Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FLEXIBILIZAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO ÍNDICE 1. Considerações Gerais 1.1. Histórico do Direito do Trabalho no Brasil e no Mundo 1.2. Conceito de Flexibilização das Leis Trabalhistas 1.3. Espécies de Flexibilização 1.4. Estrutura Organizacional Sindical Brasileira 1.5. Formas de Negociação Coletiva: Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho 2. Princípio da Proteção e o Poder de Direção do Empregador 3. Poder de Direção do Empregador e Limitações de Origem Contratual 4. Fatores Determinantes do Movimento de Flexibilização das Leis Trabalhistas 4.1. Fatores de ordem filosófica 4.2. Fatores de ordem econômica 4.3. Fatores de ordem jurídica 5. Flexibilização x Desregulamentação 6. Argumentos Favoráveis e Contrários à Flexibilização 6.1. Argumentos Favoráveis 6.2. Argumentos Contrários 7. Proposta de Flexibilização ao artigo 618 da Consolidação das Leis do Trabalho 8. Limites Legais da Flexibilização 9. Posição atual do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo – Jurisprudências interessantes sobre Flexibilização das Leis do Trabalho 10. Bibliografia 1 – CONSIDERAÇÕES GERAIS 1.1 – Histórico do Direito do Trabalho no Brasil e no Mundo Durante o desenvolvimento do capitalismo industrial, caracterizado pelo crescimento da produção, pelo êxodo rural e pela concentração da população nas áreas urbanas, verificou-se uma verdadeira luta do trabalhador pela sobrevivência. Destacamos, como características marcantes desta época a extensa jornada de trabalho, que era realizada entre 12, 14 ou até mesmo 16 horas diárias; os baixos salários; o despreparo dos trabalhadores na condução e manutenção das máquinas; a inexistência de intervalos para alimentação e descanso, além da utilização, em massa, da mão-de-obra infantil e feminina para trabalhos pesados. A precariedade das condições de trabalho durante o desenvolvimento do processo industrial assumiu aspectos graves, uma vez que oferecia inúmeros riscos à saúde e à integridade física do trabalhador. Não só os acidentes do trabalho se sucediam, mas também as enfermidades típicas ou agravadas pelo ambiente profissional. O pensamento econômico da época foi marcado pelo liberalismo, tendo por concepção fundamental a de uma sociedade política instituída pelo consentimento dos homens que viviam em estado de natureza e na qual cada um, sob a direção da vontade geral, vive em liberdade e igualdade e com a garantia da propriedade de tudo o que possui. O governo é um simples intermediário entre o povo e a vontade geral, à qual lhe cabe dar cumprimento, com um mínimo de interferência e com o máximo de empenho, no sentido de assegurar a liberdade civil e política. No plano político há a predominância da tutela dos direitos civis, e a esfera econômica parte de um pressuposto de existência de uma ordem econômica natural e que se forma espontaneamente, independendo da atuação do Estado, que, assim, deve omitir-se, deixar fazer. O liberalismo político, econômico e jurídico, inspirado nos princípios consagrados pela Revolução Francesa de 1789, não favoreceu o direito do trabalho. Isso porque havia a idéia da liberdade absoluta do homem em busca de seu próprio interesse, sem a interferência do Estado. Na França, por exemplo, foi verificada uma reação severa contra as corporações de ofício, a primeira forma de organização dos trabalhadores, com a edição da Lei Chapelier, a qual declarou: “1) A eliminação de toda espécie de corporação de cidadãos do mesmo estado ou profissão é uma das bases essenciais da Constituição Francesa, ficando proibido o seu restabelecimento sob qualquer pretexto e sob qualquer forma; 2) os cidadãos do mesmo estado social ou profissão, os obreiros e companheiros de uma arte qualquer, não poderão, quando se reunirem, designar presidente, secretário ou síndico, lavrar registros, tomar resoluções, sancionar regulamentações sobre seus pretensos direitos comuns; 3) fica proibido a todas as corporações administrativas ou municipais receber qualquer solicitação ou petição sob o nome de um estado social ou profissão, nem poderão responde-la; estão obrigadas a declarar nulas as resoluções que forem tomadas”. Entretanto, as lastimáveis condições de trabalho conduziam cada vez mais à organização dos trabalhadores no intuito de pressionar a criação de leis que permitissem a dignidade do trabalhador em seu ofício. As origens do sindicalismo são encontradas na Inglaterra. Os mais antigos sindicatos eram constituídos de pequenos clubes locais cujo principal objetivo era assegurar a vigência de leis trabalhistas. Entretanto, o movimento era obstado pela proibição de associações e reuniões, advindas da Lei Chapelier. O sindicalismo era um movimento clandestino e marginal. Frente à amplitude do movimento de organização da classe operária, é preciso encontrar novas soluções. Inicia-se, então, um movimento complexo, no qual o Estado aparece como ator estratégico. Os conflitos entre trabalhadores e empregadores eram, até então, regulados localmente. O patrão era livre para escolher as soluções que quisesse e, quando apelava para a polícia ou para o exército, para reprimir uma greve, o representante do Estado agia em nome, unicamente, do atentado à propriedade privada. Entretanto, o desenvolvimento do movimento operário conduziu a greves mais amplas, onde o Estado é depositário de uma missão mais importante. O Estado é chamado a intervir cada vez mais freqüentemente. Por outro lado, a organização dos operários confere, ao movimento de revolta contra as condições precárias de trabalho, uma força que pode derrotar o poder do empregador isolado. O Estado torna-se árbitro necessário. Nasce o intervencionismo. O Estado passou a tomar posição chave na economia, desenvolvendo um plano de ação que compreendia uma nova posição perante as relações sociais. O direito do trabalho nasceu também e paralelamente como expressão do intervencionismo do Estado. O reconhecimento oficial dos sindicatos, na Inglaterra, deu-se em 1871, com a Lei dos Sindicatos, que revogou a Lei Chapelier. O Estado intervencionista concretiza-se a partir de 1938 com a doutrina neoliberalista. O intervencionismo se manifestou de inúmeras formas, por vezes até de modo extremado, com sistemas políticos de ditaduras, tanto as de esquerda, como se verificou com o comunismo/socialismo, com bases no Leste Europeu, e o corporativismo/nazismo, em especial, na Itália/Alemanha. A intervenção estatal se verifica nos diversos setores produtivos, criando uma estrutura de proteção dos trabalhadores com relação aos detentores dos meios de produção. Esse Estado, cria, então, uma legislação trabalhista de direito privado para fazer frente ao movimento histórico que tinha o fordismo como padrão sócio-econômico da época. O Estado que se denominava somente como Estado de Direito começa a ser caracterizado como Estado Social de Direito. Na antiga estrutura liberal a ordem social se fazia por um número reduzido de leis que possuem caráter geral, indicando a predominância do contrato, da autonomia da vontade. Por sua vez, no Estado Social de Direito, o que predomina é o estatuto do trabalhador. A legislação industrial passou a ganhar corpo e, gradativamente, transformou-se em direito operário. As novas relações jurídicas que se estabeleciam entre o trabalhador e empregador não se confinavam mais à indústria. Era necessário um direito de outra amplitude. Rapidamente houve a institucionalização do direito do trabalho, moldado pelo ideal da época que era a realização da justiça social. No Brasil, por exemplo,o direito do trabalho foi inserido nas Constituições modernas de 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 e contemporânea de 1988. Consistente e autônomo, o direito do trabalho se impôs na ciência jurídica como o ramo que tende à realização da justiça social, por meio de um conjunto de medidas que visam à distribuição de riquezas e à melhor organização da convivência do homem, inserindo a atividade profissional em um conceito que participa da dignidade pessoal e da libertação do ser humano. O fenômeno de globalização, vivido nos dias atuais, foi criado pelos avanços tecnológicos que permitiram condições para expansão do capital e nada mais é do que a reestruturação do capitalismo para manter e ampliar sua influência no mundo. Atualmente, a produção econômica extrapola as fronteiras nacionais criando uma liberalização dos mercados, o que gera nas pessoas a necessidade de consumo. Essa oxigenação na economia capitalista desenvolvida pelo processo da globalização cria condições para a procura e estabelecimento em novos mercados consumidores, como também locais em que possa desenvolver a produção com mão-de-obra mais barata e exploração de matérias primas mais abundantes, com a finalidade de serem auferidos maiores lucros. Nesse contexto, é intensificada a competitividade entre empresas de diferentes países. Essa competitividade intensificou-se com as maiores facilidades proporcionadas pela velocidade e agilidade das comunicações e comércio, provocando uma concorrência ainda maior, o que levou a iniciativas com a finalidade de reduzir custos da produção, dentre os quais o número de empregados, os salários, as formas de contratação e a jornada de trabalho, o que se refletiu no âmbito do direito laboral. A conjuntura internacional nos mostra uma sociedade pós-capitalista que produz mais com pouca mão de obra; a informação e a robótica trazem produtividade crescente e trabalho decrescente. Os salários e os postos de trabalho estão caindo. Verifica-se uma tendência atual à negociação coletiva, à terceirização e à nova forma de precarização das relações trabalhistas. Diante desse quadro, o direito do trabalho contemporâneo, embora conservando a sua característica inicial centralizada na idéia de tutela do trabalhador, procura não obstruir o avanço da tecnologia e os imperativos do desenvolvimento econômico, para flexibilizar alguns institutos e não impedir, que os interlocutores sociais possam, em cada situação concreta, defender seus interesses diretamente, sem a interferência do Estado e pela forma que julgarem mais adequada ao respectivo momento. Amauri Mascaro Nascimento pondera que novas figuras jurídicas se tornaram objeto de preocupação do direito do trabalho, são elas: “a ampliação do uso dos contratos de trabalho a prazo fixo, que assumiram formas diversificadas; a redução da jornada normal e da carga semanal de trabalho, principalmente por meio de negociações coletiva, como forma de abertura de novos empregos, em alguns casos com a redução dos salários e em outros com a manutenção dos níveis salariais; estratégias de compensação de horários, dias ou semanas de trabalho, como, por exemplo, a anualidade da jornada normal, o que significa que o acréscimo pago pelas horas extraordinárias só é devido no caso de excesso do total das horas normais estabelecidas para o ano; a redução, por iniciativa do Governo, de encargos previdenciários que oneram o empregador, como meio de incentivo para a contratação de trabalhadores; o trabalho de meio expediente, que nos países Baixos atingiu cifras próximas de 16% da força de trabalho masculina e 60% da feminina (1990); programas de reciclagem profissional para os trabalhadores; programas específicos para a geração de emprego para deficientes; multifuncionalidade do empregado, o que significa a necessidade da sua aptidão para exercer mais de uma tarefa na empresa; derrogação das vantagens asseguradas pelo contrato individual através de acordos coletivos sindicais; a temporariedade do emprego; a variabilidade da remuneração não mais em bases fixas, mas condicionada à produtividade; o trabalho social ou de interesse público; o trabalho voluntário de finalidade assistencial”. 1 1 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. Saraiva: 16ª edição, 1999, p. 48-49. Nesse contexto surge a flexibilização das leis trabalhistas. Dentro de um novo quadro socioeconômico, no qual se verifica a fragmentação do mercado de trabalho e a redução de empregos, diante do processo tecnológico e da competitividade entre as empresas no âmbito internacional, é necessária a adaptação da legislação trabalhista a fim de atender as necessidades atuais de inserção do Brasil nas regras da economia globalizada. Adequar ao mercado flexibilizado o contrato e as relações de trabalho é uma discussão positiva para não ficarmos à margem do desenvolvimento mundial. Entretanto, é válida a preocupação de não deixarmos que o mercado tenha livre iniciativa para regular qualquer tipo de relação trabalhista, sob pena de se verificar uma involução das relações humanas, como aquelas verificadas no século XVII, que foi marcado pela exploração do homem como verdadeiro instrumento de produção econômica. 1.2 – Conceito de Flexibilização das Leis Trabalhistas Segundo Nelson Mannrich “A flexibilização exprime o processo de ajustamento das instituições jurídicas às novas realidades da sociedade capitalista. Vincula-se às questões do desemprego, novos processos de administração da produção, dentre outros. Por meio dela, a empresa ajusta sua produção, mão-de-obra e condições de trabalho às flutuações do sistema econômico”. Para Cássio Mesquita Barros Jr., “flexibilização do Direito do Trabalho consiste nas medidas ou procedimentos de natureza jurídica que têm a finalidade social e econômica de conferir às empresas a possibilidade de ajustes a sua produção, emprego e condições de trabalho a contingências rápidas ou contínuas do sistema econômico”. 2 Notamos, pois, que o Direito do Trabalho tem na Economia sua raiz mais profunda, desenvolvendo-se à sombra das mutações econômicas, crescentemente relacionadas com a impressionante e notável evolução da tecnologia. A flexibilização das leis trabalhistas nada mais é do que conferir às próprias partes interessadas os poderes para pactuar outras condições de trabalho, garantindo-se aos trabalhadores um conjunto mínimo de regras de proteção. 2 JÚNIOR. Cássio Mesquita Barros. Flexibilização do Direito do Trabalho. Revista Trabalho e Processo. São Paulo: Editora Saraiva, nº 2, setembro de 1994, p. 45. Podemos citar dois fatos como determinantes dessa inflexão de idéias fundamentais para o direito do trabalho: a) a explosão tecnológica, ocorrida no final da II Guerra Mundial, o que potencializou as possibilidades de substituição do homem pela máquina; b) o primeiro choque do petróleo, verificado na década de 70, o que trouxe uma profunda modificação na economia industrial, em escala mundial, obrigando o redimensionamento da atividade empresarial e das oportunidades de emprego. Foi alterada, portanto, uma das linhas mestras do pensamento trabalhista, qual seja: a da proteção do trabalhador por meio da garantia de emprego, que foi substituída pela necessidade de dividirem-se os postos de trabalho tornados mais escassos. Em verdade, pois, que a flexibilização consiste em um deslocamento do Direito do Trabalho em direção à prevalência da vontade dos grupos interessados na formação das relações jurídicas por ele reguladas sobreo controle da norma estatal, exercido, ao longo de sua evolução, por meio dos direitos mínimos do trabalhador. Trata-se da retração do intervencionismo estatal nas relações trabalhistas, substituído pela presença dos interessados diretos nas relações coletivas e individuais do trabalho subordinado. 1.3 – Espécies de Flexibilização A flexibilização pode ser assim classificada: I - quanto aos sujeitos; II – quanto ao objeto; III – quanto ao conteúdo; IV – quanto à forma. Vejamos cada uma delas separadamente: a) Quanto aos sujeitos: A flexibilização trabalhista poderá se dar de forma autônoma e heterônoma. Entende-se por flexibilização autônoma aquela promovida pelos sindicatos e por heterônoma a promovida pela lei. A flexibilização promovida pelos sindicatos se opera através da negociação coletiva, por meio de acordos e convenções coletivas de trabalho, instrumentos que servirão à adaptação da lei às necessidades de cada categoria ou grupo de empregados. A flexibilização heterônoma (ou desregulamentação, conforme adiante restará demonstrado) promovida pela lei tem um sentido amplo e é um forte ataque ao Direito do Trabalho Clássico. Do ponto de vista do Poder Legislativo, pode haver duas ações diferentes: A primeira consiste em não mais legislar no plano do Direito Individual do Trabalho, relegando aos sindicatos essa missão pela via da negociação coletiva. A segunda será a de ab-rogar ou derrogar leis protetoras, gerando uma anomia dou desregulação, total ou parcial. Verifica-se que se a desregulação se fizer sem nenhum mecanismo compensador, ou seja, simplesmente a revogação das leis protetoras sem se colocar nada em seu lugar, o Direito do Trabalho se extinguirá, assimilando-se ao Direito Civil. Entretanto, se a desregulação for parcial, através da transformação parcial da lei, teremos a participação dos interessados naquilo que estiver desregulamentado, através da negociação coletiva. b) Quanto ao objeto: A flexibilização trabalhista, quanto ao objeto, poderá ser no âmbito do Direito Individual do Trabalho, através da adaptação ou ab-rogação; no âmbito do Direito Coletivo do Trabalho por meio da Convenção ou Acordo Coletivos, Greve e da Co-Gestão na empresa ou estabelecimento e no Processo do Trabalho pela simplificação das normas de solução de conflitos. Se o objeto da flexibilização for a introdução de um novo sistema produtivo e de relações de trabalho, todas as normas de Direito Individual e Coletivo do Trabalho serão revogadas e só a vontade das partes será o móvel construtor da nova realidade. Entretanto, se a flexibilização visar apenas o Direito Coletivo do Trabalho, mantida estarão as conquistas do Direito Individual e, em vez de inibir ou dificultar seu funcionamento, vai ao contrário, incentivá-lo. Nesse caso, necessários novos modelos sindicais, totalmente livres, com ampla competência negocial, abertos não só às questões do trabalho, mas também a outras, com as quais guarda proximidade. Essa reforma, no Brasil, induziria à imediata reforma da constituição, dela retirando as travas que os sindicatos brasileiros hoje têm para negociar: 1) o monopólio territorial – um sindicato apenas para cada base territorial, a partir do município (art. 8º, II); 2) a contribuição sindical compulsória (art. 8º, IV) e 3) o Dissídio Coletivo (art. 114, § 2º ). Sendo livres, os sindicatos se estabelecerão na base territorial que desejarem, subsistirão dos meios que seus associados fornecerem e terão capacidade de negociar por si mesmos, e não pelo Estado, através da Justiça do Trabalho. c) Quanto ao conteúdo: A flexibilização pode ser total ou parcial. d) Quanto à forma: A flexibilização poderá se dar de fato ou de direito. Diz-se de direito a flexibilização que se faz explicitamente, dentro de um plano social, visível e discutido, por meio dos sindicatos ou da negociação coletiva. A de fato se opera na realidade, à revelia de qualquer controle normativo. É a chamada informalidade. Atualmente, no Brasil, verificamos o início da flexibilização de direito em contra partida da existência, em grande intensidade, da flexibilização de fato. Esta última, no Brasil, ocorre freqüentemente nas pequenas e microempresas, que normalmente não suportam a onerosidade do contrato de trabalho e, por isso, funcionam total ou parcialmente fora dos parâmetros legais. 1.4 – Estrutura Organizacional Sindical Brasileira Não podemos compreender a lógica e os mecanismos da flexibilização das leis trabalhistas, sem antes abordarmos a estrutura Organizacional Sindical. Atualmente, os meios para flexibilização existentes em nossa legislação traduzem-se, principalmente, pela negociação coletiva e seus instrumentos, conforme veremos adiante. Dessa forma, o sindicato possui um papel central na desregulamentação da lei trabalhista, o que tende a aumentar diante das reformas que estão se seguindo no Brasil atual. Os sindicatos possuem legitimação e regulamentação básica pela Constituição Federal que, em seu artigo 8º, preleciona: “É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical; II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município; III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; IV – a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei; V – ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato; VII – o aposentado filiado tem direito a votar e ser votados nas organizações sindicais; VIII – é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.” Conforme se verifica do inciso I de referido dispositivo legal, o Constituinte Originário buscou insculpir o conceito de liberdade sindical, vedando qualquer participação do Estado na organização das entidades sindicais. No inciso que se seguiu, verificou-se que o legislador, expressamente, consagrou o princípio da unicidade sindical, ou seja, determinou que, em uma mesma base territorial, somente haja um sindicato representativo do mesmo grupo. Infere-se do referido dispositivo uma restrição que se impõe à livre constituição de sindicatos pelos interessados, de modo que aqueles que pertencem ao grupo não têm outras opções, ainda que em desacordo com as diretrizes sindicais. A representação dos interesses fica canalizada para uma única organização, não restando alternativas para os representados em desacordo com as diretrizes da diretoria do sindicato, a não ser influir nas eleições para a sua renovação. Tal é a crítica que se faz ao modelo constitucional sindical. Interessante notar que a própria constituição determinou o papel das entidades sindicais ao determinar que a elas cabe a defesa dos direitos individuais ou coletivos da categoria, podendo, inclusive, representar seus direitosadministrativamente ou judicialmente. Referido inciso cria a figura da substituição processual, ou seja, ao sindicato é lícito substituir a categoria, ou mesmo parte dela, em processo judicial, para buscar a tutela de interesses alheios, em nome próprio. Outro fator relevante e que deve ser mencionado, sendo, inclusive, motivo de crítica ao modelo sindical constitucional, é a fixação, pela Carta Magna Brasileira, de contribuição sindical compulsória, paga por toda a categoria em favor do sindicato. Tal contribuição é descontada em folha de pagamento e repassada ao sindicato pelas empresas. A Consolidação das Leis do Trabalho também se constitui fonte de direito coletivo, ao regular os procedimentos para a instituição sindical. O artigo 511 de referido diploma legal dispõe que: “É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos, ou profissionais liberais, exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividade ou profissões similares ou conexas”. A CLT define o conceito de categoria profissional e econômica, ao instituir nos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º do mesmo dispositivo: “§ 1º. A solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, constitui o vínculo social básico que se denomina categoria econômica”. “§ 2º. A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional”. “§ 3º. Categoria profissional diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional espcial ou em conseqüência de condições de vida singulares”. § 4º. Os limites de identidade, similaridade ou conexidade fixam as dimensões dentro das quais a categoria econômica ou profissional é homogênea e a associação é natural”. A lei também regula as funções do sindicato, ao dispor no artigo 513 Consolidado: “São prerrogativas dos sindicatos: a) representar, perante as autoridades administrativas e judiciárias os interesses gerais da respectiva categoria ou profissão liberal ou os interesses individuais dos associados relativos à atividade ou profissão exercida; b) celebrar convenções coletivas de trabalho; c) eleger ou designar os representantes da respectiva categoria ou profissão liberal; d) colaborar com o Estado, como órgãos técnicos e consultivos, no estudo e solução dos problemas que se relacionam com a respectiva categoria ou profissão liberal; e) impor contribuições a todos aqueles que participam das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas. Parágrafo único: Os sindicatos de empregados terão, outrossim, a prerrogativa de fundar e manter agências de colocação” (grifo ausente no original). Os deveres dos sindicatos também se encontram insertos nos ditames legais. É o que se verifica do artigo 514 da CLT, o qual dispõe, verbis: “São deveres dos sindicatos: a) colaborar com os poderes públicos no desenvolvimento da solidariedade social; b) manter serviços de assistência judiciária para os associados; c) promover a conciliação nos dissídios de trabalho; d) sempre que possível, e de acordo com as suas possibilidades, manter no seu Quadro de Pessoal, em convênio com entidades assistenciais ou por conta própria, um assistente social com as atribuições específicas de promover a cooperação operacional na empresa e a integração profissional na Classe. Parágrafo único: Os sindicatos de empregados terão, outrossim, o dever de: a) promover a fundação de cooperativas de consumo e de crédito; b) fundar e manter escolas de alfabetização e promocionais.” O sindicato possui como órgãos a diretoria, a assembléia e o conselho fiscal. A diretoria é o órgão colegiado, administrativo, constituída de um presidente e outros membros, cabendo-lhe a representação e a defesa dos interesses da entidade perante o Poder Público e as empresas. Podem ser instituídas delegacias sindicais em determinadas localidades. A assembléia é a fonte de decisões, e será geral ou extraordinária, dela participando os associados do sindicato nas suas votações, para deliberações vitais, como a deflagração da greve, a autorização à diretoria para fazer negociações coletivas, a escolha de listas de representantes sindicais nos órgãos do Estado, as eleições sindicais de diretoria, etc. Cabe ao conselho fiscal a aprovação das contas da diretoria e os demais atos de controle da gestão financeira do sindicato. No Brasil, a estrutura das associações sindicais é formada pelas confederações, federações e sindicatos. Os sindicatos são as células núcleos que, quando em número não inferior a cinco, desde que representem a maioria absoluta de um grupo de atividades ou profissões idênticas, similares ou conexas, podem se organizar em federações. As confederações organizar-se-ão com o mínimo de três federações. Após o panorama geral da estrutura sindical brasileira, passamos agora a nos ater ao que, para a flexibilização das leis do trabalho, possui importância crucial: a função negocial sindical. A função negocial sindical caracteriza-se, basicamente, pelo poder conferido aos sindicatos para ajustar convenções e acordos coletivos de trabalho, nas quais serão fixadas regras a serem aplicáveis nos contratos individuais de trabalho dos empregados pertencentes à esfera de representação do sindicato pactuante. Formado está um direto do trabalho paralegal, objetivando a complementação das normas fundamentais fixadas pelo Estado através das leis para cobrir as lacunas ou dispor de forma favorável ao trabalhador, acima das vantagens que o Estado fixa como mínimas. A Constituição Federal, em seu artigo 7º, XXVI, reconhece as convenções coletivas de trabalho, ao dispor: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”. A CLT, em seu artigo 616, define e obriga a negociação coletiva através dos sindicatos. Vejamos: “Os Sindicatos representativos de categorias econômicas ou profissionais e as empresas, inclusive as que não tenham representação sindical, quando provocados, não podem recusar-se à negociação coletiva”. Dos dispositivos mencionados, verifica-se que a função negocial decorre da função representativa, compreendendo a celebração dos instrumentos de negociação coletiva e a solução dos seus conflitos. 1.5 – Formas de Negociação Coletiva: Convenções e Acordo Coletivos de Trabalho A negociação coletiva consiste no estabelecimento de normas gerais para a categoria ou para o grupo de determinada empresa, aplicáveis aos contratos individuais de trabalho. Para sua elaboração, faz-se necessária a presença do sindicato dos trabalhadores de um lado, e do outro o sindicato dos empregadores ou o próprio empregador. Quando esses sujeitos negociam cláusulas para compor tal instrumento, a sua aplicação será imperativa, não podendo as partes dispor do que foi pactuado. No ordenamento jurídico vigente, duas são as espécies de negociação coletiva: o Acordo Coletivo de Trabalho e a Convenção Coletiva de Trabalho. A Convenção Coletiva de Trabalho, como vimos, possui sua definição estampada no artigo 611 da CLT, que a considera como um acordo de caráter normativo pelo qual dois ou maissindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações às relações individuais. Temos, então, que a convenção coletiva de trabalho é o instrumento normativo negociado através dos sindicatos profissionais e patronais. O disposto na Convenção Coletiva de Trabalho é aplicável aos sócios e não sócios da categoria representada pelo sindicato convenente por força de seu caráter normativo instituído por lei, a fim de que os empregados sejam tratados com isonomia. Na ausência de sindicato organizado de determinada categoria, pode-se aplicar o artigo 611, § 2º, da CLT, que autoriza as Federações e na falta dessas as Confederações a celebrar Convenções Coletivas no âmbito de suas representações. Por seu turno, a definição de Acordo Coletivo de Trabalho está na CLT, artigo 611, § 1º, o qual dispõe: “É facultado aos sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes às respectivas relações de trabalho”. Essa negociação por empresa serve para atender as peculiaridades do relacionamento entre trabalhadores e empregadores. Também nesse instrumento o sindicato da categoria profissional será representante dos interessados. A aplicação espacial do acordo coletivo será a empresa ou as empresas que celebraram tal instrumento. Portanto, todos os empregados representados pelo sindicato da empresa signatária terão as cláusulas do acordo aplicáveis em seus contratos. Também no caso do acordo coletivo de trabalho, a omissão do sindicato autoriza as Federações e as Confederações a negociar em seu lugar. Tanto o Acordo Coletivo de Trabalho como a Convenção Coletiva de Trabalho são os principais instrumentos de flexibilização das leis do trabalho existentes em nosso ordenamento jurídico.. Ao reconhecer tais instrumentos e, em alguns momentos até condicionar certos atos flexibilistas, como a redução de salário e negociação da jornada de trabalho extraordinário à assistência sindical (como veremos mais adiante), esse modelo de autoregulamentação trazido pela Constituição Federal vem ganhando força, de forma a se perceber um tendência de menor regulamentação estatal das condições de trabalho. 2 – PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO E O PODER DE DIREÇÃO DO EMPREGADOR O princípio da proteção informa que o Direito do Trabalho, por meio de suas regras, institutos e presunções próprias, visa instituir uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – que é o trabalhador – objetivando atenuar no plano jurídico o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho. Maurício Godinho Delgado pondera que “o princípio tutelar influi em todos os segmentos do Direito Individual do Trabalho, influindo na própria perspectiva desse ramo ao construir-se, desenvolver-se e atuar como direito. Efetivamente, há ampla predominância nesse ramo jurídico especializado de regras essencialmente protetivas, tutelares da vontade e interesses obreiros; seus princípios são fundalmentalmente favoráveis ao trabalhador; suas presunções são elaboradas em vista do alcance da mesma vantagem jurídica retificadora da diferenciação social prática. Na verdade, pode-se afirmar que sem a idéia protetivo-retificadora, o Direito Individual do Trabalho não se justificaria histórica e cientificamente” 3 . Verifica-se, pois, que o princípio protetor, em verdade, é norteador do Direito do Trabalho, uma vez que serve de base a toda sua estrutura e características. Ao contrário do que ocorre no Direito Comum, onde se busca a todo custo a igualdade das partes, o legislador trabalhista teve grande preocupação em estabelecer maior proteção a uma das partes, ou seja, objetivou a proteção do trabalhador. Entretanto, essa aparente desigualdade tem por finalidade igualar as partes no âmbito do Direito do Trabalho. Nas relações trabalhistas facilmente se percebe a desigualdade das partes, especialmente aquela de cunho econômico. O empregador possui o poder de dirigir o seu empreendimento e, não se pode negar que, em tempos em que o desemprego assola o Brasil e o Mundo, o empregado não se sinta temeroso ante o risco de ser despojado de seu emprego. Godinho assevera que o poder diretivo (ou organizativo, ou ainda, poder de comando), que é inerente ao empregador, seria o conjunto de prerrogativas tendencialmente concentradas no empregador dirigidas à organização da estrutura e espaço empresarias internos, inclusive o processo de trabalho adotado no estabelecimento e na empresa, com a especificação e orientação cotidiana no que tange à prestação de serviços”. 4 Assim, como poderia o direito tratar igualmente aqueles que flagrantemente são desiguais? 3 DELGADO. Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 3ª edição, 2004, p. 198. 4 DELGADO. Maurício Godinho. Curso de Direto do Trabalho. São Paulo: LTR, 3ª edição, 2004, p. 631. Justamente com a finalidade de tratar igualmente os desiguais na medida de suas desigualdades foi que surgiu o princípio da proteção no âmbito do Direito do Trabalho, a fim de figurar como limite ao poder de direção do empregador, tanto para inspirar o legislador à criação da norma, quanto para orientar o jurista na aplicação de seu conteúdo. A aplicação do princípio da proteção no âmbito do Direito do trabalho, não reflete quebra da isonomia dos contratantes, mas, traduz-se, em perfeita aplicação da igualdade substancial das partes, já que não basta a igualdade jurídica para assegurar a paridade da partes. Ao empregador é dado o Poder Diretivo, frente às suas posição dentro da sociedade, e ao empregado, hipossuficiente e dependente juridicamente e economicamente de seu empregador, o princípio da proteção. Américo Plá Rodriguez considera o princípio protetivo em três dimensões distintas: o princípio in dúbio pro operário, o princípio da norma mais favorável e o princípio da condição mais benéfica. 5 a) O princípio in dubio pro operario foi transportado do Direito Penal. Tal regra possui a finalidade de proteger a parte, presumidamente, mais frágil na relação jurídica e, em se tratando de Direito do Trabalho, é possível presumir que a parte mais fraca é o empregado-credor. Essa regra aconselha o intérprete a escolher, entre duas ou mais interpretações viáveis, a mais favorável ao trabalhador, desde que não afronte a nítida manifestação do legislador, nem se trate de matéria probatória. b) Princípio da aplicação da norma mais favorável: Em havendo uma pluralidade de normas aplicáveis a uma relação de trabalho, há de se optar pela que seja mais favorável ao trabalhador, em três situações: no instante de elaboração da regra; no contexto ou de confronto entre regras concorrentes ou, por fim, no contexto de interpretação das regras jurídicas. Neste sentido, independentemente da sua colocação na escala hierárquica das normas jurídicas, aplica-se, em cada caso, a que for mais favorável ao trabalhador. c) O princípio da condição mais benéfica determina a prevalência das condições mais vantajosas para o trabalhador, ajustadas no contrato de trabalho ou resultantes do regulamento de empresa, ainda que vigore ou sobrevenha norma jurídica imperativa prescrevendo menor nível de proteção e que com esta não sejam elas incompatíveis. Possui a sua base no direito adquirido, garantia insculpida no art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal. A leinão pode tirar do trabalhador condições e benefícios já concedidos e adquiridos, exatamente por ser o trabalhador a parte 5 RODRIGUEZ. Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 1993, p. 42-43, 48. hipossuficiente da relação de trabalho. Do contrário, o trabalhador não teria nenhuma segurança em sua vida quotidiana. 6 Visto o princípio básico do direito do trabalho: o de proteção ao empregado; e sua função principal: a de limitar o poder diretivo do empregador, equilibrando, assim, a relação jurídica firmada entre o hipossuficiente e a empresa; cabe agora analisá-los com enfoque na flexibilização das leis do trabalho. Assim, é necessária a elucidação das seguintes questões prática: O julgador, frente à lei, ao acordo coletivo de trabalho e à convenção coletiva de trabalho (instrumentos de flexibilização das leis trabalhistas), como deve aplicar a norma? Seria a mais favorável ao empregador? Ou seria a norma inscrita na lei? Como posso aferir qual a norma mais favorável ao empregado? Em tese, não deveria existir problema para se verificar qual seria a norma mais favorável para a sua aplicação, ante à existência de hierarquia de leis, já que bastaria a aplicação da norma hierarquicamente de grau superior. Entretanto, em face da existência dessa regra, pode-se dizer que formalmente não existe uma hierarquia das leis, já que no âmbito do Direito do Trabalho as normas jurídicas conferem um mínimo ao empregado, sendo que, ante a flexibilização das leis do trabalho, é perfeitamente lícito às partes pactuarem cláusulas mais benéficas ao empregado, serão essas, pois, as normas aplicáveis à relação de emprego. Vale mencionar, entretanto, que existe um limite para a aplicação da norma mais favorável ao empregado, já que o intérprete ou aplicador da lei não deve ter em vista o empregado considerado isoladamente, mas, deve buscar a preservação do interesse coletivo. Urge, ainda, mencionar que, sobrepondo-se ao interesse da coletividade, não poderá haver afronta ao interesse público. Assim, a norma mais favorável ao empregado, isoladamente considerado, não pode ser desfavorável para a sua categoria profissional. Contudo, a maior dificuldade na aplicação da regra da norma mais favorável está em identificar tal norma, dentre as várias normas aplicáveis ao caso concreto, dada a pluralidade de fontes formais do Direito do Trabalho, tais como as leis, as convenções e acordos coletivos, sentenças normativas, regulamentos de empresa, etc.. Existem alguns critérios para que o intérprete ou aplicador da lei identifique a norma mais favorável, consubstanciando-se nos princípios orientadores: a) a verificação deverá se dar considerando-se o conteúdo das normas, sem levar em consideração, entretanto, as 6 GONÇALES, Odonel Urbano. Direito do Trabalho para Concursos. São Paulo: Atlas, 2000, p. 29. conseqüências econômicas que poderão ser ocasionadas posteriormente; b) a busca da norma mais favorável deverá levar em consideração a coletividade trabalhadora, não considerando, pois, isoladamente, o trabalhador. A cláusula contida em convenção coletiva de trabalho que fosse prejudicial à coletividade seria nula, ainda que trouxesse benefícios a um trabalhador, isoladamente considerado; c) a apreciação da norma mais favorável não depende de avaliação subjetiva dos interessados, mas de forma objetiva, em função das razões que tenham inspirado as normas; d) a comparação entre duas normas aplicáveis deverá ser feito de forma concreta, verificando se a regra inferior é, no caso, mais ou menos favorável aos trabalhadores; e) como a possibilidade de melhorar a condição dos trabalhadores constitui uma exceção ao princípio da intangibilidade da regra imperativa hierarquicamente superior, não se pode admitir a eficácia de uma disposição inferior, embora se possa duvidar de que seja efetivamente mais favorável aos trabalhadores. Após essa verificação, indaga-se: como se estabelece a comparação? Devem ser comparadas as duas normas em seu conjunto ou tomada de cada norma a parte que seja mais favorável ao trabalhador? Basicamente, existem duas teorias acerca da aplicação da norma mais favorável: a teoria do Conglobamento e a teoria da Acumulação. a) A teoria do Conglobamento nos ensina que normas devem ser consideradas em seu conjunto, sendo certo que não deve haver a cisão do instrumento que contém as normas aplicáveis. Deverá, portanto, segundo essa teoria, haver a consideração global ou do conjunto das normas aplicáveis. b) A Teoria da Acumulação consubstancia-se na possibilidade de extração de cada norma as disposições mais favoráveis ao trabalhador, ou seja, haveria uma soma das vantagens extraídas de diferentes normas. A verdade é que, neste tema, doutrina tende a prevalecer a Teoria do Conglobamento, tendo em vista que o que deve o jurista analisar é a norma mais benéfica em seu conjunto. O que é mais benéfico ao empregado? A redução dos salários, mediante a pactuação de um acordo coletivo ou a perda do emprego, caso a empresa deva observar os estritos limites legais de irredutibilidade salarial? Neste sentido, acolhendo a teoria do conglobamento, o Colendo Tribunal Superior do Trabalho proferiu a seguinte decisão: “Horas in itinere - Princípio do conglobamento x princípio da norma mais favorável - Teto máximo para sua concessão fixado em convenção coletiva. Sendo a convenção coletiva firmada mediante transação entre as partes, há que se ter em mente o princípio do conglobamento onde a classe trabalhadora, para obter certas vantagens, negocia em relação a outras. Isso de modo algum afeta o princípio da norma mais favorável ao trabalhador, uma vez que a norma coletiva deve ser analisada sistemicamente e não particularmente, sob pena de sua descaracterização. Assim, é válida a fixação de teto máximo para a concessão de horas in itinere em convenção coletiva”. (TST - RR nº 214.745 - 5ª T - Ac. nº 903/97 - Rel. Min. Armando de Brito - DJU 18.04.97) – grifo ausente no original. Também assim, prestigiando a regra em questão, decidiu o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região: “Norma coletiva – norma mais favorável. De acordo com a teoria do conglobamento, é da interpretação do conjunto das cláusulas normativas instituídas pelos respectivos instrumentos que se extrai o conceito da norma mais favorável”. (TRT - 5ª R. - RO 008.95.1827-50 - Ac. 1ª T. 1.893/97 - Rel. Juiz Roberto Pessoa - DJBA 20/03/97). Conforme já mencionado, resta evidente que a jurisprudência e a doutrina têm dado guarida à teoria do conglobamento, já que a própria Constituição Federal foi bastante enfática nesta questão, permitindo a redução de salários, a compensação da jornada de trabalho, inclusive no que tange ao trabalho em turno ininterrupto de revezamento e, por fim, a reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, sempre mediante a negociação coletiva com a participação da entidade sindical. A negociação coletiva deve ser instrumento de melhoria das condições de trabalho e, também, das condições de vida dos trabalhadores, razão pela qual deve ser atribuída prevalência das normas coletivas sobre as normas individuais, inclusive no que tange à identificação da norma mais favorável aplicável à determinada relação de emprego. Neste sentido, prestigiando a autodeterminação coletiva, o Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região decidiu a matéria da seguinte forma: “Acordo coletivo de trabalho - Transação - Validade. A autonomia dos sindicatosna negociação dos interesses e direitos da categoria representada encontra especial relevo na atual Constituição da República - artigos 8º, incisos I, III e VI, e 7º XXVI -, não havendo como se questionar a validade de cláusulas de instrumento coletivo, livremente pactuadas, mormente se os representados se beneficiaram de outras vantagens do ajuste entabulado, pressupondo-se a intenção de concessões recíprocas. Deve a norma coletiva ser interpretada levando-se em conta a Teoria do Conglobamento ou da Incindibilidade, a qual não admite a invocação de prejuízo como objeção a uma cláusula, abstraindo-a do conjunto que compõe a totalidade da negociação coletiva. Recurso a que se nega provimento”. (TRT - 10ªR - RO nº 924/97 - Ac. 2ª T - Rel. Juíza Heloísa Pinto Marques - J. 10.03.98 - DJ. 27.03.98) – grifo ausente no original. É possível, portanto, extrair que a verificação da norma mais favorável não poderá ser apurada pela acumulação de todas as normas favoráveis ao empregado, senão ser feita a partir de um conjunto de normas. Dessa forma, verifica-se que a aplicação dos princípios, em geral, e, especialmente o princípio da proteção, não pode ocorrer de forma absoluta e impensada, sob pena de, em certos casos, em vez de igualar os desiguais, acarretar uma desigualdade ainda maior, ou, por vezes, decidir arbitrariamente em favor de quem não faz jus à tutela jurisdicional pleiteada. O TRT da 2ª Região assim se posicionou acerca do tema: “Norma coletiva. Prevalência de acordo coletivo sobre convenção coletiva. As disposições contidas no artigo 620, da CLT, consagrando o princípio da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador, não mais se sustenta diante da regra inserta na Carta Constitucional de 1988, que em seu artigo 7o, inciso XXVI, impõe a autonomia privada coletiva, com a prevalência do estabelecido em convenção coletiva ou acordo coletivo, indistintamente. A flexibilização das normas trabalhistas, norteadora da Constituição Federal de 1988, quando possibilitou a pactuação de condições de trabalho até mesmo diversas daquelas insculpidas no próprio texto constitucional (artigo 7o, incisos VI, XIII e XIV), confere às entidades sindicais campo maior para a negociação coletiva, em prol da solução dos conflitos capital-trabalho de modo que a ser atendidas as necessidades e particularidades de cada categoria e com muito maior razão os anseios de parcela de trabalhadores que vivem situação contratual específica dentro de um mesmo empregador”. (TRT 2ª Região, Acórdão nº 20040210736, Jane Granzoto Torres da Silva, 9ª Turma, 21/05/2004) No corpo do Acórdão, a D. Relatora considerou: “Efetivamente os sindicatos das categorias profissional e econômica firmaram convenção coletiva de trabalho disciplinando reajustes salariais para o período 1996/1997 (fls. 102/134). Diante da mesma e, visando solucionar conflito coletivo específico, o sindicato dos empregados e a reclamada estabeleceram termo de compromisso (fls. 414/438) de negociação, o qual resultou no acordo coletivo de fls. 458/485, por meio do qual houve fixação de reajustes salariais em índices inferiores aos fixados na anterior convenção coletiva. A matéria objeto da presente demanda tem como base a validade do acordo coletivo em comento, porquanto de fato estabeleceu benefícios inferiores aos já previstos em convenção coletiva e, ressalvados respeitáveis entendimentos doutrinários e jurisprudenciais em sentido contrário, entendo a prevalência da pactuação específica – acordo coletivo -, em respeito à autonomia privada coletiva. É que, segundo os princípios da liberdade sindical e da autonomia da vontade das partes, que regem do Direito Coletivo do Trabalho, o sindicato regularmente constituído, representa os interesses da categoria, podendo firmar convenções coletivas em nome e segundo os interesses desta última, atribuindo às normas e condições de trabalho pactuadas, efeito "erga omnes". Para tanto, faz-se necessária a aprovação prévia da Assembléia Geral, que é Órgão soberano e representa o mais puro interesse da categoria (artigo 612, da CLT). Desta forma, temos que a norma coletiva firmada pela entidade sindical, com anuência da Assembléia Geral, vislumbra a mais efetiva vontade da categoria, sem ferir qualquer preceito constitucional, mas ao contrário, embasada nas disposições contidas no artigo 8º, da Carta Magna. Não tendo sido aventada em momento algum a irregularidade da norma coletiva fixada, no tocante à representação da entidade sindical, temo-la por perfeitamente válida e externadora da vontade da categoria e, portanto, sem vícios que possam ensejar a declaração de nulidade pretendida na exordial. As disposições contidas no artigo 620, da CLT, consagrando o princípio da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador, não mais se sustenta diante da regra inserta na Carta Constitucional de 1988, que em seu artigo 7 o , inciso XXVI, impõe a autonomia privada coletiva, com a prevalência do estabelecido em convenção coletiva ou acordo coletivo, indistintamente. Por outro lado, a flexibilização das normas trabalhistas, norteadora da Constituição Federal de 1988, quando possibilitou a pactuação de condições de trabalho até mesmo diversas daquelas insculpidas no próprio texto constitucional (artigo 7 o , incisos VI, XIII e XIV), confere às entidades sindicais campo maior para a negociação coletiva, em prol da solução dos conflitos capital-trabalho de modo que a ser atendidas as necessidades e particularidades de cada categoria e com muito maior razão os anseios de parcela de trabalhadores que vivem situação contratual específica dentro de um mesmo empregador. Reformo, pois, a r. decisão de primeiro grau, para excluir da condenação as diferenças salariais resultantes dos reajustes salariais e reflexos, no que resulta a improcedência da ação”. Em resumo, em respeito aos princípios jurídicos mencionados, casuisticamente haveremos de proceder um cotejo do estabelecido nos instrumentos normativos em disputa de modo global a fim de aferirmos, dentro desse contexto, qual deles encerra posições mais favoráveis aos empregados: a convenção coletiva de trabalho, o acordo coletivo ou a legislação consolidada. 3 – PODER DE DIREÇÃO DO EMPREGADOR E LIMITAÇÕES DE ORIGEM CONTRATUAL O Poder de Direção, nas palavras de Amauri Mascaro Nascimento, “é a faculdade atribuída ao empregador de determinar o modo como a atividade do empregado, em decorrência do contrato de trabalho, deve ser exercida”. 7 Três são as formas de manifestação do poder diretivo: a) poder de organização, poder de controle e c) poder disciplinar sobre o empregado. O poder de organização se traduziria pelo conjunto de prerrogativas concentradas no empregador dirigidas à fixação de regras gerais a serem observadas no âmbito do estabelecimento e da empresa. Tais regras não se tratam de efetivas normas jurídicas, meras cláusulas contratuais que aderem ao contrato de trabalho. O poder de controle constituiria o conjunto de prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento contínuo da prestação de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do espaço empresarial interno. A manifestação desse poder de controle se dá com a implantação de medidas como revistas, circuito interno de televisão, controle de portaria, horário e freqüência, entre outras. O poder disciplinar é o conjunto de prerrogativas concentradas no empregador dirigidas a propiciar a imposição de sanções aos empregados em face do descumprimento por esses de suas obrigações contratuais Entretanto, o poder de direção esbarra nos limites impostos não apenas pela lei, como tambémpelo contrato de trabalho. Nas palavras de Délio Maranhão, “o contrato de trabalho é um contrato regulamentado. Como esclarece La Cueva, „tem o direito do trabalho como finalidade primeira proteger a saúde e a vida do trabalhador e garantir-lhe um nível de vida compatível com a dignidade humana. E, se este é o seu propósito, é natural que, estando condicionada à realização desse objetivo pelo conteúdo da relação de trabalho, tivesse a lei o cuidado de fixá-lo de modo imperativo‟. A lei contém um contrato mínimo de trabalho para usarmos expressão feliz de La Cueva. E este contrato mínimo se impõe à vontade das partes na estipulação de cada contrato individual” 8 . 7 Idem. ibidem. p. 451. 8 MARANHÃO, Délio. Instituições de Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 18ª edição, 1999, p. 256. Trata-se do princípio insculpido no artigo 444 da CLT, o qual dispõe, expressamente: “As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes”. Exatamente por se tratar de um conteúdo mínimo, a vontade individual, por meio da pactuação de um contrato, é livre no estabelecer condições que dêem ao empregado garantias ainda maiores. Assim, o poder diretivo é limitado pela autonomia da vontade das partes, materializada pelo contrato de trabalho, o qual, obedecendo aos ditames legais, deverá conter garantias de proteção e de promoção aos direitos do empregado. 4 – FATORES DETERMINANTES DO MOVIMENTO DE FLEXIBILIZAÇÃO DAS LEIS TRABALHISTAS Podemos destacar, como determinantes do movimento de flexibilização das leis trabalhistas, além do que já foi exposto nos itens anteriores, fatores de ordem filosófica, econômica e jurídica. 4.1 – Fatores de ordem filosófica Como vimos, o pós-modernismo é marcado por uma tendência ao individualismo. Essa tendência é decorrente da necessidade de desconstituição dos grandes sistemas construídos pelas épocas filosóficas anteriores. Do mesmo modo que, depois da Revolução Francesa, o individualismo, como concepção de vida, influenciou todas as idéias políticas, econômicas e sociais, o Direito também sofreu sua grande influência. Nas palavras de Antônio Álvares da Silva, “Se o indivíduo era livre, essa liberdade também existiria na manifestação da vontade para constituir obrigações. O Estado estabelecia apenas os limites. O conteúdo era preenchido pelos próprios cidadãos. Se os objetivos da Revolução haviam sido a quebra de privilégios, como proteger certas categorias ou segmentos sociais, em relação às outras?” 9 . Prossegue o autor: “Na mesma direção caminha o homem pós-moderno, embora sob outros fundamentos próprios de sua época. As categorias do „coletivo‟ lhe trazem apreensão e uma consciente ou inconsciente recusa. A experiência do comunismo foi um fracasso e a queda do muro de Berlim foi uma emancipação. Tudo que é coletivamente determinado leva a marca impessoal de toda generalidade. Impede a afirmação das pessoas e retira-lhes a iniciativa, sempre criadora e insubstituível. Entregar a liberdade para o Estado pode ser um perigo ou, pelo menos, uma desnecessidade, já que o indivíduo sabe usa-la e esse uso é feito em função de sua própria pessoa, na satisfação de seus gostos, predições e desejos. Por isso, quer uma delimitação nítida da área individual com a social, da cidadania e do Estado, do individual com o coletivo. Depois de cumpridos os deveres básicos que a Constituição e as leis lhe impõe, o homem moderno deseja compor as demais áreas de sua vida de acordo com suas tendências e predileções” 10 . 9 SILVA, Antônio Álvares da. Flexibilização das Relações de Trabalho. São Paulo: LTR, 2002, p. 60. 10 Idem. ibidem. A figura atual do Direito do Trabalho caracteriza-se pelo intervencionismo do Estado e pelos estatutos protetores que inibem a vontade individual. Uma vez que a filosofia pós moderna caracteriza-se pela oposição às grandes construções e sistemas, verifica-se claro que a teia protetora que envolve o Direito do Trabalho, anulando a vontade do empregado e opondo-se de forma veemente à liberdade e aos novos rumos do mercado, não encontra espaço na filosofia individualista contemporânea, chegando a hora, enfim, de modificá-lo. 4.2 – Fatores de ordem econômica Estamos na era do neoliberalismo, um momento econômico em que se procura abster a figura do Estado de todas as relações sociais e econômicas, visando que este se reduza ao mínimo possível. Os valores principais da sociedade residem na eficácia e na competitividade do processo econômico, pois, ainda persiste o valor “lucro”, próprio do regime capitalista. Nelson Manrich nos ensina que “na concepção neoliberal, o mercado encarrega-se de regular as relações entre empregado e empregador, mediante a abolição de qualquer lei protecionista, por meio da desregulamentação. São duas visões aparentemente inconciliáveis: de um lado, prega-se o valor trabalho; de outro, o valor econômico; uma pretende a promoção apenas do trabalhador; a outra, apenas da empresa. É possível introduzir uma concepção intermediária, segundo a qual cabe ao Estado uma função promocional e ao Direito do Trabalho, o papel de coordenação, conciliando os interesses entre o social e o econômico: de um lado, promovendo os valores fundamentais do trabalhador como pessoa humana, e, de outro, a eficácia e a competitividade da empresa no processo econômico. De acordo com esta terceira visão, impõe-se rever o papel do Estado, excessivamente interventor, sem, contudo, impedir seu afastamento das relações trabalhistas, que não podem resultar do livre jogo de mercado. Na verdade, a flexibilização das leis trabalhistas não deve ser nem de proteção nem de desregulamentação, mas de adaptação. Isso porque a norma jurídica, para ser justa, deve ter o atributo da adequação ao fenômeno que pretende reger, sob pena de constituir-se um fator retardatário e um obstáculo para a satisfação do bem comum”. 11 Ademais, não podemos esquecer que a flexibilização surge em plena crise dos anos 70, em especial com a competitividade em decorrência da globalização da economia, em busca de formas alternativas do modelo clássico do emprego, a fim de se evitar sua precarização e, acima de tudo, o desemprego, diante da evolução tecnológica e do incremento na microeletrônica e informática, o 11 MANRICH, Nelson. Limites da Flexibilização das Normas Trabalhistas. Revista do Advogado nº 54. Dezembro de 1998. Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo. que gerou um choque entre o crescimento da mão de obra disponível e o surgimento das novas tecnologias. Necessário se faz, como incentivo ao emprego, o privilégio aos contratos por tempo determinado, temporários, flexibilização da jornada e salários. 4.3 – Fatores de ordem jurídica Atualmente se verifica que o conceito de justiça constrói-se de modo negativo. O conceito positivo, consistente no estabelecimento de um corpo de normas aceitas, em sua maioria, pelos membros da sociedade e, acima de tudo, EFICAZES na regulamentação das relações trabalhistas, não é verificado. A proteção e o intervencionismo do Estado no Direito do Trabalho não atende mais às expectativas da população que, em sua maioria, encontra-se à margem do emprego e, quando muito, em uma realidade informal, à margem da lei e de seusbenefícios. Cada vez mais encontramos autônomos, cooperados, prestadores de serviços, trabalhadores sem registro em carteira, sem amparo da previdência social, realidades tais completamente distintas do modelo de contração rígido estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho. Ora, o direito existe para regular as relações humanas na busca pela Justiça Social. Como manter um modelo jurídico, se o fim desejado não consegue, nem ao menos de forma distante, ser atingido? Desta forma, a flexibilização das leis trabalhistas, à medida que retira a capa protetora e intervencionista do Direito do Trabalho, deixando aos autores toda a parte negocial da relação de trabalho, constitui forma de modificar o pensamento jurídico, com fins à readequação e a reaproximação entre o Direito e as situações por ele reguladas. 5 – FLEXIBILIZAÇÃO X DESREGULAMENTAÇÃO Em relação ao tópico em referência, peço vênia para transcrever as palavras do Jurista José Francisco Neto, em recente artigo publicado na revista de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie: “O período compreendido entre o segundo pós-guerra e meados da década de 70 nos países industrializados de maior projeção representa a Era de Ouro do capitalismo. Mediante a combinação de crescimento econômico e pleno emprego, sustentada por diversificadas políticas decorrentes da intervenção estatal ou da contratação coletiva sobre as relações e o mercado de trabalho, obtiveram-se elevados níveis de produtividade e efetiva distribuição de renda. Eric Hobsbawn, com argúcia, sintetizou o significado desse período como os anos de extraordinário crescimento econômico e transformação social, que provavelmente mudaram de maneira mais profunda a sociedade humana que qualquer outro período de brevidade comparável. No âmbito das relações e do direito do trabalho, com intensidades e características variadas, as mesmas foram pautadas, do ponto de vista coletivo, pela articulação das políticas públicas com a atuação dos sindicatos, associações empresariais, e empresas via contratação coletiva de trabalho; e, do ponto de vista individual, pelo contrato de trabalho por prazo indeterminado, pelo trabalho em tempo integral, pelo reforço do trabalho vinculado à profissão em sentido estrito, pelo poder hierárquico discriminatório e centralizado do empregador. A essência dos sistemas apontados, entretanto, sobretudo na Europa Ocidental, viabilizou-se com a consagração da ampla liberdade de contratação coletiva assegurada pelos respectivos ordenamentos jurídicos, devidamente sustentada por legislações de garantia da liberdade sindical e da representação dos trabalhadores nos locais de trabalho, por amplo processo de negociação setorial e por empresas, e por diversificados meios voluntários de composição de conflitos de trabalho. Essa efetiva disposição política e institucional favorável à contratação coletiva como instrumento preferencial de regulação do trabalho permitiu o desenvolvimento da mesma em todos os níveis (setoriais, intersetoriais, nacionais, regionais e por empresa) na Europa, e por empresas nos Estados Unidos da América do Norte e no Japão. O resultado concreto desse direcionamento foi – no âmbito de configuração específico – o aumento da participação dos trabalhadores nas relações de trabalho, especialmente no tocante ao processo de admissão de novos trabalhadores, a determinação da jornada e duração do trabalho, a crescente uniformização de padrões salariais, a formação profissional, a negociação da introdução de novas tecnologias e as alterações do processo produtivo, a efetivação de demissões. Isso, contudo, não retirou do contrato de trabalho o seu caráter de centralidade das relações de trabalho. Neste ponto, nem mesmo os poderes do empregador inerentes a direção do trabalho subordinado – apesar de mitigados – perderam significado”. 12 Justamente sobre tais realidades que vivenciavam os países desenvolvidos é que as mudanças estruturais processadas nas décadas de 80 e 90 impactaram. A reestruturação capitalista que redesenhou a geografia das atividades produtivas e, conjuntamente, os tipos e formas do emprego 12 NETO, José Francisco Siqueira. Desregulamentação e Flexibilização do Direito do Trabalho. Revista de Direito do Mackenzie. São Paulo: nº 1, ano 1, 2000, p. 53-54. da mão de obra, terceirizou a economia e convulsionou o mercado de trabalho; mundializou os mercados e produtos e modificou, como já visto, por efeitos das novas tecnologias, também os trabalhos tradicionais. Como já explanado, passamos por um momento, no âmbito mundial, em que é rediscutido o caráter de que a norma trabalhista deve revestir-se neste novo panorama mundial. Trata-se do fortalecimento das teses que propugnam a desregulamentação e a flexibilização do direito do trabalho. A discussão acerca da desregulamentação e da flexibilidade do direito do trabalho exige daquele que a analisa a contextuação mínima dos ambientes trabalhistas enfocados, sob pena de, desconectando-se da realidade, consagrar como verdadeiras, generalidades fantasiosas. Prossegue o Ilustre Jurista Francisco Siqueira Neto afirmando: “Como as próprias expressões indicam, para „desregulamentar‟ e „flexibilizar‟ dado sistema de relações de trabalho, pressupõe-se a existência de uma regulamentação inflexível. A desregulamentação dos direitos trabalhistas é o processo pelo qual os mesmos são derrogados, perdendo a regulamentação. A desregulamentação, na verdade é um tipo de flexibilização promovida pela legislação. A flexibilização do direito do trabalho consubstancia-se no conjunto de medidas destinadas a afrouxar, adpatar ou eliminar direitos trabalhista de acordo com a realidade econômica e produtiva. (...)”. 13 Infere-se, da análise feita pelo autor sobre o tema, que a desregulamentação é uma espécie de flexibilização, enquadrando-se em sua forma heterônoma. Consiste em não mais legislar sobre determinada matéria, deixando para as partes tal incumbência, pela via da negociação coletiva ou, ainda, em derrogar as leis protetivas, gerando uma desregulação, que poderá ser total ou parcial. Elaborando um panorama do sistema de relações de trabalho no Brasil, observamos que as bases corporativistas lançadas no início da década de 30 foram consolidadas em meado da década de 40. Por força desses fatores determinantes do perfil institucional e dos fundamentos do direito do trabalho brasileiro, os efeitos da negociação coletiva de trabalho não se processaram, posto que a mesma inexiste nos seus padrões clássicos (resultantes da ampla liberdade sindical). Assim, as características básicas do direito do trabalho brasileiro são a heteronomia e a preponderância do direito individual do trabalho sobre o direito sindical. 13 Idem. ibidem. O intervencionismo estatal exacerbado, a repressão das ações sindicais dos trabalhadores geraram relações de trabalho marcadas pelo autoritarismo, pela unilateralidade das decisões; pela desconfiança mútua, pelo estímulo dos conflitos judiciais de natureza individual, pela forte atuação de intermediários (juízes, advogados e inspetores do trabalho) em substituição às funções interentes aos trabalhadores, sindicatos e empregadores, pela existência de entidades sindicais com representação de fato mas ainda juridicamente tratados como “ilegais”, pelo estrangulamento dos espaços e das condições da negociação coletiva, pelo número exagerados de greve “ilegais” ou “abusivas” e pelo contingente significativo de pessoas no mercado de trabalho informal.Os sindicatos não possuem liberdade plena, uma vez que a Constituição Federal de 1988, embora tenha mencionado expressamente que o Estado não poderia intervir na organização sindical, ainda manteve os entraves que impossibilitam a negociação coletiva em seu aspecto clássico: a) o princípio da unicidade sindical, o que estimula a manutenção de sindicatos inexpressivos, que não atendem às suas funções primordiais estabelecidas no próprio texto constitucional ou Consolidado, porque outro sindicato não poderá ser constituído na mesma base territorial, deixando o sindicato “livre de concorrência”, uma vez que não é dada outra opção ao trabalhador e b) a contribuição sindical compulsória, determinando a lei que o trabalhador é obrigado a manter financeiramente o sindicato, mesmo que este não atenda aos fins propostos. Nesse cenário institucional, em que não há autêntica representação sindical, verificamos que a desregulamentação, que se traduz pela derrogação das leis do direito individual trabalhista, é medida que se torna inviável, ao passo que deixa o empregado desamparado, sem nenhuma contrapartida em seu benefício. É de se verificar que se trata de uma verdadeira involução aos tempos primeiros, o que não pode ser permitido pela sociedade, pelos juristas e pelo povo em geral. Por outro lado, a flexibilização das leis do trabalho, no Brasil, é necessária e imprescindível, mas está comprometida, porque poucos são os sindicatos que conseguem impulsionar o processo de negociação coletiva compatível com a complexidade do tema. Dessa forma, em um primeiro plano, há que se redimensionar o sistema jurídico vigente no país, consagrando-se principalmente a liberdade sindical nos moldes consagrados pela OIT (liberdade sindical ampla), o efetivo direito de greve, a negociação coletiva de trabalho em todos os níveis; monitoramento das negociações coletivas e o desenvolvimento de políticas e a edição de legislação de fomento ao emprego. 6 – ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E CONTRÁRIOS À FLEXIBILIZAÇÃO 6.1 – Argumentos favoráveis No tocante aos argumentos favoráveis à flexibilização das leis trabalhistas, os que a defendem se preocupam, inclusive, com temas específicos. Tais defensores argumentam que, entre outras vantagens, haverá um aumento dos contratos por prazo determinado, pois o empregador tem que contratar o indivíduo sem a preocupação das despesas de indenização com a sua dispensa, afirmando, ainda, que isso interfere de maneira positiva para baixar o nível de desemprego no país. Outra idéia dos que defendem a tese da flexibilização é que seja modificada a forma de remuneração dos empregados. Atualmente, os salários, em sua maioria, são pagos mensalmente, pouco importando a produção da empresa. Com a flexibilização da forma de remuneração dos trabalhadores, os salários poderiam ser pagos de forma vinculada à produção da empresa, o que poderia representar um verdadeiro acréscimo, em determinados meses, ao bolso do trabalhador. Outrossim, mais um aspecto positivo da flexibilização dos direitos trabalhistas seria a abertura da terceirização de serviços dentro das empresas, o que estimularia a criação de novos postos de trabalho. Defendem, pelo acima exposto, a criação de cooperativas de trabalho, a utilização de trabalhador autônomo e o trabalho realizado em residência. A flexibilização é justificada pela transmutação da economia mundial na aplicação de normas de proteção ao trabalho, a fim de harmonizar interesses empresariais e profissionais. Trata-se da tendência econômica mundial, da qual o Brasil ou qualquer outro país do mundo, não conseguirá se esquivar. Ademais, os defensores do projeto de flexibilização das leis do trabalho acusam a CLT foi ter criado a dualidade do mercado de trabalho brasileiro entre os trabalhadores formais e os informais, entre os protegidos e os desprotegidos. Assim, a flexibilização e a liberalização da CLT, que o projeto aponta ao defender o negociado sobre o legislado, teriam efeitos positivos na diminuição das desigualdades porque incentivaria as empresas a ampliarem o emprego, desde que tivessem maior poder de negociação sobre os direitos trabalhistas que significam custos e encargos. 6.2 – Argumentos contrários Dentre aqueles argumentos desfavoráveis à flexibilização do direito do trabalho, importante destacar o que preceitua o jurista Amauri Mascaro Nascimento: “A flexibilização do direito do trabalho faria dele mero apêndice da Economia e acabaria por transformar por completo a sua fisionomia originária. O Direito do Trabalho deixaria de ser uma defesa do homem contra a sua absorção pelo processo econômico para ser unicamente um conjunto de normas destinadas à realização do progresso econômico, mesmo que com sacrifícios insuportáveis dos trabalhadores. Estariam, assim, plenamente fundamentadas modificações estruturais do direito do trabalho que o afetariam profundamente em suas bases”. 14 Destacamos o que nos ensina o jurista José Augusto Rodrigues Pinto: “Se praticada sem a necessária prudência, para atender ao interesse puramente capitalista, a flexibilização pode desaguar na pura e simples desregulamentação das relações de trabalho que determinar, sem dúvida, uma espécie de regresso do direito do trabalho, enquanto ramo da ciência jurídica, ao campo privado, pois foi o intervencionismo vigoroso e extenso da norma de interesse social que o incorpou seu tecido publicista e até inspirou classifica-lo para além do Direito Público, formando o que seria o tertium genus do direito social.” 15 Prossegue o autor: “Não se pode ignorar que a diminuição da presença do Estado na normatização das relações trabalhistas atinge dois pontos nevrálgicos, tanto que constituíram os focos das rebeliões das massas operárias, no século XVIII: a duração e a retribuição do trabalho, com o imediato reflexo sobre os campos da duração do contrato e da proteção do emprego. Um movimento dessa ordem não poderá deixar de tocar no núcleo existencial do direito do trabalho, formado por seus princípios peculiares, através dos quais teve início sua marcha para a autonomia. Isso já foi proclamado, entre outros, por Plá Rodrigues, ao sustentar que o princípio da proteção não será eliminado, mas sairá comprometido nos seus desdobramentos da regra mais favorável e da condição mais benéficas”. 16 Mais adiante, mais uma vez retorna o D. Jurista afirmando: “Assim, possibilidades como a da redução negociada dos salários, ampliação do leque de tolerância aos chamados contratos precários, redução da jornada para facilitar a partilha do trabalho, tornam vulnerável o princípio da proteção do hipossuficiente econômico e de alguns dos seus mais significativos desdobramentos, 14 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 28ª edição, 2002, p. 66. 15 PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho. São Paulo: LTR, 5ª edição, 2003, p. 69. 16 Idem. ibidem. p. 71. como o da irredutibilidade do salário, o da inalterabilidade in pejus do contrato e o da continuidade da relação de emprego”. 17 Vale mencionar, e talvez esse seja o ponto que merece maior número de críticas, que a flexibilização das leis do trabalho não poderá vir desacompanhada da reforma sindical. Isso porque, as Categorias mais organizadas, como a dos metalúrgicos, químicos e bancários conseguiriam manter todos os seus direitos, enquanto os pequenos sindicatos, mais frágeis e dominados por pelegos perderiam todos os direitos. O mundo globalizado, com a flexibilização,
Compartilhar