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129 UNIDADE IV A CIRCULAÇÃO Ø Visão Geral da Circulação e a Física Médica da Pressão, do Fluxo e da Resistência; Ø Distensibilidade Vascular e Funções dos Sistemas Arterial e Venoso; Ø A Microcirculação e o Sistema Linfático: Troca de Líquido nos Capilares, Líquido Intersticial e Fluxo Linfático Ø Controle Local do Fluxo Sanguíneo pelos Tecidos e Regulação Humoral; Ø Regulação Nervosa da Circulação e Controle Rápido da Pressão Arterial; Ø Papel Dominante dos Rins na Regulação a Longo Prazo da Pressão Arterial e na Hipertensão: O Sistema Integrado para o Controle da Pressão; Ø Débito Cardíaco, Retorno Venoso e Sua Regulação; Ø Fluxo Sanguíneo Muscular e Débito Cardíaco Durante o Exercício; a Circulação Coronária; e as Cardiopatias Isquêmicas Ø Insuficiência Cardíaca Ø Sons Cardíacos; Dinâmica dos Defeitos Valvulares e dos Defeitos Cardíacos Congênitos Ø Choque Circulatório e Fisiologia de Seu Tratamento 130 CAPÍTULO 14 Visão Geral da Circulação e a Física Médica da Pressão, do Fluxo e da Resistência. A função da circulação é a de atender às necessidades dos tecidos - transportar nutrientes até os tecidos, remover daí os produtos de excreção, levar hormônios de uma para outra parte do corpo e manter, em geral, em todos os líquidos teciduais, um ambiente apropriado à sobrevida e função ótimas das células. Entretanto, por vezes é difícil compreender como o fluxo sanguíneo é controlado relativamente às necessidades do tecido e como o coração e a circulação são regulados de modo a proporcionar o débito cardíaco e a pressão arterial necessários à propulsão do sangue em fluxo. Assim, quais são os mecanismos para o controle do volume sanguíneo, e como isso se relaciona com todas as outras funções da circulação? Estas são algumas das questões que nos propomos a responder nos capítulos seguintes sobre a circulação. CARACTERÍSTICAS FÍSICAS DA CIRCULAÇÃO A circulação, mostrada na Fig. 14.1, é dividida em circulação sistêmica e circulação pulmonar. Como a circulação sistêmica supre com o fluxo sanguíneo todos os tecidos do corpo, exceto os pulmões, ela também é freqüentemente designada como a grande circulação ou circulação periférica. Embora o sistema vascular em cada tecido distinto do corpo tenha suas próprias características especiais, alguns princípios gerais da função vascular aplicam-se, mesmo assim, a todas as partes do sistema. O objetivo do presente capítulo é o de discutir esses princípios gerais. As partes funcionais da circulação. Antes de tentar discutir os detalhes da função na circulação, é importante conhecer-se o papel geral de cada uma de suas partes. A função das artérias é transportar sangue sob alta pressão até os tecidos. Por esta razão, as artérias têm fortes paredes vasculares e o sangue flui rapidamente por elas. As arteríolas são os pequenos ramos finais do sistema arterial, atuando como válvulas de controle pelas quais o sangue é lançado nos capilares. A arteríola tem forte parede muscular que é capaz de fechá-la totalmente ou possibilitar que ela se dilate por várias vezes, tendo, assim, a capacidade de alterar enormemente o fluxo sanguíneo para os capilares em resposta às necessidades dos tecidos. A função dos capilares é a de efetuar trocas de líquidos, nutrientes, eletrólitos, hormônios e outras substâncias entre o sangue e o líquido intersticial. Para este fim, as paredes capilares são muito finas e permeáveis a pequenas substâncias moleculares. As vênulas coletam sangue dos capilares: elas coalescem gradualmente em veias progressivamente maiores. As veias funcionam como condutos para o transporte de sangue dos tecidos de volta para o coração, mas, o que é igualmente importante, elas servem como importante reservatório de sangue. Como a pressão no sistema venoso é muito baixa, as paredes venosas são finas. Ainda assim, elas são musculares e isto possibilita que se contraiam ou expandam, agindo, pois, como reservatório de sangue extra, tanto em quantidade pequena como em grande, dependendo das necessidades do corpo. Fig. 14.1 Distribuição do volume sanguíneo nas diferentes partes do sistema circulatório. 131 Volumes de sangue nas diferentes partes da circulação. De longe a maior proporção do sangue na circulação está contida nas veias sistêmicas. A Fig. 14.1 mostra isto, revelando que aproximadamente 84% de todo o volume sanguíneo do corpo estão na circulação sistêmica, com 64% nas veias, 13% nas artérias e 7% nas arteríolas e capilares sistêmicos. O coração contém 7% do sangue e os vasos pulmonares, 9%. O mais surpreendente é o pequeno volume sanguíneo nos capilares da circulação sistêmica. Entretanto, é aí que ocorre a função mais importante da circulação, a difusão de substâncias entre o sangue e os tecidos. Essa função é tão importante que é discutida em detalhes no Cap. 16. Áreas de seção transversa e velocidade do fluxo sanguíneo. Se todos os vasos sistêmicos de cada tipo fossem colocados lado a lado, sua área total de seção transversa seria de: Aorta 2,5 Pequenas artérias 20 Arteríolas 40 Capilares 2.500 Vênulas 250 Pequenas veias 80 Veias cavas 8 Observe particularmente a área de seção transversa das veias, muito maior que a das artérias, representando, em média, cerca de quatro vezes a das artérias correspondentes. Isto explica 0 grande armazenamento de sangue no sistema venoso, em comparação com o armazenamento no sistema arterial. Como o mesmo volume de sangue flui através de cada segmento da circulação a cada minuto, a velocidade do fluxo sangüíneo é inversamente proporcional à sua área de seção transversa. Assim, em condições de repouso, a velocidade é, em média, de 33 cm/s na aorta mas l/1.000 disso nos capilares, ou cerca de 0,3 mm/s. Contudo, como os capilares têm comprimento típico de apenas 0,3 a 1 mm, o sangue permanece neles por apenas 1 a 3 s - fato bastante surpreendente, pois toda a difusão que ocorre pelas paredes capilares tem de processar-se nesse período extremamente curto. Pressões nas diversas partes da circulação. Como o coração bombeia sangue continuamente para a aorta, a pressão na aorta é obviamente elevada, compreendendo, em média, aproximadamente 100 mm Hg. Além disso, como o bombeamento cardíaco é pulsátil, a pressão arterial flutua entre um nível sistólico de 120 mm Hg e um nível diastólico de 80 mm Hg, como é mostrado na Fig. 14.2. À medida que o sangue flui pela circulação sistêmica, sua pressão cai progressivamente para cerca de 0 mm Hg ao chegar ao fim das veias cavas no átrio direito. A pressão nos capilares sistêmicos varia entre o máximo de 35 mm Hg, próximo às extremidades arteriolares, até 10 mm Hg, próximo às suas extremidades venosas, mas sua pressão "funcional" média em muitos leitos vasculares é de cerca de 17 mm Hg, pressão suficientemente baixa para que bem pouco plasma vaze dos capilares porosos, ainda que os nutrientes possam difundir-se facilmente para as células teciduais. Observe, bem à direita na Fig. 14.2, as pressões respectivas nas diferentes partes da circulação pulmonar. Nas artérias pulmonares, a pressão é pulsátil, exatamente como na aorta, mas o nível de pressão é bem menor, com pressão sistólica de cerca de 25 mm Hg e diastólica de 8 mm Hg, com a pressão arterial pulmonar média de apenas 16 mm Hg. A pressão capilar pulmonar é, em média, de apenas 7 mm Hg. Entretanto, o fluxo sangüíneo total pelos pulmões a cada minuto é o mesmo que o pela circulação sistêmica. As baixas pressões do sistema pulmonar estão de acordo com as necessidades dos pulmões, pois tudo que é necessário é expor o sangue, nos capilares pulmonares, ao oxigênio e outros gases nos alvéolos pulmonares, e as distâncias que o sangue tem de percorrer antes de voltar ao coração são curtas. A TEORIA BÁSICA DA FUNÇÃO CIRCULATÓRIA Embora os detalhes da função circulatória sejam freqüentemente complexos, há três princípios básicos subjacentesa todas as funções do sistema. Eles são os seguintes: O fluxo sanguíneo para cada tecido do corpo é quase sempre precisamente controlado em relação às necessidades do tecido. Quando estão ativos, os tecidos necessitam de fluxo sanguíneo muito maior do que em repouso, ocasionalmente de até 20 a 30 vezes o nível em repouso. Entretanto, o coração não pode normalmente aumentar seu débito cardíaco por mais do que quatro a sete vezes. Portanto, não é possível aumentar simples- Fig. 14.2 Pressões sanguíneas nas diferentes partes do sistema circulatório. Cm2 132 mente o fluxo sanguíneo em todas as partes quando um tecido específico precisa de mais fluxo. Em vez disto, os microvasos de cada tecido monitoram continuamente as necessidades dos tecidos, tais como a disponibilidade de nutrientes e o acúmulo de produtos da excreção tecidual, e eles, por sua vez, controlam o fluxo sanguíneo, com grande precisão, no nível necessário ã atividade do tecido. Ademais, o controle nervoso da circulação permite atributos adicionais específicos para o controle do fluxo sanguíneo para os tecidos. O débito cardíaco é controlado principalmente pelo fluxo tecidual local. Ao fluir por um tecido, o sangue retorna imediatamente até o coração por meio das veias. Felizmente, o coração responde a esse maior influxo de sangue bombeando quase todo ele imediatamente de volta às artérias. Neste sentido, o coração age como um autômato, respondendo às demandas dos tecidos. Infelizmente, porém, o coração não é perfeito em sua resposta. Assim, ele freqüentemente necessita de ajuda, sob a forma de sinais nervosos especiais, para fazê-lo bombear o fluxo sanguíneo necessário. Em geral, a pressão arterial é controlada independentemente, quer do controle do fluxo sanguíneo local, quer do controle do débito cardíaco. O sistema circulatório é provido de extenso sistema de controle de pressão arterial. Se, a qualquer momento, a pressão cair significativamente abaixo de seu nível médio normal de cerca de 100 mm Hg, por exemplo, uma barragem de reflexos nervosos evoca, dentro de segundos, uma série de alterações circulatórias, para elevar a pressão de volta ao normal, incluindo o aumento da força de bombeamento do coração, a contração dos grandes reservatórios venosos, para proporcionar mais sangue ao coração, e constrição generalizada da maioria das arteríolas em todo o corpo, de modo que mais sangue vai acumular-se na árvore arterial. Por períodos mais prolongados, de horas a dias, então, os rins têm importante papel adicional no controle da pressão, tanto pela secreção de hormônios controladores da pressão como pela regulação do volume sanguíneo. A importância do controle da pressão é que ele impede que as alterações do fluxo sanguíneo numa área do corpo afetem significativamente o fluxo em outras partes do corpo, porque não é permitido que a pressão máxima, comum a ambas as áreas, se altere por muito. Assim, em suma, as necessidades teciduais locais são atendidas pela circulação. No restante deste capítulo, começamos a discutir os detalhes básicos do ajuste do fluxo sanguíneo e do controle do débito cardíaco e da pressão arterial. INTER-RELAÇÕES ENTRE PRESSÃO, FLUXO E RESISTÊNCIA O fluxo por um vaso sanguíneo é inteiramente determinado por dois fatores: (1) a diferença de pressão entre as duas extremidades do vaso, que é a força que empurra o sangue adiante pelo vaso, e (2) o obstáculo ao fluxo sanguíneo pelo vaso, que é denominado resistência vascular. A Fig. 14.3 ilustra essas relações, mostrando um segmento de vaso sanguíneo localizado em qualquer parte do sistema circulatório. P1 representa a pressão na origem do vaso; na outra extremidade, a pressão é P2. O fluxo através do vaso pode ser calculado pela seguinte fórmula, que é denominada lei de Ohm: Q= ?,P R em que o Q é o fluxo sanguíneo, AP é a diferença de pressão (P, - P2) entre as duas extremidades do vaso e R é a resistência. Esta fórmula estabelece, na verdade, que o fluxo sanguíneo é Fig. 14.3 Relações entre pressão, resistência e fluxo sanguíneo.diretamente proporcional à diferença de pressão mas inversamente proporcional à resistência. Deve-se notar, especialmente, que é a diferença de pressão entre as duas extremidades do vaso, e não a pressão absoluta no vaso, que determina a intensidade do fluxo. Por exemplo, se a pressão em ambas as extremidades do segmento fosse de 100 mm Hg e, apesar disso, não houvesse qualquer diferença entre as duas extremidades, não haveria fluxo, apesar da presença dos 100 mm Hg de pressão. A lei de Ohm expressa a mais importante de todas as relações que o leitor precisa conhecer para compreender a hemodinâmica circulatória. Devido à extrema importância desta fórmula, o leitor deve familiarizar-se também com suas duas outras formas algébricas: AP = Q x R AP R = Q FLUXO SANGUÍNEO O fluxo sanguíneo define, simplesmente, a quantidade de sangue que passa por um dado ponto na circulação em determinado período. Normalmente, o fluxo sanguíneo é expresso em mililitros ou em litros por minuto, mas pode ser expresso em mililitros por segundo ou em qualquer outra unidade de fluxo. O fluxo sanguíneo global na circulação de uma pessoa adulta em repouso é de cerca de 5.000 ml por minuto. Isto é denominado débito cardíaco, por ser a quantidade de sangue bombeada pelo coração nesse período de tempo unitário. Métodos para a medida do fluxo sanguíneo. Muitos aparelhos mecânicos ou mecanoelélricos diferentes podem ser inseridos em série com um vaso sanguíneo ou, em alguns casos, aplicados do lado externo do vaso para medir o fluxo. Todos são denominados simplesmente fluxímetros. O fluxímetro eletromagnético. Um dos mais importantes aparelhos para a medida do fluxo sanguíneo sem abrir o vaso é o fluxímetro eletromagnético, cujos princípios são mostrados na Fig. 14.4. A Fig. 14.4A mostra a geração de força eletromagnética em fio que é passado rapidamente por um campo eletromagnético. Este é o conhecido princípio de produção de eletricidade pelo gerador elétrico. A Fig. 14.4B mostra que exatamente o mesmo princípio aplica-se à geração de força eletro-motriz no sangue quando este atravessa um campo eletromagnético. Neste caso, um vaso sanguíneo é colocado entre os pólos de um forte magneto, sendo colocados eletródios dos dois lados do vaso perpendicularmente às linhas de força magnética. Quando o sangue flui pelo vaso, é gerada entre os dois eletródios uma voltagem elétrica proporcional ao fluxo, e isso é registrado utilizando-se um medidor ou aparelho eletrônico apropriados. A Fig. 14.4C mostra uma "sonda" real que é colocada num grande vaso sanguíneo para registrar seu fluxo. Essa sonda contém tanto um potente magneto como os eletródios. Uma vantagem especial do fluxímetro eletromagnético é que ele pode registrar alterações do fluxo que ocorrem em menos de 0,01 s, possibilitando o registro preciso tanto de fluxo constante como de alterações pulsáteis do fluxo. O fluxímetro ultra-sônico Doppler. Outro tipo de fluxímetro que pode ser aplicado ã parte externa do vaso e que tem muitas das vantagens do fluxímetro eletromagnético é o fluxímetro ultra-sônico Doppler, mos- 133 Fig. 14.4 Um fluxímetro do tipo eletromagnético, mostrando: A, geração de força eletromotriz num fio, em sua passagem por um campo eletromagnético; B, geração de força eletromotriz em eletródios sobre um vaso sanguíneo, quando o vaso é colocado em forte campo eletromagnético e o sangue flui pelo vaso; e C, uma moderna "sonda" de fluxímetro eletromagnético para implantação crônica em torno de vasos sanguíneos. Fig. 14.5 Fluxímetro ultra-sônico Doppler. Irado na Fig. 14.5. Um diminuto cristal piezoelétrico é montado na parede do aparelho. Esse cristal, quando energizado por um aparelho eletrônico apropriado, transmite sons com freqüência de vários milhões de ciclos por segundo na mesma direção do sangueem fluxo. Parte do som é refletida pelas hemácias que fluem, de modo que as ondas sonoras refletidas voltam do sangue para o cristal. Entretanto, essas ondas sonoras refletidas têm freqüência menor que a onda transmitida, porque as hemácias estão se movendo para longe do cristal transmissor. Isso é denominado efeito Doppler. (Este é o mesmo efeito que se experimenta quando um trem se aproxima e passa soando o apito. Após o apito ter passado pela pessoa, a altura do som do apito fica muito mais baixa do que quando o trem está se aproximando.) A onda transmitida é intermitentemente interrompida e a onda refletida é recebida novamente no cristal e, depois, muito amplificada pelo aparelho eletrônico. Outra parte do aparelho determina a diferença de freqüência entre a onda transmitida e a onda refletida, determinando, assim, a velocidade do fluxo sanguíneo. Como o fluxímetro eletromagnético, o fluxímetro ultra-sônico Doppler é capaz de registrar alterações pulsáteis muito rápidas do fluxo, assim como um fluxo constante. Fluxo laminar do sangue nos vasos Quando flui com velocidade constante por vaso longo e liso, o sangue flui em camadas, permanecendo cada camada de sangue à mesma distância da parede. Assim, a parte central do sangue fica no centro do vaso. Este tipo de fluxo é denominado fluxo laminar ou fluxo "aerodinâmico'', sendo o contrário do fluxo turbulento, em que o sangue flui em todas as direções pelo vaso e misturando-se continuamente no interior do vaso, como é discutido adiante. Perfil parabólico da velocidade durante o fluxo laminar. Quando 134 ocorre fluxo laminar, a velocidade do fluxo no centro do vaso é bem maior do que a nas proximidades da parte externa. Isto é demonstrado pelo experimento mostrado na Fig. 14.6. No vaso A, há dois líquidos diferentes, o da esquerda é marcado por corante e o da direita, um líquido claro, mas não há qualquer fluxo no vaso. Faz-se, então, com que os líquidos fluam; aparece uma interface parabólica entre os dois líquidos, como é mostrado 1 s depois no vaso B, demonstrando que o líquido adjacente à parede do vaso mal se move; a parte um pouco para dentro da parede moveu-se por pequena distância; e a parte no centro do vaso moveu-se por longa distância. Esse efeito é denominado perfil parabólico da velocidade do fluxo sanguíneo. A causa do perfil parabólico é a seguinte: as moléculas do líquido que ficam em contato com a parede do vaso mal se movem, devido à aderência com essa parede. A camada seguinte de moléculas desliza por sobre elas, a terceira por sobre a segunda, a quarta camada sobre a terceira, e assim por diante. Por esta razão, o líquido no meio do vaso pode mover-se rapidamente por haver muitas camadas de moléculas deslizantes entre o meio e a parede do vaso, todas elas capazes de deslizar umas sobre as outras enquanto as partes do líquido próximas à parede não têm essa vantagem. Fluxo sanguíneo turbulento em algumas condições. Quando a velocidade do fluxo fica muito grande, como quando ele passa por uma obstrução no vaso, faz uma curva forte ou passa por uma superfície áspera, o fluxo pode tornar-se, então, turbulento, em vez de aerodinâmico. Fluxo turbulento significa que o sangue flui transversalmente no vaso tanto como ao longo do seu comprimento, formando em geral turbilhões na corrente, denominados redemoinhos - semelhantes aos redemoinhos que se vê com freqüência num rio que flui rapidamente num ponto estreitado de seu curso. Quando ocorrem turbilhões, o sangue flui com resistência muito maior do que quando o fluxo é aerodinâmico, porque os turbilhões aumentam enormemente o atrito geral do fluxo vascular. A tendência ao fluxo turbulento aumenta em proporção direta à Fig. 14.6 Um experimento mostrando o fluxo sanguíneo laminar. A, Dois líquidos distintos, antes do início do fluxo; E, o mesmo líquido 1 s após o início do fluxo. 135 velocidade do fluxo sanguíneo, em proporção direta ao diâmetro do vaso sanguíneo e de forma inversamente proporcional à viscosidade do sangue, dividida por sua densidade, de acordo com a seguinte equação: Re = v.d ?á P em que Re é o número de Reynolds, a medida da tendência à turbulência, v é a velocidade do fluxo sanguíneo (em centímetros/ segundo), ?üé a viscosidade (em poises) e p é a densidade. Quando o número de Reynolds eleva-se acima de 200 a 400, ocorre fluxo turbulento em alguns ramos dos vasos mas desaparece nas partes desobstruídas desses vasos. Entretanto, quando o número de Reynolds se eleva acima de cerca de 2.000, em geral a turbulência ocorre até mesmo em vaso reto e sem obstruções. O número de Reynolds eleva-se mesmo normalmente até 200 a 2.000 nas grandes artérias; por isso, há quase sempre alguma turbulência no fluxo na raiz da aorta e nos maiores ramos arteriais. PRESSÃO SANGUÍNEA As unidades padrão de pressão. A pressão do sangue é quase sempre medida em milímetros de mercúrio (mm Hg), porque 0 manômetro de mercúrio tem sido utilizado desde a antiguidade como referência padrão para a medida da pressão do sangue. Na verdade, a pressão do sangue significa a força exercida pelo sangue contra qualquer área unitária da parede vascular. Quando se diz que a pressão em um vaso é de 50 mm Hg, isto quer dizer que a força exercida é suficiente para elevar a coluna de mercúrio até o nível de 50 mm de altura. Quando é de 100 mm Hg, a pressão eleva a coluna até os 100 mm. Ocasionalmente, a pressão é medida em centímetros de água. Uma pressão de 10 cm de água significa a pressão suficiente para elevar uma coluna de água até a altura de 10 cm. Um milímetro de mercúrio equivale a 1,36 centímetro de água, porque a densidade do mercúrio é 13,6 vezes maior que a da água e 1 cm é 10 vezes maior que 1 mm. Dividindo 13,6 por 10, obtemos o fator 1,36. Métodos de alta fidelidade para a medida da pressão sanguínea. Infelizmente, o mercúrio no manômetro de mercúrio tem tanta inércia que não pode elevar-se e cair rapidamente. Por esta razão, o manômetro de mercúrio, embora excelente para o registro de pressões constantes, não responde a alterações de pressão que ocorrem com mais rapidez que aproximadamente 1 ciclo a cada 2 a 3 s. Sempre que se deseja registrar pressões que se alteram rapidamente, é necessário algum outro tipo de aparelho para o registro da pressão. A Fig. 14.8 ilustra os princípios básicos de três transdutores eletrônicos de pressão comumente utilizados para converter a pressão em sinais elétricos e registrar, então, a pressão num aparelho elétrico de registro com alta velocidade. Cada um desses transdutores emprega uma membrana de metal muito fina e altamente distendida, que forma uma parede da câmara de líquido. Esta, por sua vez, está ligada por uma agulha ou cateter ao vaso em que a pressão vai ser medida. As variações da pressão do vaso causam alterações da pressão da câmara sob a membrana. Quando a pressão é alta, a membrana faz ligeira saliência para fora, e, quando ela é baixa, ela retorna a sua posição de repouso. Na Fig. 14.8 A, uma placa metálica simples é colocada alguns milésimos de polegada acima da membrana. Quando a membrana faz protrusão para fora, a capacitando entre a placa e a membrana aumenta, e essa alteração da capacitância pode ser registrada por um sistema eletrônico apropriado. Na Fig. 14.&B, um pequeno cilindro de ferro é colocado sobre a membrana, e pode ser deslocado para cima até uma bobina. O movimento do ferro altera a indutância da bobina, e isso também pode ser eletronicamente registrado. Finalmente, na Fig. 14.8C, um fio de resistência muito fino e bem distendido é ligado à membrana. Quando esse fio é muito esticado. Fig. 14.7 Registro de pressão arterial com um manômetro de mercúrio, um método que tem sido empregado da maneira mostrada acima para o registro de pressão por toda a história da fisiologia. sua resistência aumenta, e, quando é menos esticado, a resistênciadiminui. Essas alterações também podem ser registradas por meio de um sistema eletrônico. Com alguns desses tipos de sistema de registro de alta fidelidade foram registrados com precisão ciclos de pressão de até 500 ciclos por segundo. Há em uso comum aparelhos capazes de registrar alterações de pressão ocorrendo tão rapidamente quanto 20 a 100 ciclos por segundo. Fig. 14.8 Princípios de três tipos diferentes de transdutores eletrônicos para o registro de pressões sanguíneas que se alteram rapidamente. 136 RESISTÊNCIA AO FLUXO SANGUÍNEO Unidades de resistência. A resistência é o impedimento ao fluxo sanguíneo por um vaso, mas ela não pode ser medida por qualquer meio direto. Em vez disso, ela pode ser calculada a partir das medidas do fluxo sanguíneo e das diferenças de pressão no vaso. Quando a diferença de pressão entre dois pontos no vaso é de 1 mm Hg e o fluxo é de 1 ml/s, diz-se que a resistência é de 1 unidade de resistência periférica, abreviada geralmente como URP. Expressão da resistência em unidades CGS. Ocasionalmente, utiliza-se uma unidade física básica denominada CGS (centímetros, gramas, segundos) para expressar a resistência. Esta unidade é dinas segundos / centímetros5. A resistência, nestas unidades, pode ser calculada pela seguinte fórmula: Resistência periférica total e resistência pulmonar total. A intensidade do fluxo sanguíneo pelo sistema circulatório, quando a pessoa está em repouso, é próxima de 100 ml/s, e a diferença de pressão das artérias sistêmicas para as veias sistêmicas é de cerca de 100 mm Hg. Por esta razão, em números redondos, a resistência de toda a circulação sistêmica, denominada resistência periférica total, é de aproximadamente 100/100 ou 1 URP. Em algumas condições, em que todos os vasos sanguíneos do corpo contraem-se fortemente, a resistência periférica total eleva-se até 4 URP, e, quando os vasos se dilatam muito, ela pode cair até 0,2 URP. No sistema pulmonar, a pressão arterial média é de 16 mm Hg e a pressão atrial esquerda média é de 2 mm Hg dando diferença efetiva de pressão de 14 mm. Portanto, em números redondos, a resistência pulmonar total em repouso é calculada como sendo de aproximadamente 0,14 URP. "Condutância" do sangue em um vaso e sua relação com a resistência. A condutância é uma medida do fluxo sanguíneo num vaso por uma dada diferença de pressão. Isto é geralmente expresso em termos de ml/s/mm Hg de pressão, mas também pode ser expresso em termos de l/s/mm Hg ou em quaisquer outras unidades de fluxo e pressão do sangue. É imediatamente evidente que a condutância é a recíproca da resistência, de acordo com a seguinte equação: Efeito do diâmetro vascular sobre a condutância. Pequenas alterações no diâmetro de um vaso causam enormes alterações de sua capacidade de conduzir sangue quando o fluxo sanguíneo é aerodinâmico. Isto é demonstrado de modo muito nítido pelo experimento da Fig. 14.9A, que mostra três vasos distintos com diâmetro relativo de 1T 2 e 4, mas com a mesma diferença de pressão de 100 mm Hg entre as duas extremidades. Embora o diâmetro desses vasos aumente apenas 4 vezes, os fluxos respectivos são de 1, 16 e 256 ml/mm, que representa um aumento de 256 vezes do fluxo. Assim, a condutância do vaso aumenta proporcionalmente à quarta potência do diâmetro, de acordo com a seguinte fórmula: Lei de Poiseuille. A causa desse grande aumento da condutância por aumento do diâmetro pode ser explicada usando-se a Fig. 14.9B. Ela mostra seções transversas de vasos grandes e pequenos. Os anéis Fig. 14.9 Demonstração do efeito do diâmetro do vaso sobre o fluxo sangüíneo. B, Anéis concêntricos de sangue fluindo com diferentes velocidades, quando mais longe das paredes vasculares, mais rápido é o fluxo. concêntricos no interior de cada vaso indicam que a velocidade de fluxo em cada anel é diferente da nos outros anéis, devido ao fluxo laminar, que foi discutido antes neste capítulo. Isto quer dizer que o sangue no anel em contato com a parede do vaso mal está fluindo, devido à sua aderência ao endotélio vascular. O anel de sangue seguinte desliza por sobre o primeiro anel e flui, portanto, com velocidade maior. O terceiro, quarto, quinto e sexto anéis fluem igualmente com velocidades progressivamente crescentes. Assim, o sangue que está muito perto da parede do vaso flui de forma extremamente lenta, enquanto que o sangue no meio do vaso flui com extrema rapidez. No vaso pequeno, praticamente todo o sangue está muito perto da parede, de modo que a corrente sanguínea central de fluxo extremamente rápido simplesmente não existe. Integrando-se as velocidades de todos os anéis concêntricos do sangue em fluxo e multiplicando essas velocidades pelas áreas dos anéis, pode-se obter a fórmula que se segue, chamada de lei de Poiseuille: onde Q é a velocidade do fluxo sanguíneo, AP é a diferença de pressão entre as extremidades do vaso, r é o raio do vaso, 1 é o comprimento do vaso e tj é a viscosidade do sangue. Note particularmente nesta equação que a velocidade do fluxo sangüíneo é diretamente proporcional à quarta potência do raio do vaso, o que mostra, novamente, que o diâmetro de um vaso sanguíneo tem de longe o papel mais importante de todos os fatores na determinação da velocidade do fluxo sanguíneo no vaso. Importância da "lei da quarta potência" do diâmetro do vaso na determinação da resistência arteriolar. Na circulação sistêmica, cerca de dois terços da resistência estão nas pequenas arteríolas. Seu diâmetro interno varia de 8 jttm a 30 /xm. Entretanto, suas fortes paredes vasculares possibilitam que o diâmetro interno se altere muito freqüentemente de forma muito acentuada, por até quatro vezes. Pela lei da quarta potência, discutida antes, que relaciona o fluxo sanguíneo ao diâmetro do vaso, pode-se ver que o aumento de quatro vezes no diâmetro do vaso poderia teoricamente aumentar por até 256 vezes o fluxo. Assim, essa lei possibilita as arteríolas, respondendo com apenas pequenas alterações do diâmetro a sinais nervosos ou a sinais teciduais locais, ou reduzir quase que inteiramente o fluxo sanguíneo para o tecido ou, em outras ocasiões, ocasionar enorme aumento do fluxo. De fato, variações do fluxo sanguíneo de mais de 100 ordens de grandeza já foram registradas entre os limites da constrição arteriolar máxima e da dilatação máxima das arteríolas. 137 Efeito do hematócrito e da viscosidade do sangue sobre a resistência vascular e o fluxo sanguíneo Observe, especialmente, que um dos fatores importantes da lei de Poiseuille é a viscosidade do sangue. Quanto maior for a viscosidade, menor é o fluxo no vaso, quando todos os outros fatores são constantes. Além disso, a viscosidade do sangue normal é cerca de três vezes maior que a da água. Mas, o que torna o sangue tão viscoso? E principalmente o grande número de hemácias em suspensão no sangue, cada uma das quais exerce retardo por atrito sobre as células adjacentes e, portanto, sobre a parede do vaso sanguíneo. A percentagem de células no sangue é denominada hematócrito. O hematócrito. A percentagem do sangue que é constituída por células é denominada hematócrito. Assim, quando uma pessoa tem um hematócrito de 40, 40% do volume sanguíneo são constituídos por células e o restante é plasma. O hematócrito de indivíduos masculinos normais é de 42 em média, enquanto o de mulheres normais é em média de 38. Esses valores variam muito, dependendo da pessoa apresentar ou não anemia, de seu grau de atividade corporal e da altitude em que ela reside. Esses efeitos são discutidos em relação às hemácias e sua função no Cap. 32. O hematócrito sanguíneo é determinado centrifugando-se o sangue num tubo calibrado como o mostrado na Fig. 14.10. A calibragem possibilita a leitura direta da percentagem de células. Efeito do hematócrito sobre a viscosidade sanguínea. Quanto maior for a percentagem de célulasno sangue — ou seja, quanto maior for o hematócrito — maior será o atrito existente entre as camadas sucessivas de sangue, e esse atrito determina a viscosidade. Por esta razão, a viscosidade do sangue aumenta drasticamente com o aumento do hematócrito, como é mostrado na Fig. 14.11. Se considerarmos a viscosidade do sangue total no hematócrito normal como sendo de aproximadamente 3, isto quer dizer que é necessária pressão três vezes maior para forçar o sangue total que para forçar a água a passar pelo mesmo tubo. Observe que, quando o hematócrito se eleva para 60 a 70, o que ocorre freqüentemente na policitemia, a viscosidade do sangue pode ficar até 10 vezes maior que a da água e seu fluxo pelos vasos sanguíneos fica muito retardado. Fig, 14.11 Efeito do hematócrito sobre a viscosidade. Outro fator que afeta a viscosidade sanguínea é a concentração e os tipos de proteínas no plasma, mas esses efeitos têm importância tão inferior ao efeito do hematócrito que não são considerações significativas em muitos estudos hemodinâmicos. A viscosidade do plasma sanguíneo é cerca de 1,5 vez a da água. Viscosidade do sangue na microcirculação. Como a maior parte da resistência no sistema circulatório ocorre nos vasos sanguíneos muito pequenos, é particularmente importante saber-se como a viscosidade de sangue afeta o fluxo sanguíneo nesses vasos diminutos. Pelo menos três outros fatores além do hematócrito e das proteínas plasmáticas afetam a viscosidade do sangue nesses vasos: 1. O fluxo sanguíneo em tubos muito pequenos apresenta efeito viscoso bem menor que nos grandes vasos. Isto é designado como efeito de Fahraeus-Lindqvist. Ele começa a aparecer quando o diâmetro do vaso cai abaixo de aproximadamente 1,5 mm, e, em tubos tão pequenos quanto os capilares, a viscosidade do sangue total c até metade daquela nos grandes vasos. O efeito de Fahraeus-Lindqvist é causado pelo alinha mento das hemácias ao passarem pelos vasos. Isso quer dizer que as hemácias, em vez de se moverem ao acaso, formam filas e passam pelos vasos como um aglomerado individual, eliminando, assim, a resistência viscosa que ocorre no interior do próprio sangue. O efeito de Fahraeus- Lindqvist, contudo, na maioria das condições, é provavelmente mais que contrabalançado pelos dois efeitos que se seguem. 2. A viscosidade do sangue aumenta muito quando sua velocidade de fluxo diminui. Como a velocidade do fluxo sanguíneo nos pequenos Fig. 14.10 Hematócritos em pessoas normais e em pacientes com anemia e policitemia. Fig. 14.12 Efeito da pressão arterial sobre o fluxo sanguíneo por um vaso sanguíneo com diferentes graus de tônus vascular, causados por aumento ou diminuição da estimulação simpática para os vasos. 138 vasos é extremamente baixa, freqüentemente inferior a 1 mm por segundo, a viscosidade do sangue pode aumentar por até 10 vezes tão-somente devido a este fator. Esse efeito é ocasionado, em parte, pela aderência das hemácias umas às outras (formação de rolos e agregados maiores) e às paredes do vaso. 3. As células freqüentemente também ficam presas nas constrições nos pequenos vasos sanguíneos; isso ocorre especialmente nos capilares, nos quais o núcleo das células endoteliais faz protrusão no lúmen capilar. Quando isso ocorre, o fluxo sanguíneo pode ser totalmente bloqueado por uma fração de segundo, por vários segundos, ou por períodos muito maiores, produzindo, assim, um efeito aparente de grande aumento da viscosidade. Devido a esses efeitos especiais que ocorrem nos pequenos vasos do sistema circulatório, tem sido impossível obter-se uma relação matemática exata que descreva como o hematócrito afeta a viscosidade nos pequenos vasos — o lugar do sistema circulatório em que a viscosidade tem seu papel mais importante. Apesar disto, como alguns desses efeitos tendem a diminuir a viscosidade e outros a aumentá-la, é razoável supor-se que o efeito geral da viscosidade nos pequenos vasos é aproximadamente equivalente ao que ocorre nos casos maiores. EFEITOS DA PRESSÃO SOBRE A RESISTÊNCIA VASCULAR E O FLUXO SANGUÍNEO TECIDUAL Pelas discussões até aqui, seria de se esperar que um aumento na pressão arterial causasse aumento proporcional do fluxo san- guíneo pelos diversos tecidos do corpo. Contudo, o efeito da pressão sobre o fluxo sanguíneo é bem maior do que seria de se esperar, como é mostrado na Fig. 14.12. A razão disto é que um aumento da pressão arterial não só aumenta a força que tende a empurrar o sangue para adiante pelos vasos, como também distende simultaneamente esses vasos, o que diminui sua resistência. Assim, o aumento da pressão aumenta o fluxo por duas maneiras diferentes e, para muitos tecidos, o fluxo sanguíneo, com pressão arterial de 100 mm Hg é em geral cerca de quatro vezes maior que o fluxo sanguíneo com 50 mm Hg. Observe também, na Fig. 14.12, as grandes alterações do fluxo sanguíneo que podem ser causadas por aumento ou por diminuição da estimulação simpática dos vasos sanguíneos periféricos. Assim, a inibição da estimulação simpática dilata muito os vasos, aumentando, portanto, o fluxo sanguíneo, por vezes por até duas ou mais vezes. Inversamente, uma estimulação simpática muito forte pode contrair os vasos de tal forma que o fluxo sanguíneo pode, ocasionalmente, ser reduzido a zero por curtos períodos, apesar da pressão arterial elevada. REFERÊNCIAS Ver referências do Cap. 15. 139 CAPÍTULO 15 Distensibilidade Vascular e Funções dos Sistemas Arterial e Venoso DISTENSIBILIDADE VASCULAR Uma característica útil do sistema vascular é que todos os vasos sanguíneos são distensíveis. Vimos um exemplo disto no capítulo anterior, quando aumenta a pressão nas arteríolas; isso dilata as arteríolas, diminuindo, portanto, sue. resistência. A conseqüência disso é um aumento do fluxo sanguíneo, não só devido ao aumento da pressão, mas também devido à diminuição da resistência, produzindo geralmente pelo menos o dobro do aumento que se poderia esperar do fluxo. A distensibilidade vascular tem igualmente outros papéis importantes na função circulatória. A natureza distensível das artérias, por exemplo, possibilita que elas acomodem o débito pulsátil do coração e uniformizem as pulsações da pressão. Isto propicia um fluxo sanguíneo quase totalmente regular e contínuo pelos tecidos. Os mais distensíveis de todos os vasos são indubitavelmente as veias. Até mesmo pequenos aumentos da pressão fazem as veias armazenarem até meio litro de sangue extra. Por esta razão, as veias constituem uma função de reservatório para o armazenamento de grande quantidade de sangue, que pode ser posta em uso sempre que necessário em outras partes do corpo. Unidades da distensibilidade vascular. A distensibilidade vascular é expressa normalmente como o aumento fracional do volume para cada milímetro de mercúrio de elevação da pressão, de acordo com a seguinte fórmula: Distensibilidade vascular = Aumento do volume Aumento da pressão x Volume original Isto quer dizer que, se 1 mm Hg faz com que um vaso contendo originalmente 10 ml de sangue tenha seu volume aumentado de 1 ml, a distensibilidade seria de 0,1 por mm Hg ou 10% por mm Hg. Diferença da distensibilidade das artérias e veias. Anatomicamente falando, as paredes das artérias são bem mais fortes que as das veias. Como conseqüência, as veias são em média 6 a 10 vezes mais distensíveis que as artérias. Isto é, uma dada elevação da pressão faz com que cerca de 6 a 10 vezes mais sangue encham uma veia do que uma artéria de calibre comparável. Na circulação pulmonar, as veias são muito semelhantes às da circulação sistêmica. Entretanto, as artérias pulmonares, que operam normalmente sob pressões de aproximadamente um sexto da do sistema arterial sistêmico, têm cerca de metade da distensibilidade das veias, e não um oitavo como ocorre com as artérias sistêmicas. COMPLACÊNCIA (OU CAPACITÂNCIA)VASCULAR Geralmente é muito mais importante nos estudos hemodinâmicos saber-se a quantidade total de sangue que pode ser armazenada em determinada parte da circulação, do que se conhecer a distensibilidade dos vasos individuais. Este valor é denominado complacência ou capacitância do leito vascular respectivo. Ou seja, Aumento no volume Aumento na pressão Complacência e distensibilidade são bem diferentes. Um vaso altamente distensível que contém um volume muito pequeno pode ter complacência muito menor que a de um vaso muito menos distensível que contenha um volume muito grande, pois a complacência é igual a distensibilidade vezes o volume. A complacência de uma veia é cerca de 24 vezes maior que a da artéria correspondente, porque ela é 8 vezes mais distensível e seu volume é aproximadamente 3 vezes maior ( 8 x 3 = 24). CURVAS DE VOLUME-PRESSÃO DAS CIRCULAÇÕES ARTERIAL E VENOSA Um método conveniente para exprimir a relação entre a pressão e o volume em um vaso ou numa determinada parte da circulação é a chamada curva de volume-pressão (também denominada com freqüência curva de pressão-volume). As duas curvas contínuas da Fig. 15.1 representam, respectivamente, as curvas de volume-pressão dos sistemas arterial e venoso normais, mostrando que, quando o sistema arterial, incluindo as artérias maiores, as pequenas artérias e as arteríolas, contém aproximadamente 750 ml de sangue, a pressão arterial média é de 100 mm Hg, mas, quando ele contém apenas 500 ml, a pressão cai a zero. Em todo o sistema venoso, por outro lado, o volume de sangue é normalmente de cerca de 2.500 ml, sendo necessárias grandes alterações desse volume para alterar por apenas alguns Complacência vascular = 140 Fig. 15.1 Curvas de vol ume-pressão dos sistemas arterial e venoso sistêmicos, mostrando também os efeitos da estimulação e da inibição simpáticas. milímetros de mercúrio a pressão venosa. Efeito da estimulação simpática ou da inibição simpática sobre as relações volume-pressão dos sistemas arterial e venoso. Também são mostrados na Fig. 15.1 os efeitos da estimulação simpática e da inibição simpática sobre as curvas de volume-pressão. É evidente que o aumento do tônus do músculo liso vascular, ocasionado pela estimulação simpática, aumenta a pressão a cada volume das artérias ou veias, enquanto a inibição simpática diminui a pressão a cada volume. E evidente que o controle dos vasos por essa maneira é um meio valioso de reduzir as dimensões de um segmento da circulação, transferindo, assim, o sangue para outros segmentos. Um aumento do tônus vascular em toda a circulação sistêmica, por exemplo, causa freqüentemente o deslocamento de um grande volume de sangue para o coração, o que é uma forma importante de aumentar o bombeamento cardíaco. O controle simpático da capacidade vascular também é particularmente importante durante as hemorragias. O aumento do tônus simpático vascular, especialmente das veias, reduz as dimensões do sistema circulatório e a circulação continua a operar quase que normalmente, mesmo quando são perdidos até 25% do volume sanguíneo total. Fig. 15.2 Efeito sobre a pressão intravascular da injeção de pequeno volume de sangue venoso, ilustrando os princípios da complacência retardada. COMPLACÊNCIA RETARDADA (RELAXAMENTO POR ESTRESSE) DOS VASOS O termo "complacência retardada" indica que um vaso exposto a volume aumentado vai apresentar inicialmente grande aumento da pressão, mas a distensão retardada da parede do vaso possibilita que a pressão volte ao normal. Esse efeito é mostrado na Fig. 15.2. Nessa figura, a pressão está sendo registrada em pequeno segmento de uma veia ocluída em ambas as extremidades. Um volume extra de sangue é, então, subitamente injetado até que a pressão se eleve de 5 para 12 mm Hg. Ainda que não seja removida qualquer quantidade de sangue após sua injeção, a pressão começa, mesmo assim, a cair imediatamente, chegando à cerca de 9 mm Hg após alguns minutos. Em outras palavras, o volume de sangue injetado causou a imediata distensão elástica da veia mas, em seguida, as veias começaram a "arrastar-se" até maiores comprimentos e sua tensão diminuiu de forma correspondente. Esse efeito é característico de todo tecido muscular liso, sendo denominado relaxamento por estresse e explicado no Cap. 8. Após ter havido o aumento retardado na complacência no experimento ilustrado na Fig. 15.2, o volume extra de sangue foi removido de súbito e a pressão caiu imediatamente a um nível muito baixo. Em seguida, as fibras musculares lisas começaram a reajustar sua tensão de volta ao valor inicial e, após alguns minutos, a pressão vascular normal de 5 mm Hg foi restabelecida. A complacência retardada é um mecanismo útil pelo qual a circulação pode acomodar grande quantidade de sangue extra quando necessário, tal como após transfusão grande demais. Assim, a complacência retardada na direção inversa é uma das maneiras pelas quais a circulação ajusta-se automaticamente, num período de alguns minutos a horas, ã diminuição do volume sanguíneo após uma hemorragia grave. ASPULSAÇÕESDAPRESSÃOARTERIAL A cada batimento do coração, um novo jato de sangue enche as artérias. Se não fosse pela distensibilidade do sistema arterial, o fluxo sanguíneo pelos tecidos só ocorreria durante a sístole, não havendo fluxo sanguíneo durante a diástole. Felizmente, a combinação da distensibilidade das artérias com sua resistência reduz praticamente a zero as pulsações da pressão quando o sangue chega aos capilares; por esta razão, o fluxo sanguíneo tecidual quase não é afetado pela natureza pulsátil do bombeamento cardíaco. Um registro típico das pulsações da pressão na raiz da aorta é apresentado na Fig. 15.3. Fig. 15.3 Um contorno normal do pulso de pressão registrado na aorta ascendente. 141 Em adultos jovens normais, a pressão no pico máximo de cada pulso, a pressão sistólica, é de aproximadamente 120 mm Hg e, no ponto mais baixo, a pressão diastólica, de aproximadamente 80 mm Hg. A diferença entre essas duas pressões, de aproximadamente 40 mm Hg, é denominada pressão diferencial. Dois fatores principais afetam a pressão diferencial: (1) o débito sistólico do coração e (2) a complacência (distensibilidade total) da árvore arterial. Um terceiro fator, de importância menor, é a natureza da ejeção do coração durante a sístole. Em geral, quanto maior o débito sistólico, maior é a quantidade de sangue que tem de ser acomodada na árvore arterial a cada batimento cardíaco, sendo, portanto, maior a elevação e queda da pressão durante a sístole e a diástole, causando, assim, pressão diferencial maior. Por outro lado, quanto menor for a complacência do sistema arterial, maior vai ser a elevação da pressão para um dado volume sistólico de sangue bombeado para as artérias. Como é mostrado na curva do meio da Fig. 15.4, por exemplo, a pressão diferencial eleva-se, por vezes, até o dobro do normal na velhice, porque as artérias ficam endurecidas pela arteriosclerose e, portanto, não complacentes. De fato, então, a pressão diferencial é determinada aproximadamente pela proporção entre o débito sistólico e a complacência da árvore arterial. Por conseguinte, qualquer condição circulatória que afete qualquer um desses dois fatores também afeta a pressão diferencial. Contornos anormais da pressão diferencial Algumas condições circulatórias também produzem contornos anormais da onda de pressão diferencial, além de alterar essa pressão. São particularmente característicos entre estas condições a persistência do canal arterial e a regurgitação aórtica. Persistência do canal arterial. O canal arterial é uma artéria especial que leva sangue da artéria pulmonar para a aorta durante a vida fetal, de modo que o fluxo sanguíneo faz um curto circuito dos pulmões fetais inativos. Normalmente, ele se fecha algumas horas após o nascimento,mas, em algumas pessoas, o canal arterial persiste (fica aberto) indefinidamente. Após o nascimento, portanto, o sangue flui retrogradamente da aorta para a artéria pulmonar através do canal arterial aberto, possibilitando escoamento muito rápido do sangue da árvore arterial após cada batimento cardíaco e grande diminuição da pressão diastólica. No entanto , isto é compensado por débito sistólico muito acima do normal, porque o sangue que flui pelo canal arterial passa rapidamente pelos pulmões Fig. 15.4 Contornos do pulso de pressão na arteriosclerose, persistência do canal arterial e regurgitação aórtica moderada. pela segunda vez e entra novamente no coração esquerdo como um influxo extra de sangue. O coração esquerdo bate, pois, com força e volume extra e a pressão sistólica eleva-se muito acima do normal. Esses efeitos produzem o contorno da pressão diferencial mostrado pela curva inferior na Fig. 15.4. Observa-se aí elevação da pressão sistólica, grande baixa de pressão diastólica e grande aumento da pressão diferencial. Regurgitação aórtica. A regurgitação aórtica produz um contorno anormal da pressão diferencial semelhante ao da persistência do canal arterial, porém por razão diferente. Regurgitação significa fluxo retrógrado de sangue pela válvula aórtica devido ao não-fechamento dessa válvula. Isto decorre geralmente de cardiopatias que destroem a válvula, especialmente a febre reumática. Na regurgitação aórtica, grande parte do sangue que é bombeado para a aorta durante a sístole volta para o ventrículo esquerdo durante a diástole, produzindo, assim, baixa pressão diastólica. Entretanto, esse refluxo enche em demasia o ventrículo antes de seu batimento seguinte; o ventrículo bombeia, portanto, débito sistólico muito superior ao normal durante a sístole, o que causa pressão sistólica elevada. Assim, o contorno da pressão diferencial é muito semelhante ao da persistência do canal arterial (a curva inferior da Fig. 15.4), mas não idêntico, pois, na regurgitação aórtica, a válvula ocasionalmente deixa de fechar-se por completo. Quando isso ocorre, a incisura (a "chan-fradura" que ocorre na curva quando a válvula se fecha) está inteiramente ausente. O PULSO RADIAL Clinicamente, tem sido um hábito de muitos anos os médicos sentirem o pulso radial de cada paciente. Isto ê feito para se determinar à freqüência dos batimentos cardíacos ou, muitas vezes, devido ao contato psíquico que proporciona entre o médico e o paciente. Em certas circunstâncias, porém, a natureza do pulso também pode ser útil no diagnóstico das doenças circulatórias. Pulso fraco. Um pulso fraco na artéria radial indica geralmente (1) grande diminuição da pressão diferencial central, tal como ocorre quando o débito sistólico é baixo ou (2) maior "amortecimento" da onda de pulso causada por espasmos vasculares; estes ocorrem quando o sistema nervoso simpático fica excessivamente ativo após perda de sangue ou quando a pessoa apresenta calafrios. Pulso paradoxal. Ocasionalmente, o pulso torna-se forte, depois fraco, e, em seguida, forte, isso ocorrendo em sincronia com as fases da respiração. Isso é causado pelo aumento e diminuição alternados do débito cardíaco a cada respiração. Durante a inspiração, todos os vasos sanguíneos dos pulmões aumentam de tamanho devido à maior pressão negativa do tórax. Por esta razão, o sangue acumula-se nos pulmões e o débito sistólico e a força do pulso diminuem. Durante a expiração, ocorrem os efeitos inversos. Esse é um fenômeno normal em todas as pessoas, mas torna-se extremamente diferente em algumas condições, tais como a respiração muito profunda ou no tamponamento cardíaco (compressão externa do coração por líquido no saco pericárdico ou por constrição do pericárdio). Déficit de pulso. O ritmo do coração é muito irregular na fibrilação atrial ou no caso de batimentos cardíacos prematuros- Nessas arritmias, que são discutidas no Cap. 13, dois batimentos do coração vêm freqüentemente tão próximos um do outro que o segundo batimento não bombeia sangue algum ou bombeia pouco sangue, porque o ventrículo tem muito pouco tempo para encher-se entre os batimentos. Nessa circunstância, pode-se ouvir o segundo batimento do coração por meio de estetoscópio aplicado diretamente sobre o coração, mas não se pode sentir o pulso na artéria radial, um efeito denominado déficit de pulso. Quanto maior è o déficit de pulso a cada minuto, mais grave é a arritmia, em condições normais. TRANSMISSÃO DE PULSOS DE PRESSÃO PARA AS ARTÉRIAS PERIFÉRICAS Quando o coração ejeta sangue na aorta durante a sístole, inicialmente apenas a parte proximal da aorta fica distendida, porque a inércia do sangue impede o movimento súbito por todo o trajeto até a periferia. Entretanto, a pressão crescente na aorta central supera rapidamente essa inércia, e a crista da onda de distensão progride mais e mais pela aorta, como é ilustrado na 142 Fig. 15.5 Estágios progressivos na transmissão do pulso de pressão ao longo da aorta. Fig. 15.5. Isso é denominado transmissão do pulso de pressão nas artérias. A velocidade de transmissão do pulso de pressão na aorta normal é de 3 a 5 metros por segundo, nos grandes ramos arteriais, de 7 a 10 m/s, e nas pequenas artérias, de 15 a 35 m/s. Em geral, quanto maior a complacência de cada segmento vascular, menor é a velocidade, o que explica a transmissão lenta na aorta e a transmissão muito mais rápida nas pequenas artérias distais, com complacência muito menor. Deve-se também reconhecer que a velocidade de transmissão do pulso de pressão é 15 ou mais vezes maior que a velocidade de fluxo sanguíneo na aorta, pois o pulso de pressão é simplesmente uma onda móvel de pressão que envolve muito pouco movimento para diante do volume sanguíneo. Amortecimento dos pulsos de pressão nas artérias menores, arteríolas e capilares. A Fig. 15.6 mostra alterações típicas no contorno do pulso de pressão à medida que ele se dirige para os vasos periféricos. Observe, especialmente nas três curvas inferiores, que a intensidade da pulsação torna-se progressivamente menor nas artérias menores, arteríolas e especialmente nos capilares. De fato, apenas quando as pulsações aórticas são extremamente grandes ou quando as arteríolas estão muito dilatadas é que podem vir a ser observadas pulsações nos capilares. Essa diminuição progressiva das pulsações na periferia é denominada amortecimento dos pulsos de pressão. São duas as causas disso: (1) a resistência ao movimento do sangue nos vasos e (2) a complacência dos vasos. A resistência amortece as pulsações porque pequena quantidade de sangue tem de fluir adiante na crista da onda de pressão, para distender o segmento seguinte do vaso; quanto maior a resistência, mais dificilmente isto ocorre. A complacência amortece as pulsações porque, quanto maior a complacência do vaso, maior tem de ser o fluxo sanguíneo na crista da onda de pressão para causar a elevação da pressão. Por esta razão, de fato, o grau de amortecimento é quase direta-mente proporcional ao produto da resistência pela complacência. Aumento na intensidade de alguns pulsos periféricos causado por ondas de pulso refletidas. Observe cuidadosamente a segunda curva da Fig. 15.6, que mostra o contorno da pressão diferencial na artéria femoral. Observe que a pressão sistólica é ligeiramente maior nessa artéria periférica que na origem da aorta e a pressão diastólica é nitidamente inferior à pressão diastólica na origem da aorta. Além disso, o contorno está consideravelmente alterado, mostrando ondas secundárias muito aumentadas após o pico inicial. Todos esses efeitos são causados pela reflexão da onda de pulso a partir de pontos distais na árvore arterial, tal como a partir das pernas no local em que as artérias se estreitam e de interseções nas quais as artérias laterais deixam a árvore aórtica central. Essas reflexões são análogas ao retorno dasondas do mar em costa agudamente inclinada. Fig. 15.6 Alterações no contorno da pressão diferencia! quando a onda de pulso se dirige para os vasos menores. Após chegar à costa, a onda se inverte e rola de volta (é refletida) para o mar; aí encontra novas ondas que vêm quebrar, e o impacto das ondas menores em direção oposta causa grandes ondas que se elevam com características bizarras - exatamente o mesmo que ocorre na artéria femoral. MÉTODOS CLÍNICOS PARA A MEDIDA DAS PRESSÕES SISTÓUCAS E DIASTÓLICAS Evidentemente, é impossível empregar-se os diversos aparelhos para o registro de pressão que requerem a inserção de agulha na artéria, como foi descrito antes neste capítulo, para fazer medidas rotineiras da pressão em seres humanos, embora sejam utilizados ocasionalmente, quando são necessários estudos especiais. Em lugar disso, o clínico determina as pressões sistólica e diastólica por meios indiretos, mais comumente pelo método de ausculta. O método de ausculta. A Fig. 15.7 mostra o método de ausculta para a determinação das pressões arteriais sistólica e diastólica. Um estetoscópio é colocado sobre a artéria antecubital, enquanto um manguito de pressão sanguínea é inflado em torno da parte superior do braço. Enquanto o manguito comprime o braço com pressão tão pequena que a artéria permanece distendida pelo sangue não é ouvido absolutamente qualquer som pelo estetoscópio, apesar do sangue estar pulsando no interior da artéria. Quando a pressão no manguito é suficientemente grande para fechar a artéria durante parte do ciclo de pressão arterial, ouve-se, então, um som a cada pulsação. Esses sons são denominados sons de Korotkoff. A causa exata dos sons de Korotkoff ainda é discutida, mas eles são supostamente causados pelo sangue jorrando em jatos pelo vaso parcialmente ocluído. Esses jatos causam turbulências no vaso alem do manguito, e isto produz as vibrações ouvidas por meio do estetoscópio. Na determinação da pressão sanguínea pelo método de ausculta, a pressão no manguito é inicialmente elevada bem acima da pressão arterial sistólica. Enquanto esta pressão está acima da pressão sistólica. 143 _ Fig. 15.8 Alterações nas pressões arteriais sistólica, diastólica e média com a idade. As áreas sombreadas mostram a faixa normal de variação. Fig. 15.7 O método de ausculta para a medida das pressões sistólicas e diaslólica. a artéria braquial permanece colapsada e absolutamente nenhum sangue flui para a parte inferior da artéria durante qualquer parte do ciclo de pressão. Não são, pois, ouvidos sons de Korotkoff na parte inferior da artéria. Em seguida, a pressão do manguito é gradativamente reduzida. Assim que a pressão no manguito cai abaixo da pressão sistólica, o sangue passa pela artéria sob o manguito durante o pico de pressão sistólica e começa-se a ouvir sons de batidas na artéria antecubital em sincronia com os batimentos cardíacos. Logo que esses sons são ouvidos, o nível de pressão indicado pelo manômetro ligado ao manguito é aproximadamente igual à pressão sistólica. Quando a pressão no manguito cai ainda mais, os sons de Korotkoff sofrem alterações em sua natureza, apresentando grau menor do som de batidas c grau maior de som rítmico mais áspero. Finalmente, quando a pressão no manguito cai a um nível equivalente à pressão diastólica, a artéria não mais se fecha durante a diástole, o que indica que o fator básico produtor dos sons (a passagem do sangue em jatos por uma artéria comprimida) não está mais presente. Assim, os sons adquirem subitamente uma qualidade amortecida e, em geral, desaparecem totalmente após uma queda de mais 5 a 10 mm Hg na pressão do manguito. Nota-se a pressão no manômetro quando os sons de Korotkoff são amortecidos, e essa pressão é aproximadamente igual à pressão diastólica. O método de ausculta para a determinação das pressões sistólica e diastólica não é totalmente exato, mas geralmente produz valores dentro de 10% dos determinados pela medida direta nas artérias. Método oscilométrico para a estimativa da pressão arterial. A pressão arterial também pode ser estimada pelo registro da pulsação na região inferior do braço por um oscilômetroo enquanto um manguito é inflado sobre a região superior do braço. O oscilômetro é composto de um aparelho que pode registrar pulsações no manguito de pressão ligeiramente inflado em torno do antebraço. A importância deste método é que muitos dos aparelhos automáticos de registro da pressão sanguínea empregam esse princípio. Pressões arteriais normais medidas pelo método de ausculta. A Fig. 15.8 mostra as faixas normais de variação das pressões sistólica e diastólica cm diferentes idades. O aumento progressivo da pressão com a idade decorre dos efeitos do envelhecimento sobre os mecanismos de controle da pressão em longo prazo. Vemos no Cap. 19 que os rins são os principais responsáveis por essa regularização da pressão arterial em longo prazo; é bem sabido que os rins de fato apresentam alterações nítidas com a idade, especialmente após os 50 anos. A elevação excepcional da pressão sistólica após os 60 anos de idade decorre do endurecimento das artérias, que é ele próprio uma conseqüência terminal da aterosclerose. Isto causa pressão sistólica elevada e também aumento considerável na pressão diferencial. A pressão arterial média. A pressão arterial média é a média de todas as pressões medidas milissegundo a milissegundo por certo período. Ela não é igual à média das pressões sistólica e diastólica, porque a pressão permanece mais perto da pressão diastólica que da sistólica durante a maior parte do ciclo cardíaco. Por esta razão, a pressão arterial média é determinada cerca de 60% pela pressão diastólica e 40% pela pressão sistólica. Veja na Fig. 15.8 que a pressão média em todas as idades está mais próxima da pressão diastólica que da sistólica, especialmente nas idades mais avançadas. AS VEIAS E SUAS FUNÇÕES Durante anos, as veias foram consideradas como não sendo nada mais que vias de passagem do fluxo sanguíneo até o coração, mas rapidamente vem se tornando evidente que elas executam muitas funções necessárias para a operação da circulação. São aspectos particularmente importantes sua capacidade de contrair- se e dilatar-se, de armazenar grandes quantidades de sangue e tornar este sangue disponível quando for necessário ao restante da circulação, de impelir de fato o sangue adiante por meio da denominada bomba venosa e, até mesmo, de ajudar a regular o débito cardíaco, função extremamente importante que é descrita no Cap. 20. PRESSÕES VENOSAS - PRESSÃO ATRIAL DIREITA (PRESSÃO VENOSA CENTRAL) E PRESSÕES PERIFÉRICAS Para compreender as diversas funções das veias, é necessário primeiro conhecer algo a respeito das pressões nas veias e como elas são reguladas. O sangue de todas as veias sistêmicas flui para o átrio direito e, por esta razão, a pressão no átrio direito é freqüentemente denominada pressão venosa central. Evidentemente, qualquer coisa que afete a pressão atrial direita em geral afeta a pressão venosa em todo o corpo. A pressão atrial direita é regulada pelo equilíbrio entre a capacidade do coração para bombear sangue para fora do átrio direito e, segundo, pela tendência do sangue a fluir dos vasos periféricos de volta ao átrio direito. Quando o coração está bombeando fortemente, a pressão atrial direita tende a diminuir. Por outro lado, o enfraquecimento do coração tende a elevar a pressão atrial direita. Assim, qualquer efeito que cause influxo rápido de sangue das veias para o átrio direito tende a elevar a pressão atrial direita. Alguns dos fatores que aumentam essa tendência ao retorno venoso (e também tendem a aumentar a pressão atrial direita) são (1) aumento do volume sanguíneo, (2) aumento do tônus dos grandes vasos em todo o corpo, com o conseqüente aumento das pressões venosas periféricas, e (3) dilatação das arteríolas,que diminui a resistência periférica e possibilita o fluxo rápido do sangue das artérias para as veias. 144 Os mesmos fatores que regulam a pressão atrial direita também participam da regulação do débito cardíaco, pois a quantidade de sangue bombeada pelo coração depende tanto da capacidade de bombeamento do coração como da tendência do sangue a fluir dos vasos periféricos para o coração. Por esta razão, discutimos a regulação da pressão atrial direita com maior profundidade no Cap. 20, em conexão com a regulação do débito cardíaco. A pressão atrial direita normal é de cerca de 0 mm Hg, aproximadamente igual à pressão atmosférica em torno do corpo. Ela pode, porém, elevar-se até 20 a 30 mm Hg em condições muito anormais, tais como (1) grave insuficiência cardíaca ou (2) após transfusão maciça de sangue, que faz com que quantidade excessiva de sangue tenda a fluir dos vasos periféricos para o coração. O limite inferior da pressão atrial direita é geralmente de cerca de - 3 a -5 mm Hg, que é a pressão na cavidade torácica que circunda o coração. A pressão atrial direita aproxima-se desses valores muito baixos quando o coração bombeia de forma excepcionalmente vigorosa ou quando o fluxo sanguíneo dos vasos periféricos para o coração fica muito diminuído, tal como após hemorragia grave. Resistência venosa e pressão venosa periférica As grandes veias quase não apresentam resistência quando estão distendidas. Entretanto, como é mostrado na Fig. 15.9, muitas das grandes veias que entram no tórax são comprimidas em muitos pontos pelos tecidos circunvizinhos, de modo que o fluxo sanguíneo fica prejudicado. As veias dos braços, por exemplo, são comprimidas por sua angulação aguda por sobre a primeira costela. Segundo, a pressão no pescoço freqüentemente cai a nível tão baixo que a pressão atmosférica do lado de fora do pescoço faz com que elas colapsem. Por fim, as veias que atravessam o abdome são freqüentemente comprimidas por órgãos diferentes e pela pressão intra- abdominal, de modo que se encontram em geral pelo menos parcialmente colapsadas a um estado ovóide ou estreitado como uma fenda. Por essas razões, as grandes veias geralmente oferecem considerável resistência ao fluxo sanguíneo e, devido a isto, a pressão nas veias periféricas é em geral 4 a 7 mm Hg maior que a pressão atrial direita. Efeito da pressão atrial direita elevada sobre a pressão venosa periférica. Quando a pressão atrial direita se eleva acima de seu valor normal de 0 mm Hg, o sangue começa a refluir para as grandes veias e a distendê-las. A pressão nas veias periféricas não se eleva senão após todos os pontos colapsados entre as veias periféricas e as grandes veias terem sido abertos. Fig. 15.9 Fatores tendendo a colapsar as veias que entram no tórax. Isto ocorre, geralmente, quando a pressão atrial direita se eleva a aproximadamente + 4 a 6 mm Hg. Quando a pressão atrial direita se eleva ainda mais, o aumento adicional dessa pressão é refletido, então, por elevação correspondente da pressão venosa periférica. Como o coração tem de estar muito enfraquecido para ocasionar elevação da pressão atrial direita até 4 a 6 mm Hg, verifica-se com freqüência que a pressão venosa periférica não está elevada nas fases iniciais da insuficiência cardíaca. Efeito da pressão abdominal sobre as pressões venosas da perna. A pressão normal na cavidade peritoneal é de cerca de 2 mm Hg, em média, mas, por vezes, ela pode elevar-se até 15 a 20 mm Hg, como conseqüência de gravidez, grandes tumores ou acúmulo excessivo de líquido (denominado "ascite") na cavidade peritoneal. Quando isso acontece, a pressão nas veias das pernas tem de elevar-se acima da pressão abdominal antes que as veias abdominais se distendam e deixem o sangue fluir das pernas para o coração. Assim, se a pressão intra- abdominal for de 20 mm Hg, a mais baixa pressão possível nas veias femorais é de 20 mm Hg. Efeito da pressão "hidrostática" sobre a pressão venosa Em qualquer volume de água, a pressão na sua superfície é igual à pressão atmosférica, mas a pressão sobe 1 mm Hg para cada 13,6 mm de distância abaixo da superfície. Essa pressão Fig. 15.10 Efeito da pressão hidrostática sobre as pressões venosas em todo o corpo. 145 decorre do peso da água e é, portanto, denominada pressão hidrostática. A pressão hidrostática também ocorre no sistema vascular dos seres humanos, devido ao peso do sangue nos vasos, como é mostrado na Fig. 15.10. Quando uma pessoa está de pé, a pressão no átrio direito permanece em aproximadamente 0 mm Hg porque o coração bombeia para as artérias qualquer sangue em excesso que tenda a se acumular nesse ponto. Entretanto, no adulto que está de pé absolutamente imóvel, a pressão nas veias dos pés é de aproximadamente + 90 mm Hg, simplesmente devido ao peso do sangue nas veias entre o coração e os pés. As pressões venosas em outros níveis do corpo situam-se proporcionalmente entre 0 e 90 mm Hg. Nas veias dos braços, a pressão ao nível da costela mais superior é geralmente de cerca de + 6 mm Hg, devido à compressão da veia subclávia em sua passagem por sobre essa costela. A pressão hidrostática ao longo do braço é, então, determinada pela distância abaixo do nível dessa costela. Assim, se a diferença hidrostática entre o nível da costela e a mão é de 29 mm Hg, essa pressão hidrostática é somada aos 6 mm Hg de pressão causados pela compressão da veia ao passar pela costela, dando o total de 35 mm Hg de pressão nas veias da mão. As veias do pescoço colapsam quase que totalmente em todo o trajeto até o crânio, devido ã pressão atmosférica do lado de fora do pescoço. Esse colapso faz a pressão nessas veias permanecer nula em toda sua extensão. A razão disso é que qualquer tendência da pressão a elevar-se acima desse nível abre as veias e possibilita que a pressão caia novamente a zero, e qualquer tendência da pressão a cair abaixo desse nível colapsa ainda mais as veias, o que aumenta sua resistência e, novamente, faz a pressão retornar a zero. As veias dentro do crânio, porém, estão numa câmara não colapsável, e não colapsam. Por conseguinte, podem existir pressões negativas nos seios durais da cabeça; na posição ereta, a pressão venosa no seio sagital é de aproximadamente -10 mm Hg, devido à sucção "hidrostática" entre a parte superior do crânio e sua base. Assim sendo, caso o seio sagital seja aberto durante uma cirurgia, o ar pode ser imediatamente sugado para dentro da veia; ele pode até mesmo descer e ocasionar embolia gasosa no coração, de modo que as válvulas cardíacas não funcionam satisfatoriamente e pode sobrevir a morte. Efeito da pressão hidrostática sobre a pressão arterial e outras pressões. O fator hidrostático também afeta as pressões periféricas nas artérias e capilares, assim como nas veias. Por exemplo, uma pessoa de pé que tem pressão arterial de 100 mm Hg ao nível do coração tem pressão arterial de cerca de 190 mm Hg nos pés. Portanto, sempre que se diz que a pressão arterial é de 100 mm Hg isso significa, geralmente, que esta é a pressão ao nível hidrostático do coração. Válvulas venosas, a "bomba venosa" e a pressão venosa Se não fosse pelas válvulas das veias o efeito da pressão hidrostática faria a pressão venosa nos pés ficar sempre em torno de +90 mm Hg no adulto em pé. Entretanto, a cada vez que se move as pernas, retesa-se os músculos e comprime-se as veias contra os músculos ou adjacentes a eles, e isto lança o sangue para adiante nas veias. As válvulas das veias, ilustradas na Fig. 15.11, são dispostas de tal forma que a direção do fluxo sanguíneo só pode ser no sentido do coração. Como conseqüência, a cada vez que a pessoa movimenta as pernas, ou até mesmo retesa os músculos, certa quantidade de sangue é impelida em direção ao coração e a pressão nas veias diminui. Esse sistema de bombeamento é conhecido como a "bomba venosa" ou a "bomba muscular",sendo eficiente o bastante para que, em circunstâncias normais, a pressão nos pés de um adulto andando permaneça abaixo de 25 mm Hg. Fig. 15.11 As válvulas venosas da perna. Caso o indivíduo permaneça perfeitamente imóvel, a bomba venosa não funciona e as pressões venosas na parte inferior das pernas elevam-se, em aproximadamente 30 s, até o valor hidrostático integral de 90 mm Hg. As pressões nos capilares também aumentam muito, ocasionando o vazamento de líquido do sistema circulatório para os espaços teciduais. Como conseqüência, as pernas incham e o volume sanguíneo diminui. Na verdade, até 15 a 20% do volume sanguíneo são freqüentemente perdidos pelo sistema circulatório dentro dos 15 minutos em que se permanece de pé absolutamente imóvel, como ocorre freqüentemente quando um soldado é obrigado a ficar na posição de sentido. Incompetência das válvulas venosas e veias varicosas. As válvulas do sistema venoso freqüentemente tornam-se "incompetentes" ou, por vezes, são até destruídas. Isto ocorre particularmente quando as veias foram distendidas em excesso por pressão venosa excessiva durando semanas ou meses, como ocorre na gravidez ou quando se fica de pé a maior parte do tempo. A distensão das veias aumenta sua área de seção transversa, mas as válvulas não aumentam de tamanho. Por esta razão, a válvulas das veias não mais se fecham totalmente. Quando isso ocorre, a pressão nas veias das pernas aumenta ainda mais devido à insuficiência da bomba venosa; isso aumenta mais ainda o tamanho das veias e acaba por destruir por completo a função das válvulas. A pessoa passa, então, a apresentar as "veias varicosas", que se caracterizam por grandes protrusões bulbosas das veias por sob a pele de toda a perna, sobretudo de sua parte inferior. As pressões venosas e capilares ficam muito elevadas e o vazamento de líquido dos capilares causa edema constante nas pernas sempre que essas pessoas ficam de pé por mais que alguns minutos. O edema, por sua vez, impede a difusão adequada de materiais nutricionais dos capilares para as células musculares e cutâneas, de modo que os músculos ficam doloridos e fracos e a pele fica muitas vezes gangrenada e ulcerada. Evidentemente, o melhor tratamento para essa condição é a elevação contínua das pernas a um nível pelo menos tão alto quanto o do coração, mas meias apertadas nas pernas também representam auxílio considerável na prevenção do edema e de suas seqüelas. Estimativa clínica da pressão venosa. A pressão venosa pode ser freqüentemente estimada pela simples observação do grau de distenção das veias periféricas - especialmente as veias do pescoço. Na posição sentada, por exemplo, as veias do pescoço nunca ficam distendidas em pessoas normais. Porém, quando a pressão atrial aumenta até 10 mm Hg, as veias inferiores do pescoço começam a fazer protrusão e, a 15 mm Hg, praticamente todas as veias do pescoço ficam distendidas. 146 Medida direta da pressão venosa e da pressão atrial direita. A pressão venosa pode ser facilmente medida pela inserção da agulha de uma seringa diretamente na veia, ligando-a a um aparelho de registro de pressão. O único meio pelo qual a pressão atrial direita pode ser medida com precisão é pela inserção de um cateter pelas veias até o átrio direito. Pressões medidas por esses "cateteres venosos centrais" são utilizadas quase que de rotina em pacientes cardíacos hospitalizados, para permitir avaliação constante da capacidade de bombeamento do coração. Nível de referência da pressão para a medida da pressão venosa e outras pressões circulatórias Nas discussões até este ponto, falamos freqüentemente da pressão atrial direita como sendo de 0 mm Hg e da pressão arterial como sendo de 100 mm Hg, mas não dissemos qual o nível hidrostático do sistema circulatório ao qual se referem essas pressões. Há um ponto no sistema circulatório em que os fatores da pressão hidrostática causados por alterações na posição corporal geralmente não afetam a medida da pressão em mais de 1 mm Hg. Este é o nível da válvula tricúspide, como é mostrado pelos eixos cruzados na Fig. 15.12. Portanto, todas as medidas da pressão discutidas neste texto referem-se a esse nível, que é denominado nível de referência para a medida da pressão. A razão dessa ausência de efeitos hidrostáticos na válvula tricúspide é que o coração impede automaticamente alterações hidrostáticas significativas da pressão nesse ponto, como se segue. Quando a pressão na válvula tricúspide se eleva ligeiramente acima do normal, o ventrículo direito enche-se mais do que o habitual, fazendo o coração bombear sangue mais rapidamente, trazendo, portanto, a pressão na válvula tricúspide de volta ao valor médio normal. Por outro lado, quando a pressão cai, o ventrículo direito não se enche adequadamente, seu bombeamento diminui e o sangue se acumula no sistema venoso até a pressão tricúspide subir novamente até o valor normal. Em outras palavras, o coração age como um regulador por feedback da pressão na válvula tricúspide. Quando um indivíduo está deitado de costas, a válvula tricúspide está localizada a quase 60% da espessura torácica adiante das costas. Este é, pois, o nível zero de referência da pressão. FUNÇÃO DE RESERVATÓRIO DE SANGUE DAS VEIAS Foi dito no capítulo anterior que mais de 60% de todo o sangue no sistema circulatório estão nas veias. Por esta razão. e também por serem as veias tão complacentes, diz-se frequen- temente que o sistema venoso serve como reservatório de sangue para a circulação. Quando há perda de sangue pelo corpo e a pressão arterial começa a cair, reflexos de pressão são evocados pelos seios carotídeos e outras áreas da circulação sensíveis à pressão, como é discutido no Cap. 18; esses reflexos, por sua vez, enviam sinais nervosos simpáticos para as veias, fazendo-as contraírem-se, e isto tira grande parte da folga da circulação causada pela perda de sangue. De fato, mesmo após até 20% do volume sanguíneo terem sido perdidos, o sistema circulatório funciona, muitas vezes, quase que normalmente devido a esse sistema de reservatório variável das veias. Reservatórios sanguíneos específicos. Certas partes do sistema circulatório são tão amplas e tão complacentes que são denominadas reservatórios sanguíneos específicos. Elas incluem (1) o baço, que pode, por vezes, diminuir suficientemente de tamanho para liberar até 100 ml de sangue em outras áreas da circulação; (2) o fígado, cujos sinusóides podem liberar várias centenas de mililitros de sangue para o restante da circulação; (3) as grandes veias abdominais, que podem contribuir com até 300 ml; e (4) o plexo venoso por sob a pele, que também pode contribuir com várias centenas de mililitros. O coração e os,pulmões, embora não façam parte, do sistema de reservatório venoso sistêmico, também devem ser considerados como reservatórios de sangue. O coração, por exemplo, tem seu tamanho reduzido durante a estimulação simpática, podendo, deste modo, contribuir com cerca de 50 a 100 ml de sangue, e os pulmões podem contribuir com outros 100 a 200 ml quando as pressões pulmonares caem a um valor baixo. O baço como reservatório para o armazenamento de hemácias. A Fig. 15.13 mostra que o baço^tem duas áreas distintas para armazenar sangue: os seios venosos e a polpa. Pequenos vasos fluem diretamente para os seios venosos e eles podem dilatar-se tanto quanto qualquer outra parte do sistema venoso e armazenar sangue total. Na polpa esplênica, os capilares são tão permeáveis que o sangue total vaza pelas paredes capilares até a rede trabecular que forma a polpa vermelha. As hemácias ficam presas nas trabéculas, enquanto o plasma retorna aos seios venosos e, daí, à circulação geral. Como conseqüência, a polpa vermelha da polpa esplênica é um reservatório especial contendo grande quantidade adicional de hemácias que são expelidas para a circulação geral quando o
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