado 
para abrir portas. E pode ser usada como um adjetivo, como em “A situação-chave é esta: a 
ameaça à estabilidade financeira”, em que “chave” qualifica o tipo de situação. 
Unidirecionalidade, como o próprio termo indica, trata de uma direção única a ser seguida 
que, nesse caso, é compreendida a partir de uma trajetória que se inicia no léxico e termina 
na gramática. Nesse sentido, um elemento gramaticalizado necessariamente se localizava 
no plano lexical, como “em boa hora” com sentido de bom agouro e passa a atuar no plano 
gramatical, como em “embora”, com sentido de concessão, funcionando como uma 
conjunção. 
Gradualidade se refere ao fato de as mudanças serem realizadas de forma gradual, ao 
longo do tempo, sem saltos, ao contrário, por meio de micropassos. 
Regularização é o processo pelo qual um elemento ou construção passa, saindo do estágio 
da inovação e chegando ao do regular, comum, corriqueiro, conhecido, reconhecido e 
utilizado pela comunidade linguística. 
Idiomatização é o processo pelo qual uma palavra ou construção sai do plano do 
individual, relacionado ao modo de falar de um indivíduo ou de um grupo particular, e 
passa a fazer parte do idioma da comunidade linguística. 
Convencionalização é o processo pelo qual determinado item ou construção se torna 
convencional, pactuado, combinado, ajustado na comunidade linguística, estando 
disponível e reconhecível como elemento da língua. 
FIM DE VERBETE 
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Você se lembra do exemplo de “vossa mercê” e “você”? A forma linguística “vossa mercê” 
ainda está disponível no léxico do português, mas caiu em desuso e sua função foi assumida 
por “você”. A mudança morfossintática e semântico-pragmática que ocorreu mantém 
relação com o fenômeno de variação morfossintática da Sociolinguística, e a 
gramaticalização, segundo Tavares (2013, p.: 35), “é apontada por diversos pesquisadores 
como um dos pilares que sustenta a possibilidade de um duplo olhar funcionalista e 
sociolinguista sobre os fenômenos de variação e mudança linguística”. 
 
O que isso quer dizer? Vamos continuar a pensar no exemplo de “vossa mercê” e “você” 
para compreendermos essas mudanças nos níveis fonológico, morfológico, sintático, 
pragmático e discursivo-funcional. 
 
Para citar apenas um pesquisador que trabalhou o conceito de gramaticalização e mudança 
linguística, elegemos Hopper (1991), que elaborou cinco princípios definidores dos estágios 
iniciais pelos quais uma forma linguística passa por meio da gramaticalização. Entretanto, 
vamos ressaltar apenas três deles para que vocês possam compreender como as duas 
vertentes podem se entrecruzar e como realmente o fazem, já que em ambas o objeto de 
análise é a língua em uso. 
 
Para Hopper (1991), a partir da interação, podem surgir novas camadas, ou seja, 
forma/sentido novos advindos de uma forma/sentido mais antiga. Essas variantes, ou 
camadas, passam a coexistir com as camadas mais antigas, que continuam sendo usadas. 
Esse é o primeiro princípio denominado “estratificação”, definido como o resultado 
sincrônico da gramaticalização, que gera formas filiadas a um mesmo domínio funcional 
sem, necessariamente, serem descartadas. 
 
Vamos entender o que se quer dizer com “resultado sincrônico da gramaticalização”? Esse 
resultado pode ser analisado num espaço de tempo, ou seja, numa sincronia, por exemplo, o 
recorte de tempo em que existiam “vossa mercê” e “vossemecê”. Naquela época, as duas 
variantes existiam e eram mais utilizadas numa ou noutra interação, dependendo do 
16 
contexto de uso. Se o último uso for aceito na comunidade linguística, podemos pensar no 
processo de gramaticalização, uma vez que a segunda forma deriva da primeira. 
 
INÍCIO DO BOX PARA SABER MAIS 
No capítulo On some principles of grammaticization, Hopper (1991) procura descrever 
esses princípios com o objetivo de identificar os estágios pelos quais uma forma linguística 
passa durante o processo de gramaticalização. O percurso trata, então, da forma original no 
contexto fonte, do surgimento de camadas (ou variantes) nos contextos ponte, até a 
especialização da nova forma no contexto isolado. Veja a referência completa ao final desta 
aula e leia o texto na íntegra. 
FIM DO BOX 
 
INÍCIO DO VERBETE 
Domínio funcional diz respeito à determinada competência ou esfera de ação em que atuam 
formas linguísticasque têm certa coerência funcional, ou seja, que têm funções que fazem 
conexão entre si. Por exemplo: o domínio da construção do espaço reúne formas que 
podem atribuir pontos de referência, relações locais, regiões espaciais, propriedades 
espaciais e figurais de objetos; o domínio da orientação temporal reúne formas que 
expressam tipos de situação, aspectualidade, caracteres verbais e modos de ação; tempo 
absoluto, relação temporal. 
FIM DO VERBETE 
 
No caso do nosso exemplo, “vossa mercê”, antes de passar a “você”, sofreu mudanças nos 
níveis fonológico e morfossintático, evidentes no nível da forma, e nos níveis pragmático e 
discursivo-funcional, ligados ao sentido, gerando formas como: “vossemecê, vosmecê, 
vosm’cê, voscê, você” (NASCENTES, 1956, p. 116) sem contar as derivações mais 
recentes sob as formas de “ocê”, “ce”. O resultado sincrônico, então, é entendido como as 
várias formas (camadas, variantes) linguísticas que coexistiram dentro do domínio a que as 
formas em estudo (vossa mercê - você) pertencem (domínio das maneiras de tratamento), 
analisadas a partir de um dado recorte de tempo (séculos XVIII a XX, por exemplo). 
17 
 
O princípio da estratificação pode ser relacionado com o fenômeno da variação linguística. 
Como vimos nas aulas anteriores, a variação linguística implica a existência de formas 
variantes, que são duas ou mais formas utilizadas para indicar o mesmo significado e/ou a 
mesma função. Formas variantes de nível semântico-pragmático, como é o caso do nosso 
exemplo, podem ser analisadas como equivalentes a diferentes camadas que integram um 
mesmo domínio funcional. A coexistência dessas formas pode ser entendida como um 
estágio de mudança em progresso em que convergiram os percursos de gramaticalização de 
cada uma das formas que se sucederam como “vossa mercê, vossemecê, vosmecê, vosm’cê, 
voscê, você”. 
 
Agora vamos nos ater aos dois últimos princípios que fazem parte da gramaticalização: a 
especialização e a descategorização. Para Hopper (1991), a especialização é o estágio em 
que as camadas da forma estudada diminuem, ou seja, as opções se limitam porque há um 
estreitamento da variedade de escolhas. Assim, uma das formas ou variantes se torna, em 
alguns contextos, praticamente obrigatória. O princípio da descategorização analisa a 
neutralização das marcas morfológicas e propriedades sintáticas da categoria de origem 
(nome ou sintagma nominal), que assume os atributos da categoria de destino (forma 
pronominal). 
 
Retomando o nosso exemplo, esses princípios pressupõem que a nova camada ou variante 
“você”, emergida em contextos ponte como uma forma inovadora, foi gradativamente 
ocorrendo em contextos específicos, ou seja, isolados e, portanto, diferentes dos contextos 
fonte que favoreciam a forma original “vossa mercê”. Assim, no contexto das formas 
pronominais ligado ao domínio funcional das “maneiras (ou formas) de tratamento”, apenas 
uma leitura é admitida, estando a forma “vossa mercê” obsoleta em relação à forma 
linguística “você”. 
 
 
 
18 
INÍCIO DO BOX PARA SABER MAIS 
O caso específico da gramaticalização da forma linguística “você” foi estudado por alguns 
pesquisadores. Destacamos a análise de Célia Regina dos Santos Lopes e Maria Eugênia 
Lamoglia Duarte, ambas da UFRJ, disponível em: 
<http://www.letras.ufrj.br/posverna/docentes/70994-4.pdf:>. Você encontrará, ao final da 
aula, a referência ao texto completo das autoras. Consulte-o! 
Outros estudos da gramaticalização podem ser consultados no livro Gramaticalização no 
português do Brasil – uma abordagem funcional, de Martelotta, Votre e Cezario, que pode 
ser acessado através do link : 
 
<http://www.discursoegramatica.letras.ufrj.br/download/publicacao_livro_gramaticalizacao
.pdf.>. Atenção especial para os capítulos: “Gramaticalização em operadores 
argumentativos”, de Mário Eduardo Martelotta; “Gramaticalização de então”, de Mário 
Eduardo Martelotta e Lucilene Rodrigues; “Gramaticalização de lá”, de Mário Eduardo 
Martelotta e Lana Rêgo; e “Gramaticalização de até”, de Rosaura de Barros Baião e Julia 
Arruda. 
 
Para compreender melhor o fenômeno da gramaticalização, sugerimos a leitura 
complementar das seguintes obras cuja referência completa está descrita no final desta aula: 
“Approaches to grammaticalization” e “Emergent Grammar” de Bernard Heine, 
“Competing motivations” de John Du Bois, “Frequency and the emergente of linguistic 
structure” de Joan Bybe e Paul Hopper, “Gramaticalização no português do Brasil – uma 
abordagem funcional” de Mário Eduardo Martellota et alli, “Grammaticalization” de Paul 
Hopper e Elizabeth Closs Traugott, “Introdução à Gramaticalização: princípios teóricos e 
aplicação” de Sebastião Carlos Leite Gonçalves et alli, “Linguística funcional – teoria e 
prática” de Maria Angélica Furtado da Cunha et alli, “Mechanisms of change in 
grammaticization: the role of frequency” de Joan Bybee. 
FIM DO BOX PARA SABER MAIS 
 
19 
Como podemos verificar até aqui, a gramaticalização está diretamente relacionada à 
mudança linguística, sendo, assim, um mecanismo muito produtivo para se analisar a 
formação da gramática de uma língua. Por isso, esse processo se pauta na geração de 
formas linguísticas que atuam, sobretudo, no nível morfossintático, sendo, por conseguinte, 
considerado um dos processos possíveis para explicar o fenômeno da mudança linguística. 
 
As pesquisas sobre gramaticalização levantam os fatores ligados ao contexto que podem 
basear uma explicação sobre a mudança. Assim, é importante ressaltar que, na trajetória de 
“vossa mercê > vossemecê > vosmecê > vosm’cê > voscê > você”, que vimos 
acompanhando até aqui, os pesquisadores vão identificar, em cada contexto, quais foram as 
mudanças que poderiam, de alguma maneira, sugerir um micropasso da mudança 
linguística. 
 
Nesse sentido, na próxima etapa desta aula, destacamos as análises que podem ser 
realizadas entre os micropassos da mudança linguística, por meio da gramaticalização, a 
partir de uma trajetória no tempo. 
 
Atividade 02 
1. Vamos pensar na seguinte afirmação: “O conceito de gramaticalização se atém 
justamente à passagem que vai do discurso à gramática, sendo entendida como um 
mecanismo de criação de elementos gramaticais. Desse modo, a gramaticalização, no 
sentido clássico do termo, é concebida como o processo pelo qual as formas linguísticas 
partem do léxico para a gramática ou, se essas formas já fazem parte da gramática, tornam-
se ainda mais gramaticais”. 
a. 1) (Mãe) - Catarina, se você continuar a se comportar assim, não vai ganhar mais 
presente algum. 2) (A mãe se volta para a amiga que estava vendendo a boneca) - Estou 
com pouco dinheiro, assim não posso te pagar agora. Posso pagar no fim do mês?” 
No caso do exemplo anterior, a qual momento de gramaticalização você acha que o uso de 
“assim” em 2) está relacionado, ao primeiro ou ao segundo momento? 
Linhas para resposta (2) 
20 
b. A origem do advérbio “embora” está relacionada à locução “em boa hora”, que era dita 
antigamente às pessoas para se desejar “boa sorte na hora que se fizesse tal coisa”. Esse era 
o costume da época porque se acreditava que, para qualquer ação ou deslocamento, 
principalmente para viagens, existiam momentos bons e outros nem tanto. Em vez de se 
empregar simplesmente o verbo “ir-se”, como em “vai-se na próxima manhã», começou a 
dizer-se “vai-se em boa hora na próxima manhã”, dando depois origem ao advérbio 
“embora”, como em português antigo “– Mas Francisco Xavier, venha-lhe embora a 
tentação dormindo, que dormindo e acordado, sempre está seguro”. Nesse último caso, o 
uso de “embora” está associadoao modo como o Padre Vieira, autor desse trecho, deseja 
que a “tentação” venha até “Francisco Xavier”, ainda, portanto, com o sentido do “boa 
sorte, bom agouro”. E agora, a qual momento de gramaticalização você considera que o 
advérbio “embora” está relacionado? 
Linhas para resposta (2) 
 
c. Retire do conceito de gramaticalização, no início do exercício, o trecho que justifique 
sua resposta. 
Linhas para resposta (3) 
 
Respostas Comentadas 
Nas questões “a” e “b”, você precisa identificar dois momentos da gramaticalização. Na 
“a”, a conjunção “assim” está relacionada ao segundo momento da gramaticalização, 
porque a primeira forma de “assim”, como advérbio, já era gramatical, mas com maior 
mobilidade na frase. A segunda forma, atuando como conjunção é reconhecidamente mais 
gramatical, já que tem um lugar fixo na frase, portanto mais presa a regras de colocação. Já 
na questão “b”, o advérbio “embora” está relacionado ao primeiro momento da 
gramaticalização, uma vez que a expressão “em boa hora” era uma expressão nominal, 
parte integrante do inventário lexical (veja a aula 03 deste curso). 
 
21 
Na questão “c”, o trecho é o seguinte “o processo pelo qual as formas linguísticas partem 
do léxico para a gramática ou, se essas formas já fazem parte da gramática tornam-se ainda 
mais gramaticais” 
 
As questões “a”, “b” e “c” fazem você refletir sobre a mudança no nível semântico e no 
nível sintático. Para o primeiro exemplo, o sentido de “assim” passa de “do mesmo modo 
ou semelhante a isso”, atuando como um advérbio de modo que se liga ao verbo 
“comportar” para o significado de conclusão, similar a “então”. Nesse caso, atua como 
conjunção conclusiva, elemento mais gramatical, porque está, além de outras questões, 
mais fixo na sentença. 
 
No segundo exemplo, “embora” continua compreendendo o significado de “boa sorte, bom 
agouro”, porém atua não mais no plano do léxico, mas no plano gramatical, como advérbio 
de modo, ligado ao verbo “vir”. 
 
Tanto na questão “a” quanto na “b”, queremos que fique claro para você o quanto é 
importante o contexto de uso. Vamos exemplificar essa nossa informação com a questão 
“a”. 
 
Há elementos que permitem que façamos uma leitura de modo na sentença “Catarina, se 
você continuar a se comportar assim, não vai ganhar mais presente algum”. Tanto o próprio 
verbo “comportar” como elemento que o advérbio especifica quanto o seu sentido de 
“portar-se” ancoram essa leitura de modo como “maneira de estar, ou de fazer”. Na 
sentença “Estou com pouco dinheiro, assim não posso te pagar agora. Posso pagar no fim 
do mês?”, a primeira oração “Estou com pouco dinheiro” representa a informação que 
justifica a conclusão veiculada na segunda “assim não posso te pagar agora”. 
 
Continuando nossa aula, vamos analisar a gramaticalização a partir da ideia de trajetória. 
Nesse sentido, queremos que você compreenda que o sufixo “ção”, em “gramaticalização” 
designador de processo, implica analisarmos as mudanças no tempo. 
22 
2. Mudanças e o tempo: quando gramaticalização e diacronia se encontram 
Vimos, até agora, que um dos pontos de vista sob os quais podemos investigar a mudança 
linguística é o Funcionalismo, que entende a mudança como um efeito de pressões 
discursivas associadas à expressividade. Retomando o processo de gramaticalização, vamos 
descrever de que forma o conceito de diacronia é assumido pela teoria funcionalista. Além 
disso, apresentaremos um termo ainda inédito neste curso: a pancronia. 
 
 O fato de o fenômeno da gramaticalização ser muito estudado pelo funcionalismo se deve, 
em parte, à constatação de que apenas uma abordagem como essa pode dar conta desses 
fatos. Isto é, o processo de gramaticalização não é possível de ser explicado pelos estudos 
de base formalista, que pressupõem categorias discretas. Para explicar de que forma um 
item linguístico vai gradativamente assumindo um estatuto gramatical, é preciso investir em 
uma investigação linguística que leve em conta os fatos históricos. Como vimos nas aulas 
anteriores, o ponto de vista histórico nos remete ao estudo diacrônico da linguagem. 
 
Como estudamos no início desta aula, o Funcionalismo examina a gramática para além das 
expressões linguísticas, que são consideradas apenas como um produto utilizado para 
intermediar a interação (NEVES, 2002). Dessa forma, a expressão linguística é entendida 
como apenas mediadora da relação que se estabelece entre falante e ouvinte. Podemos 
dizer, portanto, que o sistema linguístico é sensível às pressões do contexto de uso que 
influenciam na acomodação gramatical (op.cit.). 
 
A gramaticalização é um desses casos em que as pressões do uso modificam o sistema 
linguístico enriquecendo seu repertório gramatical. Ela pode ser entendida como um tipo 
específico de mudança, do léxico para a gramática. Ou seja, é a alteração de uma palavra 
independente para um elemento funcional/gramatical. 
 
Além do caso do pronome “você”, outro exemplo clássico de processo de gramaticalização 
é o do marcador de advérbio -mente presente nas línguas neolatinas. Veja, em detalhes, na 
atividade de reflexão abaixo. 
23 
ATIVIDADE DE REFLEXÃO 
Veja a letra da música “Sombra de Maldade”, do grupo Cidade Negra, dando especial 
atenção aos trechos com a palavra mente e advérbios terminados em -mente. 
 
Sombra de Maldade 
Eu sei 
Que ela nunca mais apareceu 
Na minha vida 
Minha mente novamente 
 
Eu sei 
Que o que ficou não desapareceu 
A minha vida muda sempre lentamente 
 
Como a lua que dá voltas pelo céu 
E mexe tanto com o presente quando ausente 
 
Eu sei (eu sei) 3x 
Não sou vidente, mas sei o rumo do seu coração 
Permita que o amor invada a sua casa coração 
Que o amor invada a sua casa coração 
Que o amor invada a sua casa 
 
Saia 
Não vaia 
Não caia na navalha 
Que corta tua carne 
E sangra tudo o que você precisa descobrir, yeah 
 
 
24 
Observe os trechos retirados da letra e apresentados abaixo: 
a. Minha mente novamente 
b. A minha vida muda sempre lentamente 
 
Você consegue estabelecer alguma relação entre a palavra mente e advérbios terminados 
em -mente novamente e lentamente? Pois é, para um usuário da língua sem acesso a estudos 
históricos, fica muito difícil estabelecer qualquer relação entre esses itens. No entanto, a 
partir de um estudo diacrônico, podemos esclarecer que o formador de advérbios -mente do 
português tem origem na palavra latina mens (com ablativo em mente) que significa mente, 
espírito. 
FIM DA ATIVIDADE 
 
BOXE PARA SABER MAIS 
O latim é uma língua constituída por casos, que correspondem às funções que os termos 
podem assumir nas frases. Há, basicamente, seis casos na língua latina: o nominativo, que 
corresponde à função de sujeito; o acusativo, que diz respeito à função de objeto direto; o 
vocativo, que trata das interpelações; o genitivo, que recobre as funções dos adjuntos 
restritivos e também confere a ideia de posse; o dativo, que indica o objeto indireto; e o 
ablativo, que corresponde ao caso dos adjuntos circunstanciais. A existência dos casos 
garantia a mobilidade dos termos na oração, uma vez que, por suas terminações, chamadas 
de declinações, seria possível saber a que caso estariam ligados, ou seja, que função cada 
palavra exerceria no enunciado. 
FIM DO BOXE PARA SABER MAIS 
 
A origem dos advérbios terminados em -mente remonta da concordância do substantivo 
latino mens, no caso ablativo, mente, com algum adjetivo modificador deste substantivo. O 
significado de mente era, inicialmente, associado apenas a atividades psíquicas, mentais ou 
espirituais.Dessa forma, ele só era usado em contextos que tivessem um sujeito humano. 
Com o aumento da frequência do uso dessa estrutura, o seu significado foi ampliado, 
passando a ser utilizado também para designar seres não humanos. 
25 
Com esse processo gradativo, houve uma fixação da ordem de constituintes, ou seja, o 
substantivo mente passou de uma palavra independente para um sufixo formador de 
advérbios. Essa propriedade está de acordo com outras mudanças que o latim sofreu no 
processo de dialetação, isto é, em seu percurso de diversificação em dialetos regionais e 
sociais e de formação das línguas neolatinas. Observamos que, em comparação com a 
ordem livre de constituintes em latim, as línguas românicas têm ordem mais fixa. 
 
Por meio da gramaticalização, os elementos linguísticos cedem às pressões do uso e 
adquirem novos sentidos e usos. É como uma forma de acomodação da gramática, em que 
formas “velhas” de significação concreta adquirem significados mais abstratos. 
 
Esse processo, assim como todos os fenômenos de mudança linguística, não acontece de 
um dia para o outro. No caso da gramaticalização, dizemos que ela acontece num 
continuum, ou seja, numa trajetória contínua no tempo. Por essa razão, observamos uma 
gradualidade na fixação das categorias com um momento de coexistência dos itens lexicais 
fontes e dos itens mais ou menos gramaticalizados, vinculados aos contextos-ponte que 
estudamos no início da aula, até chegarem ao ponto de regularização e fixação, detectado 
nos contextos isolados. 
 
Alguns fatores contribuem para que ocorra o processo de gramaticalização. A frequência de 
uso é uma delas, assim quanto mais usada é uma forma linguística, mais ela é 
gramaticalizada. Isso ocorre porque, se uma forma é utilizada como um recurso em vários 
contextos discursivos, maior a probabilidade de ela se regularizar no sistema linguístico. 
Lembram dos exemplos dos verbos ser e estar e do verbo mediar? 
 
Vamos apresentar agora um exemplo de gramaticalização recente do português brasileiro: 
os diferentes usos do verbo parecer, estudados por Gonçalves (2003). Segundo o autor, o 
verbo parecer está deixando de ser um verbo pleno para assumir funções de satélites de 
caráter adverbial, ou seja, um caráter móvel dentro da frase, colocando-se completamente 
para fora da estrutura de predicação e expressando atitudes subjetivas do falante que 
26 
envolvem noções de modalidade e evidencialidade. Isso quer dizer que ele está assumindo 
um caráter mais gramatical e perdendo conteúdo lexical. 
 
VERBETE 
As categorias de modalidade epistêmica e evidencialidade podem ser consideradas na 
interação verbal como categorias semântico-pragmáticas que promovem o 
(des)comprometimento do falante com relação àquilo que diz. 
 
Para Lyons (1977), a modalidade é a maneira como o falante expressa suas atitudes e 
opiniões em relação à proposição que a sentença expressa ou à situação de coisas que 
descreve. Para o autor, há dois tipos de modalidade: epistêmica e deôntica. A modalidade 
epistêmica está relacionada com o comprometimento que o falante tem com a verdade que 
está enunciando e pode ser dividida em modalidade epistêmica subjetiva e modalidade 
epistêmica objetiva. A modalidade epistêmica subjetiva diz respeito a uma posição de 
afirmação do falante, e a modalidade epistêmica objetiva a um conhecimento aceito ou 
cientificamente comprovado. Já a modalidade deôntica está ligada à necessidade ou 
possibilidade de realizações de agentes responsáveis moralmente. 
 
QUADRO RESUMO 
Modalidade Epistêmica definida no eixo do conhecimento – 
orientada para o falante 
Modalidade Deôntica definida no eixo da conduta – 
orientada para o agente 
 
OUTRO VERBETE 
Evidencialidade é a manifestação por parte do falante da fonte da informação que está 
sendo declarada. É um conceito que aparece, muitas vezes, ligado ao conceito de 
modalidade epistêmica, sendo, eventualmente, apresentados como variantes do mesmo 
27 
fenômeno. A posição mais comum entre os estudiosos caracteriza a relação entre a 
modalidade epistêmica e a evidencialidade como uma relação de inclusão. A ideia mais 
aceita é a de que a evidencialidade está incluída na modalidade epistêmica porque a forma 
de declarar a fonte de uma informação é uma forma de demonstrar atitude do falante. 
FIM DO VERBETE 
 
O verbo parecer tem um percurso típico de um processo de gramaticalização, sendo um 
elemento que perdeu conteúdo lexical e passou a ter o conteúdo mais funcional, ou seja, 
mais ligado às funções pragmáticas, associado ao comprometimento do falante. Parecer 
tem origem no verbo *parescere do latim vulgar, a forma incoativa do verbo intransitivo 
parere. A acepção mais comum desse verbo era de apresentação, algo como “aparecer, 
mostrar-se”, ausente no português atual. 
BOXE PARA SABER MAIS 
Os verbos podem ser descritos quanto a três propriedades principais: o modo, o tempo e o 
aspecto. O aspecto, de forma geral, está ligado à duração do processo verbal e inclui 
categorias que dão conta do grau de completude das ações, da duração e do 
desenvolvimento do processo. O aspecto incoativo ou inceptivo diz respeito aos verbos que 
denotam o início de um evento ou ação, tal como amanhecer e adormecer. 
FIM DO BOXE PARA SABER MAIS 
Ainda no século XVI, parecer já adquire um valor epistêmico e evidencial (GONÇALVES, 
2003). Entre o verbo pleno e o gramaticalizado, há pontos intermediários em que ele se 
comporta como verbo de suporte e como verbos de atitude proposicional. Com os estudos 
históricos, portanto, diacrônicos, Gonçalves (op.cit.) observou que, além de parecer, achar 
e crer também são formas de marcar modalidade epistêmica que se desenvolveram a partir 
de formas plenas, ou seja, formas do léxico. 
BOXE PARA SABER MAIS 
Verbo-suporte é um tipo de verbo auxiliar, como os que aparecem em dar um sorriso e 
tomar conhecimento. Nesses casos, vemos que a força maior fica concentrada nos nomes 
28 
(sorriso e conhecimento respectivamente) e não nos verbos usados. Já os verbos de atitude 
proposicional são aqueles que designam explicitamente uma dada atitude, por parte de um 
sujeito, face a uma dada proposição, tais como os mencionados achar e crer. 
FIM DO BOXE PARA SABER MAIS 
 
Os exemplos abaixo, retirados de um corpus de transcrição de língua oral, mostram os usos 
de parecer expressando modalidade epistêmica: 
a. me parece ... os: presidentes são eleitos por um período de três anos. 
b. eles preferiram transferir parece para o dia das crianças. 
c. Nós nos casamos no civil ... parece que de manhã. 
d. o pedágio passou para parece que setenta cruzeiro a partir de dia prime- 
 depois de amanhã. 
(GONÇALVES, 2003, p. 138) 
Segundo Gonçalves (op.cit.), o verbo parecer, além de modalizar epistemicamente o 
conteúdo proposicional que apresenta, revela o modo como o falante adquiriu a informação 
veiculada na proposição. Para ele, o português brasileiro está em processo de 
gramaticalização da evidencialidade, ou seja, tem gerado formas linguísticas para expressá-
la na sentença. 
 
Gonçalves considera, ainda, que, uma vez atuando dentro de um texto – considerado como 
unidade linguística – as noções de modalidade epistêmica e evidencialidade atuam no efeito 
perlocucionário desse texto, ou seja, contribuem para que o objetivo de 
influenciar/modificar as ações do ouvinte pela interação seja alcançado. 
 
Toda a discussão apresentada acima com o sufixo -mente e o verbo parecer mostram que, 
de certa forma, a gramaticalização é um fenômeno que testa os limites da divisão entre 
sincronia e diacronia. Para entender o papel que cada uma das formas exercena gramática 
do português hoje, devemos desenvolver uma pesquisa sincrônica. No entanto, apreender 
que esses itens se originam de palavras com conteúdo lexical pleno e investigar a trajetória 
29 
de mudança só é possível com estudos diacrônicos. Portanto, para compreendermos os 
processos de gramaticalização, é essencial associarmos pesquisa sincrônica com diacrônica. 
Nesse sentido, as abordagens sincrônica e diacrônica não são excludentes, ao contrário, são 
complementares. 
 
A perspectiva de investigação que combina, ao mesmo tempo, informações sincrônicas e 
diacrônicas é chamada de pancrônica. Trata-se de um procedimento muito utilizado nos 
estudos funcionalistas atuais que buscam compreender os fenômenos gramaticais de um 
ponto de vista discursivo-pragmático ao mesmo tempo em que se pesquisam os processos 
de mudança associados à gramaticalização. Essa abordagem de pesquisa não considera 
satisfatório descrever o fenômeno de mudança a ser investigado, mas compreender o 
processo que o originou. Somente dessa forma é possível obtermos um esclarecimento mais 
completo do fenômeno que está sendo analisado. 
 
Do ponto de vista do Funcionalismo, análises pancrônicas se justificam também porque 
auxiliam no esclarecimento de fatores comunicativos e cognitivos que estão presentes nas 
formas gramaticalizadas. Outro fator que fundamenta os estudos pancrônicos é o fato de 
que revelam que a estrutura de significados das línguas não é estável. As investigações 
sincrônicas, que fazem um recorte em um determinado momento, podem obscurecer a 
dinamicidade das línguas. 
 
Nesse sentido, “a gramaticalização deve ser concebida como um processo pancrônico que 
apresenta uma perspectiva diacrônica, já que envolve mudança, e uma perspectiva 
sincrônica, já que implica variação que pode ser descrita como um sistema sem referência a 
tempo.” (FURTADO DA CUNHA; OLIVEIRA; VOTRE, 1999). 
 
 
QUIZZ 
Vamos rever algumas ideias discutidas até agora. Leia atentamente as afirmações abaixo e 
atribua VERDADEIRO ou FALSO a cada uma delas. 
30 
1. A gramaticalização é o processo de passagem de um item gramatical a 
um item lexical. 
V 
( ) 
F 
( ) 
2. A palavra mente e os advérbios em -mente se relacionam 
linguisticamente apenas pela homofonia. 
V 
( ) 
F 
( ) 
3. Há certos usos do verbo parecer que apresentam uma atitude do 
falante em relação ao seu comprometimento com o que está sendo dito. 
V 
( ) 
F 
( ) 
4. A abordagem pancrônica é aquela que associa as abordagens 
sincrônica e diacrônica. 
V 
( ) 
F 
( ) 
5. Um estudo da história da língua pode ajudar a desvendar significados 
ocultos em formas gramaticais cristalizadas. 
V 
( ) 
F 
( ) 
 
Respostas: 1- F; 2- F; 3-V; 4-V; 5- V 
FIM DO QUIZZ 
 
Resumo: 
Nesta aula, vimos que as áreas da Sociolinguística e do Funcionalismo se relacionam na 
medida em que se interessam pelo estudo da língua em seus contextos de uso. No caso do 
Funcionalismo Linguístico, estudamos os princípios centrais que fundamentam a relação 
entre discurso, compreendido como o emprego real da língua, e a gramática, entendida 
como a sistematização dos usos motivados por fatores pragmáticos e funcionais. 
Observamos, ainda, que, para compreender o processo de mudança linguística por meio do 
percurso da gramaticalização, faz-se necessário investigar os fenômenos linguísticos sob 
um ponto de vista pancrônico, isto é, sincronia e diacronicamente. 
 
 
 
 
 
31 
REFERÊNCIAS: 
 
BYBEE, Joan. Mechanisms of change in grammaticization: the role of frequency. In: 
JOSEPH, B.; JANDA, R. (eds). A handbook of historical linguistics. London: Blackwell, 
2003. p. 602-623. 
 
__________. Language, usage and cognition. Cambridge: Cambridge University Press, 
2010. 
 
BYBEE, Joan; HOPPER, Paul. (ed). Frequency and the emergente of linguistic structure. 
Amsterdam/Philadelphia: Benjamins, 2001. 
 
DU BOIS, John. Competing motivations. In: HAIMAN, J. (ed). Iconicity in syntax. 
Amsterdam: Benjamins, 1985. p. 346-365. 
 
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Sebastião José. A Interação Sincronia/Diacronia no Estudo da Sintaxe. DELTA, vol.15, 
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MARTELOTTA, Mário Eduardo. (org). Linguística funcional – teoria e prática. Rio de 
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GONÇALVES, Sebastião C. L. Gramaticalização, modalidade epistêmica e 
evidencialidade: um estudo de caso no português do Brasil. Tese de doutorado, Unicamp. 
2003. 
 
GONÇALVES, Sebastião Carlos Leite; LIMA-HERNANDES, Maria Célia de Lima; 
CASSEB-GALVÂO, Vânia (Orgs.). Introdução à Gramaticalização: princípios teóricos e 
aplicação. São Paulo: Parábola. 
32 
GÖRSKI, E. M.; GIBBON, A.; VALLE, C. R. M.; MAGO, D. Dal; TAVARES, M. A.. 
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