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FUNDAÇÃO OSWALDO ARANHA CENTRO UNIVERSITÁRIO DE VOLTA REDONDA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE E DO MEIO AMBIENTE HILDA TORRES FALCÃO PSICOMOTRICIDADE NA PRÉ-ESCOLA: APRENDENDO COM O MOVIMENTO VOLTA REDONDA 2010 FUNDAÇÃO OSWALDO ARANHA CENTRO UNIVERSITÁRIO DE VOLTA REDONDA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE E DO MEIO AMBIENTE PSICOMOTRICIDADE NA PRÉ-ESCOLA: APRENDENDO COM O MOVIMENTO Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Profissional em Ensino em Ciências da Saúde e do Meio Ambiente do UniFOA como requisito à obtenção do título de mestre em Ensino em Ciências da Saúde e do Meio Ambiente. Aluna: Hilda Torres Falcão Orientadora: Profª. Drª. Maria Auxiliadora Motta Barreto VOLTA REDONDA 2010 FOLHA DE APROVAÇÃO Aluna: Hilda Torres Falcão PSICOMOTRICIDADE NA PRÉ-ESCOLA: APRENDENDO COM O MOVIMENTO Orientadora: Profª. Dr.ª Maria Auxiliadora Motta Barreto Banca Examinadora: ____________________________________ Profa. Drª. Maria Auxiliadora Motta Barreto ____________________________________ Profa. Drª. Priscila Pires Alves ____________________________________ Profa. Drª. Maria de Fátima Alves de Oliveira Aos meus pais, origem de tudo. A meu companheiro Vinícius, meu filho Paulo Vitor, meu irmão e sobrinhos, minha amiguinha Ana Alice e minha companheira de viagem Christiane Pançardes. Vocês são a razão de minha vida e motivo do meu constante movimento. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, em primeiro lugar, por ter me possibilitado força e coragem, de não desistir jamais, apesar dos inúmeros momentos difíceis passados durante esta jornada. Aos meus pais pelo cuidado e carinho que sempre me dispensaram. A meu filho Paulo Vitor, pela compreensão, por anos de sacrifício e pelo amor e admiração que sente por mim. Ao Vinícius, meu companheiro, que sempre me incentivou e apoiou não me deixando desistir. A Ana Alice pelo carinho e compreensão. A minha ex-aluna, amiga, filha e companheira Christiane que estendeu-me a mão no momento em que mais precisava, desprendendo seu tempo na formatação e correção deste trabalho. Tão jovem, tão adulta e tão dedicada a mim. Você é com certeza, uma pessoa inesquecível, obrigada por fazer parte da minha história. A Maria Auxiliadora, minha orientadora, pessoa competente e incansável em seu apoio, exigente em suas críticas, mais amiga e compreensiva nos momentos que precisei. Sua firmeza e competência me seguirão por todos os caminhos que ainda quero percorrer. Aos meus alunos que torceram por mim e dos quais retiro minha inspiração para tornar- me a cada dia uma pessoa/docente melhor. RESUMO O presente trabalho visa entrelaçar Psicomotricidade e Educação Infantil, na fase pré-escolar, buscando assim, o entrecruzar da teoria-prática-teoria, a partir das ações pedagógicas dos professores e suas estratégias para trabalhar as dificuldades apresentadas pelas crianças na faixa etária pesquisada. O estudo foi realizado na cidade de Pinheiral, localizada na região Sul-Fluminense do Estado do Rio de Janeiro. A psicomotricidade na Educação Infantil atua como uma ação educativa podendo prevenir dificuldades de ordem motora através do corpo em movimento, auxiliando a criança na construção de sua integridade corporal, afirmação de identidade e conquista de autonomia intelectual e afetiva. Cabe ao professor favorecer o desenvolvimento integral da criança através de habilidades psicomotoras, tais como coordenação dinâmica geral, motora fina, viso-motora, esquema corporal, orientação espaço-temporal, lateralidade, ritmo e equilíbrio, condutas necessárias ao processo de ensino-aprendizagem. A partir desse estudo, propomos discutir a importância da psicomotricidade para as crianças da Educação Infantil na fase pré-escolar; identificar as possibilidades de intervenção psicomotora nas dificuldades apresentadas pelas crianças, nesta faixa etária e, construir um curso de pós-graduação Lato Sensu em Psicomotricidade na Educação Infantil, com o enfoque principal na formação de professores, para torná-los habilitados a trabalhar a partir dessa perspectiva na Educação Infantil. Palavras-chave: Educação Infantil; formação de professores; pré-escola; intervenção psicomotora; psicomotricidade. ABSTRACT The present work aims to weave Psychomotricity and Early Childhood Education in the pre-school, seeking thus the intersection of theory-practice-theory, from the actions of teachers and their teaching strategies to work on the difficulties faced by children in the age group surveyed. The study was conducted in the city of Pinheiral, located in South-Fluminense of Rio de Janeiro. The psychomotor in Early Childhood Education serves as an educational intervention can prevent difficulties in driving through the body in motion, assisting the child in building their bodily integrity, affirmation of identity and achievement of intellectual and emotional autonomy. The teacher has to promote the integral development of children through psychomotor skills, such as general dynamic coordination, fine motor, visual-motor skills, body scheme, spatial-temporal orientation, handedness, rhythm and balance, necessary to conduct the teaching and learning. From this study we discuss the importance of psychomotor for children in early childhood education in preschool, to identify possibilities for intervention in psychomotor difficulties faced by children in this age group, and build a course of postgraduate Sensu Lato Psychomotricity in kindergarten, with the main focus on teacher training, to make them able to work from this perspective in kindergarten. Keywords: Early Childhood Education; teacher training; pre-school; psychomotor intervention; psychomotor. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................ 09 2. PSICOMOTRICIDADE ................................................................................ 14 2.1 Histórico da noção de corpo ............................................................... 14 2.2 História da Psicomotricidade .............................................................. 16 2.3 Elementos básicos da psicomotricidade ........................................... 24 2.4 Desenvolvimento cronológico psicomotor ........................................ 33 2.5 Formas de intervenção Psicomotora .................................................. 40 2.6 Psicomotricidade e educação ............................................................. 43 3. CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO INFANTIL .. 47 3.1 Educação Infantil no Brasil ................................................................. 53 3.2 Organização do referencial curricular ................................................ 62 3.2.1 Organização por idade ................................................................... 63 3.2.2 Organização em âmbitose eixos .................................................. 64 4. FORMAÇÃO DO PROFESSOR DA EDUCAÇÃO INFANTIL ..................... 67 4.1 O professor e a psicomotricidade ..................................................... 78 5. MATERIAL E MÉTODOS ............................................................................ 82 6. CONCLUSÃO .............................................................................................. 87 7. REFERÊNCIAS ............................................................................................ 89 LISTA DE ANEXOS 1. Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos - CoEPS ................. 96 2. Questionário .............................................................................................. 97 3. Produto ....................................................................................................... 98 9 1. INTRODUÇÃO Vivemos um momento de profundas e rápidas transformações, principalmente no tocante ao processo de apreensão do conhecimento por parte das crianças, que precisam ser entendidas em sua totalidade: cognição, ação, movimento, emoção, espiritualidade, cultura; numa relação indissociável com o meio do qual fazem parte. As crianças, neste final de milênio, talvez não sejam as mesmas de antigamente. Atualmente são providas de objetividade, determinação e espírito crítico. Para Sarmento e Pinto (apud Kramer, 2005), ser criança tem variado de sociedade para sociedade, de cultura para cultura, ou seja, dentro de uma mesma cultura encontramos múltiplas subjetividades. A criança aparece, então, como fonte de inspiração e aprendizagem para o adulto. Com essas visões naturalizadas da infância, convive uma idéia da criança como sujeito que produz cultura e que, por essa razão, é a chave para informar as práticas da Educação Infantil. Se as crianças mudaram, os professores deverão mudar! Somos a raça humana! Somos a síntese e a antítese. Somos, em cada indivíduo, um SER! Somos, na nossa civilização, humano! Não existe ser humano que não aprenda e que não evolua. (COSTALAT, 2002, p.45). Trabalhando há mais de vinte anos com crianças e profissionais da Educação Infantil, na fase pré-escolar, na região Sul-Fluminense do Estado do Rio de Janeiro, surgiram os seguintes questionamentos: existe relação entre o desenvolvimento psicomotor e as dificuldades apresentadas pelas crianças no processo de ensino- aprendizagem na fase pré-escolar? As dificuldades de aprendizagem seriam decorrentes de problemas relacionados ao trabalho do professor em sala de aula? Com base nesses questionamentos, o presente trabalho objetiva investigar como as professoras da Educação Infantil, do município de Pinheiral – RJ, utilizam a psicomotricidade, em sua ação educativa, para facilitar o processo de ensino- aprendizagem, nas possíveis dificuldades apresentadas pelas crianças. Desta forma, propomos discutir a importância da psicomotricidade para as crianças da Educação Infantil na fase pré-escolar; identificar as possibilidades de 10 intervenção psicomotora nas dificuldades apresentadas pelas crianças, nesta faixa etária e, construir um curso de pós-graduação Lato Sensu em Psicomotricidade na Educação Infantil. Na intenção de compreendermos como o professor da Educação Infantil utiliza-se da psicomotricidade para favorecer o desenvolvimento das crianças no processo de ensino-aprendizagem, realizamos uma pesquisa bibliográfica, não com o intuito de mera repetição do que já foi dito ou escrito sob este assunto, mas realizar um exame minucioso a respeito deste tema, com novo enfoque a fim de chegar a conclusões inovadoras. De acordo com Manzo (1971, p. 32), a pesquisa bibliográfica ―oferece meios para definir, resolver, não somente problemas já conhecidos, como também explorar novas áreas onde os problemas não se cristalizaram suficientemente‖. Para levantamento dos dados referente ao trabalho do professor optamos pelo questionário, com base na formulação proposta por Young e Lundberg (apud Pessoa, 1998) que afirmam que o questionário deverá ser construído em blocos temáticos obedecendo uma ordem lógica na elaboração das perguntas, sendo sua redação feita em linguagem compreensível ao informante. A formulação das perguntas deverá evitar a possibilidade de interpretação dúbia, sugerir ou induzir a resposta, sendo as perguntas relacionadas aos objetivos da pesquisa. Através da nossa experiência profissional, foi observado que alguns professores, em seu cotidiano, organizavam atividades lúdicas, envolvendo a psicomotricidade, mas, de forma aleatória, não orientada à aquisição de habilidades motoras específicas. Isto pode ocorrer, provavelmente porque o professor da Educação Infantil talvez não tenha uma fundamentação teórica sobre psicomotricidade e, muito menos, o conhecimento da necessidade de uma prática psicomotora direcionada, com objetivos para cada faixa etária, para que a atividade motora lúdica, fonte de prazer, permita à criança prosseguir a organização de sua ―imagem‖ e ―esquema‖ corporal ao nível do vivido sendo que tal ação sirva de ponto de partida na sua organização prática em relação ao desenvolvimento das atitudes de análise percepto-motora (OLIVEIRA, 2007). 11 A psicomotricidade é uma ciência que, por ter o homem em movimento como objeto de estudo, envolve o desenvolvimento global e harmônico do indivíduo desde o nascimento. Por se tratar de uma ligação entre psiquismo e a motricidade, passa a englobar a área educacional e da saúde, atingindo o indivíduo em sua totalidade. A prática psicomotora deve ser entendida como um processo de ajuda que acompanha a criança em seu próprio percurso maturativo, que vai desde a expressividade motora e do movimento, até o acesso a capacidade de descentração. Esse processo permite que a criança faça uma análise cognitiva das qualidades dos objetos, dos parâmetros espaciais e temporais, realizando associações, comparações e agrupamentos, ordenando os objetos segundo diferentes critérios, categorias e classificações e criando espaços mediante a utilização de estratégias baseadas na lógica, apropriando-se, por meio deles, da lógica matemática e do pensamento operatório de Piaget (1996). Dessa forma, os objetivos da prática psicomotora se constituem num meio adequado, que favorece o processo de ensino-aprendizagem respeitando o processo maturativo de cada criança (SÁNCHEZ et al, 2003). A importância do trabalho psicomotor no processo de ensino aprendizagem é enfatizada por Piaget, Wallon, La Pierre e Le Boulch. De acordo com Le Boulch (1986) a educação psicomotora condiciona todos os aprendizados pré-escolares, levando a criança a tomar consciência do seu corpo no espaço e no tempo, adquirindo habilidades de coordenar seus gestos e movimentos. Previne dificuldades que possam surgir durante o processo de ensino- aprendizagem na faixa etária estudada. Segundo Lapierre (1986) e Le Boulch (1986) a psicomotricidade deve ser uma formação de base indispensável para toda criança, pois oferece uma melhor capacitação ao aluno para maior assimilação das aprendizagens escolares. Um bom desenvolvimento psicomotor proporciona ao aluno algumas capacidades básicas para um desempenho escolar favorável. 12 Piaget (1996) enfatiza que as atividades sensório-motoras são de suma importância para o desenvolvimento da inteligência. Desta forma, a partir da Educação Infantil, deve ser dada ênfase à atividade motora global, sendo o movimento, fundamental para desenvolver ou fazer surgir inúmeras habilidadesmotoras, pois há um rápido aperfeiçoamento dos movimentos adquiridos nas fases anteriores, favorecendo a combinação entre os movimentos e uma melhor qualidade dos mesmos. (...) o movimento é a única expressão e o primeiro instrumento do psiquismo. O movimento (ação), pensamento e linguagem são unidades inseparáveis. O movimento é o pensamento em ato, e o pensamento é o movimento em ato (WALLON, 1979, p.33). Para Wallon (1979), na evolução da criança, estão relacionadas a motricidade, afetividade e a inteligência. A motricidade é uma das origens da vida intelectual, e assim se caracteriza como um dos elementos fundamentais da Educação Infantil. O conhecimento, a consciência e o desenvolvimento geral da personalidade da criança não podem ser isolados das emoções. Sendo assim, no processo de construção do conhecimento, elas utilizam as mais diferentes linguagens e exercem a capacidade que possuem de terem idéias e hipóteses originais sobre aquilo que buscam desvendar. Nesta perspectiva constroem o conhecimento a partir das interações que estabelecem com as outras pessoas e com o meio em que vivem. Compreender, conhecer e reconhecer o jeito das crianças serem e estarem no mundo é o grande desafio da Educação Infantil e de seus profissionais. Nessa perspectiva, a escola na figura do professor é mediadora entre as crianças e os objetos de conhecimento, organizando e propiciando espaços e situações de aprendizagem através da articulação de recursos e capacidades culturais, afetivas, emocionais, sociais e cognitiva de cada criança com seus conhecimentos prévios e com os conteúdos referentes aos diferentes campos de conhecimento humano. Na instituição de Educação Infantil o professor constitui-se, portanto, o parceiro mais experiente, por excelência, cuja função é propiciar e garantir um ambiente rico, prazeroso, saudável, sendo capaz de detectar possíveis dificuldades que possam surgir durante o processo de ensino-aprendizagem, 13 podendo trabalhá-las no âmbito escolar e não encaminhando a profissionais especializados (OLIVEIRA, 2007). É, portanto, imprescindível que o professor da Educação Infantil detenha um conhecimento adequado sobre o desenvolvimento psicomotor das crianças, já que, a psicomotricidade se apresenta como uma alternativa a ser utilizada por ele, diante de possíveis dificuldades que possam surgir no processo de ensino aprendizagem, pois oferece uma maior capacitação a criança na assimilação das aprendizagens escolares. Pensando na formação destes profissionais, o presente trabalho está estruturado como descrito a seguir: no primeiro momento foi realizado revisão da literatura compreendendo a história da Psicomotricidade no mundo e no Brasil. Em seguida, abordamos os elementos básicos, desenvolvimento cronológico e as formas de intervenção psicomotora e depois relacionamos Psicomotricidade e Educação. Num segundo momento abordamos a concepção de infância e a história da Educação Infantil no mundo e no Brasil, assim como a organização do referencial curricular, organização por idades, organização em âmbitos e eixos. A formação do professor que trabalha com a faixa etária estudada, também será descrita neste momento. Em seguida fizemos a descrição da pesquisa com discussão dos resultados e a partir daí, apresentamos nossa proposta de um curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Psicomotricidade. Trata-se de uma proposta visando contribuir para a formação continuada do professor da Educação Infantil através da utilização de recursos psicomotores que possam favorecer a aquisição de habilidades básicas para aprendizagens futuras. 14 2. PSICOMOTRICIDADE 2.1 HISTÓRICO DA NOÇÃO DE CORPO Através do percurso histórico, do corpo discursivo e simbólico, o mesmo ficará marcado pelas diferentes concepções que o homem vai construindo ao longo da história. O corpo dentro da mitologia é aquele cujo sentido está na possibilidade de dar forma e explicação aos conflitos e sentimentos inexplicáveis. Ou seja, os deuses em suas configurações corporais representam aquilo que os homens sonham em ser, tornando possível conviver com os mais difíceis conflitos do ser humano, que resulta da impotência imposta por seus limites, como por exemplo: limites da dor, morte, sofrimento e fugacidade da vida. A palavra corpo provém, por um lado, do sânscrito garbhas, que significa embrião e, por outro lado, do grego karpós, que significa fruto, semente, envoltura e, por último do latim corpus, que significa tecido de membros, envoltura da alma, embrião do espírito (LEVIN, 2003). Utilizando da etimologia acima, percebemos que a envoltura da alma e o embrião do espírito nos remetem ao corpo anatômico e fisiológico que se constitui singularmente pelas experiências e vivências no mundo vivido, permitindo a imersão da corporeidade que se constrói no emaranhado das redes sociais e culturais, possibilitando o surgimento da multiplicidade de concepções corporais na história da humanidade. Da civilização oriental à civilização ocidental e, dentro desta, a civilização grega, passando pela Idade Média, até os nossos dias, a significação do corpo vem sofrendo inúmeras transformações. Na Antiguidade, havia uma dicotomia entre o corpo e a alma, mas na busca de um corpo belo, através do culto excessivo do esplendor físico, enfatizando músculos bem desenvolvidos considerados sinal de masculinidade. A concepção de Platão pressupõe a noção de instrumentalidade do corpo: sendo apenas lugar de transição da existência no mundo de uma alma imortal. Onde o primeiro elemento da educação do espírito e do corpo está em alimentá-lo e mexê- 15 lo a cada momento, afirmando haver uma separação distinta entre corpo e alma. (Bueno, 1998). Para Aristóteles o corpo era matéria moldada pela alma. A alma é que põe o corpo em movimento, sendo ela a forma do corpo. Enunciava, assim, um primórdio de pensamento psicomotor quando analisou a função da ginástica para melhorar o desenvolvimento do espírito. Afirmava que o homem era constituído de corpo e alma e valorizava bastante a ginástica, pois ela servia para dar graça, vigor e educar o corpo. De acordo com suas idéias, a ginástica deveria ser desenvolvida até o período da adolescência com exercícios não muito cansativos para não prejudicar o desenvolvimento do espírito, dando a esta uma conotação de movimento, como algo mais do que simplesmente o exercício pelo exercício (MASSUMI, 2005). No século XVIII Descartes estabelece ―princípios fundamentais‖ a partir dos quais se acentua a dicotomia: o corpo, ―que é apenas uma coisa externa que não pensa‖, e a alma, substância pensante por excelência que ―não participa de nada daquilo que pertence ao corpo‖. O dualismo corpo – alma marca, por um lado, a separação, mas, ao mesmo tempo e contraditoriamente, sua união. Separações e uniões que formam uma continuidade e articulação ao longo da história, tentando fornecer explicações do corpo e da ―alma‖ do sujeito (LEVIN, 2003). No século XIX, como advento do capitalismo e os movimentos de emancipação da mulher, o corpo é mais uma vez submisso de uma mente que impera e carrega em sua estrutura a luz capaz de esclarecer as dúvidas e trazer a verdade: o corpo torna-se objeto, ou seja, um artefato cultural que pode agora ser moldado, segundo modelos e padrões que dita uma estética de beleza. É o fenômeno da corpolatria, que presenciamos tão intensamente, onde há o endeusamento do corpo, como sendo um fenômeno que não descarta a possibilidade de ―morte do corpo‖ para o espírito, recolocando, de forma invertida a velha dicotomia. Tentamos mostrar como aconcepção de corpo atravessou a história e chegou aos nossos dias. Mas, talvez a grande conclusão a que possamos chegar 16 seja, a de que a relação do homem com seu corpo nunca será objetiva, mas carregada de valores e sentimentos. 2.2 HISTÓRIA DA PSICOMOTRICIDADE A pré-história da psicomotricidade começa desde que o homem fala, já que a partir desse instante falará por meio do seu corpo. Sua história é solidária à história do corpo. Historicamente o termo ―psicomotricidade‖ aparece a partir do discurso médico, mais precisamente neurológico, no final do século XIX, quando foi necessário nomear as zonas do córtex cerebral, situadas além das regiões ―motoras‖. Foi Dupré, neurologista francês que, em 1907, com seus estudos clínicos, definiu a síndrome da debilidade motora, dando partida à psicomotricidade (PM) sendo composta de: sincinesias (movimentos involuntários que acompanham uma ação), paratomias (incapacidade para relaxar voluntariamente uma musculatura) e inabilidades, sem que lhes sejam atribuídos danos ou lesão extrapiramidal. Ele rompeu com os pressupostos da correspondência biunívoca entre a localização neurológica e as perturbações motoras da infância e formulou a noção de psicomotricidade através de uma linha filosófica neurológica, evidenciando o paralelismo psicomotor, ou seja, a associação estreita entre o desenvolvimento da psicomotricidade, inteligência e afetividade (LEVIN, 2003). Desta forma, o autor acima afirma (apud FALCÃO, 2005, p. 14) que ―entre certas alterações mentais e as alterações motoras correspondentes existe uma união tão íntima que parecem constituir verdadeiras paralelas psicomotoras‖. A patologia cortical, a neurofisiologia e neuropsiquiatria são conhecidas como as três vias de acesso do conceito de psicomotricidade. Já no século XIX, são descobertos ―distúrbios da atividade gestual e da atividade práxica‖, sem que anatomicamente estejam circunscritos a uma área ou parte do sistema nervoso. Portanto, o ―esquema estático anátomo-clínico‖, que determinava para cada sintoma sua correspondente lesão focal, já não podia explicar alguns fenômenos patológicos. Justamente, é a necessidade médica de 17 encontrar uma área que explique certos fenômenos clínicos que nomeia, pela primeira vez, o termo psicomotricidade, no ano de 1870 (CAMUS, 1986). Em 1918, pesquisas realizadas pela psicanálise, em particular os trabalhos de Spitz e Winnicot, salientaram a importância do afeto no desenvolvimento. A situação afetiva das crianças portadoras de transtornos psicomotores era peculiar, devido a uma situação social de pós-guerra, sem pais, em orfanatos ou nas ruas. Foi constatado que a imaturidade afetiva era a causa principal das dificuldades motoras. Depois da Segunda Guerra Mundial e da teoria de Freud, por volta de 1845, sob o impulso da psicanálise, se orientou a reeducação psicomotora. Surgindo na França a ―Sociedade dos Terapeutas Psicomotores‖, nas figuras de Mazza, Degh, Diamant e Simone Ramain (FERRONATTO, 2006). A corrente educativa nasceu da influência da Educação Física, que não teve condições de corresponder às necessidades de uma educação real do corpo, assim em 1966 foi utilizada a palavra psicocinética (teoria do movimento) correspondendo à escolha definitiva na educação do corpo. Segue então, a educação psicomotora em busca de sua própria identidade (OLIVEIRA, 2007). O grande pioneiro da psicomotricidade vista como campo científico é o médico, psicólogo e pedagogo Henry Wallon (1879-1962). Segundo Fonseca (1998), este forneceu observações definitivas acerca do desenvolvimento neurológico de recém-nascido e da evolução psicomotora da criança. Wallon dizia que ―o movimento é a única expressão e o primeiro instrumento do psiquismo‖. Na evolução da criança, portanto, estão relacionadas à motricidade, afetividade e a inteligência. Para ele, a motricidade é uma das origens da vida intelectual, e assim se caracteriza como um dos elementos fundamentais da Educação Infantil. O conhecimento, a consciência e o desenvolvimento geral da personalidade não podem ser isolados das emoções. Wallon (1979) realizou um importante trabalho sobre os aspectos psicofisiológicos da vida afetiva, a consciência corporal, a relação intrínseca tônus – 18 emoção, chamando de diálogo tônico, assinalando que a atividade de relação e a atividade postural têm em sua origem, uma raiz comum. Em 1935, impulsionado pelas obras de Wallon, Edouard Guilman (1901-1983) inicia a prática psicomotora, que estabelece, por meio de diferentes técnicas provenientes da neuropsiquiatria infantil, a reeducação psicomotora, que são exercícios para reeducar a atividade tônica, a atividade de relação e o controle motor. Esta primeira aproximação ―prática‖ entre a conduta psicomotora e o caráter da criança foi utilizada posteriormente, como modelo para diferentes reeducadores pedagógicos e psicomotores, como, por exemplo, na Argentina, por Dalila M. Costallat. Era um trabalho dirigido a crianças que apresentavam déficit em seu funcionamento motor e não governavam bem o próprio corpo, o que ocasionava uma série de problemas em seu meio social (LEVIN, 2003). Na Alemanha, em 1942, Kofka, Kohler e os psicólogos da Gestalt interessaram-se pelos mecanismos da percepção. Ainda nesta época, os trabalhos de Schultz e de Jacobson definiram os primeiros métodos de relaxação. Na área da psicologia evolutiva, os psicopedagogos Clapariede, Montessori e Piaget estudaram o desenvolvimento sensório-motor da criança, propiciando uma melhor compreensão de seu desenvolvimento (LEVIN, 2003). Piaget (1896-1980) foi um dos autores que mais estudou as inter-relações entre a psicomotricidade e a percepção, através de ampla experimentação. Descreveu a importância do período sensório-motor e da motricidade principalmente antes da aquisição da linguagem, no desenvolvimento da inteligência. Para ele, o desenvolvimento mental se constrói, paulatinamente, é uma equilibração progressiva, uma passagem contínua, de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio superior. Segundo Oliveira (2007) a inteligência, portanto, é uma adaptação ao meio ambiente, sendo que para que isso aconteça, é necessário inicialmente a manipulação dos objetos do meio com a modificação dos reflexos primários. (...) adaptação se dá na interação com o meio e se faz por intermédio de dois processos complementares: assimilação, que é o processo de incorporação dos objetos e informações às estruturas mentais já existentes; 19 e a acomodação significando a transformação dessas estruturas mentais a partir das informações sobre os objetos. (OLIVEIRA, 2007, p.31). Em 1947-1948 Ajuriaguerra e Diatkine provocaram uma mudança na história da psicomotricidade e redefiniram o conceito de debilidade motora, considerando-a como uma síndrome de propriedades particulares. Contudo, Ajuriaguerra (1980), em seu livro ―Manual de Psiquiatria Infantil‖, afirma que os transtornos psicomotores oscilam entre o neurológico e o psiquiátrico. O início da década de 1960 foi rico nos planos teóricos e práticos. Nesse momento, Ajuriaguerra definiu terapia psicomotora: É uma técnica que por intermédio do corpo e do movimento dirigi-se ao ser na sua totalidade. Ela não visa à readaptação funcional por setores e muito menos, a supervalorização do músculo, mas a fluidez do corpo no seu meio. Seu objetivo é permitir ao indivíduo melhor sentir-se no espaço, no tempo, no mundo dos objetos e chegar a uma modificação e a uma harmonização com o outro (AJURIAGUERRA, 1980, p. 213). As contribuições de Ajuriaguerra, por volta de 1960, somadas às de Wallone Piaget; influenciaram o curso de pensamentos de outros autores como: R. Diatkine, C. Launay, J. Berges, Jolivet, S. Lebovici, permitindo-lhes redefinir os objetos da psicomotricidade, dando ênfase especial à relação, às emoções e ao movimento. Essas redefinições também sofreram influência de conceitos psicanalíticos relativos ao campo de afetividade, destacando-se psicanalistas como S. Freud, M. Klein, J. Lacan, W. Reich, P. Schilder, F. Dolto, Samí Alí, D. Winnicott, Manoni, entre outros. Ajuriaguerra (1980) afirma ser um erro estudar a psicomotricidade apenas por um prisma do plano motor, sem estar acompanhada de um plano mental. É pela motricidade e pela visão que a criança descobre o mundo dos objetos e é manipulando-os que ela redescobre o mundo; porém, esta descoberta a partir dos objetos só será verdadeiramente frutífera quando a criança for capaz de segurar e de largar, quando ela tiver adquirido a noção de distância entre ela e o objeto que ela manipula, quando o objeto não fizer mais parte de sua simples atividade corporal indiferenciada. A psicomotricidade não é exclusiva de um método, ou de uma ―escola‖ ou de uma ―corrente‖ de pensamento, nem constitui uma técnica, um processo, mas visa fins educativos pelo emprego do movimento humano (AJURIAGUERRA, 1980, p. 210). Na década de 1970, devido à influência dos trabalhos de Wallon, surgem os trabalhos na educação psicomotora, por Le Boulch, que desde 1966, em seu livro ―A 20 Educação pelo Movimento‖, tinha como objetivo inicial sensibilizar os professores do primeiro grau, quanto ao problema da educação psicomotora na escola, pois era um contexto desfavorável à pedagogia da época, centrada na aquisição das ―Habilidades Escolares de Base‖. Para Le Boulch (1986, p. 25) A educação psicomotora deve ser considerada como uma educação de base na escola primária. Ela condiciona todos os aprendizados pré- escolares; leva a criança a tomar consciência do seu corpo, da lateralidade, a situar-se no espaço, a dominar o tempo, a adquirir habilmente a coordenação de seus gestos e movimentos. A educação psicomotora deve ser praticada desde a mais tenra idade; conduzida com perseverança, permite prevenir inadaptações, difíceis de corrigir quando já estruturadas. Somaram-se a estes, os trabalhos de L. Picq (1985), P. Vayer (1984), A. Lapierre (1986), B. Auconturier (apud LEVIN 2003), Defontaine (apud LEVIN 2003), J. C. Coste (1997) e outros, que percebiam nesse momento a educação psicomotora, enquanto maneira original de ajudar a criança inadaptada a desenvolver suas potencialidades e ter acesso ao mundo escolar. Os autores trouxeram conhecimento e soluções inspiradas na psicologia genética, a qual afirmava que a criança desenvolve o conhecimento de si mesma e do mundo que a cerca através de sua ação. Com estas novas contribuições, a psicomotricidade diferencia-se de outras disciplinas adquirindo sua própria especificidade e autonomia. De acordo com Levin (2003), as contribuições da psicanálise passaram a integrar os interesses teóricos e metodológicos da psicomotricidade e em 1977, Samí Alí, lança uma proposta para articulações entre as teorias psicanalíticas e a psicomotricidade. Sendo assim, a psicomotricidade incorpora em suas construções teóricas vários conceitos psicanalíticos, tais como inconsciente, transferência, imagem corporal, sublimação e outros, formando um esboço de uma teoria psicanalítica de psicomotricidade. Ao longo da história no âmbito psicomotor podem ser especificadas diferentes transições: do motor ao corpo, e deste ao sujeito com um corpo em movimento. Já não é possível confundir o corpo com o sujeito nem o sujeito com o corpo. Eles não 21 são sinônimos, nem tão pouco equivalentes e, é justamente porque tampouco podem ser desamarrados um do outro que a Psicomotricidade é nomeada. Em 1984, Morizot observou que, a partir da década de 30, começaram a ser incorporadas outras noções decorrentes de pesquisas no campo da psicologia e da psicanálise. Charcot trouxe contribuições na área das funções motores, para fazer dela a base da patologia psiquiátrica. Head delimita sua abordagem do esquema corporal, Schilder carrega a visão psicanalítica da imagem do corpo. Gesell e Wallon abordam os aspectos psicológicos da vida afetiva, a consciência corporal e a relação intrínseca tônus-emoção. O propósito foi definir a realidade do fenômeno da ―consciência de si‖, que se manifesta como consciência de seu corpo e que permite a auto-percepção (LEVIN, 2003). Nesta época dá-se uma nova definição a psicomotricidade: ―uma motricidade em relação‖, onde se opera uma passagem no enfoque do olhar do psicomotricista, não mais voltado ao plano motor, mas direcionado a um corpo em movimento. Sendo assim, não se trata mais de uma reeducação, mas de uma terapia psicomotora, que se ocupa, observa e opera num corpo em movimento que se desloca e que constrói a realidade, à medida que se emociona e cuja emoção manifesta-se tonicamente neste corpo. Visto dessa maneira, essa abordagem, com um enfoque ―global‖ do corpo do sujeito, estaria determinada por três dimensões: uma dimensão instrumental, uma dimensão cognitiva e a dimensão tônico-emocional. A Psicomotricidade é um caminho, é o desejo de fazer, de querer fazer e de poder fazer, neste sentido o homem não é exclusivamente um ser motor ou somente um ser psíquico. O homem é psicomotor, é a articulação do ter, do ser, do querer, do poder ser e fazer (OLIVEIRA, 2007). Os norte-americanos insistem sobre a concepção perceptivo-motora e o papel do desenvolvimento motor no desenvolvimento perceptivo. Kephart (apud Lorenzon, 1995) considerou as experiências de espaço e tempo como fase da aquisição, bem como da generalização motora, e sugeriu um programa de exercícios de desenvolvimento perceptivo motor, de controle ocular e de percepção da forma. Por 22 outro lado, Cratty estudou o comportamento perceptivo motor numa visão global do movimento, ligada ao desenvolvimento intelectual e esquematizou sua teoria na pirâmide do comportamento perceptivo motor. Ainda neste período, Getman iniciou uma investigação do complexo visuo-motor e Frostig, por seu conhecimento no campo das dificuldades escolares e seu teste evolutivo de percepção visual, assentou seu trabalho na educação e reeducação das aquisições visuoperceptivo- motoras, considerando-as básicas e essenciais para o sucesso escolar (LORENZON, 1995). No Brasil, a história da Psicomotricidade segue os passos da Escola Francesa. Os primeiros documentos registram seu nascimento na década de 1950, quando Cruspun já mencionava atividades psicomotoras indicadas no tratamento de distúrbios de aprendizagem. Os estudos de Dupré e Charcot originados da via instinto-emocional – buscando respostas sobre crianças com dificuldades escolares – nortearam também os cientistas sul-americanos e brasileiros a encontrarem, na França, o refúgio para suas dúvidas. Era clara e nítida a influência da Escola francesa de Psiquiatria Infantil, da Psicologia e da Pedagogia, no Brasil e no mundo e, finalmente, na história da Psicomotricidade (COSTALLAT, 2002). Na década de 1960, o governo de Minas Gerais, preocupado em fundar a primeira escola de formação de professores de grau superior, convida a psicóloga russa, Dra. Helena Antipoff, a trazer para o Brasil suas experiências e pesquisas com crianças diferenciais. Sendo assim, esta traz sua experiência em deficiência mental, baseada na Pedagogia do interesse, derivada do conhecimento do sujeito sobre si mesmo, como uma conquista social (COSTALLAT, 2002). Ainda nesta década surgia o questionamento sobre qual era área de atuaçãoprofissional da psicomotricidade: a Psicologia, Educação Física, ensino especial, Fonoaudiologia, Fisioterapia etc. Contudo, foi na década de 1970 que realmente eclodiu a psicomotricidade no Brasil. Em 1980, é fundada a Sociedade Brasileira de Psicomotricidade (SBP), entidade de caráter científico-cultural sem fins lucrativos, promovendo congressos, 23 encontros científicos, cursos, entre outros. Em 1999 a SBP define a psicomotricidade como: ciência que tem como objeto de estudo, o homem através do seu corpo em movimento em relação ao seu mundo interno e externo, bem como suas possibilidades de perceber, atuar, agir com o outro, com os objetos e consigo mesmo. Está relacionada ao processo de maturação, onde o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. Segundo Fonseca (2004), a psicomotricidade na contemporaneidade constitui uma abordagem multidisciplinar do corpo e da motricidade humana. Seu objeto é o sujeito humano total e suas relações com o corpo, sejam elas integradoras, emocionais, simbólicas ou cognitivas, favorecendo o desenvolvimento das faculdades expressivas do mesmo, nas quais, por esse contexto, assume uma dimensão educacional preventiva, com objetivos e meios próprios que se destacam de outras abordagens. Ainda de acordo com Fonseca (2004) a psicomotricidade, em termos de matriz teórica, compreende um ramo interdisciplinar de conhecimentos, no qual se cruzam várias contribuições científicas, além de conceitos psicobiológicos e psicofisiológicos inerentes ao estudo da função tônico-postural, da percepção e da motricidade expressiva. Integra também conceitos: Psicológicos (desenvolvimento psicomotor, gênese da noção do corpo, formação do caráter e da personalidade, etc); Psiquiátricos (noção de inconsciente, emergência das pulsões, síndromes de despersonalização, anorexias mentais, hipocondrias, etc); Psicossomáticos (dimensão imaginária do corpo, simbiótica e simbólica corporal, etc); Psicolingüísticos (linguagem pré-verbal, linguagem interior e gestual, etc); Fenomenológicos (o sentir o corpo como objeto afetivo, percepção corporal, espacialidade do próprio corpo, motricidade abstrata, intencionalidade motora e análise existencial dos problemas perceptivos, etc); Sociológicos (comunicação não-verbal, proxêmica, etc). 24 Em suma, a psicomotricidade procura aprofundar a interação de dois componentes importantes do comportamento humano: por um lado, a motricidade, entendida como um sistema dinâmico que subentende a organização de um equipamento neurobiológico, sujeito ao desenvolvimento e à maturação e por outro, o psiquismo, entendido como funcionamento de uma atividade mental, composta de dimensões sócio-afetivas e cognitivas. 2.3 ELEMENTOS BÁSICOS DA PSICOMOTRICIDADE Estes são compreendidos como: tônus muscular, equilíbrio, coordenação motora global, coordenação motora fina, coordenação óculo-manual, esquema corporal, imagem corporal, conceito corporal, lateralidade, estruturação espacial, estruturação temporal, percepção visual e percepção auditiva, que serão brevemente descritos, a seguir: a) tônus muscular: é uma tensão ligeira e permanente do músculo esquelético no seu estado de repouso, estando presente em todas as funções motrizes do organismo, tais como equilíbrio, coordenação e movimento. o tônus surge como uma função que assegura a preparação da musculatura para as múltiplas e variadas formas de atividade motora, desde a postura, as diversas formas de locomoção e de atividade até as praxias mais complexas; e está ligado aos aspectos neurofisiológico, hereditários e de maturação (PAILLARD, 1996 apud FONSECA, 2008, p. 184). Ajuriaguerra (1980, p. 210) refere-se a duas formas de tonicidade: de repouso (ou de fundo): de caráter permanente; de atividade: de característica da ruptura da atitude. Entre estas duas formas há uma interação recíproca com sistemas de referências complexas, que se traduz na complementaridade sensório-motora, sendo à base de integração da psicomotricidade em níveis mais hierarquizados do cérebro. b) equilíbrio: é à base de sustentação de toda coordenação entre os movimentos dos vários seguimentos corporais entre si e no seu todo. Desta forma não pode 25 haver movimento sem atitude, como também não pode haver coordenação de movimento sem um bom equilíbrio, pois isso permite o ajustamento do homem ao meio. Segundo Tubino (2003, p. 190) é ―a colocação perfeita do centro de gravidade e a combinação perfeita de ações musculares com o propósito de sustentar o corpo sobre uma base‖. O equilíbrio pode se classificar em dois tipos: Equilíbrio estático – que são movimentos não locomotores como, por exemplo, ficar de pé, apenas com a ponta dos pés tocando o solo, com elevação dos calcanhares e os pés unidos. Equilíbrio dinâmico – são movimentos locomotores como, por exemplo, o andar em marcha normal sobre uma linha pré-delimitada. Equilíbrio recuperado – é a qualidade física que explica a recuperação do equilíbrio numa posição qualquer. c) coordenação motora global: diz respeito à atividade dos grandes músculos, e depende da capacidade de equilíbrio postural, subordinado às sensações proprioceptivas cinestésicas e labirínticas. Através da movimentação e da experimentação, o indivíduo procura seu eixo corporal, vai se adaptando e buscando um equilíbrio cada vez melhor, vai coordenando seus movimentos, se conscientizando de seu corpo e das posturas. A coordenação motora global e a experimentação levam a criança a adquirir a dissociação de movimentos, possibilitando a realização de múltiplas práxias ao mesmo tempo, com cada membro realizando uma atividade diferente, havendo uma conservação de unidade do gesto. Diversas atividades levam à conscientização global do corpo, como andar, que é um ato neuromuscular que requer equilíbrio e coordenação; correr, que requer, além destes, resistência e força muscular; e outras como saltar, rolar, pular, arrastar-se, nadar, lançar-pegar, sentar (OLIVEIRA, 2007). d) coordenação motora fina: diz respeito à habilidade manual e destreza manual e constitui um aspecto particular da coordenação global. Uma coordenação elaborada dos dedos da mão facilita a aquisição de novos conhecimentos, pois é através do ato de preensão que uma criança vai descobrindo pouco a pouco os objetos de seu 26 meio ambiente. Brandão (apud OLIVEIRA, 2007, p. 42) ―analisa a mão como um dos instrumentos mais úteis para a descoberta do mundo, afirmando que ela é um instrumento de ação a serviço da inteligência‖. e) coordenação óculo-manual: é a habilidade de coordenar o movimento ocular com os movimentos do corpo, acompanhando os gestos das mãos de forma coordenada para se realizar determinada atividade. Efetua-se com precisão sobre a base do domínio visual previamente estabelecido ligado aos gestos executados, facilitando, assim, uma maior harmonia do movimento. Para Ajuriaguerra (1980), os fatores decisivos de precisão da coordenação óculo-manual necessários para o desenvolvimento da escrita dependem: da maturação geral do sistema nervoso, desenvolvimento psicomotor geral em relação à tonicidade, coordenação dos movimentos e desenvolvimento da motricidade fina dos dedos e da mão. f) esquema corporal: se constrói a partir da experiência corporal e se organiza pela experienciação do corpo em seu meio. O termo nasceu em 1911 com o neurologista Henry Head, tendo um cunho essencialmente neurológico. Segundo Head (apud Oliveira, 2007, p. 48), ―o córtex cerebral recebe informações das vísceras, das sensações e percepções táteis, térmicas, visuais, auditivas e deimagens motrizes, o que facilitaria a obtenção de uma noção, um modelo e um esquema de seu corpo e de suas posturas‖. Para Rosa Neto (2002), o esquema corporal pode ser definido no plano educativo como a base de toda organização da personalidade. A elaboração corporal segue as leis da maturidade céfalo-caudal, próximo distal e de movimentos globais para movimentos específicos. Segundo Le Boulch (1986), a construção do esquema corporal, isto é, a organização das sensações relativas a seu próprio corpo em associação com os dados sensoriais múltiplos proprioceptivos, exteroceptivos e interoceptivos, exerce um papel fundamental no desenvolvimento da criança. Essa organização é o ponto de partida de suas diversas possibilidades de ação, através do corpo estático ou em movimento, e suas relações com as partes do corpo, com o espaço, com as pessoas com quem convive, com os objetos circundantes e com o mundo onde estabelece 27 ligações afetivas e emocionais. Assim, o esquema corporal possui três etapas, onde cada uma delas possui aprendizagens próprias, em razão da evolução da maturação da criança e de sua idade cronológica. Corpo vivido (até três anos de idade): corresponde à fase da inteligência sensório-motora de Piaget. Os primeiros movimentos do bebê são através dos outros, ou seja, em virtude da imagem do outro em movimento é que ele aprende a mover-se (imitação). Essa etapa é dominada pela experiência vivida pela criança através da exploração do meio. Até o fim do primeiro ano de vida, o bebê aprende a eliminar todos os comportamentos que não lhe são proveitosos, estabelecendo ligações entre seus movimentos e suas sensibilidades. É uma fase marcada pelo movimento constante, o que possibilita experiência subjetiva de seu corpo e a ampliação de sua experiência motora. Corpo percebido ou descoberto (três a sete anos): corresponde à ―função de interiorização‖. Le Boulch (1986, p.18) define a função de interiorização como a ―possibilidade de deslocar sua atenção do meio ambiente para seu próprio corpo a fim de levar à tomada de consciência‖. Nesta etapa, a criança passa a aperfeiçoar e refinar seus movimentos, conquistando uma melhor coordenação dentro de um espaço e tempo determinado. Ela chega à representação mental dos elementos do espaço, descobre sua dominância e com ela seu eixo corporal. Passa a ver seu corpo como ponto de referência para se situar e situar os objetos em seu espaço e tempo. Com o tempo pode chegar à estruturação espaço-temporal, a qual ocorre a partir de seu próprio corpo. Assimila conceitos como embaixo, acima, direita, esquerda etc., além das noções temporais: o que vem antes, depois, primeiro, último. O final desta etapa pode ser caracterizado como período pré- operatório da teoria de Piaget, porque está submetido à percepção num espaço em parte representado, mas ainda centralizado sobre o próprio corpo. Corpo representado (sete a doze anos): esta etapa compreende a estruturação do esquema corporal, pois já apresenta a noção do todo e das partes de seu corpo, conhece as posições e consegue movimentar-se adequadamente no meio ambiente com um maior controle e domínio corporal. A partir daí, a criança amplia e organiza seu esquema corporal. No início desta fase, a imagem corporal é estática e reprodutora, mas por volta dos 10/12 anos a criança começa a possuir 28 uma imagem mental do corpo em movimento. É a fase da representação mental da imagem do corpo, que revela um trabalho mental em decorrência da evolução cognitiva. Segundo a teoria de Piaget, esta fase, é denominada estágio das operações concretas. Ela é marcada por uma modificação decisiva e importante no desenvolvimento dos seguintes aspectos: mental, inteligência, afetividade e relações sociais da criança (ALVES, 2005). g) imagem corporal: é um conceito introduzido pela primeira vez por L‘Hermitte, mas é Schilder que, em 1935, dá toda dimensão à noção, ultrapassando a realidade neuropsicológica, fazendo-nos descobrir o aspecto mental e social (LE BOULCH, 1986). Segundo Schilder (apud OLIVEIRA, 2007), a imagem corporal seria uma representação mental de nosso corpo e não uma mera percepção e sim uma ―integração de diferentes gestalten‖, sendo uma gestalten biológica e uma em contínua modificação como participante da imagem corporal. A imagem corporal não é estática, ou seja, passa por várias fases ou períodos de maturação para que a criança possa a vir constituir-se como um ser que atua sozinha. A imagem do corpo é função da organização das emoções, o que naturalmente implica e exige a relação com o outro, isto é, implica um determinado tempo e momento. As emoções se expressam, fundamentalmente, no campo mímico corporal, e o corpo, nesta perspectiva, é um emissor de sinais de (e com) significado sociocultural (ALVES, 2005). Segundo Rosa Neto (2002) a imagem corporal como resultado complexo de toda a atividade cinética, sendo esta a síntese de todas as mensagens, de todos os estímulos e de todas as ações que permitem à criança se diferenciar do mundo exterior e de fazer do ―eu‖ o sujeito de sua própria existência, sendo assim, o corpo acaba por ser investido de significados, de sentimentos e de valores muito particulares e absolutamente pessoais. h) conceito corporal: envolve um conhecimento intelectual e consciente do corpo e também da função de seus órgãos. Para Alves (2005, p. 56): 29 (...) a criança aprende os conceitos e as palavras correspondentes aos diferentes segmentos e às diferentes regiões do corpo bem como suas funções, através de diversas modalidades e levando em consideração: Identificação da cabeça, das partes do rosto, do pescoço, do tronco, dos membros inferiores e dos superiores em si, nos outros, em objetos, em gravuras; Representação mental e repetição verbal e mental, que seria a introjeção; Transposição nos outros, em objetos, em gravuras; Transcrição: o introjetado é projetado através de habilidades manuais e representações gráficas; Conhecimento e consciência dos órgãos dos sentidos, com suas respectivas funções; Conhecimento, consciência e educação da respiração. A nominação das partes do corpo, como diz Ajuriaguerra (1980, p.343), ―confirma o que é percebido, reafirma o que é conhecido e permite verbalizar (por um mecanismo de redução) aquilo que é vivenciado‖. i) lateralidade: é a capacidade de se vivenciar as noções de direita e esquerda sobre o mundo exterior independentemente de sua própria situação física. Difere, portanto, do conceito de dominância lateral, que significa o predomínio ocular, auditivo e sensório motor de um dos membros superiores ou inferiores que deve ocorrer em todas as pessoas (MELLO, 1989, p.39). Segundo Oliveira (2007), lateralidade é a disposição do ser humano utilizar mais um lado do corpo do que o outro em três níveis: mão, olho e pé. De acordo com a autora o lado mais utilizado possui maior força muscular, mais precisão e mais rapidez, sendo ele quem inicia e executa o movimento, o outro lado só auxilia. Os dois lados funcionam de forma complementar. Ainda de acordo com a autora se o ser humano tiver mesma dominância da mão, do olho e do pé do lado direito chama-se destra homogênea; se for do lado esquerdo, chama-se canhota ou sinistra homogênea. Se possuir dominância espontânea nos dois lados do corpo, o que não é comum chama-se ambidestra. Pode ocorrer também de se usar a mão e olho direito e o pé esquerdo ou qualquer outra combinação, o que significa lateralidade cruzada. De acordo com Alves (2005) é partir dos sete anos, que a criança será capaz de perceber que direita e esquerda não dependem somenteuma da outra, mas 30 também da posição de outras pessoas em relação a ela e de seus deslocamentos acontecendo, então, uma descentralização de seus pontos de referência. j) estruturação espacial: não nasce com o ser humano, sendo uma elaboração e uma construção mental que se opera através do corpo em movimento em relação aos objetos que estão a seu redor. A estruturação espacial pode ser definida como: a tomada de consciência da situação de seu próprio corpo em relação ao meio ambiente, isto é, do lugar e da orientação que pode ter em relação às pessoas e coisas; a tomada de consciência da situação das coisas entre si; a possibilidade, para o sujeito, de organizar-se perante o mundo que o cerca, de organizar as coisas entre si, de colocá-las em um lugar, de movimentá-las. (DE MEUR e STAES, 1984 apud OLIVEIRA, 2007, p. 75) A criança, primeiro percebe a posição de seu próprio corpo no espaço, depois, a posição dos objetos em relação a si mesma e, por fim, aprende a perceber as relações das posições dos objetos entre si. De acordo com Craick (apud Oliveira, 2007), o espaço é um conceito que se desenvolve principalmente no cérebro, pois construímos nosso mundo espacial por meio da interpretação de dados sensoriais, tais como: audição, tato, mas principalmente à visão e sensações cinestésicas de movimento. Interpretamos essas informações ao mesmo tempo em que construímos os conceitos espaciais. É um círculo vicioso, que ocorre da seguinte forma: Não podemos desenvolver um mundo espacial estável até que aprendamos a interpretar as informações de nossos sentidos em termos espaciais. No entanto, podemos construir este mundo espacial baseados somente nas interpretações espaciais de dados sensoriais (CRAIK apud OLIVEIRA, 2007, p. 76). A importância da estruturação espacial, para a escrita foi afirmada por Ajuriguerra (1980, p. 290): Como sendo uma atividade motora que obedece a exigências muito precisas de estruturação espacial. A criança deve compor sinais orientados e reunidos de acordo com leis; deve, em seguida, respeitar as leis de 31 sucessão que fazem destes sinais palavras e frases. A escrita é, pois, uma atividade espácio-temporal muito complexa. k) estruturação temporal: o tempo é um conceito abstrato que deve ser construído na criança ao longo da vida. A palavra tempo é utilizada para designar os momentos de mudança. O homem se insere no tempo, nasce,cresce e morre, sendo sua atividade uma sequência de mudanças. Segundo Piaget (apud PICQ e VAYER, 1985, p.39): Nunca vemos nem percebemos o tempo como tal, uma vez que, contrário ao espaço ou à velocidade, ele não é evidente. Percebemos somente os acontecimentos, ou seja, os movimentos e as ações, suas velocidades e seus resultados. A criança apresenta maior dificuldade para assimilar o conceito de tempo. Inicialmente, ela sente a passagem do tempo, pelos seus próprios ritmos e necessidades biológicas (fome e sede que obedecem a uma organização rítmica, sincronizada pela alternância vigília-sono). Desta maneira, desde o nascimento, devem-se ajustar os ritmos corporais de uma criança às condições temporais impostas pelo ambiente (hora de se alimentar, tomar banho, dormir, acordar etc), para que haja uma organização da ritmicidade da mesma, que será o primeiro ponto referencial da informação temporal no decorrer do seu desenvolvimento, fazendo com que a mesma adquira a percepção do tempo (ALVES, 2004). Segundo Oliveira (2007) os principais conceitos que as crianças devem adquirir nas etapas da orientação temporal são: simultaneidade, ordem e sequência, duração dos intervalos, renovação cíclica de certos períodos. O ritmo, considerado um dos conceitos mais importante da orientação temporal, não envolve apenas a noção de tempo, mas de espaço, ordem, sucessão, duração e alternância. A combinação de tempo e espaço dá origem ao movimento. Ele traduz o intervalo de tempo a partir de três níveis: o ritmo motor, que é ligado ao movimento do organismo, como andar, correr, etc; o ritmo auditivo, que é trabalhado com algum movimento, sendo que muitas crianças não o percebem, e por último, o ritmo visual que exige uma transferência espaço-temporal. 32 l) percepção visual: de acordo com Fonseca (2008) ver é muito mais do que olhar, é essencialmente, compreender através dos olhos. Desta maneira, a visão torna-se o processo pelo qual o espaço (e tudo que nele está situado) é percebido como um todo, isto é, a visão surge como um receptor e analisador de estímulos espaciais, proximais e distais, e só depois a interpretação da imagem visual pode ser operada. Ainda de acordo com o autor acima citado, aprendemos a ver com todos os sentidos integrados (paladar, olfato, audição, visão, tato-cinestésico, etc.), também postural e comportamental situados e sustentados. Só a partir dessa dimensão comportamental se pode falar de percepção visual. Segundo Frostig (apud FONSECA, 2008), a percepção visual é, em síntese, a capacidade de reconhecer os estímulos, onde, além da recepção das impressões sensoriais captadas do mundo exterior e do próprio corpo, se incluem também a discriminação, a seleção e a identificação dos estímulos na sua correlação com as experiências anteriores ou similares. Sem percepção, o ser humano não pode receber qualquer mensagem do ambiente ou responder a ele de forma adequada. Sendo assim, a percepção visual, junto com a audição e com o sentido tátil- cinestésico, é um componente essencial e complementar do comportamento e da aprendizagem. Para Oliveira (2007) uma boa percepção visual possibilita à criança a retenção dos símbolos visuais apresentados, tais como letras, palavras, sinais de pontuação, desenvolvendo assim uma boa memória visual. Esta memória visual por sua vez desempenha papel importante para que a criança tenha condições de formar uma imagem visual das palavras, o que facilita o reconhecimento rápido e instantâneo dos símbolos impressos durante a leitura. No momento em que a criança tiver condições de discriminar as diversas letras, integrar os símbolos, desenvolver a memória visual, ela atingiu a organização visual, componente tão importante ao processo de leitura. m) percepção auditiva: é o resultado da integração das experiências com a organização neurológica, possibilitando o ser humano de responder aos estímulos auditivos. Os nossos receptores auditivos devem ser capazes de mandar as 33 estimulações sonoras para o cérebro que processará, selecionará e armazenará as informações na memória. A discriminação auditiva está muito ligada à atividade motora, mais precisamente com a escrita. (OLIVEIRA, 2007). De acordo com Morais (1986, p.36), ―uma perfeita discriminação auditiva pressupõe uma acuidade auditiva íntegra, mas uma acuidade auditiva integra não implica na perfeita discriminação dos sons‖. Percepção auditiva não tem o mesmo significado de acuidade auditiva. Para Morais (1986), a primeira é a capacidade de se perceber e discriminar auditivamente e sem ambigüidade todos os sons existentes na língua falada. Sendo a segunda a capacidade do ser humano de captar e notar a diferença entre vários sons e entre intensidades diferentes. Para Oliveira (2007) a memória auditiva é de fundamental importância durante o processo de aprendizagem da leitura, pois favorece a retenção, recordação das palavras captadas auditivamente. Neste período as crianças terão que associar o som percebido a uma grafia, sendo assim deverão ter uma boa discriminação auditiva, além da capacidade de simbolização, decodificação e memorização. 2.4 DESENVOLVIMENTO CRONOLÓGICOPSICOMOTOR O desenvolvimento humano é um processo longo e gradual de mudanças, envolvendo de forma integrada o crescimento, a maturação, as experiências pelas quais o ser humano passa e suas adaptações ao meio no qual se encontra inserido. Entendendo que o ser é biopsicossocial, o desenvolvimento se dá nos aspectos físicos ou motor, afetivo, social ou relacional e cognitivo. De acordo com Rosa Neto (2002) desde o momento da concepção, o organismo humano tem uma lógica biológica, uma organização, um calendário maturativo e evolutivo, uma porta aberta à interação e à estimulação. Entre o nascimento e a idade adulta processam-se profundas modificações que só terminam com a morte. Segundo Ferreira (2000), o desenvolvimento humano segue alguns princípios básicos, que devem ser ressaltados, são eles: 34 Desenvolvimento céfalo-caudal – o desenvolvimento é ordenado e previsível, onde as primeiras aquisições se iniciam na região da cabeça e evoluem em direção aos pés. Desenvolvimento próximo-distal – segue a direção da região central (eixo corporal) para as extremidades. O controle dos movimentos processa-se do tronco para os braços, mãos e dedos. Desenvolvimento geral para específico – os movimentos vão inicialmente ser simples e generalizados e mais tarde específicos e refinados. O processo de desenvolvimento humano é perpetuado e garantido nas relações sociais – sendo a educação um dos principais processos da relação humana - e se apresenta como uma forte indutora da constituição das funções mentais superiores, por meio da interação e/ou cooperação entre indivíduos em diferentes espaços e contextos sócio-históricos (ALVES, 2004). Tanto as crianças quanto os adultos apresentam certos padrões de desenvolvimento ao longo da vida que são previsíveis, independente da cultura, do meio sócio-econômico do qual fazem parte. A seguir apresentamos uma síntese do desenvolvimento psicomotor desde o nascimento até aos dez anos de vida, enfatizando a faixa etária de três a seis anos, que compreende a Educação Infantil, mais especificamente a pré-escola, objetivo deste estudo. Capacidades Motoras Referem-se à capacidade do ser humano modificar o seu próprio ambiente, ou seja, mostrar que é capaz de fazer, de agir e faz parte do seu desenvolvimento psicomotor. Durante os primeiros anos de vida, ocorrem mudanças significativas em relação à capacidade de movimento dos seres humanos. A criança passa de uma total dependência dos pais e cuidadores; e do movimento incoordenado e descontrolado, para um bom controle e coordenação, surgindo numerosas habilidades motoras e uma completa autonomia. As etapas do desenvolvimento da 35 criança têm uma base genética, mas as potencialidades inatas só se desenvolvem na medida em que encontra um meio favorável (LE BOULCH, 1986). De acordo com Tani et al. (1988), há dois subestágios que marcam os diferentes momentos de níveis de aquisição em relação às capacidades motoras. São eles: As aquisições do primeiro ano de vida que culminam com a capacidade de locomoção independente, determinado em grande parte pela maturação, visto que dependem de força muscular, reflexos antigravitacionais e um mínimo funcionamento do mecanismo de equilíbrio. Do segundo ao sexto ano de vida, quando ocorre um aperfeiçoamento e um controle de todas as habilidades motoras essenciais (caminhar, correr, saltar, arremessar, quicar, chutar, etc); época em que se chega ao domínio e ao conhecimento das partes do corpo e de habilidades essenciais para novas aprendizagens motoras. Primeiro ano de vida Desde o nascimento, o bebê está em constante luta para dominar o meio ambiente e poder sobreviver nele. Nos primeiros estágios de desenvolvimento, a interação básica do bebê com o ambiente ocorre através dos movimentos. Passa de alguns movimentos iniciais involuntários a um maior controle destes. O meio no qual o bebê crescerá, irá influenciar seu desenvolvimento geral a curto e longo prazo. Nesta fase, o bebê está provido de uma série de reflexos arcaicos, ou seja, movimentos não controlados conscientemente, pois se trata de respostas a estímulos externos que não passam pela zona do córtex cerebral. Os reflexos compartilham, com o resto do processo evolutivo e com as características dinâmicas da maturação infantil. Enraizados no processo de maturação, eles se desenvolvem, se modificam, se adaptam às circunstâncias do momento, do meio, da saúde geral da criança, da sua idade, do seu temperamento, fornecendo o ritmo de seu desenvolvimento psicomotor. Assim, seu sistema nervoso central está preparado 36 para iniciar uma maturação muito importante, que será à base de todo o desenvolvimento psicomotor posterior (CORIAT, 2001). Os princípios básicos que regem o desenvolvimento neuromotor, baseiam-se nas leis cefalo-caudal e próximo-distal, através do quais ocorre o processo de mielinização (recobrimento das células e das ramificações nervosas de mielina que facilita a efetivação de conexões nervosas). Ele inicia-se na cabeça e gradualmente vai passando para as partes distantes (os pés) e, também, começa nas partes mais próximas ao eixo da coluna vertebral e vai para as zonas mais distantes desse eixo (os dedos das mãos e dos pés). Desta forma, o bebê nasce com seus reflexos (de sucção, de preensão, movimentos automáticos, etc.) e com um sistema nervoso que está preparado para uma maturação constante, que permite passar desse movimento involuntário, que representa os reflexos, a outro, consciente e voluntário que é à base do movimento humano. A existência dos reflexos no momento do nascimento e o seu desaparecimento posterior indicam que a maturação do sistema nervoso central segue o caminho correto (GESELL, 1996). Com um sistema nervoso central íntegro o bebê, então, começa a dominar três categorias básicas de movimento para sobreviver e para interagir, de modo efetivo e eficiente, com o mundo. Primeiro, deve estabelecer e manter certa relação do corpo com a força da gravidade, a fim de atingir uma postura sentada ereta e uma postura em pé ereta (estabilidade), depois deve desenvolver habilidades básicas a fim de movimentar-se pelo ambiente (locomoção) e por último deve desenvolver as habilidades rudimentares de alcançar, segurar e soltar para fazer contatos significativos com os objetos (manipulação) (GALLAHUE, 2003). Os movimentos rudimentares acontecem por volta de cinco meses, quando a criança agarra com toda a mão os objetos que estão ao seu alcance e os explora, colocando-os na boca. Aos poucos, vai fazendo movimentos mais precisos, evoluindo de uma preensão cúbito-palmar difusa, para uma radial e mais tarde preensão em pinça fina, utilizando o polegar em oposição com os quatro dedos da mão, o que lhe permite apanhar objetos pequenos, segurando-os com precisão. 37 O bebê utiliza as mãos para explorar o mundo à sua volta e o seu corpo, podendo coordenar as mãos e desassociar delas os movimentos. Constantemente suas ações informam-lhe sobre o funcionamento dos objetos e das pessoas que ali estão ajudando no ponto de vista da evolução de suas capacidades cognitivas. Nessa evolução, intervém a maturação do sistema nervoso central, todo o crescimento ósseo e muscular, como também as experiências afetivas que o bebê possui com as outras pessoas e objetos à sua volta (COSTE, 1997). Durante o decorrer do primeiro ano, costuma-se estudar a maturação do tono muscular (estado de tensão permanente dos músculos), que varia desde uma hipotonia total (pouca tensão muscular), até uma tensão ajustada à situação. Isso permite lembrar que durante o primeiromês o recém-nascido passa a maior parte do tempo deitado, não conseguindo ainda um bom controle de cabeça. Suas extremidades ainda estão muito flexionadas e aos poucos, seu tono muscular vai aumentando. Graças à maturação do sistema nervoso, ao final do terceiro mês, mantém a cabeça ereta quando colocado sentado. Gradativamente há aumento do tônus do seu tronco e da cabeça e, por volta dos cinco meses, consegue conservar-se sentada quando colocada. Nesse período começa a exploração do ambiente através do arrastar, engatinhar. Com sete para oito meses já consegue sentar-se sozinha. Em torno dos nove meses mantém-se de pé com apoio e por volta dos dez ou doze meses inicia a marcha bípede com e sem ajuda reorganizando novas aquisições motoras para que progressivamente e de forma definitiva conquiste a segurança gravitacional. Segundo Fonseca (2008) para a criança manter-se de pé é necessário a integração das sensações de todos os músculos, tendões e articulações do corpo, incluindo os músculos do pescoço e dos olhos, daí ser um dos eventos mais importantes e mais significativos no desenvolvimento da criança de tenra idade. De uma maneira geral, as sensações emergidas do corpo da criança e da sua motricidade interativa, jogo, imitação, vinculação, afiliação, atenção e observação, possibilitam a estimulação das áreas cerebrais que estão envolvidas na compreensão e utilização dos sons (FONSECA, 2008). 38 Do segundo ao sexto ano de vida A partir dos dois anos de idade a criança torna-se mais ativa, adquirindo consciência de si mesmo, o que de certa forma leva a uma ampliação do seu universo social e individual. Nesta fase de acordo com Gesell (1996), o avanço no domínio do conhecimento do corpo e de suas possibilidades no espaço e no tempo são elementos fundamentais a partir dos quais se analisam as capacidades das crianças, sendo delimitada desde o segundo ano de vida até aos seis anos. Compreendendo, pois, o desenvolvimento do esquema corporal (entendido como a representação que a criança tem de seu corpo, de seus segmentos e de suas próprias possibilidades e limitações de movimento e de ação) e também da organização espaço-temporal. A construção do esquema corporal da criança se dá a partir da maturação neurológica, da evolução sensório-motora e da relação com o corpo do outro num espaço e tempo. Esta etapa será importante na evolução da imagem do corpo, sendo este o instrumento de inserção da criança à realidade (LE BOULCH, 1986). Durante este período, a criança é uma autêntica exploradora do espaço, fazendo uso das aquisições locomotoras aprendidas anteriormente. Ela se move com vários padrões motores porque adquiriu uma consciência sensorial adicional sobre como o seu corpo funciona e sobre como o mundo físico e gravitacional que o cerca opera. Apanha coisas, manipula-as, atira-as para longe, empurra e puxa brinquedos, abre e fecha gavetas e portas, sobe e desce escadas, aventura-se a explorar o espaço fora de casa, promovendo oportunidades múltiplas à sua motricidade global e fina. Em geral, há uma gradativa dissociação motora, ou seja, capacidade motora, possibilitando um encadeamento de movimentos. Assim, seguindo a classificação dessas habilidades, podemos diferenciar entre as de locomoção e de deslocamentos as de não-locomoção e, portanto de estabilidade e equilíbrio, e, finalmente, as de projeção-recepção e manipulação. Sua interação com o mundo externo é um alimento essencial para a construção de seu mundo interior, ou seja, de sua própria identidade (FONSECA, 2008). 39 Ainda de acordo com este autor, as explorações motoras e corporais, vão possibilitar as crianças aprenderem, como a gravidade trabalha e como as diferentes partes do corpo se movem e interagem entre si, o que elas podem e o que não podem fazer. Todas estas sensações oriundas do seu corpo e de sua motricidade acabam por lhe proporcionar uma noção de si cada vez mais integradas. Para Le Boulch (1986) entre quatro e seis anos de idade, há uma harmonia entre o ritmo e o movimento, estabelecendo-se então a dominância lateral, ou seja, a simetria imaginária que divide o corpo em duas partes, denominadas de direita e esquerda, servindo de base a uma melhor organização do corpo no espaço. Em relação à orientação espaço-temporal, Oliveira (2007) coloca que a principal referência para a construção dessas noções será o próprio corpo da criança, e somente mais tarde ela poderá relativizar, à medida que começar a identificar-se em relação ao corpo de outras pessoas e ao meio. O processo de construção dos conceitos temporais tem muito a ver com as vivências da criança no decorrer do dia, sua rotina, o que faz antes de chegar à escola, na escola, em casa, hora do almoço, do banho, de dormir, acordar ou quando se exige que elas sigam ritmos de caminhar devagar ou rápido, ou mesmo pedindo a elas que ordenem uma história em sua sucessão lógica entre outros. As noções temporais e espaciais servirão de base para o desenvolvimento cognitivo e para aprendizagems de conceitos importantes durante o processo de alfabetização na fase da pré-escola. Do sétimo ao décimo ano de vida. Com sete anos, a criança apresenta plena integração do corpo estando pronta para as aprendizagens escolares, já consegue uma auto-organização e boa concentração, podendo processar informações simultânea e sequencial com seus receptores sensoriais proximais e distais, para poder fazer uso de um controle postural desenvolvido e auto-regulado (FONSECA, 2008). 40 Nesta fase a dominância lateral já esta definida, reconhecendo a lateralidade no outro, sua noção de temporalidade vai se aperfeiçoando, começa a conseguir ver horas, mas não os minutos. Aos oito anos, a criança já possui um sistema tátil - cinestésico bastante evoluído. Consegue captar, decodificar, compreender e associar muita informação auditiva, falando e explicando-se de forma adequada para exprimir suas necessidades e interesses (FONSECA, 2008). De acordo com Gesell (1996), por volta de nove anos, os movimentos habituais se tornam mais ágeis, sua postura é mais relaxada e sua percepção mais aguçada. Já é capaz de combinar simultaneamente os movimentos dos membros superiores e inferiores, equilibrando força muscular e habilidades específicas. 2.5 FORMAS DE INTERVENÇÃO PSICOMOTORA As formas de intervenção se subdividem em: estimulação, educação, reeducação e terapia Psicomotora. Estimulação psicomotora É a possibilidade de acompanhar de forma harmoniosa o desenvolvimento normal do bebê. De acordo com Lévy (2004) caracteriza-se por atividades que dão atenção e vão ao encontro das condições que o ser humano apresenta, acompanhando seu estado maturacional, procurando despertar o corpo e a afetividade através de movimentos em forma lúdica, buscando uma harmonização constante. Assim, estimular significa despertar, desabrochar o movimento. De forma geral, dirige-se aos recém-natos e às crianças da Educação Infantil e pré-escolares. Educação psicomotora A partir do nascimento, com o corpo em movimento inicia-se a educação psicomotora, abrangendo todas as aprendizagens da criança e favorecendo seu desenvolvimento biopsicossocial, processando-se por etapas progressivas e específicas de acordo com o ritmo maturacional de cada indivíduo. Dirige-se 41 basicamente às crianças em fase escolar, mais especificamente Educação Infantil e pré-escola. Pode ser realizada pelos familiares, pelos cuidadores com a participação dos educadores que possuem conhecimento sobre o desenvolvimento psicomotor infantil. Vários autores, citados a seguir, dão ênfase a essa
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